Ouvidoria de Justiça BIBLIOTECA DE FILOSOFIA, SOCIOLOGIA E TEORIA DO DIREITO COORDENAÇÃO: FERNANDO RISTER DE SOUSA LIMA Ouvidoria de Justiça CIDADANIA PARTICIPATIVA NO SISTEMA JUDICIÁRIO 1 José Antonio Callegari 2 CONSELHO EDITORIAL DA BIBLIOTECA DE FILOSOFIA, SOCIOLOGIA E TEORIA DO DIREITO Artur Stamford da Silva Clarice von Oertzen de Araujo Fabiana Del Padre Tomé Fernando Rister de Sousa Lima Florence Cronemberger Haret Francisco Carlos Duarte Germano Schwartz João Ibaixe Jr. José Elias de Moura Rocha Laffayette Pozzoli Mara Regina de Oliveira Marcelo Pereira de Mello Marcio Pugliesi Ricardo Tinoco de Góes Tercio Sampaio Ferraz Jr. Vittorio Olgiati Willis Santiago Guerra Filho Presidente do Conselho Editorial e Coordenador da Coleção: Fernando Rister de Sousa Lima ISBN: 978-85-362-4699-4 Brasil – Av. Munhoz da Rocha, 143 – Juvevê – Fone: (41) 4009-3900 Fax: (41) 3252-1311 – CEP: 80.030-475 – Curitiba – Paraná – Brasil Europa – Rua General Torres, 1.220 – Lojas 15 e 16 – Fone: (351) 223 710 600 – Centro Comercial D’Ouro – 4400-096 – Vila Nova de Gaia/Porto – Portugal Editor: José Ernani de Carvalho Pacheco C157 Callegari, José Antonio. Ouvidoria de justiça: cidadania participativa no sistema judiciário./ José Antonio Callegari./ Curitiba: Juruá, 2014. 194p. (Biblioteca de Filosofia, Sociologia e Teoria do Direito) 1. Sistema judiciário. 2. Ouvidoria. I. Título. CDD 340 (22.ed.) CDU 340 Visite nossos sites na internet: www.jurua.com.br e www.editorialjurua.com e-mail: [email protected] Ouvidoria de Justiça José Antonio Callegari Ouvidoria de Justiça CIDADANIA PARTICIPATIVA NO SISTEMA JUDICIÁRIO Curitiba Juruá Editora 2014 3 Ouvidoria de Justiça 169 Capítulo V CONSIDERAÇÕES FINAIS Estado Republicano Estabelecemos como hipótese de trabalho que a progressiva consolidação do Estado republicano vem permitindo o desenvolvimento de mecanismos de controle dos atos praticados pelos gestores públicos. Ao traçarmos o desenvolvimento histórico das Ouvidorias, delimitamos dois marcos temporais: Ouvidoria colonial e Ouvidoria republicana. Logicamente, a Ouvidoria colonial atuou fora do Estado republicano. Em que pese este fato histórico, é no período colonial que começa a se estabelecer uma esfera pública que progressivamente irá reclamar maior participação política, ocupando postos e cargos no interior do Estado. Os movimentos de transformação social e as rupturas irão ocorrer sucessivamente até chegarmos à Proclamação da República. A nossa história republicana é marcada por várias rupturas, conforme as transformações sociais, políticas, econômicas e tecnológicas ocorridas ao longo do tempo. Segundo os publicistas, cada vez que a nação se organiza politicamente através de um texto constitucional nasce um novo Estado com nova conformação política e jurídica. Assim, para cada Constituição federal tivemos um novo Estado de Direito. Desta forma, as Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946, 1969 e 1988 delineiam o perfil de um novo pacto tendo como ponto em comum a forma republicana e federativa da organização político-social. As Ouvidorias de Justiça foram incluídas no texto constitucional através da EC 45/04. Inseridas em uma Constituição republicana, não podemos deixar de reconhecê-las como parte integrante deste processo de consolidação do Estado Republicano como suposto. José Antonio Callegari 170 Democracia, participação e controle social As Ouvidorias de Justiça foram criadas no contexto da abertura política desde os anos 80. Integram um elenco de outros canais de participação que se multiplicaram no Brasil durante o período de abertura política. Os anos de regime ditatorial deixaram suas marcas também nas Instituições que se mantinham opacas, ineficientes e alheias ao diálogo natural em regimes democráticos. Na época, as praças públicas se enchiam de comícios e manifestações culturais para conscientizar e ativar a cidadania oprimida. Buscava-se resgatar o papel da sociedade como agente principal do jogo político. Analisando os desafios do controle social na atualidade, Bravo e Correia (2012) vão traçar um perfil do contexto em que emergiram tais canais de participação71. Sustentam que a expressão controle social entre nós procura enfatizar a relação entre Estado e sociedade civil. Afirmam que tal expressão tem sido utilizada como sinônimo de controle da sociedade civil sobre as ações do Estado. Assim, sugerem uma inversão nesta relação. Procuramos reproduzi-la neste quadro: Regime antidemocrático Regime democrático Estado controla a Sociedade Sociedade controla o Estado A inversão dos polos nesta relação é muito significativa provocando efeitos práticos substanciais que afetam a vida de todos nós. No contexto de redemocratização do Estado brasileiro é possível supor que qualquer movimento de abertura sistêmica e aproximação, como sugerido nos sites das Ouvidorias de Justiça, revela certa adequação das instituições aos paradigmas do Estado Democrático de Direito; mesmo que tal movimento de aproximação ocorra de forma lenta, gradual e progressiva, com todas as deficiências que o aprendizado democrático produz, sobremaneira no Poder Judiciário historicamente tão afastado da vida dos comuns cidadãos. Citando Machado (2012, p. 3), esclarecem que o controle social implica capacidade de as forças sociais influenciarem a formulação, a execução e a avaliação das políticas públicas. 71 Ao falarmos de participação e cidadania, devemos considerar o que diz Juliana: “No quadro do constitucionalismo, os direitos humanos reaparecem (reentry) no quadro das constituições como direitos fundamentais – direitos não mais decorrentes da qualidade de homem, mas direitos de cidadania, ou seja, de pertinência a uma comunidade política”. (NEUENSCHWANDER MAGALHÃES, 2005, p. 486) Ouvidoria de Justiça 171 O estudo de Bravo e Correia é fortemente crítico, analisando o papel do Banco Mundial na formulação das matrizes que subsidiaram as reformas administrativas, supostamente comprometidas com a participação da comunidade no controle social. Em sua análise crítica, parece-nos que elas distinguem o que seria participação efetiva e participação legitimadora das classes subalternas. Em nossa leitura, participação efetiva seria aquela capaz de atuar sem que por traz da ação estivesse um propósito dirigido por outrem. No caso da participação subalterna, haveria um dirigismo “oculto” que retira delas a espontaneidade e a capacidade real de intervenção social. Como exemplo de controle social, indicam os conselhos municipais nos quais membros da comunidade podem exercer a função de conselheiros, equilibrando correlação de forças e participando da formulação, execução e fiscalização das políticas públicas adotadas. A quem trate o controle/participação social como: um espaço de representação da sociedade, onde se articulam diferentes sujeitos, com suas diversas representações: movimentos populares, entidades de classe, sindicatos, governo, entidades jurídicas, prestadores de serviço, entre outros, e uma população com suas necessidades e interesses que envolvem o indivíduo, família e grupos da comunidade. (ASSIS; VILLA, 2003, p. 377) Para elas, o controle social consiste em canais institucionais de participação na gestão governamental. Nele atuariam novos sujeitos coletivos nos processos decisórios. Não seriam meras extensões burocráticas e executivas. Sintetizariam formas de organização autônoma da sociedade civil, por meio de organizações independentes do Estado. Analisando o controle social no âmbito da administração da saúde, sustentam que: O controle social aqui não é tratado como forma de o Estado manter a ordem e a coesão social em torno de um projeto hegemônico, mas a participação efetiva da sociedade sobre as ações do Estado, representada em última instância pelas instituições que são responsáveis pela gestão da saúde, cabendo, portanto, uma participação efetiva do sujeito/cidadão na definição das políticas de saúde no cenário local, regional e nacional. (ASSIS; VILLA, 2003, p. 379) Segundo as autoras, o controle social e a democratização da informação se reforçam mutuamente. Haveria no caso um processo de democratização do acesso à informação. 172 José Antonio Callegari A propósito, as Ouvidorias de Justiça consultadas afirmam que vem atuando neste sentido. Resta saber se na prática existe algum tipo de limite a este acesso. Questões de sigilo e confidencialidade justificariam sua restrição? E se assim for, haveria no caso alguma incompatibilidade com a democratização sugerida? Ao que parece cada caso merece tratamento diferenciado, sob o risco de se provocar uma devassa na vida dos servidores públicos que ofende as garantias da pessoa humana como direitos fundamentais. Por suposto, a democratização do acesso à informação é um direito sim, mas talvez se justifique certa restrição quando o acesso pretendido exorbite os limites do razoável e da necessidade real de informação. De toda forma, esta é uma questão recente entre nós. Por anos a fio, fomos subjugados pelos aparelhos do Estado detentores de informações de nosso interesse e tão opacos em seus procedimentos, quando não tirânicos. Por certo, o debate irá suscitar reflexões sobre o estabelecimento de um marco ético na conduta de requerentes e requeridos, principalmente porque a abertura que se ensaia vem expondo as entranhas da máquina do Estado onde se encontra de tudo: nepotismo, corrupção, traição, crimes de lesa humanidade e as mais aviltantes formas de violação dos direitos humanos. Estariam as Ouvidoria aptas a garantir o real acesso às informações, ou sucumbirão diante de negativas dos altos escalões envolvidos em sórdidas tramas políticas. Ao fim e ao cabo restaria ao cidadão recorrer ao Poder Judiciário ou a alguma corte internacional de justiça para concretizar o direito de acesso prometido? No contexto da participação democrática, encontramos no site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome a seguinte definição de controle social: O controle social é a participação do cidadão na gestão pública, na fiscalização, no monitoramento e no controle das ações da administração pública no acompanhamento das políticas, um importante mecanismo de fortalecimento da cidadania. (Disponível em: <www.mds.gov.br/ bolsafamilia/controlesocial>. Acesso em: 27 fev. 2013) No caso do controle do Bolsa Família, tal mecanismo é concebido no contexto de uma parceria entre Estado e sociedade que possibilita compartilhar responsabilidades, proporcionando transparência às ações do poder público. A este respeito, Bravo e Correia (2012, p. 6) advertem: Assim, os conselhos podem se constituir em mecanismos de legitimação do poder dominante e cooptação dos movimentos sociais, que em vez de Ouvidoria de Justiça 173 controlar passam a ser controlados. Foi nessa perspectiva que aconteceu o discurso participacionista e de controle social no governo Fernando Henrique Cardoso, na busca das parcerias com a sociedade para enfrentar os problemas sociais de forma solidária, controlando os gastos que deveriam ser mínimos, racionalizados e eficazes. Este é o controle social que interessa às classes dominantes e é funcional para a preservação do seu domínio. (BRAVO; CORREIRA, 2012, p. 6) Lembremos que De Paula, ao discorrer sobre o modelo de gestão gerencial do governo Cardoso, advertiu sobre a criação de uma elite burocrática neopatrimonialista; e o próprio Bresser Pereira, ao que parece, defendeu que seu foco de atenção era o alto escalão do serviço público, além de adotar uma estratégia de convencimento do funcionalismo de baixo escalão a respeito dos “benefícios” das reformas. A estratégia de convencimento levava a crer que o baixo escalão do funcionalismo, como classe social subalterna, participaria do controle social e da construção de um Estado republicano mais democrático, quando na verdade foram excluídos desta participação “prometida” no discurso oficial. Considerando que os teóricos da Nova Administração Pública fazem referência a Jürgen Habermas para justificar a estratégia de reforma do Estado, julgamos conveniente tratar da participação social neste contexto. A crítica de De Paula e os argumentos de Bravo e Correia nos levam a considerar a possibilidade de desvio na aplicação prática da teoria habermasiana. Em várias ocasiões, o então Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), afirmou expressamente que se utilizava de uma estratégia de convencimento para confundir seus críticos e, com isto, vencer resistências, conquistar adesões e aprovar a Reforma Administrativa. Evidente que o Governo Federal utilizou a estratégia de convencimento para atrair a adesão do funcionalismo de baixo escalão. No entanto, parece-nos que a citação de Habermas pelos reformistas não se mostra muito apropriada. Quando o filósofo de Frankfurt defende o direito como elemento de mediação social, pretende estabelecer procedimentos deliberativos nos quais os sujeitos envolvidos atuem com sinceridade de propósito em busca do bem comum. Para Habermas, ações de entendimento não se confundem com ações estratégicas que atendam ao interesse de uma das partes. O consenso social, em um Estado Democrático de Direito, requer sinceridade no diálogo estabelecido. No caso brasileiro, não podemos esquecer que o todo poder emana do Povo72. Em termos de cidadania absoluta, não haveria 72 “Art. 1º. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. 174 José Antonio Callegari necessidade de se discutir a legitimidade do povo quanto ao exercício do controle social direto e indireto, pois todo o poder emana dele. Analisando a questão da soberania absoluta, Juliana Neuenschwander Magalhães revela o quanto de insinceridade pode conter a fórmula da soberania popular: A fórmula da soberania absoluta vinha ocultar o paradoxo da soberania como explicação para a fundação da política e do direito. O que não se tem em conta é que, mesmo uma concepção de uma soberania política que estabelecia o próprio direito como sendo uma “ordem do soberano”, ou seja, como fundado na política, o poder político aparece sendo, sempre, um poder ilimitado de autolimitação. Mesmo Jean Bodin havia afirmado que os limites (lois fondamentales ou colére publique) a que o soberano se submetia serviam, apenas, para o fortalecimento do seu poder. (NEUENSCHWANDER MAGALHÃES, 2005, p. 487) Em sua análise realista, sustenta que: Soberania popular é um princípio democrático que é recebido como o fundamento da ordem jurídica estatal que emergiu das revoluções. Mas, também aqui, sob uma condição: que o povo, enquanto soberano, não decide nada. (NEUENSCHWANDER MAGALHÃES, 2005, p. 490) A linha de raciocínio sobre o trabalho das Ouvidorias segue este tom crítico a respeito de sua capacidade de atender às expectativas do cidadão: ser ouvido como um do povo, dotado de parcela da soberania popular. O que falta na discussão é enfrentar o conteúdo do discurso legitimador das ações reformistas. Estamos com Bravo e Correia quando afirmam que: os conselhos podem se constituir em mecanismos de legitimação do poder dominante e cooptação dos movimentos sociais, que em vez de controlar passam a ser controlados. (BRAVO; CORREIRA, 2012, p. 6) Concentrando a atenção nos procedimentos de participação social e ativação da cidadania, seria imperioso perguntar se os sistemas de controle implementados cumprem realmente a função social que lhes conferem os teóricos reformistas. Ouvidoria de Justiça 175 Para termos uma ideia mais ampla, observemos a página da Consocial73, onde encontramos várias propostas de implantação de mecanismos de controle social. Dentre elas, algumas fazem referência expressa à Ouvidoria. Na proposta de n. 3, pretende-se fortalecer o sistema de controle interno, tornando obrigatória a criação de estrutura de controle interno em todas as esferas do governo municipal, estadual e federal. Com isto, procura-se implantar corregedorias, auditorias, controle interno e ouvidoria em todos os órgãos da Administração Pública. A proposta de n. 11 incentiva a criação de Observatórios de Controle Social (OCS) em todos os municípios brasileiros, formados por representantes da sociedade civil, que não tenham cargos de confiança ou similar em governos e/ou partidos políticos. Por sua vez, a proposta n. 17 procura garantir obrigatoriamente, por meio de lei, cargo de ouvidor nas três esferas de governo, garantindo uma estrutura com autonomia articulada ao Sistema Nacional de Ouvidorias. Os Ouvidores devem ser capacitados para o exercício da função. O sistema seria fiscalizado por um conselho paritário, garantindo-se o sigilo e a proteção do denunciante. O cargo de Ouvidor seria preenchido por meio de concurso público específico. Nesta proposta consta ainda a previsão para criação de Ouvidoria Geral do Governo, devendo desempenhar atividades de fiscalização constante, avaliação sistemática, e realização de pesquisa de satisfação de qualidade dos serviços públicos, e com sua obrigatoriedade garantida constitucionalmente. Por fim, a proposta n. 26 sugere a criação e fortalecimento de Ouvidorias públicas municipais, estaduais e federais abrangendo todos os setores públicos, com ampla divulgação de telefone tridígitos, 0800, “site”, “e-mail” e ferramentas para acessibilidade de pessoas com deficiência. As Ouvidorias devem, neste caso, subsidiar o controle interno, articulando-se com as atividades do sistema interno a que faz referência o art. 74, essenciais ao funcionamento da Administração Pública. As propostas examinadas sugerem que elas atuam como mecanismos que auxiliam o controle interno das instituições públicas. Neste ponto, devemos chamar a atenção para o funcionamento do Defensor del Pueblo e Ministério Público como autênticos órgãos de controle externo. Sobressai o fato de que elas dispõem de estrutura, pessoal, orçamento e fontes normativas próprias, dotados, pois, de alto grau de autonomia e poder de intervenção, até mesmo pela via judicial. 73 Consocial: Conferência Nacional sobre transparência e controle social (Controladoria – Geral da União). José Antonio Callegari 176 No caso das Ouvidorias de Justiça, como tantas outras Ouvidorias públicas, falta-lhes a autonomia necessária para atuarem como mecanismo de controle social. Até porque os cidadãos não integram os seus quadros como ocorre nos conselhos comunitários. Além disto, elas não possuem poder decisório. Assim sendo, falta-lhes capacidade de intervenção no funcionamento das unidades judiciárias. Note-se que o art. 103-B da Constituição Federal assegura a criação de Ouvidorias de Justiça, deixando de tratar de questões práticas relevantes: estrutura, pessoal, orçamento, bases normativas de atuação. Desta forma, o funcionamento delas depende dos gestores dos Tribunais. Basta ver as pretensões deduzidas pelo Colégio de Ouvidores: ampliação de sua autonomia, que os ouvidores não acumulem outras funções, que elas passem a integrar a estrutura institucional dos tribunais, etc. Logo, tamanha indefinição e manifesta dependência funcional não as credenciam como canais de controle social do tipo habermasiano. Quando muito, atuam como canais que auxiliam o controle interno. Neste sentido luhmaniano, podem auxiliar as funções de observação, seletividade, redução de complexidade, contribuindo para decisões que aprimorem o funcionamento deste subsistema social. Diante das possibilidades interpretativas, é possível sustentar que as Ouvidorias podem atuar como mecanismos de controle externo ou controle interno, dependendo da perspectiva e do fundamento teórico utilizado. Considerando a fala das Ouvidorias de Justiça e sua posição nos organogramas74 dos tribunais, não vemos como lhes conferir a função de controle social externo. Diante de tudo que foi descrito até agora, supomos o seguinte quadro de controle: Controle Social Externo Conselhos comunitários Sindicatos Associações Observatórios Organizações não governamentais Controle Institucional Externo Interno Tribunal de Contas Ouvidoria Ministério Público Corregedoria Auditorias Chefia imediata Comissões parlamentares Presidência Ouvidoria externa Colegiados internos Agências reguladoras 74 Anexo. Ouvidoria de Justiça 177 Com base no art. 103-B da Constituição federal, nas informações coletadas nos sites das Ouvidorias de Justiça e no fato de que elas integram as estruturas administrativas dos Tribunais, nós as classificaríamos como canais que auxiliam o controle institucional interno. Além das questões classificatórias e do possível debate sobre o funcionamento sistêmico das Ouvidorias, podemos avançar na problematização do tema. Diante da pressão crescente, com base em normativas internacionais e financiamento direto do Banco Mundial, os sistemas de controle implementados não poderiam ativar uma cultura fiscalizadora (panóptica)? Haveria o risco de se desenvolver o medo generalizado diante da fiscalização total? Estaríamos criando jaulas de ferro weberianas, diante da multiplicação de controles superpostos, invertendo a relação entre meio e fim? Qualquer proposta para melhoria do funcionamento sistêmico das instituições, cremos, deve considerar o clima organizacional e como o ambiente amplamente fiscalizador pode afetar as relações entre as pessoas e delas com as instituições. A criação de espaços panópticos pode revelar uma estratégia de captura dos movimentos sociais de controle pelo Estado. As relações promíscuas de financiamento (nacional e internacional) de organizações sociais que no fundo atuam como ponta de lança das ideologias de governantes sugere isto. No contexto das Ouvidorias republicanas, perceba-se que elas surgiram entre nós na esfera pública não estatal, sendo aos poucos incorporadas por instituições públicas. Assim, abriu-se espaço para um tipo de dominação institucional que as tornou cada vez mais dependentes. Esse movimento da captura pode justificar a criação de sistemas nacionais cujo propósito é controlar o trabalho por elas desenvolvido, ampliando o controle institucional hierarquizado. Outra disfunção diz respeito ao risco de patrulhamento e denuncismo no serviço público. A pretexto de ampliar o acesso do cidadão, dinamizando formas legítimas de controle participativo, a estratégia gerencial pode desenvolver um sistema de expiação de agentes públicos cujos serviços nem sempre são eficientes em razão de falhas nas políticas públicas implementadas. Para atuar, o servidor público depende de normas jurídicas de ação, estrutura, orçamento, um leque de instrumentos que permita concretizar as políticas de acesso e inclusão social que muitas das vezes são oferecidas ao cidadão sem estruturas mínimas de funcionamento. Criar condições que exponham o servidor público a críticas da sociedade para justificar as estratégias go- 178 José Antonio Callegari vernamentais merece consideração, pois estratégias desta natureza não condizem com o espírito ético que deve informar ações discursivas de entendimento. Outro risco deve ser considerado: desvirtuamento da função das Ouvidorias. Isto porque, elas podem estar desenvolvendo tarefas de coleta acrítica de manifestações dos usuários, perdendo-se em rotinas de controle que as desviam de sua atividade-fim. Diante disto, pensamos que a replicação de controles faz surgir um paradoxo. Observando o funcionamento do Sistema Nacional de Ouvidorias no CNJ e na CGU, notamos que elas passaram a monitorar o funcionamento interno dos tribunais e dos órgãos do Poder Executivo em vários aspectos, com ênfase no controle quantitativo. Até mesmo as unidades de Ouvidorias estão sob controle das Ouvidorias – Gerais e dos administradores dos sistemas. Assim, quem controla o rendimento alheio, sofre controle do seu próprio rendimento. Qual o interesse maior a defender, aquele do cidadão que se dirige às Ouvidorias ou das Ouvidorias que estão submetidas a outros mecanismos de controle e que devem atender aos interesses dos altos escalões de comando? Interpretar as Ouvidorias de Justiça e suas congêneres como mecanismos de ativação da cidadania requer uma visão de contexto. No caso brasileiro, há por trás delas um forte movimento de luta redemocratização nacional. A democracia, supomos, repousa como um corpo em equilíbrio instável. Segundo as leis da física, para manter um corpo em situação de equilíbrio há um sistema de forças atuando para anular a resultante final. Assim, as forças democráticas não cessam nunca de trabalhar. Caso contrário, o corpo social perde o equilíbrio alcançado e que aparentemente mantém-no em situação estática. Democracia seria um processo inacabado, como sugerido nesta passagem: Em razão, a qual Habermas denomina de comunicativa, não está pronta ou acabada, mas que se constrói a partir de uma argumentação que leva os envolvidos ao entendimento. Esta razão é interpessoal e não subjetiva; é processual, inacabada e não definitiva. De acordo com esta ideia, a esfera pública é um pedaço onde as partes envolvidas discutirão, sem coação ou utilização de força, sendo capazes de se reconhecer reciprocamente como geradoras de razão para o seu agir, capazes de argumentar sobre seus interesses, desejos, necessidades e expectativas. E diante disto, haverá a possibilidade de aperfeiçoamento da democracia, libertando-nos da sujeição tutorial do Estado. (HANSEN, G. L.; PEREIRA, J. E. T.; SILVA, R. D. da; BLANCO, S. M.; KALE, T. M., 2012, p. 112) Ouvidoria de Justiça 179 Inúmeras considerações podem ser desenvolvidas porque o tema é rico de significado. Para nos atermos à hipótese central do trabalho, podemos considerar que as Ouvidorias de Justiça: 1. Surgem no contexto de consolidação do Estado republicano; 2. Integram estruturas de controle institucional interno; 3. Como espaços dialógicos, podem contribuir para democratizar as relações entre Estado e Cidadão; 4. Neste sentido, refletem o desenvolvimento de uma cultura cidadã, atuando como mecanismos de ativação da cidadania participativa. 180 José Antonio Callegari