1 ESTUDOS ANTROPOLÓGICOS, FILOSÓFICOS E SÓCIO-CULTURAIS DO HOMEM 1 Aula 1 O objeto da Antropologia — A ciência antropológica desenvolveu-se a partir de várias origens distintas. Numa época antiga, os homens estavam interessados em países estrangeiros e nas vidas de seus habitantes. Heródoto (484aC-426aC) relatou aos gregos o que havia visto em muitas terras. Na Idade Média, Marco Polo (12541324), mercador veneziano, produziu relatos sobre estranhos povos do Extremo Oriente. O português Fernão Mendes Pinto (1510?-1583) escreveu um livro intitulado Peregrinação, que contava as suas façanhas na Índia e no Oriente. No século XVIII, Rousseau, Herder e Schiller tentaram construir, a partir de relatos de viajantes, um esboço da história da humanidade. No século XVIII, o inglês Edward Gibbon (1737-1794) escreveu Declínio e queda do Império Romano, que reconstitui a história da humanidade desde o segundo século da era cristã até a queda de Constantinopla nas mãos dos turcos em 1453. A Antropologia desenvolveu-se tardiamente em relação às outras ciências humanas. Seus primórdios estão na primeira metade do século XIX. Foi Jean-Batiste Lamarck (1744-1829) quem exerceu influência importante na construção de uma antropologia física. Influenciado por Lamarck, o cientista inglês Charles Darwin (1809-1882), aos 22 anos, fez uma viagem de cinco anos ao redor do mundo e, mais tarde, escreveu A Origem das Espécies (1859). Na Ilha de Galápagos, descobriu que a origem das espécies e a adaptação ao meio ambiente eram processos muito relacionados. Influenciado também pelo economista Thomas Malthus (1766-1834), para quem a população cresce mais que as fontes de alimentação, Darwin concluiu que só os mais aptos sobreviveriam à custa da morte dos outros. Tal processo Darwin chamou de seleção natural. Só em 1997 o Vaticano admitiu a teoria de Darwin, o evolucionismo. A teoria de Darwin, ao lado da Antropologia Física (craniologia), favoreceu interpretações racistas, motivando o aparecimento das idéias do criminalista italiano Lombroso ao final do século XIX. Segundo ele, esses caracteres perpetuar-se-iam nos descendentes do indivíduo adaptado. Depois, tanto na França como na 2 Alemanha, em meados do século XIX, vigorou uma antropologia física das raças, especialmente manifestada por uma craniologia comparada, que favorecia interpretações racistas. Esse pensamento evoluiu no começo do século XX para as famosas teses do criminalista italiano Lombroso, segundo as quais a tendência criminosa de uma pessoa tinha uma correspondência em seu aspecto físico — orelhas de abano, zigomas salientes. Franz Boas (1858-1942), judeu nascido na Vestefalia, na Alemanha, mas radicado desde o final do século XIX nos Estados Unidos, nas décadas de 20 e 30, contestou essas idéias racistas. Em 1933, quando houve a queima de vinte mil livros pelo nazismo, no pátio da Universidade de Heidelberg, as obras de Boas lá se encontravam em razão da repercussão que haviam tido na Alemanha. O aspecto mais inaceitável da obra boasiana para o regime nazista era a afirmação de que não havia uma raça judaica, assim como tampouco havia uma raça alemã e, acima de tudo, que não existiam raças superiores e inferiores, ou raças puras. É de lembrar o episódio que envolveu o atleta negro norte-americano Jesse (James Cleveland) Owens, nascido no Alabama, que ganhou quatro medalhas de ouro na Olimpíada de Berlim., em 1936, feito que só seria igualado em 1984 em Los Angeles por Carl Lewis. Irritado, Hitler saiu do estádio antes para não cumprimentar Owens, que derrotara o alemão Luz Long, a grande esperança nazista no salto em distância. Owens ganhou nos 100 e 200 metros e no revezamento 4x100 metros. Ao retornar para casa, Owens ficou mais ressentido ainda porque, além de não receber nenhum telegrama do presidente Franklin Roosevelt, continuou sem poder entrar em ônibus pela porta da frente e impedido de morar onde quisesse. Ganhou muito dinheiro, mas perdeu tudo e passou necessidade. Viveu a famosa síndrome do supercampeão incapaz de se adaptar à rotina dos simples mortais. Antropologia, ciência recente — Entre as diversas ciências humanas que emergiram da Revolução Intelectual dos séculos XVIII-XIX, a Antropologia foi a mais tardia de todas. A sua motivação inicial, o elemento deflagrador para que ela se tornasse uma ciência, decorreu do impacto do pensamento evolucionista e darwinista no século XIX. 3 Ao colocar-se em descrença a explicação bíblica exposta no Gênese, pela qual o homem nasceu de uma ação divina, o Ato da Criação, abriu-se caminho para que cientistas saíssem a campo, pelo mundo todo, atrás do chamado elo perdido, isto é, do antropóide ou hominídeo, o ser meio animal, meio humano, que hipoteticamente teria ligado, em algum tempo remotíssimo, o mundo natural ao mundo humano, a ponte que aproximara, num lugar incerto e obscuro do tempo, o símio do homem. Hoje, quem quer que esteja familiarizado com os fatos já não põe em dúvida que a nossa espécie evoluiu a partir de alguma forma inferior de vida. Simultaneamente a esta verdadeira caçada às formas pré-humanas, atrás dos vestígios últimos dos primatas, os interesses dos investigadores ampliaram-se para o estudo das sociedades ditas primitivas, acreditando que elas também mereciam serem submetidas ao crivo da racionalidade ocidental. Desta forma, a Antropologia começou a alargar-se, procurando determinar qual era a organização social das tribos e qual era o sistema de parentesco delas, como realizavam suas cerimônias de iniciação e de matrimônio, como procediam nos seus ritos religiosos e nos de sepultamento e de que maneira viam os céus e temiam os demônios. A Antropologia é, pois, o estudo do homem. Se bem que, como observou Malinowski, existam outras ciências que igualmente o fazem, tais como a Sociologia, a Psicologia, a História, a Economia e as Ciências Políticas, a Antropologia se distingue por incluir na sua área de estudo as questões de ordem físicas, anatômicas e estruturais do homem, atendidas pela chamada Antropologia Física, que trata o homem como um organismo físico, seguindo as pistas da sua evolução a partir das formas mais primitivas de vida. Antropologia física — Os antropólogos físicos, atuando quase como arqueólogos ou anatomistas, analisam o material fóssil esquelético das formas que estão dentro da descendência humana (múmias indígenas dos maias, astecas e incas, por exemplo) ou nas suas proximidades. Os resultados disso são classificados, graças à técnica do Carbono 14, também chamada como o Relógio do Carbono, numa certa seqüência de tempo, comparando anatomicamente suas descobertas com a estrutura física dos primatas atualmente existentes. O resultado chocou-se com a antiga 4 classificação feita pelo arcebispo de Usher, que datou a origem do homem no ano 4004 a.C., pois os antropólogos fizeram recuar o seu aparecimento para um milhão de anos atrás. Tratam ainda de observar e registrar cuidadosamente o comportamento dos símios, macacos e outros primatas dentro dos seus ambientes naturais e sob condições controladas de laboratório. Além disso, estudam no homem moderno suas diferenças epidérmicas, a cor dos olhos, a textura do cabelo, o tipo de sangue, a constituição do corpo (altura, envergadura) bem como outros fatores que caracterizam a espécie. Hoje, sabe-se que o chimpanzé e o gorila estão mais próximos do homem que o orangotango. A anatomia do chimpanzé é paralela à do homem, osso por osso, e órgão por órgão. Mesmo seu cérebro, embora relativamente muito menor em tamanho, é surpreendentemente semelhante. Seus sentidos de visão, olfato, audição etc. parecem ser quase iguais aos do homem, enquanto os seus processos mentais, na medida em que podem ser submetidos a testes, parecem ser quase idênticos aos das crianças de três a quatro anos de idade. Hoje, para a Antropologia, é certo que homens e macacos tiveram em algum lugar, num passado remoto, um ascendente comum, mas este ascendente está, há muito tempo, extinto. Os membros mais primitivos da família hominídea até agora vindos à luz são: o homem de Java, Pithecanthropus erectus, e o homem de Pequim, Sinanthropus pekinensis. Mas pelo menos duas outras espécies semi-humanas foram contemporâneas desses homens, embora ambas possam ser excluídas de nossa árvore genealógica. Uma delas, o Australopithecus africanus, encontrado na Rodésia, era um antropóide de capacidade craniana quase humana. Foi o mais humano dos antropóides conhecidos. O fóssil encontrado era de um menino de seis anos de idade presumivelmente. Mas o mais desnorteante dos fósseis semi-humanos é o conhecido como homem de Piltdown ou Eoanthropus Dawsoni, encontrado em Sussex, na Inglaterra. Tinha características simiescas na parte inferior do rosto. De muito maior interesse é o homem de Neanderthal, que parece ter ocupado a Europa e a Ásia. Era um indivíduo baixo, atarracado, tórax proeminente e, segundo parece, fortemente musculoso. Tinha braços e pernas relativamente curtos. Estava familiarizado com uso de instrumentos e do fogo. 5 Segundos cálculos recentes, crânios encontrados em 1967 na Etiópia não tem 160 mil anos, mas 195 mil, o que os torna os fósseis humanos mais antigos já descobertos. Na árvore genealógica humana, o homem moderno, ou Homo sapiens, seria a espécie vitoriosa dentre várias outras linhagens surgidas — e eventualmente extintas — após a separação de um ancestral comum com os chimpanzés, milhões de anos atrás. Uma mutação genética ocorrida 2,4 milhões de anos atrás pode ter iniciado a evolução da linhagem humana até a sua forma atual, após divergir de um ancestral comum com chimpanzés, mais de 7 milhões de anos atrás. O gênero Homo desenvolveu mandíbulas menores e cérebros maiores, enquanto chimpanzés e gorilas modernos têm cérebros menores e mandíbula avantajada. Educação Física nos tempos primitivos — A bibliografia menciona que o indivíduo trabalhava seu corpo desde os tempos primitivos, tomando como base os estudos antropológicos e desenhos das cavernas deixados por eles mesmos e também pela dedução. O homem das cavernas, por ser primitivo, precisava fazer esforço em diversos movimentos como subir em árvores, pular, saltar, lutar com animais e nadar para conseguir sobreviver, seja para se proteger, seja para se alimentar. Tinha em seu dia-a-dia uma atividade física regular. E ainda por não possuírem carros e transportes aéreos, escadas rolantes, motocicletas e outras facilidades para se deslocarem, precisava fazer longas caminhadas e viagens para se transportar de um lugar a outro, quando o local em que habitava perdia a fonte de água e alimento. Só bem mais tarde o homem aprendeu a plantar e colher seus próprios alimentos, o que ainda se tornou um esforço maior do que temos hoje em dia com a comodidade da vida "civilizada". Aliás, todo esse estudo nos faz crer que existe uma necessidade da movimentação do próprio corpo a fim de atingir a saúde e evitar as principais doenças desenvolvidas nos seres humanos. O que é constatado a cada dia pelas pesquisas científicas atuais. Portanto, a afirmação de que a educação física nos tempos primitivos já era praticada é apenas uma dedução feita pelos estudiosos. 6 Por que estudar Antropologia? — A Comissão Assessora de Avaliação da Área de Educação Física do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), órgão do Ministério da Educação, que elaborou em 2004 as diretrizes para o Exame de Desempenho dos Estudantes (Enade) dos cursos de graduação de Educação Física, defende a necessidade de um profissional de formação generalista, humanista e crítica, cuja intervenção fundamenta-se no rigor científico, na reflexão filosófica e na conduta eticamente responsável. Deve estar qualificado para analisar criticamente a realidade social, para nela intervir por meio das manifestações e expressões do movimento humano, visando à formação, a ampliação e o enriquecimento cultural das pessoas, para aumentar as possibilidades de adoção de um estilo de vida ativo e saudável. Deve ser capaz de demonstrar capacidade para pesquisar, conhecer, compreender, analisar e avaliar a realidade social. Deve apresentar postura profissional que reflita o comprometimento com os valores inspiradores da sociedade democrática, que implica respeitar a diversidade cultural. Deve ser capaz de compreender o papel social da escola no que diz respeito ao processo de sociabilização. Deve ser capaz de discutir, fundamentar e justificar a presença da Educação Física como componente curricular na escola. Deve ser capaz de relacionar os conteúdos da Educação Física com os fatos, tendências e fenômenos da atualidade. Deve ser capaz de diagnosticar os interesses, expectativas e necessidades das pessoas (crianças, jovens, adultos, idosos, pessoas portadoras de deficiência, de grupos e comunidades especiais) de modo a planejar, prescrever, ensinar, orientar, controlar e avaliar projetos e programas de atividades físicas, recreativas e esportivas. Deve demonstrar conhecimentos para participar, assessorar, coordenar e liderar equipes de discussão de políticas públicas e institucionais.