Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 4), 1999 Cicogna e cols. Artigo Original Restrição protéico-calórica na hipertrofia Efeito da Restrição Protéico-Calórica sobre a Função Mecânica dos Músculos Cardíacos Hipertrofiados Antônio Carlos Cicogna, Carlos Roberto Padovani, José Carlos Georgette, Flávio Ferrari Aragon, Marina Politi Okoshi Botucatu, SP Objetivo - Avaliar o efeito da restrição da ingestão alimentar (RIA) sobre o comportamento de músculos cardíacos hipertrofiados obtidos de ratos espontaneamente hipertensos (SHR). Métodos - Foram estudados músculos papilares isolados do ventrículo esquerdo (VE) de SHR e de ratos normotensos Wistar-Kyoto (WKY) com 60 dias de idade, alimentados com dieta ad libitum ou submetidos à RIA (50% da ingestão da dieta controle) durante 30 dias. A função mecânica dos músculos foi avaliada por meio de contrações isométricas e isotônicas. Resultados - A RIA acarretou: 1) redução no peso corpóreo e no peso do VE dos animais SHR e WKY; 2) aumento no tempo para atingir o encurtamento máximo e a tensão máxima desenvolvida (TD) no miocárdio hipertrofiado dos SHR e 3) modificações divergentes na função mecânica dos músculos cardíacos normais dos WKY, com redução da velocidade máxima de encurtamento e no tempo para a TD decrescer 50% do seu valor máximo e aumento na tensão de repouso e na velocidade de variação de decréscimo da TD. Conclusão - Os dados obtidos mostram que a RIA por curto período de tempo promove alentecimento no tempo de contração dos músculos hipertrofiados e variações paradoxais no desempenho mecânico das fibras cardíacas normais, com piora dos índices de encurtamento e da tensão de repouso e melhoria do relaxamento isométrico. Palavras-chave: restrição alimentar, função miocárdica, rato espontaneamente hipertenso Faculdade de Medicina de Botucatu e Instituto de Biociências - UNESP. Apoio: FAPESP - processo nº 91/3666-9. Correspondência: Antônio Carlos Cicogna - Faculdade de Medicina de Botucatu - Depto de Clínica Médica - Rubião Júnior, S/N - 18618-000 – Botucatu, SP Recebido para publicação em 23/7/98 Aceito em 25/11/98 Desnutrição protéico-calórica (DPC) constitui um problema mais importante de saúde pública em países subdesenvolvidos. Mesmo em sociedades industrializadas, a DPC é encontrada em 30 a 40% dos pacientes hospitalizados 1,2. A DPC pode afetar uma série de órgãos e tecidos. Há várias evidências em humanos e, especialmente em animais de experimentação, que a DPC pode acarretar danos ao sistema cardiocirculatório. Tem-se constatado que a DPC pode promover alterações: 1) clínicas, que variam de bradicardia a insuficiência cardíaca; 2) funcionais, como redução do débito cardíaco, da complacência ventricular e da contratilidade miocárdica; 3) bioquímicas, como ativação da proteinase cálcio dependente, diminuição da síntese protéica, da relação RNA/DNA e aumento do DNA e 4) morfológicas, como dilatação das câmaras cardíacas, atrofia e/ou degeneração dos miócitos, edema intersticial e mitocondrial e aumento do colágeno 3-6. A hipertrofia da célula miocárdica é o mecanismo mais eficiente de compensação do coração frente a uma sobrecarga de trabalho. Ela tem como finalidade adequar o desempenho cardíaco às demandas metabólicas sistêmicas. Os ratos espontaneamente hipertensos (SHR) foram desenvolvidos como um modelo genético de hipertensão arterial (HA), que é similar em muitos aspectos à HA essencial no homem. Precocemente, os animais desenvolvem hipertrofia do ventrículo esquerdo (VE), que é responsável pela manutenção da função cardíaca normal, apesar da elevada pressão arterial (PA) sistêmica. As informações na literatura a respeito da influência de diferentes tipos de deficiências nutricionais sobre o comportamento funcional do músculo hipertrofiado são escassas 7-9. Yokota e cols. 7 constataram que os SHR alimentados com dieta pobre em proteínas apresentam deterioração da função do VE. Tabayashi e cols. 8 verificaram que cães com hipertrofia ventricular esquerda submetidos a DPC crônica apresentam contratilidade miocárdica deprimida e função de bombeamento sangüíneo normal. Olivetti e cols. 9, estudando SHR com anemia nutricional, constataram nesses animais dilatação e disfunção do VE. Arq Bras Cardiol, volume 72 (nº 4), 431-435, 1999 431 Cicogna e cols. Restrição protéico-calórica na hipertrofia Em razão da carência de informações existentes na literatura sobre DPC e função do ventrículo hipertrofiado, a presente investigação procurou avaliar o efeito de 30 dias de restrição da ingestão alimentar (RIA) sobre o comportamento mecânico de músculos cardíacos hipertrofiados de SHR. Este período foi escolhido em razão de Klebanov e cols. 10 terem observado alterações similares na função mecânica de ratos normotensos, quando submetidos a RIA por 10 a 13 meses ou por três semanas. Procurou-se testar a hipótese que corações sofrendo o processo de hipertrofia e, portanto, necessitando de maior aporte nutricional, deveriam sofrer mais intensamente os efeitos da RIA. Métodos Os SHR e ratos normotensos Wistar-Kyoto (WKY), machos, com 60 dias de idade, foram divididos em dois grupos experimentais: grupos C, controle, alimentados com dieta ad libitum por 30 dias e grupos R, submetidos a restrição alimentar por 30 dias. Os ratos controle (WKYC e SHRC) receberam dieta purina ad libitum (gordura 3,76%, proteína 20,96%, carboidrato 52,28%, cinzas 9,6% e umidade 13,40%). Os animais com restrição alimentar (WKYR e SHRR) tiveram oferta de alimentos correspondente a 50% dos ratos controle. Os ratos foram mantidos em gaiolas individuais, à temperatura ambiente de 23ºC. O peso dos animais e a PA, medida na cauda, foram determinados no início do experimento e antes do sacrifício. O estudo da função mecânica foi realizado em músculos papilares do VE. Os músculos foram obtidos da seguinte maneira: o rato foi decapitado, o tórax aberto, o coração removido rapidamente e colocado em solução de Krebs-Henseleit 11, à temperatura de 28oC, previamente oxigenada (10min) com 95% de oxigênio (O2) e 5% de dióxido de carbono (CO2). Após dissecção do ventrículo direito e corte no septo interventricular, o VE foi dividido em duas partes, cada uma contendo o seu músculo papilar. A seguir, estes foram cuidadosamente dissecados numa câmara contendo solução de Krebs-Henseleit, adequadamente oxigenada e aquecida a 28oC. Os músculos papilares, após terem as suas extremidades presas a dois anéis de aço inoxidável, foram, rapidamente, transferidos para câmara de vidro contendo solução de Krebs-Henseleit, constantemente oxigenada com 95% de O2 e 5% de CO2 e mantida à temperatura de 28oC, graças ao uso de banho circulante. Os músculos papilares foram mantidos em posição vertical nas câmaras de vidro. O anel inferior foi ligado a fio de aço inoxidável de 0,031cm de diâmetro, conectado a transdutor de força (Kyowa 120T-20B). O anel superior foi conectado a fio de aço, semelhante ao anterior, preso à extremidade do braço longo de alavanca isotônica. Sobre esta extremidade há micrômetro que, controlando a extensão dos movimentos da alavanca, permitiu ajustar o comprimento do músculo na fase de relaxamento muscular. O estiramento inicial da fibra cardíaca foi realizado com carga de pequeno peso (pré-carga) suspensa na extremidade do braço curto da alavanca, ao qual está acoplado transdutor de comprimento (Hewlett Packard, modelo 7 DCDT 432 Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 4), 1999 050), que mede variações de comprimento durante as contrações musculares. A alavanca foi construída em alumínio; é rígida e leve, e a razão entre os braços longo e curto é de 4:1. Os músculos foram estimulados 12 vezes por minuto por meio de eletrodos de platina tipo agulha, acoplados a estimulador elétrico, programado para liberar estímulos em onda quadrada de 5ms, com voltagem aproximadamente 10% maior que o mínimo necessário para provocar resposta mecânica máxima do músculo. A composição da solução de Krebs-Henseleit 11, em milimoles por litro, foi: 118,5 NaCl; 4,69 KCl; 2,52 CaCl2; 1,16 MgSO4; 1,18 KH2PO4; 5,50 glicose e 25,88 NaHCO3. A pressão parcial de oxigênio da solução foi mantida entre 550 a 600 mmHg. Após um período de 60min, durante os quais os músculos contraíram somente contra a pré-carga (contração isotônica), a alavanca foi impedida de se movimentar, às custas de colocação adicional de carga (pós-carga) na extremidade do braço curto da alavanca e ajuste na posição do micrômetro. Estando em contração isométrica, o músculo foi estirado progressivamente até a tensão desenvolvida atingir o valor máximo (comprimento diastólico da fibra muscular associado com tensão máxima desenvolvida isométrica foi designado como Lmax). Após atingir-se Lmax, o músculo foi novamente colocado em contração isotônica. A seguir, foi realizada nova determinação de Lmax. O experimento foi iniciado após 15min de contração isométrica estável. Preparações instáveis ou com desempenho não satisfatório não foram utilizadas. Os seguintes parâmetros isométricos foram medidos: tensão máxima desenvolvida (TD), tensão de repouso (TR), tempo para atingir a tensão máxima desenvolvida (TPT), velocidade máxima de variação de tensão desenvolvida (+dT/dt), velocidade máxima de variação de decréscimo da tensão (-dT/dt) e tempo para a tensão desenvolvida decrescer 50% a partir do seu valor máximo (TR50). Após o término do registro isométrico, o músculo foi colocado em contração isotônica, contraindo contra a menor carga total (pré-carga mais pós-carga) capaz de manter o músculo com comprimento de repouso igual a Lmax. Os seguintes parâmetros isotônicos foram medidos: encurtamento máximo (Emax), tempo para o encurtamento máximo (TEmax), velocidade máxima de encurtamento (+dL/dt) e velocidade máxima de relaxamento (-dL/dt). Os parâmetros mecânicos foram registrados no polígrafo da Gould 2200 S, com velocidade de transporte de papel regulada para 100mm/s. Os valores de TD, TR, +dT/dt e -dT/dt foram normalizados para a área seccional (AS) do músculo. Os valores da velocidade de encurtamento e de relaxamento foram divididos pelo comprimento em repouso do músculo (Lmax). Os parâmetros usados para caracterizar os músculos papilares, individualmente, foram: comprimento (mm), peso (mg) e AS (mm2). O comprimento in vitro, em Lmax, foi medido com auxílio de paquímetro. A porção do músculo entre os anéis de aço foi submetida a secagem com papel de filtro e pesada. Assumindo-se que o músculo papilar tem forma Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 4), 1999 Cicogna e cols. Restrição protéico-calórica na hipertrofia geométrica, uniforme, cilíndrica e peso específico 1,0, a AS foi calculada dividindo-se o peso do músculo pelo seu comprimento. O peso úmido do VE normalizado para o peso corpóreo do rato no momento do sacrifício (VE/PF) foi utilizado como índice de hipertrofia do VE. Análise estatística - Nas tabelas, os valores obtidos são apresentados como média + desvio padrão. As comparações entre os grupos foram feitas por análise de variância para experimentos inteiramente casualizados, complementada pelo teste de Tukey. O nível de significância foi considerado a 5%. Resultados Os parâmetros corporais e a PA dos animais estão expostos na tabela I. O peso inicial (PI) e final (PF) dos ratos WKY foram maiores do que os SHR. Os ratos com dieta ad libitum apresentaram ganho no peso corpóreo (WKYC: 237±19g para 309±21g; SHRC: 205±15g para 279±22g); os animais submetidos a RIA apresentaram redução no peso corporal (WKYR: 288±49g para 199± 6g; SHRR: 193±17g para 168±31g). Enquanto a dieta normal aumentou a relação entre o PF e PI nos ratos WKYC (1,31±0,09) e SHRC (1,37±0,13), a RIA reduziu a relação PF/PI nos ratos WKYR (0,70±0,12) e nos SHRR (0,87±0,08). A PA e a relação VE/PF, mais elevadas nos SHRC do que nos WKYC, não se modificaram com a restrição alimentar. A AS dos WKYC foi maior do que no grupo SHRC; a RIA não alterou a AS nos dois grupos de animais. Lmax foi igual nos WKYC e SHRC. A RIA promoveu redução de Lmax nos WKYR, mas não alterou esta variável nos SHR. Os dados mecânicos são apresentados nas tabelas II e III. TD, +dT/dt, TR50, + dL/dt e -dL/dt foram significantemente maiores nos SHRC do que nos WKYC. Enquanto TR e (Lmax - Emax)/Lmax foram mais elevadas nos WKYC do que nos SHRC, TPT, -dT/dt, Emax e TEmax não diferiram nestes dois grupos de animais. Nos ratos WKY, a RIA acarretou elevação de TR, -dT/dt e (Lmax-Emax)/Lmax, diminuição de TR50, Emax e +dL/dt e não alterou TD, TPT, +dT/dt, TEmax e -dL/dt. No grupo SHR, a restrição alimentar elevou significativamente TPT e TEmax, mas não alterou as outras variáveis isométricas ou isotônicas. Discussão Os resultados desta investigação mostram que a restrição da ingestão protéico-calórica acarretou restrição no ganho do peso corporal e do VE nos ratos WKY e SHR. Tabela I - Parâmetros morfológicos e pressão arterial sistólica dos ratos Wistar-Kyoto (WKY) e espontaneamente hipertensos (SHR) WKY PI (g) PF (g) PF/PI VE (mg) VE/PF (mg/g) PAI (mmHg) PAF (mmHg) AS (mm2) Lmax (mm) SHR C (n =11) R (n =10) C (n =11) R (n =10) 237±19 b 309±21 d 1,31±0,09c 0,63±0,06b 2,03±0,13a 133±8a 133±8a 0,92±0,19b 6,32±0,38b 288±49c 199±6 b 0,70±0,12a 0,43±0,05a 2,15±0,15a 128±8a 129±11a 0,84±0,25ab 5,37±1,01a 205±15a 279±22c 1,37±0,13c 0,71±0,06c 2,54±0,23b 181±8 b 183±9 b 0,71 ± 0,16a 5, 96 ± 0,44b 193±17a 168±31a 0,87±0,08b 0,41±0,09a 2,47±0,38b 179±12 b 179±10 b 0,79±0,18ab 6,16±0,65b Valores em média ± desvio padrão; n- número de músculos papilares; C- dieta normal; R- restrição alimentar; PI- peso corporal inicial; PF- peso corporal final; VEventrículo esquerdo; PAI- pressão arterial sistólica inicial; PAF- pressão arterial sistólica final; AS- área seccional; Lmax- comprimento de repouso associado a tensão máxima desenvolvida; g- grama; mg- miligrama; mmHg- milímetro de mercúrio; mm2- milímetro quadrado; mm- milímetro; grupos de animais que não têm a mesma letra apresentam diferenças estatisticamente significantes (ANOVA e Tukey, p<0,05). Tabela II - Parâmetros mecânicos obtidos em contração isométrica WKY TD (g/mm2) TR (g/mm2) TPT (ms) +dT/dt (g/mm2/s) -dT/dt (g/mm2/s) TR50 (ms) SHR C (n =11) R (n =10) C (n =11) R (n =10) 7,15±1,42a 0,94±0,49b 194±15a 63±18a 18±4a 259±22 b 7,95±2,04a 1,43±0,41c 192±30a 73±24ab 27±8 b 219±67a 9,49±1,06b 0,58±0,30a 199±15a 85±14 b 22±9a 299±41c 8,30±1,58ab 0,60±0,36a 223±13 b 80±11 b 17±3a 327±26c Valores em média ± desvio padrão; WKY: ratos Wistar-Kyoto; SHR: ratos espontaneamente hipertensos; n- número de músculos papilares; C- dieta normal; Rrestrição alimentar; TD- tensão máxima desenvolvida; TR- tensão de repouso; TPT- tempo para a TD atingir o valor máximo; +dT/dt: velocidade de variação da TD; - dT/dt- velocidade de variação de decréscimo da TD; TR50- tempo para a TD decrescer 50% do seu valor máximo; g/mm2- grama por milímetro quadrado; ms- milisegundo; g/mm2/s- grama por milímetro quadrado por segundo; grupos de animais que não têm a mesma letra apresentam diferenças estatisticamente significantes (ANOVA e Tukey, p<0,05). 433 Cicogna e cols. Restrição protéico-calórica na hipertrofia Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 4), 1999 Tabela III - Parâmetros mecânicos obtidos em contração isotônica WKY Emax (mm) TEmax (ms) Lmax-Emax Lmax +dL/dt (CM/s) -dL/dt (CM/s) SHR C (n =11) R (n =10) C (n =11) R (n =10) 1,57±0,33b 202±16a 0,75±0,05b 1,03±0,41a 202±32a 0,82±0,05c 1,82±0,26bc 213±21a 0,69±0,04a 1,93±0,37c 238±12 b 0,69±0,04a 2,22±0,56b 3,63±0,99a 1,58±0,28a 3,04±0,66a 2,90±0,49c 5,21±0,74b 2,80±0,66c 4,93±0,98b Valores em média ± desvio padrão; WKY- ratos Wistar-Kyoto; SHR- ratos espontaneamente hipertensos; n- número de músculos papilares; C- dieta normal; Rrestrição alimentar; Emax- encurtamento máximo; TEmax- tempo para atingir o Emax; Lmax- comprimento de repouso associado a tensão máxima desenvolvida; (LmaxEmax)/Lmax- variação relativa de comprimento; +dL/dt- velocidade de encurtamento; - dL/dt- velocidade de relaxamento; CM/s- comprimento muscular por segundo; mm- milímetro; ms- mili-segundo; grupos de animais que não têm a mesma letra apresentam diferenças estatisticamente significantes (ANOVA e Tukey, p<0,05). Entretanto, a relação VE/PF obtida nos animais normotensos e hipertensos não se alterou com a RIA, quando comparada aos ratos com dieta normal (tab. I). A manutenção da relação VE/PF após a RIA, em ambos os grupos de animais, sugere não haver perda maior na massa dos corações dos SHR que, teoricamente, precisariam de maior suporte nutricional por estarem sofrendo o processo de hipertrofia. Entretanto, a normalização do peso do VE para o peso corporal do animal, freqüentemente utilizada para avaliação do grau de hipertrofia cardíaca12-14, pode apresentar erros de interpretação quando os animais sofrem perda de peso durante o processo experimental. Por esta razão, diversos autores que trabalham com subnutrição 6,12 têm introduzido um grupo adicional de animais, com idade menor e peso corporal comparável ao grupo submetido à RIA. Neste caso, uma vez que se utilizam grupos de animais com mesmo peso corpóreo, a comparação da relação VE/PF permite avaliação mais adequada da massa muscular cardíaca nos animais submetidos à RIA. No presente trabalho, como os SHR desenvolvem hipertrofia ventricular esquerda durante o processo de maturação, não é possível o uso de SHR de menor idade e peso corpóreo equivalente aos ratos subnutridos, em razão dos SHR mais jovens não terem tido tempo para desenvolver hipertrofia cardíaca. A RIA promoveu retardo no tempo de contração dos músculos cardíacos hipertrofiados isolados do SHR, visibilizado por aumento no TPT e no TEmax (tabs. II e III). Estes resultados diferiram dos obtidos nos músculos normais dos ratos WKY, que apresentaram piora da TR e dos parâmetros derivados da fase de encurtamento e melhoria do relaxamento isométrico (tabs. II e III). Os mecanismos responsáveis pelas alterações na função mecânica do miocárdio, conseqüente à restrição alimentar, permanecem desconhecidos 10. Os estudos que analisaram os efeitos da DPC sobre o desempenho mecânico dos músculos cardíacos hipertrofiados são escassos. Os resultados observados mostraram que variações na composição ou na quantidade de alimentos ingeridos acarretaram disfunção do VE 7-9. Yokota e cols. 7 estudaram SHR submetidos a dieta restrita em proteínas (10% de proteínas) por duas e quatro semanas, e avalia434 ram a função do VE por meio de parâmetros hemodinâmicos, tais como dP/dtmax/pressão isométrica integrada e pressão diastólica final do VE (PDFVE). Tabayashi e cols. 8 analisaram cães com estenose aórtica alimentados com dieta hipocalórica e hipoprotéica por duas semanas. A função ventricular foi estudada pela velocidade média de encurtamento circunferencial e pela relação entre tensão parietal e diâmetro sistólico final. Olivetti e cols. 9 estudaram animais SHR com quatro semanas de idade submetidos a anemia nutricional induzida por déficit de cobre e ferro por 12 semanas. O comportamento do VE foi analisado pela PDFVE, pressão sistólica final do VE e +dP/dt. Em todos esses estudos, as variáveis que foram utilizadas na avaliação da função ventricular sofrem influência de variações da pré-carga, pós-carga, freqüência cardíaca e contratilidade miocárdica. Alterações nas cargas e na freqüência de batimentos podem modificar a função ventricular, independentemente de mudanças no inotropismo cardíaco, fato que dificulta a análise do comportamento do estado contrátil do músculo cardíaco. A utilização de músculos papilares isolados permite a avaliação da contratilidade miocárdica, já que as outras variáveis que influenciam o desempenho cardíaco podem ser mantidas fixas 15. Em contraste com os resultados obtidos no grupo SHR, a RIA acarretou variações contraditórias na função miocárdica dos ratos WKY, com melhoria da fase de relaxamento isométrico e piora da tensão de repouso e dos índices de encurtamento muscular. Não encontramos explicação para estes resultados divergentes observados nos ratos WKY. A discordância entre dados que avaliam a função mecânica cardíaca também tem sido encontrada em outros trabalhos experimentais. Recentemente, Hoit e cols. 16 estudando macacos com HA sistêmica e hipertrofia do VE encontraram dados paradoxais, como depressão dos índices de função contrátil dependente de velocidade e preservação da contratilidade quando avaliada por parâmetros derivados de força. As publicações prévias 5, 10, 17-19 que estudaram a relação entre DPC e função cardíaca de músculos normais constataram que o desempenho do coração pode se manter inalterado, degenerar ou melhorar com a RIA. Em conclusão, os dados deste trabalho mostram que a Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 4), 1999 Cicogna e cols. Restrição protéico-calórica na hipertrofia RIA correspondente a 50% da quantidade normal de dieta por período de 30 dias acarreta retardo no tempo de contração dos músculos hipertrofiados dos animais SHR. Nos corações normais dos ratos WKY, a dieta em questão promove variações contraditórias no desempenho miocárdico, acarretando piora da fase de encurtamento e da tensão de repouso e melhoria do relaxamento isométrico. Os resultados obtidos não permitem concluir que os músculos hiper- trofiados sofrem mais intensamente os efeitos da RIA do que os corações normais. Agradecimentos À Sra. Valéria Maria Ricarelli de Oliveira, Srs. Mário Augusto Dallaqua e Vitor Marcos de Souza pela colaboração prestada. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Bistrian BR, Blackburn GL, Vitale J, Cochran D, Naylor J - Prevalence of malnutrition in general medical patients. JAMA 1976; 235: 1567-70. 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