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A DESNASALIZAÇÃO DE DITONGO NASAL FINAL DE FORMAS VERBAIS
Larissa Moraes Pedrosa (UFPB)1
[email protected]
INTRODUÇÃO
A ausência de concordância de número plural está presente em algumas
variações da fala do português brasileiro e, ao observarem essa ocorrência linguística,
alguns teóricos, como Naro & Scherre (2007) e Hora & Espínola (2004), apresentam
estudos de que na fala do português brasileiro há a ausência da marca de plural em
algumas formas verbais de 3ª pessoa do plural. Esses estudiosos comprovaram que essa
variação se dá pela perda de nasalidade no final de formas verbais. Nesse cenário, nosso
estudo se propõe a verificar a manifestação linguística que se desvia dos preceitos
impostos pela gramática tradicional que compreende a origem de algumas variações,
como a desnasalização de ditongo nasal final de formas verbais na 3ª pessoa do plural.
Para isso, iremos descrever essa variação presente na fala de sujeitos escolarizados de
diferentes faixas etárias na região de Campina Grande.
A análise da ocorrência da desnasalização do ditongo nasal final nas formas
verbais de 3ª pessoa do plural e o levantamento do estudo sobre a variação linguística
contribuirão para verificar que a variação é inerente aos falantes da língua e que é cada
vez mais comum ouvirmos formas verbais que não condizem com o prescrito como
correto. Além disso, os falantes de português usam a língua de forma a atender as suas
necessidades comunicativas e, ao se comunicarem, fazem, não deliberadamente, as
alterações para que haja mais informação em menos tempo. Em outras palavras, o
princípio de que a comunicação pode se estabelecer poupando palavras e energia
acompanha todos os falantes da língua.
1. ASPECTOS METODOLÓGICOS
Considerando que esta se trata de uma pesquisa descritivo-interpretativista, o
material observado, registrado e analisado foi compilado através de uma pesquisa
bibliográfica e por gravações da fala de indivíduos, de um mesmo grupo familiar e de
diferentes faixas etárias que moram em Campina Grande – PB. Gravamos conversas
aleatórias e informais em ambiente familiar, a fim de que fossem verificadas alterações
fonéticas no final de formas verbais nas falas espontâneas de pessoas com idades
diferentes. A ocorrência de verbos desnasalizados foi transcrita de acordo com o
Alfabeto Fonético Internacional (AFI), pois o foco de nosso estudo é a variação fonética
referente à pronúncia do morfema número-pessoal das formas verbais, que resulta em
um som diferente. Assim, é necessário que nosso estudo verifique a articulação fonética
desse morfema número-pessoal pelos sujeitos de nossa pesquisa.
Para isso, realizamos gravações de pessoas de uma mesma família a fim de
verificar se nesse contexto as variações também ocorrem. Os sujeitos de nossa pesquisa
são todos escolarizados, para observarmos que as variações linguísticas não ocorrem
apenas em sujeitos com pouca ou nenhuma escolarização. Dispomos de,
aproximadamente, 57 minutos de gravação, e os falantes selecionados para as gravações
possuem intimidade, assim, podem se comunicar a partir da fala informal. O quadro I
abaixo descreve algumas características dos sujeitos da pesquisa:
1
Mestranda do programa de Pós-Graduação em Linguística – PROLING
Quadro I – Descrição dos sujeitos da pesquisa
FALANTES
GÊNERO
F1
F2
F3
F4
F5
Feminino
Masculino
Masculino
Feminino
Feminino
FAIXA ETÁRIA
40 a 49 anos
20 a 29 anos
50 a 59 anos
50 a 59 anos
Acima de 60 anos
NÍVEL DE
ESCOLARIDADE
Superior completo
Superior incompleto
Superior completo
Superior completo
Médio completo
Os dados decorrentes da fala foram analisados à luz da teoria de Naro & Scherre
e Hora & Espínola que apresentam trabalhos demonstrando que a desnasalização em
final de formas verbais pode causar ausência de concordância verbal nas orações. Para
isso, verificamos também os aspectos morfológicos de cada forma verbal desnasalizada,
para que pudéssemos verificar as semelhanças e diferenças entre os verbos.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Assim como já foi explicitado nos objetivos, nosso estudo buscará descrever a
ocorrência da desnasalização do ditongo nasal final nos verbos de 3ª pessoa do plural e
esse fenômeno pode provocar variação na concordância verbal de algumas formas
verbais, visto que verbos no plural podem passar a se apresentar no singular (NARO &
SCHERRE, 2007). Desse modo, o nosso foco principal corresponde aos estudos da
concordância verbal, para que possamos compreender as diferentes manifestações
linguísticas que podem ocorrer na língua falada.
A concordância é um processo linguístico que se encontra no eixo da sintaxe e,
segundo Bechara (2009), se dá pelo conhecimento de que uma palavra deve se adaptar
ao gênero, número e pessoa de determinado termo, ou seja, trata-se de uma harmonia
que deve haver entre as palavras de uma sentença. De acordo com os estudos
tradicionais, a concordância pode ser nominal ou verbal. Para Bechara (2009, p. 543) a
nominal diz respeito à concordância “que se verifica em gênero e número entre o
adjetivo e o pronome (adjetivo), o artigo, o numeral ou o particípio (palavras
determinantes) e o substantivo ou pronome (palavras determinadas) a que se referem”.
Já a verbal se refere à concordância que deve haver entre o sujeito (e às vezes o
predicativo) e o verbo da oração.
Rocha Lima (1985, p. 374) aponta que pode haver irregularidades na
concordância devido ao conflito entre a rigidez gramatical e a imaginação dos falantes,
ao afirmar que há “condições em que se despreza o critério da forma e, atendendo
apenas à ideia representada pela palavra, se faz a concordância com aquilo que tem em
mente”. Segundo Castilho (2012), a concordância verbal pode ser em pessoa ou em
número sendo esta segunda evidência mais encontrada no PB. Esse autor ainda descreve
que o português brasileiro é uma língua muito instável em que sempre são encontradas
variações de formas diversas, e a concordância, mesmo havendo regras categóricas para
seu funcionamento em uma frase, também pode variar, dado ao fato de que a língua é
um instrumento de comunicação desdobrável e dinâmico. Assim como Castilho (2012),
Hora & Espínola (2004) também descrevem que, apesar das normas estabelecidas pelas
gramáticas que ditam que os falantes cultos devem realizar a concordância de número
entre sujeito e verbo de uma sentença, o fenômeno da “não-concordância” aparece
constantemente no uso da língua.
Considerando que a língua é dinâmica e heterogênea, Naro & Scherre (2007)
seguem a prerrogativa de que a concordância verbal de número do português falado no
Brasil é variável e afirmam que este fenômeno se realiza por uma alteração fonológica
e, também morfológica, e citam como exemplo o plural da palavra comeram que pode
se reduzir ao singular comeu pela redução fonológica e, também, morfológica.
A língua permite que o falante escolha diferentes construções linguísticas em
diversos contextos, e isso propicia a existência de uma maior variação da língua falada e
que se distancia das regras gramaticais. Alguns estudos reconhecem a flexibilidade da
língua e comprovam que a variação da concordância verbal é comumente encontrada no
PB. Em vista disso, Hora & Espínola (2004) afirmam que a gramática tradicional pode
ser incoerente ao definir a concordância verbal como o acordo entre o verbo e o sujeito
em uma sentença, pois a ausência disso não irá tornar um texto incompreensível. Assim,
mesmo que haja “discordância” verbal na língua, os falantes de uma comunidade
linguística conseguem se entender claramente.
Naro & Scherre (2007) observaram que as mudanças que ocorrem na língua se
iniciam a partir da oralidade e, como vimos que a desnasalização é um fenômeno de
modificações fonéticas, essas mudanças permitiram que houvesse, também, uma
ausência de concordância na fala do povo.
Ao se basear em Guy (1981), Hora & Espínola (2004, p. 221) demonstram que a
ausência de concordância de número ocorre, na língua portuguesa, “quando há um
apagamento da sibilante final ou uma desnasalização das vogais finais”. Essa variação
encontrada demonstra que uma sentença pode ser produzida com o sujeito no plural e o
verbo no singular. Hora & Espínola (2004) ainda mencionam que o marcador de plural
na 3ª pessoa é determinado pela nasalização da sílaba final, que é acompanhada por uma
ditongação. Para exemplificar que a mudança na concordância verbal se dá pela
desnasalização de ditongo nasal final em verbos de 3ª pessoa do plural, esses autores
apresentam que palavras terminadas em –em podem aparecer como [i] em: falem [faley]
ou [fali]; e palavras que terminam em –am podem ser realizadas como [u] como em
mataram que pode tanto aparecer com a forma [matarãw] ou [mataru]. Os estudos
descritivos desses autores demonstram, portanto, que a variação da concordância é
comumente encontrada em nosso país, e esta se dá, frequentemente, pela desnasalização
de ditongo nasal final em verbos de 3ª pessoa do plural.
3. ANÁLISE DE DADOS
3.1.
Evidências da desnasalização quanto ao tempo, modo e conjugação verbais
Neste tópico, evidenciamos a presença da desnasalização de ditongo nasal final
pós-tônico, em formas verbais de 3ª pessoa do plural nos dias atuais. Os exemplos 1, 2,
3 e 4 abaixo ilustram o que foi dito.
Exemplo 1:
F1: “Disse que tá tudo triste, disse que eles... o caba num foi nem trabalhar,
aliás, eles num [‘foɾʊ] nem trabalhar hoje, porque [‘foɾʊ] resolver essas questões aí, aí
num [tɾaba’ʎaɾʊ] hoje não, num sabe? Por conta disso...”
(F1, gravação em 01/08/2013)
Exemplo 2:
F4: “Aí [fi’kaɾʊ] ele e Dorinha...” (F4, gravação em 10/08/2013)
Exemplo 3:
F5: “Num faz nem um mês que [ʃã’maɾʊ] a unimed pra mim, uma coisa ligeira,
mas [ʃã’maɾʊ]” – (F5, gravação em 10/08/2013)
Exemplo 4:
F2: “No caminho que eu volto pro fórum... anteontem [iʃtu’pɾaɾʊ] uma
mulher... [iʃtu’pɾaɾʊ] uma mulher e [ma’taɾʊ] um cara lá.” (F2, gravação em
07/08/2013)
Foram identificados casos de desnasalização em conversações informais, face-aface, em ambiente familiar (como descrito na metodologia). E os tempos em que os
verbos estão conjugados, dentre todos os trechos gravados, são: pretérito perfeito e
pretérito imperfeito do modo indicativo, como também verbos no pretérito imperfeito
do subjuntivo e infinitivo pessoal. Esses casos que nós encontramos confirmam o que
Ilari & Basso (2007) expõem a respeito da variação linguística: é mais fácil encontrar
exemplos de manifestações linguísticas diversas em gravações ou entrevistas, pois há
variações que ocorrem apenas na fala, visto que os sujeitos tendem a se adequar às
normas prescritivas da escrita.
Nass formas verbais desnasalizadas ([‘foɾʊ], [tɾaba’ʎaɾʊ], [fi’kaɾʊ], [ʃã’maɾʊ],
[iʃtu’pɾaɾʊ] e [ma’taɾʊ]), dos exemplos de 1 a 4, um fonema nasal passa a ser oral e a
desinência número-pessoal –m e a modo-temporal com o morfema –ra aparecem
modificadas. Com essa transformação fonética, a forma final dos verbos aparece com o
fonema oral reduzido [ʊ]. Nos exemplos 1 e 2 podemos observar que as formas verbais
destacadas são de 3ª pessoa do plural pelo fato do sujeito estar explícito e as formas
verbais [‘foɾʊ] e [tɾaba’ʎaɾʊ] se referirem a eles, e o [fi’kaɾʊ] se referir a ele e Dorinha.
Já nos exemplos 3 e 4 ([ʃã’maɾʊ], [iʃtu’pɾaɾʊ] e [ma’taɾʊ]) são verbos cujo sujeito está
indeterminado, pois não há nenhuma referência a um sujeito no contexto. Além disso,
cada conversa demonstra que são relatadas ações concluídas, o que indica que as
palavras destacadas nos exemplos acima são representativas de verbos no pretérito
perfeito do indicativo. À exceção do verbo ir (exemplo 1), que é da 3ª conjugação, os
demais verbos destacados são da 1ª conjugação e demonstram ter características
morfológicas semelhantes, tais como o morfema modo-temporal e o número-pessoal.
Os quatro exemplos demonstrados são representativos dos vários casos ocorridos que
foram encontrados nos dados gravados, pois, ao observarmos as gravações, percebemos
que a maioria dos casos de desnasalização em forma final verbal acontece em verbos no
pretérito perfeito do indicativo.
Esse fato confirma o que já foi descrito teoricamente, explicitando que alguns
estudiosos da língua portuguesa consideram que a variação ocorrida em verbos na 3ª
pessoa do plural se efetua por uma ausência de nasalização nas formas finais do verbo.
Para alguns autores, a ausência de nasalização nas formas finais do verbo ocasiona uma
ausência de concordância verbal, pois a forma plural nasalizada desaparece. Essa
observação pode ser encontrada no trabalho de Hora & Espínola (2004, p. 221) sobre
concordância, ao afirmarem que “a variação na concordância de número se dá quando
há um apagamento da silibante final ou uma desnasalização das vogais finais”.
No entanto, como foi visto nos exemplos acima, as formas verbais
desnasalizadas não se encontram nas formas verbais do singular, uma vez que ao serem
desnasalizados, os verbos não se convertem para a forma de 3ª pessoa do singular, pois,
caso isso acontecesse, os verbos se apresentariam, respectivamente, como “eles foi”,
“eles trabalhou”, “eles ficou”, “eles chamou”, “eles estuprou” e “eles matou”, visto
que estão no pretérito perfeito do indicativo. Isso pode ser assegurado porque o
morfema número-pessoal das formas verbais de 1ª conjugação não se convertem para o
morfema número-pessoal –u (presente em formas verbais desse tempo verbal
específico), e a forma verbal da 3ª conjugação também não apresenta a desinência de
singular. O que se realiza, na verdade, é uma alteração nos morfemas das formas
verbais, pois –ra e –m se transformam em um provável morfema –ru. Para que haja essa
modificação é efetuado, além da desnasalização final de verbos, um processo de
monotongação, pois o ditongo nasal [ãw], que geralmente se realiza na fala dos sujeitos
quando há a presença de –ram, desaparece devido a síncope do fonema /ã/. Sendo
assim, as palavras em destaque nos exemplos desse tópico revelam que ocorreram dois
processos de alterações fonéticas no ato de conversas informais: a monotongação e a
desnasalização.
É interessante pontuar que há 30 anos, Pontes (1973) já observava que essa
variação fonêmica ocorria nas formas verbais daquele tempo. A autora explicita que
poderia haver variação nos fonemas /ãw/, /ũ/ e /u/ e cita, como exemplo, a forma verbal
[kõ’pɾaɾan] que podia se manifestar das seguintes formas: /kõ’pɾarãw/, /kõ’pɾarũ/ e
/kõ’pɾaɾu/. Assim, podemos perceber que o interesse pelo estudo da desnasalização final
de formas verbais já era presente há 3 décadas e a autora registrou um exemplo de
variedade semelhante às dos exemplos de 1 a 4 ([‘foɾʊ], [tɾaba’ʎaɾʊ], [fi’kaɾʊ],
[ʃã’maɾʊ], [iʃtu’pɾaɾʊ] e [ma’taɾʊ]), uma vez que o verbo [kõ’pɾaɾan] também está no
pretérito perfeito do indicativo e apresenta não só uma variação desnasalizada, mas
também recebeu a síncope do fonema /ã/.
Não podemos generalizar que a desnasalização de formas finais verbais sempre
irá causar uma ausência de concordância verbal nas orações, pois, a exemplo dos verbos
do pretérito perfeito do indicativo, os falantes não modificam as flexões de plural para
singular. O que ocorre, na verdade, é uma modificação do morfema final das
desinências número-pessoal e modo-temporal dos verbos.
Acreditamos que o falante pretende poupar sua fala simplificando as formas
verbais. A partir dos exemplos, podemos verificar que o falante parece ter a percepção
de que a desnasalização de formas verbais do pretérito perfeito do indicativo não irá
modificar a compreensão da oração. O ambiente fonológico das letras que antecedem ou
sucedem a forma verbal desnasalizada parece não estabelecer relação com a alteração
fonética. Correia (1995) afirma que o princípio do menor esforço pode ser realizado
devido ao conhecimento morfológico2 do falante e, nesse tempo verbal em questão,
podemos assegurar que esse conhecimento inerente aos indivíduos faz com que eles
façam combinações entre os morfemas de forma que podem “combinar palavras entre si
para dar origem a novas palavras” (CORREIA, 1995, p. 02).
Sabemos que o morfema número-pessoal dos verbos no pretérito perfeito do
indicativo é –m e o morfema modo-temporal é o –ra, mas na alteração fonética que há
na fala dos sujeitos analisados, esses dois morfemas parecem se agrupar em um
morfema –ram para que haja a modificação para –ru. Sustentamos essa ideia devido ao
fato de que o morfema –ra também é morfema modo-temporal de formas verbais no
pretérito mais-que-perfeito simples, porém esse tempo verbal é raramente encontrado na
fala do português brasileiro. Então, o falante costuma utilizar esse morfema apenas em
verbos no pretérito perfeito do indicativo e isso nos leva a crer que o falante tem a
consciência de que o morfema –ra indica plural, juntamente com o –m, nas formas
verbais. Assim, os morfemas –ra e –m são transformados em um morfema –ru e isso
não faz com que o verbo altere sua forma de plural.
2
A autora ainda aponta que o princípio do menor esforço também pode se realizar devido ao
conhecimento fonológico e conhecimento sintático dos falantes. Porém, apenas citamos o morfológico
por condizer com nossa análise.
A partir dos exemplos 1, 2, 3 e 4 acima podemos destacar que a desnasalização
de ditongo nasal final em formas verbais está presente na fala dos sujeitos em questão.
No entanto, essa variação linguística específica não está sempre na fala dos sujeitos em
situações informais, pois também foi observado que essa alteração fonética pode oscilar,
conforme visto no exemplo 5 abaixo:
Exemplo 5:
F1: “Naquela hora que liguei pra tu, tu tarra aonde hein?”
F3: “Saindo da universidade e dando carona aos menino, que [‘Iãw] lá pra
rodoviária, [pI’dIɾʊ] uma carona pra ir pra rodoviária...”
F1: “E eles [‘foɾʊ]? Pq eles num vão de carona todo, todo, toda semana né? Eles
num arrumam uma carona num carro da universidade?”
F3: “[tɛhmI’naɾʊ] indo de ônibus os dois......”
(Diálogo entre F1 e F3 gravado em 08/08/2013)
Observa-se, então, que nesse trecho, as formas verbais desnasalizadas nas falas
de F3 são [pI’dIɾʊ] e [tɛhmI’naɾʊ] e na fala de F1 encontramos [‘foɾʊ]. Essas palavras
que não aparecem com a forma nasal são verbos na 3ª pessoa do plural, pois se referem
aos “meninos” que foram à rodoviária, como pode ser observado no contexto da oração.
O curioso deste diálogo acima é que há outra forma verbal na 3ª pessoa do plural
([‘Iãw]), na fala de F3, que possui uma nasalização na sua forma verbal final e o falante
não a desnasalizou. As formas verbais [pI’dIɾʊ] (pediram), [tɛhmI’naɾʊ] (terminaram) e
[‘foɾʊ] (foram) encontram-se no pretérito perfeito do indicativo e o verbo [‘Iãw] (iam)
no pretérito imperfeito do indicativo, ou seja, as formas verbais desnasalizadas nesse
exemplo (como também nos primeiros exemplos demonstrados) pertencem a um tempo
verbal diferente da forma que foi nasalizada.
Ao desnasalizarmos os verbos do pretérito perfeito do indicativo, a forma de
plural não desaparece. Porém, se desnasalizarmos a 3ª pessoa do plural do pretérito
imperfeito do indicativo, a forma de plural se extingue e o verbo aparece no singular. Se
as formas nasalizadas do exemplo 5 [‘Iãw], [pe’dIãw] e [tɛhmI’navãw] fossem
desnasalizadas ficariam com as formas de [‘Iә], [pe’dIә] e [pe’dIә], respectivamente.
Portanto, elas perdem a marca de plural e passam a aparecer com a forma de singular.
Havendo aí a perda da nasalidade, a diferença entre 3ª pessoa do plural e 3ª pessoa do
singular se neutraliza e, consequentemente, pode alterar o sistema verbal da língua
portuguesa, uma vez que o tempo verbal se modifica. Em formas verbais no pretérito
imperfeito do indicativo não há nenhuma transformação morfológica, como em verbos
do pretérito perfeito, e também não podemos afirmar que há influência do ambiente
fonológico da palavra, pois a desnasalização não ocorre sempre no mesmo espaço
linguístico.
Os casos de desnasalização não foram proferidos apenas no modo indicativo,
pois assim como aconteceu no português arcaico, encontramos, também, variação em
verbos no modo subjuntivo e infitivo pessoal flexionado, como pode ser visto abaixo:
Exemplo 6:
F1: “Eu gostaria que vocês [sẽ’tasI] direito. Eu tô tortinha, gente... Pronto, dá
pra vocês [fi’kaɾI] reto” – (F1, gravação em 16/08/2013)
O sujeito da oração acima está explicitamente exposto, vocês, pronome
recorrente na produção de textos orais e escritos da atualidade, funcionando como
pronome pessoal, o que leva Castilho (2012), por exemplo, a considerá-lo como, de
fato, pronome pessoal do português brasileiro. Sendo assim, é a presença do sujeito que
nos faz afirmar que os verbos estão na 3ª pessoa do plural. Além disso, declaramos que
a primeira forma verbal destacada ([sẽ’tasI]) está no modo subjuntivo porque o contexto
expressa uma ideia hipotética. Como podemos ver, os dois verbos pertencem a tempos
distintos, uma vez que o primeiro se encontra no pretérito imperfeito do subjuntivo e o
segundo no infinitivo pessoal. O verbo [sẽ’tasI] está no pretérito imperfeito do
subjuntivo porque gera um sentido de hipótese, e o [fi’kaɾI] está no infinitivo pessoal
flexionado, pois a ação se refere ao sujeito que está claramente expresso (vocês).
Os dois verbos não apresentam a desinência número-pessoal característica desse
modo verbal –m ocasionado pela desnasalização final nas palavras. Além da perda de
nasalidade, há, também, um processo de monotongação, uma vez que o ditongo [ẽy]
final, que é gerado pela presença do morfema –rem, se reduz a vogal reduzida [I].
Assim, podemos observar que, independentemente do tempo e modo em que os verbos
recebem alterações fonéticas, ocorre, também, uma redução do ditongo.
A desnasalização em verbos do modo subjuntivo pode causar ausência de
concordância verbal, dependendo do tempo em que o verbo se encontra, pois no trecho
do exemplo 6 podemos ver que a forma verbal [sẽ’tasI] não está em harmonia com o
sujeito, por se apresentar com a forma de singular, mas [fi’kaɾI] está concordando com o
sujeito vocês. O exemplo deixa claro que, ao ser desnasalizado, o verbo de pretérito
imperfeito do subjuntivo aparece com a mesma forma de singular “se você sentasse”,
logo, a perda de nasalização em verbos desse tempo em questão faz com que esses não
concordem, de acordo com os estudos normativos da língua, com o sujeito no plural. Já
o segundo verbo destacado do exemplo 6 não produz uma ausência de concordância
verbal, visto que a forma verbal no infinitivo é flexionada para concordar com o sujeito
da oração e, ao ser desnasalizada, não se apresenta como o infinitivo não-flexionado
(ficar). Como vimos com a transcrição fonética, a palavra [fi’kaɾI], ao perder a
nasalização final, também recebeu o processo de monotongação, pois o ditongo final
[ẽy], que geralmente se realiza na fala dos sujeitos quando há a presença do morfema –
rem, desaparece devido a síncope do fonema /ẽ/. Assim, a partir da desnasalização e da
monotongação, a forma verbal é pronunciada com a vogal reduzida final [I].
3.2.
Evidências da desnasalização quanto ao aspecto da variação linguística.
A gravação dos sujeitos foi realizada em um momento íntimo familiar, em que o
diálogo é menos monitorado, e não exige que os falantes se expressem utilizando a
norma culta da língua portuguesa, pois a situação de comunicação permite que os
falantes se expressem com mais liberdade. Bagno (2007, p. 95) concorda que a língua
falada e a língua escrita dos sujeitos se diferem, ao afirmar que “ninguém fala,
efetivamente, o padrão, nem mesmo as pessoas altamente escolarizadas em situações de
interação verbal extremamente formais. É inevitável que os usos mais espontâneos,
mais conformes à intuição linguística do falante venham à tona”.
Sabemos que em contextos comunicacionais mais formais, como um seminário
ou uma entrevista, por exemplo, os falantes tendem a monitorar a fala, mas devido à
rapidez que os gêneros orais demandam, pode surgir algum exemplo de variação da
norma culta, como Bagno (2007) demonstrou. Ademais, não há como o sujeito eliminar
o que disse, como é possível na realização de gêneros textuais escritos. Na oralidade a
elaboração de textos exige mais rapidez, e não dispomos de tempo suficiente para
refletir sobre qual a colocação que se encaixa melhor na frase, ou se o verbo está
concordando com o sujeito quanto ao número, entre outros possíveis aperfeiçoamentos
que o falante poderia realizar em gêneros escritos. A necessidade de comunicação oral
não exige que o falante siga à risca as normas prescritivas da língua. Isso é fato porque
desde a formação da língua portuguesa havia formas variadas de pronunciar as palavras
por razões de ordem fonético-fonológica, uma vez que os falantes procuram acomodar
os fonemas das palavras, a exemplo de palavras do latim vulgar e do próprio português
arcaico que sofreram diversas modificações.
À vista disso, percebe-se que em situações de comunicações orais mais
informais os falantes costumam se desviar da norma padrão, assim, os falantes
registram uma variação na pronúncia das formas verbais, pois a atividade linguística em
questão está situada em uma prática social informal que não exige que o falante faça uso
da norma padrão, falando a língua portuguesa sem apresentar erros. Dependendo do
ambiente, do grau de intimidade com as pessoas presentes, faixa etária, etc., o falante
adequa sua linguagem à situação. A esse respeito, Bagno (2007, p. 44-45) considera que
os falantes podem fazer um monitoramento em seu comportamento verbal dependendo
do contexto comunicativo, o qual chama de monitoramento estilístico, ao afirmar que
“nós variamos o nosso modo de falar, individualmente, de maneira mais consciente ou
menos consciente, conforme a situação de interação em que nos encontramos”.
Nossa verificação está de acordo com o que Ilari & Basso (2011) expressam
sobre as diferenças que podem ocorrer na língua escrita e na língua falada, pois esses
autores afirmam que “na fala, as pessoas dizem coisas como ‘né’, ‘ocêis’, ‘disséro’,
‘téquinico’, pensando que dizem ‘não é’, ‘vocês’, ‘disseram’, ‘técnico’”. Deste modo,
os autores acreditam que a desnasalização (de, por exemplo, o verbo na 3ª pessoa do
plural do pretérito perfeito, que foi a maior evidência encontrada de desnasalização em
nossas gravações) é uma realização das variações que podem ocorrer na diferenciação
entre fala e escrita.
Nosso estudo se adequa, portanto, ao princípio de que a língua dos falantes varia
nas modalidades de fala e escrita, tendo em vista que os sujeitos de nossa pesquisa são
escolarizados e demarcam traços de fala popular nas situações de comunicação íntima.
A língua varia no espaço para atender às necessidades dos falantes nos momentos de
interação formais ou não, e as variações que hoje ocorrem no espaço podem instaurar
uma possível mudança na língua, a exemplo de diversas palavras e construções latinas
que possuíam variação e com o decorrer do tempo, sem que os falantes percebessem, a
língua absorveu as variações e isso ocasionou uma mudança nas palavras.
O número de sujeitos da nossa pesquisa é restrito, mas suficiente para registrar
que, quando os falantes utilizam gêneros orais mais espontâneos, apresentam uma
alteração fonética comum, a desnasalização. Esse fenômeno pode ocorrer
independentemente de os sujeitos serem escolarizados, ou não, ou serem de uma faixa
etária maior ou menor. Isso prova que os falantes possuem uma intuição de se
comunicar, produzindo menor esforço ao realizarem as combinações fonéticas que
parecerem mais cômodas para seus registros orais.
É muito prematuro afirmar que a desnasalização de ditongo nasal final que
ocorre na língua de alguns sujeitos nos dias de hoje possa provocar uma mudança na
língua, mas não podemos desconsiderar as variações e mudanças na língua que existem
para facilitar a comunicação entre os falantes, pois a língua está em constante
movimento e suas regras não estão fixadas para sempre, mas são passíveis de mudança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O número de sujeitos da nossa pesquisa é restrito, mas suficiente para registrar
que, quando os falantes utilizam gêneros orais mais espontâneos, apresentam uma
alteração fonética comum, a desnasalização. Esse fenômeno ocorre independentemente
de os sujeitos serem escolarizados, ou não, ou serem de uma faixa etária maior ou
menor. Isso prova que os falantes possuem uma intuição de se comunicar, produzindo
menor esforço ao realizarem as combinações fonéticas que parecerem mais cômodas
para seus registros orais. Hoje em dia, com o uso das tecnologias frequente na vida dos
indivíduos, os sujeitos procuram ser ágeis e a comunicação também tem essa
necessidade. Os falantes querem se expressar com mais rapidez e, assim, desnasalizam
algumas formas verbais. E essa ação dos sujeitos não está de nenhuma forma alterando
o sentido das frases elaboradas, pois o ouvinte entende a informação e os dois se
comunicam como se não houvesse alteração alguma na palavra. Enquanto a língua
estiver em uso irá sofrer variação e mudança e isso pode ser evidenciado em Bagno
(2007, p. 166), pois nós, os falantes da língua, “imperceptivelmente, inconscientemente,
vamos alterando as regras de funcionamento da língua, tornando ela mais adequada e
mais satisfatória para nossas exigências de processamento mental, de comunicação e
interação”.
É muito prematuro afirmar que a desnasalização de ditongo nasal final que
ocorre na fala de alguns sujeitos nos dias de hoje possa provocar uma mudança na
língua, mas não podemos desconsiderar as variações e mudanças na língua que existem
para facilitar a comunicação entre os falantes, pois a língua está em constante
movimento e suas regras não estão fixadas para sempre, mas são passíveis de mudança.
REFERÊNCIAS
BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação
linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37.ª ed. – Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2009.
CASTILHO, Ataliba T. de. Nova gramática do português brasileiro. 1. ed. – São Paulo:
Contexto, 2012.
HORA, Dermeval da; ESPÍNOLA, Sandra. O paralelismo linguístico e sua atuação no
processo variável da concordância verbo-sujeito. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
LINGUÍSTICA. Revista da ABRALIN. Brasília: Abralin, 2004, p. 217-241.
NARO, Anthony J.; SCHERRE, Maria Marta P. Garimpo das origens do português
brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua portuguesa. 26.
ed. – Rio de Janeiro: José Olympio, 1985.
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