Ensino Médio Sociologia agosto/2010 Socialismo e comunismo são termos que, hoje um tanto à margem dos textos jornalísticos, estiveram no primeiro plano da linguagem política do século XX. Muitas vezes, a utilização de ambos era indiscriminada, compreendidos como sinônimos e em sua oposição ao capitalismo: países do socialismo real ou comunistas eram aqueles com economias completamente estatizadas, regimes políticos de partido único e acentuada presença do Estado na vida social. União Soviética, Europa oriental, China e Cuba são seus principais exemplos. Em outros contextos, essas palavras recebiam significados distintos, especialmente quando utilizadas para referir-se às disputas partidárias ocidentais. No Ocidente capitalista, os partidos comunistas eram aqueles que defendiam a via revolucionária para o socialismo e se aproximavam, com maior ou menor intensidade, da orientação soviética. Os partidos socialistas, por seu turno, priorizavam a competição eleitoral e preconizavam reformas sociais que, gradualmente, proporcionassem a superação da sociedade capitalista pelo socialismo — sua evolução histórica, porém, acomodou suas propostas reformistas nos marcos mesmos do capitalismo. Não foram raras as circunstâncias em que partidos socialistas e partidos comunistas atuaram conjuntamente, mas também não foram poucas as ocasiões em que se enfrentaram abertamente. Resumidamente, então, são esses os sentidos atribuídos a essas expressões em suas concretizações históricas. Sua procedência teórica, entretanto, remete-nos a níveis diferentes de conceituação, e, nessa perspectiva, interessa-nos distinguir sociologicamente comunismo e socialismo. É na sociologia de Karl Marx (1818-1883) que esses vocábulos adquirem relevância conceitual, constituindo-se em inspiração para muitos movimentos sociopolíticos da era BIP Socialismo e comunismo: qual a diferença? contemporânea. Marx, aspirando desenvolver uma teoria comprometida com a transformação social, demarcou com o adjetivo “científico” o seu socialismo, reservando a qualificação de “utópicos” aos socialistas que, apesar da radicalidade de suas críticas ao capitalismo, não investigaram adequadamente as possibilidades de substituí-lo por uma sociedade justa e igualitária. Nesse horizonte é que, para atingirmos nosso propósito de discriminar conceitualmente socialismo e comunismo, devemos situar sua construção sociológica, mencionando alguns pontos de seu complexo percurso teórico. No materialismo dialético de Marx e Engels (1820-1895), o trabalho é elemento fundamental da natureza social do ser humano. Mediação nas relações entre os homens e a natureza é o meio pelo qual os seres humanos se apropriam dos recursos naturais externos ao seu corpo e produzem um mundo artificial, diferenciando-se, assim, dos demais animais. Em uma condição original — o comunismo primitivo —, os homens estão livremente associados e 1 partilham igualmente os meios de produção (terras, ferramentas) necessários à sobrevivência, enfrentando, com seus parcos recursos tecnológicos, as dificuldades impostas pela natureza. Com o desenvolvimento das forças produtivas, as sociedades humanas cindem-se em classes sociais, estabelecidas a partir da divisão entre os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores submetidos a formas historicamente variadas de exploração (trabalho servil, escravo ou assalariado). O trabalho torna-se alienado, algo estranho ao trabalhador, que não tem mais o controle sobre sua atividade e, consequentemente, nela não mais se reconhece. A alienação do que é imanente à natureza humana, o trabalho, implica a própria humanidade alienada, fato este que se expressa em suas dimensões culturais e políticas: as ideias vigentes exprimem a visão de mundo da classe dominante, assim como o exercício do poder político consiste na reprodução da desigualdade. Particularmente quanto a este último aspecto, manifesta-se a concepção marxista de Estado: trata-se de um produto da divisão social em classes e, apresentando-se como executor dos interesses sociopolíticos de toda a sociedade, é, na realidade, instrumento de dominação política da classe de proprietários dos meios de produção. Qualquer que seja sua organização formal, o Estado é necessariamente uma ditadura de classe, ou seja, assim como era controlado pela nobreza e pelo clero à época do feudalismo, é sempre conduzido pela burguesia no capitalismo. Não por acaso, as lutas de classes desenvolvidas no interior da sociedade feudal, que culminariam na consolidação do modo de produção capitalista, resultaram na ascensão dos burgueses ao poder estatal. A luta de classes no capitalismo, de acordo com Marx, tende a se acentuar na polarização social entre burguesia e proletariado, desdobrando-se em uma revolução protagonizada por estes últimos, na qual se anuncia o futuro de uma sociedade sem classes. Com a revolução proletária, instaura-se o socialismo. Conforme a concepção sociológica marxista, a sociedade socialista caracteriza-se pela propriedade social dos meios de produção, pela economia direcionada à satisfação das necessidades do conjunto da população e pelo governo do proletariado. Na esfera estritamente política, o socialismo define-se pela ditadura do proletariado, isto é, o Estado é controlado pelos proletários, incumbidos de enfrentar as resistências capitalistas e de organizar a sociedade socialista, removendo as distinções de classes. Quando se completa a supressão da divisão em classes, realizando-se a igualdade social entre os homens, processa-se a passagem do socialismo para o comunismo. Nesta sociedade, segundo as indicações de Marx e Engels em seu Manifesto do Partido Comunista, verifica-se a superação da condição alienada pelos homens, que, tecnologicamente emancipados diante da natureza e livres de todas as modalidades de exploração, conjugam trabalho e lazer, efetivando suas mais elevadas possibilidades humanas. No comunismo, sociedade plena de liberdade e igualdade, desaparece o poder político institucionalizado no Estado. Afinal, sendo este uma expressão de domínio classista, em uma sociedade na qual não existem as classes sociais, tem-se, como consequência lógica, a extinção do Estado e sua completa substituição por formas diretas de participação política na sociedade. São essas, portanto, as definições de socialismo e de comunismo na sociologia marxista. Porém, se as ideias de Marx alcançaram notável influência sobre os acontecimentos históricos do século XX, deve-se destacar sua absorção por uma dinâmica histórica que se situa além de todas as teorias. A esse respeito é sugestiva a expressão socialismo real, quer dizer, o socialismo como realmente existiu, consideravelmente diferente do que era teoricamente proposto. E o mesmo se aplica ao termo países comunistas, que igualmente passou a designar a realidade do socialismo, com o Estado não apenas longe de sua esperada desaparição, como, sobretudo, cada vez mais onipresente. Em tal comunismo ou socialismo, em que pesem suas conquistas sociais, construiu-se um autoritarismo que, nem ao menos vagamente, assemelha-se à ditadura do proletariado e à expectativa de uma humanidade livre. Amir Abdala Professor de sociologia no ensino médio 2