Silv a SOC I OLO GIA elo URB ANA Ang 2009 Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br © 2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. S586 Silva, Angelo. / Sociologia Urbana. — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009. 188 p. / Angelo Silva. ISBN: 978-85-387-0151-4 1.Sociologia urbana. 2.Sociologia – Origem. 3.Urbanização. I.Título. CDD 307.76 Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Digital Juice. Todos os direitos reservados. IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br Angelo Silva Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Bacharel em Ciências Sociais pela Unicamp. Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br Sumário As origens da Sociologia: os pais fundadores.............................................11 Os antecedentes do surgimento da Sociologia.............................................................................11 A sociedade transforma-se em objeto de estudo.........................................................................12 Os precursores............................................................................................................................................13 Karl Marx e a revolução . ........................................................................................................................13 Émile Durkheim e a institucionalização da Sociologia................................................................15 Max Weber e a Sociologia compreensiva.........................................................................................17 As grandes cidades industriais inglesas do século XIX e a crítica de Friedrich Engels................................................31 O contexto da época................................................................................................................................32 Um pouco da biografia do autor.........................................................................................................33 Sobre o texto de Engels .........................................................................................................................34 “As grandes cidades” ...............................................................................................................................35 Comentários sobre o texto....................................................................................................................37 Reforçando algumas ideias....................................................................................................................38 Sobre a metrópole capitalista e seus efeitos no indivíduo.....................45 Georg Simmel e a Sociologia................................................................................................................45 O que é que a grande cidade tem de especial?.............................................................................46 Conclusão.....................................................................................................................................................52 Max Weber e a cidade..........................................................................................57 Sobre o autor..............................................................................................................................................57 Max Weber e a cidade..............................................................................................................................58 Alguns elementos para a definição de cidade................................................................................59 A cidade e o campo..................................................................................................................................60 A cidade como local de defesa.............................................................................................................61 Observando mais de perto....................................................................................................................62 Reunindo os fios........................................................................................................................................63 Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br A Sociologia Urbana e a Escola de Chicago: Robert Ezra Park.......67 Sobre o autor em foco...................................................................................................................67 Uma pequena síntese da obra de Robert Park.....................................................................68 Conclusão...........................................................................................................................................73 Louis Wirth e o urbanismo como modo de vida................................79 Uma pequena apresentação.......................................................................................................79 Sobre seu texto mais conhecido no Brasil.............................................................................79 Buscando uma conclusão............................................................................................................86 Paul Singer e a Sociologia Urbana no Brasil.........................................91 Uma base marxista para pensarmos o Brasil.........................................................................92 Alguns aspectos teóricos sobre o processo de migração.................................................95 O perfil das cidades recortado pelo tipo de desenvolvimento capitalista.................97 Uma conclusão que se impõe aos olhos................................................................................98 Henri Léfèbvre e a Sociologia Urbana pela ótica marxista.......... 105 Sobre o autor................................................................................................................................. 105 A revolução urbana..................................................................................................................... 106 Discussão metodológica........................................................................................................... 107 Análise histórica . ......................................................................................................................... 108 Algumas suposições teóricas sobre a fase crítica............................................................. 110 Manuel Castells e a Sociologia Urbana............................................... 117 Sobre o autor................................................................................................................................. 117 Sua produção na temática urbana......................................................................................... 117 Contribuição para os estudos urbanos................................................................................ 118 O debate sobre a teoria do espaço........................................................................................ 119 Delimitação teórica do urbano............................................................................................... 122 Consumo como processo de reprodução da força de trabalho.................................. 123 Instrumentos teóricos para o estudo da política urbana.............................................. 125 Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br Ilhas de felicidade no meio do caos urbano............................................. 135 Um pouco mais sobre a autora e o tema........................................................................................135 Construindo muralhas para esconder a diferença......................................................................136 A transformação do espaço público em espaço privado.........................................................139 Uma comparação esclarecedora: São Paulo e Los Angeles.....................................................141 A modernidade invade as cidades: os shopping centers e as mudanças do urbano...................................... 149 O começo da história.............................................................................................................................150 Recriando identidades..........................................................................................................................153 O mundo cabe dentro de um SC.......................................................................................................155 Redesenhando a fisiognomia da metrópole moderna......................... 161 O livro das passagens ...........................................................................................................................161 Uma primeira volta pela quadra para reconhecimento . .........................................................163 Um olhar mais próximo.........................................................................................................................165 A cidade que sobrepõe texto e imagens........................................................................................167 No Brasil, São Paulo e Minas Gerais..................................................................................................168 Gabarito.................................................................................................................. 175 Referências............................................................................................................ 185 Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br Apresentação O objetivo principal deste trabalho é situar o leitor na discussão acadêmica sobre a Sociologia Urbana. Temos aqui dois caminhos que seguirão em paralelo, pelo menos inicialmente, até que venham a convergir no sentido de termos uma ideia clara do surgimento da Sociologia como ciência e da Sociologia Urbana como um ramo no tronco da ciência maior. Com este objetivo, organizei o trabalho de uma maneira cronológica, por um lado, e monográfica, por outro. Isto quer dizer que organizei os capítulos do livro a partir do surgimento da Sociologia como ciência, passando pelos precursores da Sociologia Urbana, depois pelos seus fundadores propriamente ditos. Isto posto, chegamos aos autores contemporâneos e ao Brasil. Mantivemos aqui uma cronologia não muito rigorosa. Outro aspecto relativo à forma de organização do trabalho é que procurei trabalhar com os principais autores dos respectivos temas. Tanto no caso da cronologia quanto da autoria, não segui com rigidez essas determinações. Elas funcionaram mais como um parâmetro geral do que como uma lei imutável, algo próximo das características relacionadas às ciências sociais em geral e à Sociologia em particular. Não estamos tratando das Ciências Exatas aqui, da Matemática, Física etc. Podemos, portanto, trabalhar com uma flexibilidade maior. Foi o que procurei aplicar na própria construção do texto, em suas partes e no conjunto que estas partes formam. Temos, então, ao longo dos capítulos, um arranjo próximo do seguinte: uma parte introdutória sobre as origens da Sociologia, seguida dos precursores da Sociologia Urbana, para depois chegarmos aos principais autores contemporâneos. Dedico uma parte do trabalho para refletirmos sobre os problemas urbanos mais atuais, articulados com a realidade brasileira. Boa leitura! Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br A Sociologia Urbana e a Escola de Chicago: Robert Ezra Park A sociologia urbana contou com um impulso muito marcante para o seu desenvolvimento com a criação da assim chamada “Escola de Chicago”. No interior daquela universidade norte-americana, uma série de autores debruçou-se sobre os estudos da Sociologia nas primeiras décadas do século XX, produzindo uma extensa bibliografia que marcou a história dessa ciência. Um dos principais integrantes desse grupo de autores foi Robert Park. Sobre o autor em foco Robert Ezra Park1 (14 de fevereiro de 1864 – 7 de fevereiro de 1944), um dos fundadores da Escola de Chicago, estudou na Universidade de Michigan. Seu interesse pelas questões sociais, especialmente as questões raciais e urbanas, levou-o a trabalhar como jornalista em Chicago. Depois de ser jornalista, estuda Psicologia e Filosofia em Harvard. Vai à Alemanha onde permanece por quatro anos estudando com Simmel e Wilhelm Windelband. Retorna aos Estados Unidos em 1903, tornando-se assistente em Filosofia em Harvard em 1904-1905. Park lecionou em Harvard até quando, por um convite de Booker T. Washington, passou a trabalhar no Instituto Tuskegee, desenvolvendo estudos sobre questões raciais do sul do país. Ingressou no departamento de Sociologia na Universidade de Chicago em 1914 onde permaneceu até sua aposentadoria em 1936. No entanto, Park continuou a lecionar na Universidade Fisk, até sua morte, ocorrida em Nashville, Tennessee, aos 79 anos de idade. Figura reconhecida nos círculos acadêmicos, foi presidente da Associação Sociológica Americana e da Liga Urbana de Chicago, além de membro do Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais. Influenciou no desenvolvimento da teoria da assimilação que era pertinente aos imigrantes dos Estados Unidos ao defender quatro passos no ciclo de relações raciais do imigrante em seu contexto: o primeiro era chamado de “contato”, o segundo “competição”, e 1 Informações retiradas do site: <http://forum.g-sat.net/showthread.php?t=117550>. Acesso em: 19 ago. 2008. Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br 67 no terceiro passo cada grupo deveria se acomodar aos outros. Caso isso não ocorresse, o grupo imigrante passaria por um processo de assimilação. Durante a estadia de Park na Universidade de Chicago, seu departamento de Sociologia começou a usar a cidade que a cercava como uma espécie de laboratório de pesquisa. Seu trabalho, conjuntamente com o de seus colegas, acabou por acrescentar outra qualificação à Sociologia Urbana. Essa Sociologia praticada lá nos Estados Unidos ficou conhecida como a Escola de Chicago. Uma pequena síntese da obra de Robert Park Robert Ezra Park é considerado o principal autor americano que se preocupou em sistematizar um corpo de reflexões já em 1916, através da publicação no Jornal Americano de Sociologia do artigo intitulado “A Cidade: sugestões para investigação do comportamento humano no meio urbano”, no qual formula uma proposta de estudo sobre a cidade. Posteriormente, esse texto será tomado como o roteiro indicativo dos estudos da Sociologia Urbana, na perspectiva da Escola de Chicago. Sua proposta nesse texto objetiva definir um ponto de vista sobre a cidade e a indicar um programa para o estudo da vida urbana, destacando sua organização física, suas ocupações e sua cultura. Lá encontramos a seguinte passagem: [...] a cidade é um estado de espírito, um corpo de costumes e tradições e dos sentimentos e atitudes organizados, inerentes a esses costumes e transmitidos por essa tradição. Em outras palavras, a cidade não é meramente um mecanismo físico e uma construção artificial. Esta, envolvida nos processos vitais das pessoas que a compõem; É um produto da natureza, e particularmente da natureza humana. (PARK, 1979, p. 26) Para Park, a cidade pode ser analisada em uma dimensão geográfica, de ecologia humana, ou ainda de um ponto de vista econômico, mas o que a torna objeto de uma análise sociológica é o fato de ser o habitat do homem civilizado, ou seja, uma área cultural. Sociologia Urbana O autor é um dos primeiros a fazer uma crítica às concepções econômica, ecológica e arquitetônica, porque entende a cidade como além de um mero artefato. Diz ele: 68 Mas essas coisas, em si mesmas são utilidades, dispositivos adventícios que somente se tornam parte da cidade viva quando, e enquanto, se interligam através do uso e do costume, como uma ferramenta na mão do homem, com as forças vitais residentes nos indivíduos e na comunidade. (PARK, 1979, p. 27) Seu trabalho está organizado em quatro eixos: a planta da cidade e a organização local; a organização industrial e a ordem moral; as relações secundárias e o controle social, e o temperamento e o meio urbano. Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br A planta da cidade e a organização local Park e os demais autores da Escola de Chicago tomam a cidade americana como referência e, a partir dela, propõe uma explicação para todos os demais fenômenos urbanos. Para ele a base física da cidade se expressa no binômio xadrez-quarteirão, enraizada nos hábitos e costumes das pessoas que a habitam. Assim, a cidade possui uma organização moral bem como uma organização física e as duas interagem mutuamente de modos característicos para se moldarem e modificarem uma a outra. Da combinação dos dois elementos (físico e moral) cada cidade assumirá uma feição própria. E, dependendo da maior ou menor segmentação, da atividade econômica predominante e da maior complexidade da malha urbana, pode ser estudada inicialmente a partir da vizinhança, das colônias e das áreas segregadas. Como hipótese de trabalho afirma que “a organização da cidade, o caráter do meio urbano e da disciplina por ele imposta são, em última análise, determinados pelo tamanho da população, sua concentração e distribuição dentro da área citadina” (1979, p. 30). A vizinhança tem como características principais o fato de estar assentada no princípio da associação; de ser a menor unidade local dentro da cidade; de ser diferente de comunidade porque pressupõe o princípio da racionalidade e, além disso, porque visa dar expressão ao sentimento local, em face de assuntos de interesse local. A organização industrial e a ordem moral Da mesma forma que Max Weber, Park define a cidade moderna como lugar do mercado e da troca. Para ele o mercado é a base da competição industrial e da divisão do trabalho. Utiliza-se do exemplo das cidades livres da Europa, que resultam da combinação entre lei e mercado aberto. Da definição de cidade como lócus do mercado sugere os seguintes temas de estudo: classes sociais e tipos vocacionais; as notícias e a mobilidade do grupo social e a bolsa de valores e a multidão. Ao tratar das classes sociais e tipos vocacionais, o autor afirma que a cidade é o ambiente natural do homem livre, onde o indivíduo pode desenvolver seu potencial. Cita um velho adágio alemão o qual afirma que “o ar da cidade liberta os homens” indicando que o mesmo permanece válido “na medida em que o indivíduo encontra nas possibilidades, na diversidade de interesses e tarefas, e na vasta cooperação inconsciente da vida Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br A Sociologia Urbana e a Escola de Chicago: Robert Ezra Park As colônias e áreas segregadas formam a antítese da vizinhança, na medida em que minam os laços de vizinhança, como os grupos raciais ou de imigrantes. “Onde indivíduos da mesma raça ou da mesma vocação vivem juntos em grupos segregados, o sentimento de vizinhança tende a se fundir com antagonismos de raça e interesses de classe” (PARK, 1979, p. 34). 69 citadina a oportunidade de escolher sua vocação própria e de desenvolver seus talentos individuais peculiares” (PARK, 1979, p. 36). Na cidade, toda vocação tende a assumir o caráter de profissão. Isso leva a um ato extremo de racionalização, especialização na ocupação e ao desenvolvimento de uma técnica consciente e específica para chegar a tal profissionalização. O desenvolvimento de tipos vocacionais dará origem a outras formas de associação, sendo a principal os sindicatos, que se organizam de forma diferente das associações de vizinhança. Para o autor em foco, a divisão do trabalho leva a maior interdependência das diversas vocações, ou seja, cada vez mais o indivíduo depende do grupo no qual se insere. O efeito da divisão do trabalho é que essa crescente interdependência das partes, sob condições de competição pessoal, cria na organização industrial certo tipo de solidariedade social fundada sobre uma comunidade de interesses. Nesse ponto de sua obra fica clara a aproximação ao conceito de solidariedade orgânica, elaborado por Émile Durkheim. Em relação à diferenciação, ele aponta para estruturas polares que se diferenciam: na vizinhança desenvolve-se uma forma de sociabilidade apoiada no sentimento, enquanto nas associações e nos grupos vocacionais a forma que predomina é a do interesse. Para Park, sentimento é a incapacidade de agir com relação a algo de uma maneira completamente racional: há motivos para ação, mas estes não se apresentam de forma plenamente consciente. Por outro lado, o interesse implica na existência de meios e de uma consciência da distinção entre meios e fins. Dessa discussão sobre mobilidade social emergem conceitos considerados por ele fundamentais: dinheiro, grupos sociais e equilíbrio. Sociologia Urbana O autor irá tratar o dinheiro como um “mediador social”, mediação esta que enfatiza a racionalização de valores e o interesse ao invés do sentimento. A Bolsa de Valores é, para Park, uma instituição que sintetiza, na cidade, este argumento, pela extrema mobilidade e a instabilidade da vida social, baseadas na variação de recursos e na possibilidade de crise permanente e de manipulação financeira. Nessa forma de organização social, vemos que os grupos sociais ali existentes são compostos por indivíduos em competição, isto é, em equilíbrio instável, possível de ser mantido apenas através de um contínuo reajustamento. 70 Desse conjunto de conceitos sugere que cabe à Sociologia Urbana realizar estudos sobre as mudanças social, espacial e residencial. Afirma que “mede-se mobilidade num indivíduo ou numa população não apenas pela mudança de localidade, mas antes pelo número e variedade dos estímulos a que o indivíduo ou a população responde” (PARK, 1979, p. 41). Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br A partir da discussão da divisão do trabalho o autor construirá um quadro comparativo das diferenças entre a cidade grande e o campo ou comunidades de vizinhanças. Somente na cidade, para Park, é que se encontra o fenômeno da multidão, conjunto de indivíduos que perdem a sua capacidade de manifestação de interesses individuais, torna-se um ente irracional e, portanto, pode ser manipulada e controlada. A multidão só é possível na cidade, pois exige alto estágio de mobilidade, bem como relações modernas e industriais. Uma das principais conclusões de Park, que permite que se afirme que a Sociologia é essencialmente uma ciência do urbano, é que ele afirma que a cidade é o laboratório por excelência para investigação do comportamento humano. Vejamos o que ele diz: A cidade, e especialmente a grande cidade, onde mais do que qualquer outro lugar as relações humanas tendem a ser impessoais e racionais, definidas em termos de interesse e em termos de dinheiro, é num sentido bem real um laboratório para a investigação do comportamento coletivo. As greves e movimentos revolucionários menores são endêmicos no meio urbano. As cidades, e especialmente as cidades grandes, estão em equilíbrio instável. O resultado é que os enormes agregados casuais e móveis, que constituem nossas populações urbanas, estão em estado de perpétua agitação, varridos por todo novo vento de doutrina, sujeitos a alarmas constantes e, em consequência, a comunidade está numa condição de crise crônica. (PARK, 1979, p. 45. Grifo nosso) Relações secundárias e controle social A sociedade moderna, os meios de transportes e de comunicação levam a mudanças, cada vez mais rápidas e intensas, com a substituição das relações primárias, diretas, face a face, por relações indiretas, secundárias. Uma vez que na cidade há o enfraquecimento das relações íntimas do grupo primário, com a perda das funções da família e igreja, a fusão de individualidades em um todo comum não mais ocorrerá. Com o afrouxamento dos laços comunais, o principal fenômeno social que explica a existência dos vícios e crimes nas grandes cidades, a vida social se alterará significativamente. Park tratará essas alterações como temas de estudo, enfocando temas como o enfraquecimento da família e da igreja; a crise e os tribunais; o vício comercializado e o tráfico de bebidas; política partidária e publicidade; propaganda e controle social na cidade, como espaço da racionalidade e em função da heterogeneidade, muitos indivíduos diferentes se cruzam, mas não se veem. Isso provoca o enfraquecimento do controle social a partir das instituições clássicas. Para controlar a crise social latente Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br A Sociologia Urbana e a Escola de Chicago: Robert Ezra Park Entendo por grupos primários aqueles caracterizados por associação e cooperação íntimas face a face. Eles são em vários sentidos primários, mas principalmente no de que são fundamentais na formação da natureza social e dos ideais de cada indivíduo. Psicologicamente, o resultado da associação íntima é uma certa fusão de individualidades em um todo comum, de tal forma que o próprio ser individual, pelo menos para muitos fins, é a vida e o propósito comuns do grupo. (PARK, 1979, p. 47) 71 (necessária para a mobilidade e a mudança social) a cidade só pode funcionar apoiada na ideia de uma lei positiva, em que a norma jurídica substitui o controle antes feito pelo costume, tradição e moral. Segundo Park, o controle social sob as condições de vida citadina talvez possa ser estudado melhor nas suas tentativas de eliminar o vício e de controlar o tráfico, uma vez que os vícios, mesmo não sendo típicos (naturais) da cidade, encontram no habitat urbano os estímulos para sua livre expressão. Assim, o autor também propõe estudos para investigar esforços de regulamentação e supressão dessas formas de exploração e tráfico. Outra dimensão importante das relações secundárias é a política partidária e a publicidade. O crescimento da cidade e sua organização complexa exigem que sua administração não fique apenas na mão do indivíduo eleito. Há a necessidade de um corpo de funcionários, não conhecidos dos eleitos e longe dos interesses dos indivíduos. Nesse ponto de sua argumentação, Park revela outra preocupação que é a da importância da publicidade e da propaganda para a vida moderna, como a forma contemporânea de controle social. Desenvolve a noção da “organização para um bom governo”, ou seja, a emergência de escritórios de pesquisa que buscam representar os interesses da cidade como um todo, fazendo apelo a um sentimento que nem é local nem pessoal. Na cidade a publicidade passa a ser a forma de controle social reconhecido, emergindo, então, como profissão, sustentada por um corpo de conhecimentos específicos que são uma forma eficiente de controle da opinião pública nas sociedades baseadas em relações secundárias. Seus principais instrumentos são os jornais diários e os escritórios de pesquisas que, segundo ele (é bom lembrar que o autor escreve na Chicago de 1916!) [...] são os mecanismos para o uso da publicidade como meio de controle social mais interessantes e promissores [...] O jornal é o grande meio de comunicação dentro da cidade, e é na base da informação fornecida por ele que se baseia a opinião pública. A primeira função que um jornal preenche é a que anteriormente o falatório desempenhava na aldeia. (PARK, 1979, p. 60-61) Sociologia Urbana O temperamento e o meio urbano 72 A cidade, pela extensa mobilidade social que provoca, gera novos contatos e formas mais sutis de interação, com a existência não só dos tipos vocacionais, mas também dos tipos temperamentais. Partindo dessa constatação, Park destaca três eixos de estudos: a mobilização do homem individual, a região moral e o temperamento e contágio social. No primeiro eixo, da mobilização do homem individual, destaca que a cidade proporciona muitos contatos, mais transitórios e menos estáveis, a substituição Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br das associações mais íntimas e permanentes da comunidade por uma relação casual e fortuita, o peso do status, ou seja, da aparência. A cidade é o ambiente para a emergência de outro temperamento humano apoiado em elementos do acaso e aventura, funcionando como atração especial aos “nervos jovens e frescos”. A cidade é sinônimo de um clima moral que lhe dá liberdade, é o espaço para excentricidade e para a livre manifestação dos talentos. Do estudo desses tipos excepcionais e temperamentais, deveríamos distinguir entre as qualidades mentais abstratas em que se baseia a excelência técnica e as características inatas mais fundamentais que encontram expressão no temperamento. Esta outra dimensão da cidade como região moral é importante para os estudos sobre a cidade, pois para Park a segregação ocorre não apenas por interesses, mas de acordo com os gostos e temperamentos de seus habitantes. Assim, pode ser tomada também como apenas um ponto de encontro, um local de reunião ou um local de moradia. Para entendermos o surgimento da região moral é necessário perceber o que o autor chama de teoria dos impulsos latentes do homem. A verdade parece ser que os homens são trazidos ao mundo com todas as paixões, instintos e apetites, incontrolados e indisciplinados. A civilização, no interesse do bem-estar comum, requer algumas vezes a repressão, e sempre o controle, dessas disposições naturais. No processo de impor sua disciplina ao indivíduo, de refazer o indivíduo de acordo com o modelo comunitário aceito, grande parte é completamente reprimida, e uma parte maior encontra uma expressão substituta nas formas socialmente valorizadas ou pelo menos inócuas. É nesse ponto que funcionam o esporte, a diversão e a arte. Permitem ao indivíduo se purgar desses impulsos selvagens e reprimidos por meio da expressão simbólica. É esta a catarse de que Aristóteles escreve em sua Poética, e à qual têm sido dadas significações novas e mais positivas pelas investigações de Sigmund Freud e dos psicanalistas. (PARK, 1979, p. 65) Conclusão Podemos afirmar que Park, ao construir a categoria de região moral como explicativa para as diferentes associações (por interesse) presentes na sociedade, desloca do campo econômico para o psicossocial as explicações para a segmentação presente na cidade e, por conseguinte na sociedade. Se sua leitura da estrutura física e econômica caminha no Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br A Sociologia Urbana e a Escola de Chicago: Robert Ezra Park Somente a vida na cidade permite “contágio” de tipos excêntricos, em que os tipos diferentes podem se associar com outros de sua laia, pois a cidade lhes dá o suporte moral. Dessa forma, a região moral é uma categoria analítica para se aplicar a regiões onde prevaleça um código moral divergente, por uma região em que as pessoas que a habitam são dominadas, de uma maneira que as pessoas normalmente não o são, por um gosto, por uma paixão, por algum interesse que tem suas raízes diretamente na natureza original do indivíduo. 73 mesmo sentido dos autores clássicos da Sociologia, a introdução da dimensão moral como constitutiva das relações sociais citadinas desloca-o do campo dos “ecologistas” para o campo dos “culturalistas”. A influência que esta abordagem terá sobre os autores da Escola de Chicago será a de fortalecer a cisão entre essas duas correntes. Nas décadas de 1920 e 1930 elas se afastarão gradativamente, dando origem praticamente a “duas Escolas de Chicago”, com respectivamente Louis Wirth assumindo a vertente culturalista e Ernest Burgess a ecologista. Com o quadro a seguir, fizemos uma pequena síntese das categorias analíticas formuladas por Robert Park. Quadro das categorias propostas por Park Cidade Campo/comunidades de vizinhanças Interesse Sentimento Mobilidade Isolamento Divisão do trabalho Simplicidade do trabalho Raciocínio abstrato Raciocínio concreto Homem síntese: judeu Homem síntese: camponês Competição Cooperação Mores (usos sociais, maneiras de agir racionais) Folkways (costumes tradicionais, derivados de agrupamentos homogêneos e simples) Excentricidade Conservadorismo Aventura Acomodação TEXTO COMPLEMENTAR A organização moral e a cidade Sociologia Urbana (PARK, 1979, p. 62-63) 74 Não somente o transporte e a comunicação, mas também a segregação da população urbana tendem a facilitar a mobilidade do homem individual. Os processos de segregação estabelecem distâncias morais que fazem da cidade um mosaico de pequenos mundos que se tocam, mas não se interpenetram. Isso possibilita ao indivíduo passar rápida e facilmente de um meio moral a outro, e encoraja a experiência Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br fascinante, mas perigosa, de viver ao mesmo tempo em vários mundos diferentes e contíguos, mas de outras formas amplamente separados. Tudo isso tende a dar à vida citadina um caráter superficial e adventício; tende a complicar as relações sociais e a produzir tipos individuais novos e divergentes. Introduz, ao mesmo tempo, um elemento do acaso e aventura que se acrescenta ao estímulo da vida citadina e lhe confere uma atração especial para nervos jovens e frescos. O atrativo das cidades grandes é talvez uma consequência de estímulos que agem diretamente sobre os reflexos. Enquanto tipo de comportamento humano, pode ser explicado, num a espécie de tropismo, como a atração de uma mariposa pela chama. Entretanto, a atração da metrópole é em parte devida ao fato de que a longo prazo cada indivíduo encontra em algum lugar entre as variadas manifestações da vida citadina o tipo de ambiente no qual se expande e se sente à vontade; encontra, em suma, o clima moral em que sua natureza peculiar obtém os estímulos que dão livre e total expressão a suas disposições inatas. São motivações desse tipo, suspeito eu, que têm suas bases não no interesse, nem mesmo no sentimento, mas em algo mais fundamental e primitivo, que trazem muitos, se não a maioria dos jovens e mulheres, da segurança de suas casas no interior para a grande e atordoante confusão e excitação da vida citadina. Na comunidade pequena, o homem normal, o homem sem excentricidade ou gênio, é o que parece mais tendente a se realizar. Poucas vezes a comunidade pequena tolera a excentricidade. A cidade, pelo contrário, a recompensa. Nem o criminoso, nem o defeituoso, nem o gênio, têm na cidade pequena a mesma oportunidade de desenvolver sua disposição inata que invariavelmente encontra na cidade grande. (KAUFFMANN NETO, 2008) Folkways: Sumner denominou folkways (modos do povo, costumes) aos modos de agir que condicionam o comportamento do homem na sociedade, gerando uma etiqueta social que caracteriza o que é certo ou errado, rude ou refinado, adequado ou inadequado dentro de determinados contextos. Esses códigos podem ser expressos no jeito de falar, no relacionamento pessoal (inclusive na distância física entre os indivíduos), no tipo de roupa e aparência visual. O grupo a que pertence uma pessoa pode muitas vezes ser deduzido a partir dos trajes, corte de cabelo, postura corporal e de outros detalhes que se tornam verdadeiros “uniformes” de um ambiente ou procedência. O “jeitinho brasileiro”, mecanismo de adaptação das relações pessoais informais à sociedade moderna, que procura garantir os direitos dos cidadãos através de normas impessoais, é uma forma de manifestação de folkways. Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br A Sociologia Urbana e a Escola de Chicago: Robert Ezra Park Os conceitos de folkways e mores 75 Nem todos os folkways, entretanto, possuem igual importância perante o grupo, pois não são posturas rígidas. Podem ser modificados sem que a sociedade reaja vigorosamente contra as mudanças. As práticas do namoro (da troca de olhares, mãos dadas e abraços ao período razoável de relacionamento para decisões quanto a noivado e casamento) têm passado por muitas transformações, sem que isso afete a instituição “casamento”. Mores: Alguns folkways, contudo, são considerados especiais. A sua omissão pode gerar situações de inquietação e conflito dentro do grupo. O motivo dessa distinção deve ser procurado na forma latente que os interesses tomam no corpo social. São os valores morais, as crenças, os princípios norteadores da conduta e os códigos de comportamento, bem como a filosofia de vida de determinado agrupamento social que definem o grau de importância de cada ato praticado. A esses folkways diferenciados Summer denominou mores. O uso da aliança, simbolizando a união matrimonial, é uma prática que pertence à categoria dos mores. Um conjunto de folkways e mores relativos a um determinado interesse vital dá origem a uma Instituição. ATIVIDADES Sociologia Urbana 1. Por que Robert Park considera possível a existência de uma Sociologia da cidade ou Sociologia Urbana? 76 Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br 2. Como o autor em pauta encara a divisão do trabalho do ponto de vista das relações humanas? 3. Qual relação o autor estabelece entre propaganda e controle social para a época em que viveu? A Sociologia Urbana e a Escola de Chicago: Robert Ezra Park Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br 77 Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br Gabarito A Sociologia Urbana e a Escola de Chicago: Robert Ezra Park 1. Para uma resposta apropriada o aluno deve mencionar que esse autor se propõe a estudar o espaço urbano, tendo como principal motivação o fato de ser o habitat do homem civilizado, ou seja, uma área cultural. 2. A expectativa é de que o aluno desenvolva sua resposta, mostrando que o autor afirma que com a acentuada divisão do trabalho e especialização desenvolvese uma espécie de solidariedade entre os indivíduos porque, cada vez mais, uns dependem dos outros para viver. 3. O importante é que o aluno desenvolva a ideia de que, para Park, o controle social dá-se através da propaganda, ou seja, que as pessoas são conduzidas pelos governos através da propaganda. Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br