Revelação Diagnóstica do HIV – A arte de comunicar más notícias

Propaganda
Revelação Diagnóstica do HIV – A arte de comunicar más notícias
Tânia Regina C. de Souza, Karina Wolffenbuttel, Márcia T. F. dos Santos
A aids é ainda uma doença ameaçadora. Apesar de todos os avanços no
campo do tratamento, aumento da perspectiva e qualidade de vida, ela continua
associada ao preconceito, a discriminação, a exclusão, ao sofrimento, inúmeras
perdas e à morte.
O fato da aids ser sexualmente transmissível e estar associada a
orientações sexuais diversas (homossexuais, bissexuais) e grupos mais
vulneráveis (travestis, profissionais do sexo, usuários de drogas) torna os
portadores da doença vítimas de estigma e preconceito. Neste contexto, pode-se
dizer que nos últimos 30 anos, a aids é a doença que mais provocou situações de
exclusão, em todos os campos da existência, provocando o que denominamos
morte social (Daniel e Parker, 1991).
Todos esses fatores tornam a revelação do diagnóstico de HIV/aids uma
tarefa complexa. Em saúde, a comunicação de má notícia significa “toda a
informação que envolve uma mudança drástica e negativa na vida da pessoa e na
perspectiva do futuro”. Além disso, tanto para o profissional de saúde, quanto para
o paciente, está quase sempre associada a morte iminente ou a incapacidade
física (Pereira, 2005, p.34).
Será que nós, profissionais de saúde, estamos preparados para comunicar
a outrem que sua vida estará “ameaçada” daqui para frente? Que deverá mudar
seu comportamento sexual e estilo de vida? Como revelar um diagnóstico que
provocará mudanças significativas na vida de quem o recebe?
Para Pereira, essa situação é uma das mais complexas no contexto das
relações interpessoais em saúde, pois gera perturbação tanto para quem
transmite como para quem recebe a notícia (2005).
Segundo documento elaborado pelo Instituto Nacional do Câncer “estar
presente, acompanhar, dar suporte e também compartilhar e aprender com cada
um dos pacientes exige uma disponibilidade que não vem sem um preparo, o qual,
1
geralmente, não é oferecido pela formação profissional nem encontra espaços
institucionais de compartilhamento e elaboração” (2010, p.26).2
Muitas vezes nos vemos sozinhos diante de situações difíceis e bastante
mobilizadoras. Porém, infelizmente não há uma receita pronta para facilitar a
tarefa do profissional de saúde e diminuir suas angústias. Dar más notícias nos
coloca diante do sofrimento do outro, o que pode gerar muita ansiedade,
sentimento de impotência e estresse.
O que propomos aqui é uma reflexão sobre vários aspectos que podem nos
ajudar a construir e organizar esse momento tão delicado, o da revelação
diagnóstica do HIV.
Em primeiro lugar, qual o significado do recebimento de um resultado
positivo? “Receber um
exame com resultado positivo é o primeiro impacto
emocional causado pela aids. Isso faz com que a pessoa se conscientize de sua
finitude.”(Souza, 2008, p. 34) É lidar com sua própria mortalidade. É a constatação
de que sua vida pode ter um fim próximo. É acabar com os sonhos idealizados e
perder a perspectiva de vida num futuro distante.
Kübler-Ross (1994), em seu trabalho com portadores de câncer, relata os
sentimentos dos mesmos ao receberem o diagnóstico. Sentiam que sua vida
estava ameaçada pela doença e se conscientizavam de sua possível morte. A
primeira reação do paciente era de choque, torpor e descrença.
Referindo-se ao diagnóstico de soropositividade para o HIV, Guimarães e
Raxach (2002) citam várias reações psicológicas do sujeito: isolamento, medo do
futuro e da morte, sensação de perda de controle, negação da finitude da vida e
negação do diagnóstico.
É impossível prever as reações de uma pessoa que acaba de receber um
diagnóstico positivo para o HIV, porém é possível nos depararmos com alguém
cheio de incertezas, ansiedade e medos, e com a esperança ameaçada. Alguém
que viverá este momento de forma bastante singular.
A verdade pode ser dolorosa, mas ajudará a desenvolver segurança na
relação
do
cuidar.
informação,
apoio
e
orientação
com
relação
ao
2
desenvolvimento da doença e tratamento diminuem o nível de ansiedade,
favorecem o vínculo e a adesão.
Assim, pensamos em algumas recomendações para o aconselhamento
pós-teste que possam garantir ao profissional de saúde e ao usuário respeito,
dignidade e suporte emocional:
1) Formação e habilidades a serem desenvolvidas pelo aconselhador:

É indispensável a sensibilidade e o preparo técnico, traz segurança para o
profissional de saúde, facilita o cuidado e
os encaminhamentos
necessários.

É preciso ter disponibilidade de tempo para acolher, ouvir o outro e pensar
conjuntamente. Não basta dar informações, é preciso que o outro elabore a
notícia que está recebendo.

Garanta um ambiente adequado. O acolhimento inicial e o resultado do
teste devem ser realizados numa sala confortável, garantindo o sigilo e a
privacidade.

Lembre-se que escutar é mais do que ouvir. Observe atentamente a
comunicação não verbal – expressão facial, olhos, movimentação corporal e acolha as demandas do paciente com resolutividade.

Tenha cuidado também com sua comunicação não verbal, nosso corpo e
nosso olhar podem dizer algo diferente daquilo que estamos falando.

A informação deve ser clara e precisa. Considere o desenvolvimento
cognitivo da pessoa que está a sua frente. Não use termos técnicos. Tenha
cuidado em dizer “positivo ou reagente” “negativo ou não reagente”, avalie
o significado dessas palavras para que o resultado seja bem compreendido.

Lembre-se que uma coisa dita não quer dizer que tenha sido ouvida e
compreendida.
2) Avaliando o usuário:

Considere a capacidade de tolerância emocional de cada usuário.
3

Avalie as estratégias de enfrentamento que estão sendo utilizadas –
negação por exemplo.

Avalie o que e quanto ele quer saber sobre a doença, tratamento e
prognóstico. Ele é quem determinará o que e como você deve falar.

É preciso tratar o sujeito com singularidade, cada caso é um caso, cada
sujeito tem uma história de vida única e viverá este momento com
intensidade diferente.

Respeite a autonomia, os valores e as prioridades de cada pessoa.
3) Estimulando a expressão de sentimentos:

Encoraje a expressão de sentimentos, reconheça e valide o sofrimento do
usuário. Deixe-o falar ou se for o caso, respeite o silêncio.

Proponha ações que valorizem o sujeito como pessoa. Culpa e vergonha
são sentimentos muito comuns frente ao diagnóstico do HIV/aids.

Não faça comparações, juízos de valores, nem minimize as perdas.

Se for mulher, valorize todas as dificuldades enfrentadas na relação de
gênero
(associação
com
promiscuidade,
negociação
do
uso
de
preservativo).

Seja realista sem acabar com a esperança, pois esta será muito importante
na trajetória da doença. Estimule os projetos em curso e aqueles
idealizados para o futuro.
4) Planejando estratégias assistenciais:

Investigue apoio familiar e rede social. Estimule a revelação do diagnóstico
para alguém, apontando a importância de um suporte neste momento.
Mostre-se disponível para ajudá-lo na revelação a terceiros.

Incentive a busca de informações sobre a doença e tratamento em livros,
revistas e internet. A indicação de grupos de apoio de pessoas que vivem
com HIV é muito interessante neste momento, pois permite a troca de
experiências, promove o autocuidado e estimula a vida social.
4

Valorize a importância do tratamento imediato. Planeje com ele seu
segmento num serviço assistencial. O soropositivo deve sair do
aconselhamento pós-teste com consulta agendada para acompanhamento.

Ofereça o aconselhamento continuado até que ele se vincule ao serviço
especializado ao qual foi encaminhado.
Para Kovács comunicar o diagnóstico de uma doença com prognóstico
reservado “é um processo de escuta, de ouvir as perguntas e detectar os
sentimentos. Transmitir más notícias é uma especialidade, o compartilhamento da
dor e do sofrimento requer tempo, sintonia e privacidade.” (2006, p. 95-96)
Assim, ressaltamos que revelar o diagnóstico do HIV é muito mais do que dizer
“reagente” ou “não reagente”, mas é ser continente para dar oportunidade ao 5
usuário expressar seus sentimentos e suas dúvidas e reorganizar sua vida.
(Kahhale, 2010).
Apesar de não termos tido nos bancos acadêmicos discussão sobre
estratégias de comunicação de más notícias ou notícias difíceis em saúde, é
preciso estar preparado para atuarmos de forma dinâmica e efetiva. Sabemos que
a forma como o diagnóstico é revelado pode interferir em toda trajetória da
doença, na construção de vínculos entre profissional-paciente e ser preditor na
adesão ao tratamento, e, portanto na qualidade de vida do paciente.
Referências bibliográficas:
Daniel, H. & Parker, R. AIDS A Terceira Epidemia. São Paulo: Iglu, 1991.
Guimarães, MS.; Raxach, JC. A questão da adesão: os desafios impostos pela
AIDS no Brasil e as respostas do governo, de pessoas e da sociedade. In: Impulso
– Revista de Ciências Sociais e Humanas. V.13, n.32, p. 69-90, 2002.
Kahhale, EP et al HIV-Aids: enfrentando um sofrimento psíquico. São Paulo:
Editora Cortez, 2010.
Kovács, MJ, Dor e Cuidados Paliativos: Enfermagem, Medicina e Psicologia. In:
Pimenta, CAM; Mota, DCF e Cruz DALM Comunicação em Cuidados
Paliativos.São Paulo: Editora Manole, 2006. p 86 a 102.
Kübler-Ross, E. Sobre a morte e o morrer. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes,1994.
5
Instituto Nacional do Câncer, Comunicação de Notícias Difíceis: compartilhando
desafios na atenção a saúde. Rio de Janeiro: INCA, 2010.
Pereira, MAG. Má notícia em saúde: um olhar sobre as representações dos
profissionais de saúde e cidadãos. In: Texto Contexto Enfermagem. Santa
Catarina. n 14, p. 33 – 37, 2005.
Souza, TRC. Impacto Psicossocial da AIDS – Enfrentando Perdas Ressignificando
a Vida. São Paulo: CRT DST/AIDS-SP, 2008.
FONTE: Revista Prática Hospitalar
Ano XIII – nº 78 – Nov/dez 2011
p. 68-70
6
Download