Distância e Divisão na Ásia Oriental

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Distância e Divisão na Ásia Oriental
Quando o Almirante Zheng He trouxe uma girafa para Nanquim em 1415, acreditou-se que era um animal celeste, associado a
grande paz e prosperidade. Isso também marcou o apogeu da influência chinesa na Ásia Oriental e na riqueza da região com relação ao resto do mundo. Naquela época, a China era provavelmente a maior economia do mundo, dispunha do mais alto padrão
material de vida, com florescimento das artes e da educação, e avanços numa gama de tecnologias. Sua capacidade naval havia
permitido viagens para lugares tão distantes como a África.
A
China sozinha pode ter sido
responsável por um terço da
manufatura global, o que não
iria durar. Cem anos depois, um novo
imperador destruiu os diários de navegação de Zheng He e reduziu a frota
a um décimo de seu tamanho, acreditando que os custos das expedições ao
exterior ultrapassavam os benefícios. A
China entrou em séculos de isolamento
autoimposto, rompido de maneira
infame e prejudicial pelos britânicos
durante as Guerras do Ópio no século
XIX.
A era de isolacionismo da Ásia
Oriental
A China não foi a única que tentou
isolar-se do resto do mundo. No Japão,
Tokugawa Iemitsu promulgou o “Edito
do País Fechado de 1635” e a “Exclusão
dos Portugueses, de 1639”, efetivamente
fechando o país às influências externas
pelos dois séculos seguintes. Os editos
não só impediam os estrangeiros de
entrar no Japão, mas também proibiam os japoneses de ir para o exterior.
A rejeição de tudo o que era ocidental
estendeu-se à tecnologia. Numa tentativa extraordinária de preservar sua
cultura e hierarquia social, o Japão gradualmente aboliu as armas de fogo em
favor da espada samurai, mais elegante
e simbólica.
Esses exemplos extremos mostram
a vasta divisão entre os países da Ásia
Oriental, especialmente após o século
XVII. Os estudiosos não concordam
plenamente quanto aos efeitos econômicos dessa divisão. Alguns afirmaram
que a redução dos padrões de vida foi
significativa durante os períodos Qing
e Tokugawa. Outros acreditam que é
mais correto caracterizar essas sociedades como economias estagnadas em
vez de em declínio. Em todo caso, o
nível dos salários no Japão e na China
no início do século XIX era muito inferior ao de Londres ou Amsterdã, até
em termos reais, talvez em até 50%.1
Adam Smith já havia percebido isso: “A
diferença entre o preço monetário do
trabalho na China e na Europa é ainda
maior do que entre o preço monetário
da subsistência; pois a recompensa real
do trabalho é mais alta na Europa do
que na China”.2
Smith estava certo. Mesmo antes da
Revolução Industrial, certas partes da
Europa haviam avançado além da Ásia
nos seus padrões de vida. Ele também
estava certo ao escrever sobre a China
como economia unificada. Os mandarins chineses mantinham registros
excepcionais dos salários pagos aos
armeiros e outros artesãos que prestavam serviços para o governo. Isso mostra pouca diferença regional, apesar
das vastas distâncias dentro da China
imperial. Somente as áreas menos densas e escassamente povoadas do norte
tinham salários um pouco mais altos.
Em meados do século XIX, os salários reais em Cantão e Tóquio, as cidades mais avançadas da Ásia, eram iguais
somente aos de pequenas cidades euro-
péias como Milão e Leipzig. Em outros
lugares da Ásia Oriental, os padrões
de vida eram ainda mais baixos. Os
antigos estados tributários chineses
haviam sido colonizados, e os países
asiáticos estavam ainda mais divididos
(ver mapa G3.1). Pouco depois, a maior
parte da Europa passou pela Revolução
Industrial, e a “grande divisão” entre a
Europa e a Ásia ampliou-se, com grandes avanços dos salários e do produto
interno bruto (PIB) europeus. Segundo
Angus Maddison (2006), a parcela da
Ásia Oriental no PIB global, que era em
torno de 40% entre 1500 e 1800, caiu
para menos de 15% por volta de 1950.
Cinqüenta anos de integração
asiática
Avancemos para os dias de hoje.
As economias da Ásia Oriental tornaram-se integradas por uma densa
gama de redes de produção regionais.
Essas cadeias de fornecimento começaram com a terceirização das multinacionais japonesas nos anos 1980,
conforme os custos dos salários e da
terra na densa área de produção de
Tóquio tornavam-se proibitivos para a
manufatura competitiva. Na realidade,
a concentração econômica em Hong
Kong, na China, no Japão, na República da Coréia, e em Taiwan, resultou
em transbordamento – primeiro para
países de renda média no Sudeste Asiático, e depois para a China, à medida
que as barreiras da ideologia econômica foram reduzidas. Recentemente,
Geografia em Movimento
Mapa G3.1 A Ásia dividida: o conflito em meados do século XIX
Território chinês perdido
Tributários chineses perdidos
Rebeldes de Taiping, 1853–64
Sakhalin
RÚSSIA
PROV.
MARÍTIMA
Hokkaido
PARA A RUSSIA
MANCHÚRIA
PARA O JAPÃO
Vladivostok
Honshu
MONGÓLIA
PENÍNSULA DE LIAOTUNG
(Rússia)
(esfera russa:
independente em 1911)
Port Arthur
Pequim
SINKIANG
Dairen
(Pequin)
(Dalian)
(Weihai)
(Reino Unido)
(Tianjin)
Rebelião Nien
1853-68
CHINA
TIBETE
Shikoku
Weihaiwei
Tientsin
Rebelião muçulmana
1862-77
JAPÃO
CORÉIA
(Lüshun)(Rússia)
Kyushu
Baía de Kiaochow
(Alemanha)
Shanghai
Ningpo
Nanking
Okinawa
Hankow
NEPAL
Chungking
SIKKIM
Foochow
(Chongqing)
(Fuzhou)
BUTÃO
Taiwan
Canton
(Guangzhou)
PARA BRITAIN
BURMA
I NDOCHI NA
Kowlong e
Hong Kong
(Reino Unido)
Baía de Kwang-Chow
(França)
Hainan
Mindoro
SIÃO
PARA A FRANÇA
Andman
Islands
Luzon
Samar
FILIPINAS
Palawan
Mindanao
Fonte: www.fordham.edu/halsall.
cadeias de fornecedores se concentraram na China, e grandes montadoras
em Guangdong e Shenzhen. À medida
que a China amadureceu, ela também se
tornou exportadora de bens intermediários e de capital. A China é hoje o principal parceiro comercial do Japão e da
República da Coréia, e mais da metade
das suas importações em rápido crescimento provêm da Ásia Oriental.
Hoje o comércio intrarregional na
Ásia Oriental aproxima-se daquele
dentro da União Européia (EU), crescendo consistentemente mais rápido
que o comércio entre a Ásia Oriental e
as outras regiões do mundo. Os países
da Ásia Oriental são a fonte de quase
dois terços de todo o investimento
estrangeiro na região. Até a tecnologia
está começando a ser criada dentro da
região, especialmente nas indústrias
de exportação cruciais como a de eletrônicos. Os países da Ásia Oriental
estão empenhados na remoção das
divisões entre si na forma de barreiras
comerciais e outros custos de fronteira.
Eles começaram com logística de primeira classe, nos portos e aeroportos
– embora restrita às vezes às zonas econômicas especiais. E continuaram com
melhorias da infraestrutura leve, como
reformas alfandegárias e isenções de
195
visto dentro da Associação das Nações
do Sudeste Asiático (ASEAN).
A queda da divisão entre os países
da Ásia Oriental coincidiu com o crescimento veloz num amplo espectro
desde a República Democrática Popular
do Laos, com renda per capita de US$
500 em 2006, até Cingapura, com renda
per capita de quase US$ 30 mil. Dentro
da Ásia Oriental, as rendas estão convergindo lentamente: os países pobres
estão crescendo mais rápido que os países ricos. A maioria dos países da Ásia
Oriental seguiu caminhos semelhantes,
começando pela intensificação agrícola
e industrialização rural, seguidas pela
expansão urbana e pelas exportações
de bens manufaturados. Houve aprendizado no exterior – de novas tecnologias e novas instituições. As exportações
tornaram-se tecnologicamente mais
complexas. Os países de renda média
especializaram-se na produção de
componentes, enquanto os países asiáticos ricos agregaram valor por meio de
inovação, divulgação de marca e maior
sofisticação tecnológica.
À medida que a região cresceu, ela
desenvolveu uma dinâmica que reforça
o crescimento. A ASEAN, a China, o
Japão e a República da Coréia são uma
massa econômica comparável à América do Norte nos anos 1990. À medida
que o centro de gravidade da economia
global se desloca para o Cinturão do
Pacífico, o acesso ao mercado global
para todos na Ásia Oriental melhorou.
O grau de comércio intrarregional
na Ásia Oriental pode ser considerado
surpreendente, dada a história de relações políticas antagônicas entre muitos países da região. No Hemisfério
Ocidental, os efeitos econômicos dos
conflitos entre os países foram superados pelas instituições formais dos
sistemas jurídicos codificados e dos
acordos políticos que regiam as transações comerciais próximas e podiam
ser facilmente expandidos para acomodar o crescimento veloz do comércio
e das finanças. Na Ásia Oriental, essas
instituições demoraram mais para se
desenvolver. Em lugar delas, uma longa
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R E L AT Ó R I O S O B R E O D E S E N VO LV I M E N T O M U N D I A L 2 0 0 9
Geography in motion
Mapa G3.2 A Ásia integrada: o comércio no final do século XX
Total das importações
(US$ bilhões)
>250
100–250
10–75
75–100
<10
REP.
REP
RE
P. OF
CORÉIA
KOREA
JAPÃO
JAP
JA
PAN
CHINA
HONG
KONG,
CHINA
TAILÂNDIA
THAILAND
TAIWAN,
CHINA
VIETNÃ
VIETNAM
FILIPINAS
PHILIPPINES
MALA
MAL
AYSIA
MALÁSIA
CINGAPURA
SINGAPORE
Fluxos bilaterais de importação (US$ bilhões)
>150
100–150
25–50
10–25
50–100
INDONÉSIA
INDONESIA
Fonte: Gill and Kharas 2007.
história de redes sociais, comunidades
e instituições informais – com raízes
nas migrações milenares do sudeste da
China para o Sudeste Asiático – proporciona a confiança que sustenta a integração internacional moderna de bens
e dinheiro (ver mapa G3.2).
A integração por vir – o duplo
desafio da distância e da
divisão
Olhando para o futuro, a região
enfrenta desafios no seu caminho de
rápida integração.
O deslocamento da densidade econômica para o norte coloca um desafio
especial para o Sudeste Asiático. Como
ele pode continuar a ser uma força econômica significativa na região? Talvez
uma resposta esteja no desenvolvimento das cidades globais. As principais metrópoles do Sudeste Asiático
precisam se transformar em “lugares
aderentes”, que atraem e retêm o talento
global. Enquanto isso, a integração da
Índia e da Austrália na região pode alterar a dinâmica de lugar, compensando
em certa medida o deslocamento para
o norte do centro de gravidade econômico da Ásia.
Os problemas encontrados pelos
países distantes dos principais mercados
da região repercutem nas áreas atrasadas dentro dos países. Pobreza significativa persiste na Ásia Oriental, com altas
taxas em áreas como o oeste da China,
o sul e o leste das Filipinas, o nordeste
da Tailândia e os platôs centrais do
Vietnã. A disparidade entre a renda
per capita das províncias mais ricas e
as mais pobres da China – desprezível
sob as dinastias imperiais do passado –
saltou para 13.1:1 (comparada a 2.1:1
nos Estados Unidos). Embora muitas
pessoas tenham-se mudado para mais
perto das áreas prósperas, superar as
distâncias geográficas que isolam essas
populações ainda é considerado um
desafio importante.
Dentro dos países da Ásia Oriental, as pessoas estão se mudando para
os mercados, e os mercados estão se
desenvolvendo onde as pessoas estão
concentradas. A urbanização é extensa
e veloz na maioria dos países, e acrescentará talvez 25 milhões de moradores às cidades por ano nas próximas
duas décadas. A maioria dessas pessoas
se mudará para cidades de pequeno e
médio portes com menos de 1 milhão
de habitantes, não para as principais
áreas metropolitanas. Administrar essas
pequenas cidades de maneira eficiente e
integrá-las às economias nacionais será
uma tarefa crucial para reduzir a distância e sustentar o crescimento.
Enquanto isso, a Ásia Oriental ainda
enfrenta questões estratégicas sobre a
maneira de remover as divisões entre os
países da região. O processo a duas velocidades da ASEAN mostra como a integração profunda é difícil para os países
com rendas e estruturas econômicas
diferentes. Nenhum processo formal de
integração econômica reúne todas as
economias da região. Uma primeira tentativa de lançar um diálogo regional foi a
Cúpula da Ásia Oriental, em Kuala Lumpur, na Malásia, em dezembro de 2005.
A cúpula pediu estabilidade financeira,
segurança energética, erradicação da
pobreza e diminuição das disparidades
entre os países. Ela ressaltou os desafios
que ainda dividem a região: migração
através das fronteiras, consequências
ambiental, diversidade dos padrões de
governança e entendimento cultural.
Outros experimentos interessantes para
promover a integração regional estão
em marcha, como entre os ASEAN+3,
mas a liderança institucional para construir um futuro comum é fragmentária.
Mesmo assim, os principais estudiosos
observaram que “a emergência de uma
Ásia Oriental integrada é inevitável e
necessária”.3 O desafio é descobrir como
fazer para que isso ocorra rapidamente.
Contribuição de Homi Kharas.
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