Florestan Fernandes e a reflexão sobre a educação e o ensino de

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GRUPO DE TRABALHO 6
TEORIA E PENSAMENTO SOCIAL NO BRASIL
FLORESTAN FERNANDES E A REFLEXÃO SOBRE
A EDUCAÇÃO E O ENSINO DE SOCIOLOGIA NO
PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO.
Renata Oliveira dos Santos
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FLORESTAN FERNANDES E A REFLEXÃO SOBRE A EDUCAÇÃO E O ENSINO DE
SOCIOLOGIA NO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO.
Renata Oliveira dos Santos
Resumo
Os dilemas nacionais sempre embasaram as discussões e as investigações científicas na construção
do pensamento social brasileiro. Entre esses dilemas, podemos destacar a preocupação com a
educação e a sistematização de um ensino público de qualidade. Em meados dos anos de 1930 e
1940, pensadores como Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira analisaram e debateram a
necessidade da construção e da organização de um sistema escolar que fosse instituído a partir das
realidades históricas, sociais, políticas, econômicas e culturais do país. Tendo como ponto de
partida essas discussões é que o sociólogo Florestan Fernandes buscou, a partir de 1950, repensar a
educação como um dilema nacional e a defender o estudo e o ensino de sociologia, no ensino
superior e no ensino secundário, como uma possibilidade de instrumento de análise para
compreender o desenvolvimento do país. Dessa forma, torna-se pertinente compreender a análise
feita por esse autor sobre a necessidade e a importância do ensino da Sociologia no Brasil e como o
mesmo entendia a sua inserção no âmbito escolar. Essa reflexão possibilitará compreender como a
disciplina de Sociologia tornou-se obrigatória no início do século XXI e quais serão os dilemas por
ela a serem investigados e compreendidos na contemporaneidade.
Palavras-Chave: Dilemas, Ensino, Sociologia.
Introdução
Atualmente, o ensino de Sociologia tornou-se obrigatório em todas as escolas públicas e
privadas do país. Depois de anos de luta para esse retorno, finalmente, em 2003, o então presidente
Luis Inácio Lula da Silva, aprovou a lei 11.684/08, que alterou o artigo 36, da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB) de 1996. Com essa resolução, as disciplinas de Sociologia e Filosofia
deveriam ser incluídas de maneira obrigatória no currículo do ensino médio.
A volta da disciplina de sociologia à sala de aula, de todo o país, promoveu, novamente, a
inserção dos cientistas sociais nas instituições escolares. Essa presença fez com que muitos
voltassem a pensar a educação, os sistemas escolares e o próprio ensino de sociologia como uma
problemática a ser investigada e refletida. Entretanto, engana-se quem acredita que somente agora é
que o ensino e o estudo de sociologia passaram a ser objeto de investigação científica dos
sociólogos brasileiros.
Historicamente, o ano de 1930 fora marcado pelas grandes transformações que ocorreram no
país. A chegada de Getúlio Vargas no poder e todo o projeto de nacionalização e modernização da
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nação brasileira, inspiraram inúmeros estudos sobre a realidade nacional. Entre os estudos
Mestranda de Ciências Sociais/ Políticas Públicas - Universidade Estadual de Maringá. Bolsista CAPES.
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pertencentes a esse período, a “questão educacional” torna-se uma preocupação das reflexões
sociológicas.
Podemos auferir essas reflexões a pensadores sociais como Fernando de Azevedo e Anísio
Teixeira, que viam na institucionalização dos sistemas escolares e na geração de um ensino de
qualidade, os caminhos fundamentais para o crescimento da nação e para a manutenção de um
Estado forte. Esses estudos refletiam as transformações sócio-culturais, políticas e econômicas que
passava o país naquele momento.
Para esses autores, tornava-se pertinente a problematização e o estudo sobre a “questão
educacional” no país, a partir do olhar sociológico, tendo a pretensão de refletir não apenas o caráter
pedagógico da educação nacional, mas sim, a sistematização e institucionalização do ensino
brasileiro. Por pensarem a educação dessa maneira, eles foram denominados “os pioneiros da
educação”.
A partir dessas primeiras investigações sobre a “questão educacional” brasileira é que, em
meados de 1950, o sociólogo Florestan Fernandes retomará a discussão da educação no Brasil,
apresentando a mesma como um “dilema nacional”, que deve ser pensado, conjuntamente, com
todo o processo acelerado do desenvolvimento democrático nesse período do país. Com os sistemas
escolares, já institucionalizados, e a implementação curricular e pedagógica de diferentes formas de
ensino, uma das preocupações desse autor passa a ser a reflexão do papel do cientista social ou
sociólogo na educação e qual a necessidade da sociologia como disciplina no ensino secundário
brasileiro.
Assim sendo, o presente artigo tem por objetivo refletir sobre os estudos desses autores e
suas investigações sociológicas em relação aos sistemas escolares, o desenvolvimento do ensino
escolar no Brasil e inserção em âmbito escolar do ensino de sociologia. O intuito é que com essa
reflexão possamos pensar, com o olhar de cientistas sociais, os novos desafios e problemáticas que
o retorno da disciplina nos currículos escolares de todo o país tem revelado na contemporaneidade.
1. Os Anos 30 e a “questão educacional”
Com a revolução de 1930, novas mudanças sociais, históricas, políticas, econômicas e
culturais ocorreram no país. A modernização e a nacionalização brasileira passaram a ser o foco e a
base do desenvolvimento nacional. A conscientização desse desenvolvimento e dessas
transformações pautaram os estudos que se preocupavam em compreender a “realidade brasileira”:
A expressão “realidade brasileira” é típica do momento, tornando-se verdadeiro
lugar-comum a que recorriam indiscriminadamente jornalistas, políticos, escritores
e estudiosos; havia no ambiente, além disso, uma solicitação intensa pelos estudos
sociais, que se multiplicaram nos diferentes campos da história, da economia, da
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política, da educação, concorrendo para criar uma atmosfera de receptividade e
expectativa em torno da Sociologia (CANDIDO, 2006:284).
Dessa forma, favorecida pelo momento, a Sociologia passa a se desenvolver como uma
disciplina acadêmica e de ensino secundário, com o objetivo de repensar a realidade nacional nos
diferentes campos de estudo, sendo um deles a educação. Para Candido (2006) é, justamente, esse
caráter sincrético, ou seja, as diversas abordagens e investigações científicas que determinará
características singulares do desenvolvimento da sociologia no Brasil.
Como expressa Totti (2005), o período de institucionalização da Sociologia compete à
formação dos primeiros sociólogos brasileiros em 1936, e ao esforço dos estudos de Fernando de
Azevedo, entre outros pesquisadores, de criar dentro dos espaços acadêmicos as bases teóricas para
compreender o desenvolvimento da educação no Brasil.
A “questão educacional”, proposta como um problema social brasileiro, nos anos de 1930,
refletia uma “preocupação” funcional da própria sociedade. Assim, a mesma não pode ser pensada
como uma questão isolada de todos os aspectos que configuravam, naquele momento, a
modernização do país. Porém, não é o intuito desse artigo refletir as questões sociais que
permeavam as discussões de outros pensadores sociais. O foco a ser discutido, aqui, é a educação e
como a mesma tornou-se uma problemática nacional ao ponto se configurar um objeto de estudo.
Pensadores como o sociólogo Fernando de Azevedo e o filósofo Anísio Teixeira foram
denominados “pioneiros da educação”, por inaugurar uma reflexão que buscava teorizar, de maneira
científica, a educação nacional. O objetivo era compreender, de forma sistemática, como se
constituía a educação no Brasil, não apenas em seu aspecto pedagógico como também em sua forma
institucionalizada, o que possibilitaria identificar os problemas existentes na educação escolar
nacional e refletir sobre eles.
Dessa forma, Fernando de Azevedo define a sociologia educacional como um estudo capaz
de contemplar e identificar tanto os fatos quanto as instituições de educação. Para ele, teorizar a
educação a partir de um estudo sociológico era uma maneira de fugir dos estudos, já existentes,
sobre a mesma ou sobre as instituições escolares no país. Conceitualizando-a como um problema
que reflete todas as mudanças históricas, sociais, políticas, econômicas e culturais que ocorreram no
Brasil.
Ao pensar a modernização nacional é que Fernando de Azevedo se inserirá como um dos
principais representantes, do decênio de 1930-1940, sobre o debate da institucionalização dos
sistemas escolares no Brasil.
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1.1. Fernando de Azevedo e os sistemas escolares
Para Fernando de Azevedo (1953), o processo educacional seria um meio de assegurar o
desenvolvimento da sociedade, sua unidade, continuidade e evolução social. Era necessário que a
educação e as instituições escolares pudessem se desenvolver de maneira crítica, baseada no que se
configurava como específico para a formação da nação. Dessa forma, a institucionalização da
sociedade brasileira e de seus meios sociais, a partir da formação e consolidação de um Estado
forte, seriam fundamentais para o desenvolvimento de uma educação organizada e sistematizada no
país.
O objetivo do autor ao entender a educação, não é torná-la um instrumento de intervenção
social, mas sim, gerar estudos teóricos que possibilitem compreender quais são os problemas que
afetam a denominada “questão educacional” brasileira.
No caso dos sistemas escolares, Azevedo (1985), compreendia que os mesmos faziam parte
de todo o desenvolvimento nacional. Assim, acreditava que esses sistemas seriam pensados, a partir
da própria modernização da sociedade e dos interesses da classe dominante:
Os sistemas escolares em cuja organização se refletem os interesses das classes
dominantes e as diversas camadas e mobilidades sociais, político-econômica, de
cada sociedade, tendem, pois a tornar-se sistemas cada vez mais complexos
(pluralismo vertical e pluralismo horizontal) para se porem em relação com as
diferenciações múltiplas que impõe a divisão do trabalho social em uma sociedade
determinada (AZEVEDO, 1985:142).
Ao se modernizar um país, necessita manter os seus valores sociais e culturais e criar novos
espaços para a formação de diferentes tipos profissionais, já que uma das características da
sociedade moderna será a divisão do trabalho social. Assim, a complexidade dos sistemas escolares
refletia a própria complexidade social, as necessidades particulares e dos variados grupos que
compõem uma determinada sociedade.
Segundo Azevedo (1985), os sistemas educativos brasileiros podem ser analisados como
estruturas sobrepostas que, dependendo dos interesses das camadas mais altas da sociedade,
tenderiam homogeneizar e diferenciar os indivíduos durante a sua formação. O autor analisou a
organização da educação brasileira como uma espécie de pirâmide, cuja base seria representada
pelo ensino comum a todos, o meio caberia ao ensino secundário e diferenciador que tinha por
função priorizar e desenvolver as habilidades de cada pessoa e o topo corresponderia ao ensino
universitário e a especialização dos indivíduos, segundo a necessidade do mercado de trabalho.
Esse ensino comum a todos se iniciaria na escola, que exerce um papel fundamental na
formação do indivíduo. Para o autor, esse primeiro momento tinha como característica
homogeneizar os indivíduos, ou seja, ensinar a todos os princípios básicos da organização histórico-
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social e cultural da sociedade brasileira. Era o momento para se aprender e manter os valores sociais
e culturais que permeavam a formação do povo brasileiro. Em seguida, já no ensino secundário, a
escola seria responsável pela diferenciação desses educandos, abrindo caminhos para a escolha
pessoal de cada um, mediante suas habilidades para o trabalho social:
[...] a sociedade, à medida que se complica, precisa, para manter e perpetuar a sua
unidade, da diversificação de funções á base de um ideal comum: ela uniformiza e
diferencia, mas, especializando, coordena, completa e harmoniza, de modo que, a
par das semelhanças essenciais, reclamadas pela vida coletiva, se assegure a
persistência dessas diversidades imposta pela divisão do trabalho social, que é uma
das causas mais ativas da diferenciação dos grupos (AZEVEDO 1985:141).
O topo da pirâmide, responsável pelo ensino universitário, revelaria a presença apenas de
uma pequena parcela da sociedade, representada pelos filhos da elite nacional. E justamente por se
configurar para poucos, que o mesmo seria supervalorizado e ao invés de se pensar a educação
brasileira como uma estrutura de baixo para cima, a mesma será entendida de cima para baixo, onde
o topo da pirâmide representa a modernização do país. Mas a quem caberia a organização da
educação no país?
Para Azevedo (1985), o Estado seria responsável pela consolidação de um processo
educacional que fosse capaz de beneficiar a todos, por isso a formação e institucionalização das
escolas eram tão importantes:
O Estado, em razão de sua função que consiste “na conservação, na consolidação e
no desenvolvimento da sociedade da qual é expressão soberana” (Boukharine)1,
tem, na escola, além de um dos meios do poder político, para manter a sua
autoridade e defender a sua existência, um instrumento de equilíbrio entre as forças
que agem sobre o individuo e a cujas tendências particulares da educação pública
opõe um conjunto de idéias e de sentimentos, uma complexidade de hábitos de
todas as classes, comum a todos, indispensáveis para que todo o indivíduo possa
cumprir a missão que lhe corresponda na coletividade (AZEVEDO, 1985:88).
Seria função pública do Estado promover uma educação de qualidade e universal para todos,
assim, como de converger esforços para se pensar uma política de educação nacional. Com isso, ao
pensar a educação brasileira, Fernando de Azevedo não a desassociou de todo o processo social que
a mesma reflete. A educação e os sistemas escolares deveriam ser pensados, em suas
particularidades, nos diferentes sistemas pedagógicos, na sua organização, mas também como um
conjunto de ações a serem disseminados pelo Estado:
Certamente a intervenção do Estado com que, nos regimes totalitários, se deslocou
o centro da gravidade do sistema educativo para o sistema escolar público, permite
estabelecer rapidamente uma unidade fundamental de espírito e de estrutura,
soldando, num bloco maciço, a variedade de sistemas e tipos de escolas
(AZEVEDO, 1985:149).
1
Citação do próprio autor no parágrafo.
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Será essa variedade de instituições escolares e de interesses sociais em relação à educação
que se pautará algumas discussões de Anísio Teixeira, denominado também de “pioneiro da
educação”. Esse autor se questionará sobre a forma como a educação escolar no Brasil se constituiu
e de como a mesma não beneficia a formação de todos.
1.2 Anísio Teixeira e a educação escolar no Brasil
As observações e consideração feitas por Azevedo (1953), estão presentes nas discussões
propostas por Anísio Teixeira (1957), ao tentar teorizar a educação escolar brasileira. Suas
investigações também se basearam na forma como a educação nacional estava dividida dentro do
sistema escolar: ensino primário, secundário e universitário. Partindo dessa divisão, esse autor
constatou que desde a formação primária, o indivíduo, no Brasil, já entra em um processo seletivo.
Segundo Teixeira (1957), a forma como a educação no país se divide nas escolas, não
privilegia o aprendizado dos valores culturais e dos meios sociais, mas sim, cria um processo de
“adestramento” que se compõe de uma alfabetização sumária e de treinamentos posteriores, para os
conhecimentos mínimos formais, que possibilitariam sua admissão no exame do ensino secundário
e superior.
Porém, essa não seria para o autor a função da escola primária. A ela compete a
homegenização dos indivíduos, o início do aprendizado, e depois, os subsídios para a sua
diferenciação para o mercado de trabalho. Assim:
A didática dessa escola obedeceria ao princípio de que as atividades infantis,
predominantemente lúdicas, evoluem naturalmente para o trabalho, que é um jogo
mais responsável e com maior atenção nos resultados, e do trabalho evoluem para o
estudo, que é a preocupação mais intelectual de conduzir o trabalho sob forma
racional, sabendo-se pode aperfeiçoar ou reconstruir esse modo de fazer. Quando
esse interesse intelectual se desenvolve bastante para se tornar uma atividade em si
mesma, teremos o intelectual, o cientista, o pesquisador e o pensador, que irão
constituir os corpos especializados da Nação para o seu desenvolvimento cultural e
científico (TEIXIERA, 1957:08).
A função do ensino escolar não é adestrar as crianças, mas, um processo de aprendizado
que, segundo Anísio Teixeira (1957), não ocorre e piora no desenvolvimento dos ensinos
subseqüentes, ou seja, no ensino secundário e universitário. Esses se tornam ainda mais seletivos, já
que o objetivo principal, adotado por algumas escolas, será no ensino secundário o preparo para o
ensino superior. Entretanto, esse processo não pode e nem deve negar a compreensão e a educação
do indivíduo para a transmissão de conhecimentos indispensáveis para a sua convivência social.
Com essa seletividade até mesmo no conhecimento, o autor chama atenção para a presença
da disciplina de sociologia nos currículos pedagógicos do ensino secundário. A mesma tinha como
“serventia” a preparação para admissão dos alunos no ensino superior e nada mais. Não se discutia
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sua necessidade como uma área de conhecimento para a compreensão da realidade nacional,
tornando-se assim, mais uma ferramenta de adestramento.
A problemática que Teixeira (1957) teoriza, é que, se a educação escolar continuasse a se
preocupar apenas com a formação para uma promoção social, essa acabaria por se tornar um
instrumento de desordem nacional, já que não conseguiria formar as crianças para a compreensão
dos meios sociais e muito menos jovens e adultos, capacitando-os para
atuarem de forma
consciente na sociedade.
Dessa maneira, o que se realizava no Brasil em meados dos anos de 1930-1940, eram duas
formas educacionais: um sistema de ensino primário que se dizia comum a todos, e um sistema
secundário subdividido em: técnico para as classes mais pobres e adestrador para o ingresso ao
ensino superior das elites nacionais. Faz-se necessário ressaltar que a educação e a escolarização de
uma pessoa determinava o seu status social.
Com isso, uma democratização escolar não seria “bem-vinda” aos interesses da elite
brasileira. Conseqüentemente, um ensino de qualidade e público também não. Assim, segundo
Teixeira (1957), o ensino escolar nacional se caracterizou como demagogo por buscar medidas e
recursos imediatos para resolver a questão educacional, sem ao menos considerar quais de fato eram
os problemas que permeavam essa questão.
A partir de suas pesquisas empíricas, o autor pode perceber que o que se desenvolvia no
país, após 1930, era uma educação deficiente, que não beneficiava a todos. Para ele de nada era
válido um ensino superior universal e gratuito, se no país o ensino primário e secundário eram
seletivos:
Os nossos deveres para o povo brasileiro estão, assim, a exigir que demos primeiro
à educação adequada às classes populares, a fim de lhes aumentar a produtividade
e com ela o seu nível de vida. Depois de darmos estas oportunidades educativas
básicas-que a todos devem ser obrigatoriamente dadas, poderemos passar à
educação da classe média e da superior, pedindo-lhes, então, que socorram o
Estado, assumindo, parte do custo dessa educação em retribuição à manutenção do
status social que lhes é, muito justamente, tão precioso (TEIXEIRA, 1957:28)
O Estado teria que ser responsável pelo custeamento do ensino e a institucionalização da
educação se possibilitaria por sua intervenção. Se não quisesse a desordem nacional, o Estado
deveria pensar a educação como uma arma de “[...] revolução ou catástrofe” (TEIXEIRA,
1957:29), sendo necessário que o seu desenvolvimento não beneficiasse a uma pequena minoria
social. Uma política de educação pensada pelo Estado, seria uma forma de desenvolver a educação
no país (TEIXEIRA, 1957).
A intenção dos “pioneiros da educação”, aqui apresentados, era teorizar a educação e
apresentá-la como uma questão nacional, para que o Estado pudesse ser responsável pelo seu
desenvolvimento. Logo, reconhecendo as dificuldades e a realidade que se desenvolvia com a
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modernização do país. A questão educacional poderia ser pensada como um problema social a ser
analisado cientificamente e teorizado a partir do conhecimento empírico de suas ações. Com esse
conhecimento, era possível operar na prática, o que teoricamente tornava-se claro sobre os limites e
as debilidades do ensino e das instituições escolares brasileiras.
2. Os Anos 50: Florestan Fernandes e o dilema educacional
Ao analisar a educação brasileira em meados de 1950, Florestan Fernandes (1966),
compreende que a mesma se mantém como um privilégio social, e como um fator estático e neutro,
que não beneficia o desenvolvimento democrático do país. Para ele, povos modernos tem no
desenvolvimento da educação escolarizada e em sua organização, uma das ferramentas necessárias
para o seu crescimento.
Para o autor, torna-se impossível pensar em “desenvolvimento econômico acelerado” e
“política de desenvolvimento”, se a educação continua a se configurar como uma forma de
conhecimento, que tende a manter a sociedade de maneira tradicional e patriarcal, refletindo um
sistema societário ambíguo, que embora se mostre democrático e defenda o processo educativo
como um mecanismo de ascensão e inclusão social, o mesmo se consolida como um processo
seletivo e beneficia apenas uma pequena parcela da sociedade (FREITAG, 2005).
Segundo Totti (2005), ao pensar a educação como “dilemas educacionais2”, Florestan
Fernandes reitera em suas discussões os valores interpretativos e teóricos da sociologia educacional,
criada por Azevedo. Entretanto, acreditava que essas interpretações não permitiam pensar o que
poderia acontecer à educação com desenvolvimento da sociedade nacional. Então, defendia que
caberia ao cientista social esse exercício de “prever” os desafios educacionais no Brasil, intervindo
sobre os mesmos:
A ciência e a tecnologia científica revolucionaram, por sua vez, as bases materiais
e morais da existência humana. Elevaram, simultaneamente, o padrão de conforto e
o nível de aspiração do homem, fixando alvos completamente novos para o
processo educacional. [...] Por isso, os influxos da ciência e da tecnologia cientifica
sobre a educação parecem mais profundos. Ambas requerem um complexo tipo de
ensino, que ajuste os processos educacionais à natureza do pensamento cientifico e
às funções da ciência e da tecnologia científica no mundo em que vivemos. Isso
equivale a dizer que elas apelam para uma filosofia da educação com um padrão de
humanismo próprio (FERNANDES, 1966:102).
Para Fernandes (1966), a visão que os cientistas sociais apresentam da escola é fundamental
para a compreensão da educação brasileira. Para ele, a presença desse tipo de profissional no campo
educacional será decisiva, se os mesmos, compreendessem e fossem capazes de atuar na chamada
“[...] que traduzem as inconsistências das instituições educacionais e dos sistemas de ensino em face da ordem
econômica, política e social da sociedade de massas” (FERNANDES, 1966:102).
2
10
“reconstrução pedagógica”, detectando as falhas nos sistemas educacionais e repensando uma nova
maneira de atuação conjunta com educadores, comunidade e educandos.
Entre inúmeros artigos que defendeu sobre os dilemas educacionais no país, destaca-se a
preocupação de Fernandes quanto à atuação do sociólogo como professor. Na verdade, a
problemática da ação do professor em sala de aula é algo freqüente em suas inquietações. Assim,
para o autor torna-se claro que, o sociólogo ao chegar à sala de aula deve estar atento não apenas a
ensinar sociologia, mas, de entender como a escola participa da formação dos alunos para a sua
inserção no meio social, ou seja, a educação não se faz apenas nos muros das instituições escolares,
mas a partir do conhecimento de todos os fatores sociais que constituem a sua consolidação dentro
das salas de aulas.
Compreendendo a deficiência da educação nacional, Fernandes reafirma as análises feitas
por Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, de que a educação brasileira é um problema de caráter
social, que deve ser discutido a partir de técnicas sociais relevantes a sua solução. Essas soluções
devem estar baseadas nas transformações das estruturas das instituições escolares, no sistema
nacional de ensino e na atuação consciente de seus educadores:
Enquanto a educação não se converte em objetiva, subjetiva e praticamente em
problema social, os homens não lutam por ela socialmente nem a integram quanto
às formas, aos conteúdos e às funções nos processos histórico-culturais de
transformação da ordem social (FERNANDES, 1966:113)
Não existem dúvidas para o autor que a educação é um instrumento transformador da
sociedade. Assim como defendiam os “pioneiros da educação”, ela deve ser instituída de maneira
gratuita e de qualidade para todos e proporcionar ao mesmo tempo a capacidade de diferenciação
para o mercado de trabalho.
Então, para haver uma integração do homem com os problemas da educação e da sociedade
como um todo, teria a disciplina de sociologia, no âmbito escolar, uma função conscientizadora?
Segundo Florestan Fernandes (1976), sua presença nas grades e nos currículos escolares,
teria como objetivo aplicar na prática o que os graduados em Ciências Sociais aprendiam na teoria
dentro das universidades. Porém, não seriam apenas os conceitos sociológicos que deveriam ser
transmitidos aos educandos, mas sim, o despertar de suas capacidades interpretativas do meio em
que vivem:
O ensino das ciências sociais no curso secundário seria uma condição natural para
a formação de atitudes capazes de orientar o comportamento humano no sentido de
aumentar a eficiência e a harmonia de atividades baseadas em uma compreensão
racional das relações entre meios e os fins, em qualquer setor da vida social
(FERNANDES, 1976:106)
11
Faz- se necessário lembrar que a disciplina de sociologia foi institucionalizada em 1930 no
ensino universitário e secundário no país, e se consolidou de duas maneiras: em relação ao ensino
superior, tornou-se um meio de formação e compreensão da sociedade brasileira e objetivava a
construção teórica e pragmática de conceitos científicos; já em ambiente escolar, afirma Teixeira
(1953), ela tinha papel decisivo na admissão dos indivíduos nos cursos de bacharelado das
universidades, ou seja, era usada como uma forma de instrumento de exame para o ensino superior.
Em 1950 inicia-se um processo de repensar a função da sociologia no ensino secundário.
Dessa forma, o ensino de sociologia assumiria a função, não apenas de um instrumento adestrador
da educação, mas um instrumento capaz de gerar consciência e opiniões que poderiam levar a
transformação social do Brasil, a partir da conscientização dos indivíduos ainda em sala de aula.
Considerações Finais
A presença ou ausência da disciplina de sociologia nas grades escolares e nos currículos
universitários, sempre esteve condicionada às próprias mudanças históricas, sociais, políticas,
econômicas e culturais do país.
Após o golpe militar de 1964, a sociologia deixou de fazer parte dos currículos escolares.
Alguns cursos universitários de Ciências Sociais foram fechados e inúmeros cientistas sociais foram
perseguidos e exilados em outros países. O pensamento sociológico brasileiro continuou a florescer
nesse período, porém, em outros lugares e através de outras atividades.
Com a volta dos exilados em 1979 ao país, e da efervescência da democracia, após 1985, a
sociologia volta a fazer parte das aspirações intelectuais do ensino superior, mas não do ensino
secundário. Isso por que, ainda existia ,no país, um ensino secundarista tecnicista que não abria
espaço para uma “educação conscientizadora” e, por que não dizer transformadora.
Somente após a Constituição Cidadã de 1988, e a atuação dos movimentos sociais em prol
da educação é que, novamente, volta ser questionada a educação brasileira como um problema
social e ser reivindicado por alguns sociólogos, a necessidade da presença da disciplina de
sociologia nos currículos e grades escolares de todo o país.
Entretanto, será apenas em 2003, que a disciplina se tornará obrigatória nas instituições de
ensino brasileira. Essa decisão será baseada na reforma educacional ocorrida em meados de 1990 e
na reformulação da Lei de diretrizes e bases da educação nacional de 1996, que inseriu, em seu
artigo 36, a necessidade de que ao término do ensino médio todos os alunos deveriam ter: “III –
domínio dos conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania”
(BRASIL,2006:23).
Porém, apenas a obrigatoriedade do retorno da disciplina de sociologia ao âmbito escolar
não ameniza todos os problemas e dilemas que a educação brasileira enfrenta no início do século
12
XXI. Ainda não possuímos uma educação pública e de qualidade que beneficie a todos. A elite
nacional continua a ter acesso a educação privada e o ensino universitário tem se dividido entre a
esfera pública e privada como uma disputa de especializações para “abastecer” o crescente e
seletivo mercado de trabalho.
A forma como estão organizados os sistemas escolares ainda revelam um ensino deficiente e
problemático, seja na formação inicial ou no ensino médio. Embora, com todas as mudanças obtidas
com a LDB/1996, ainda são adotados modelos pedagógicos que não condizem à realidade cultural
brasileira e, infelizmente, o ensino médio não tem como objetivo principal o ensino para cidadania.
Com isso, o ensino da sociologia nas escolas, não pode se desenvolver como acreditava
Florestan Fernandes em 1950, e acreditam inúmeros cientistas sociais no século XXI, como uma
disciplina de caráter reflexivo e interpretativo sobre os problemas e dilemas sociais e nacionais que
possibilite ao educando atuar de maneira consciente em sua sociedade.
Aos poucos, observamos que em muitas instituições de ensino, o retorno da disciplina está
assumindo o caráter novamente de um instrumento para ingresso ao ensino superior. A
Universidade Estadual de Maringá, por exemplo, ao transformar a disciplina de sociologia em uma
matéria especifica para a admissão do curso de Direito no exame do vestibular, tem alimentado a
busca, em instituições privadas, de “fórmulas” rápidas para a compreensão da sociologia, que
possibilite o maior número de acertos nas questões do vestibular.
A oportunidade de retornar a sala de aula como professor da disciplina, nos leva a questionar
mais uma vez, se estaremos, como cientistas sociais em âmbito escolar, adestrando nossos alunos,
ou contribuindo para despertar o seu olhar reflexivo e consciente sobre a realidade social brasileira?
Quais serão as “questões e os dilemas educacionais” que permeiam as nossas observações,
discussões e investigações científicas no século XXI? Questionamentos esses que, como vimos,
estão presentes ao longo do desenvolvimento da Sociologia e, da própria história nacional e que
propõem novas análises e compreensão.
13
Referências Bibliográficas
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AZEVEDO, Fernando. Sociologia educacional: Introdução ao estudo dos fenômenos educacionais e
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CANDIDO, Antonio. A Sociologia no Brasil. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v.18,
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TEIXEIRA, Anísio. A educação escolar no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, nº67.
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http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuaiscoautorais/eixo06/Marcelo%20Augusto%20Totti%20-%20Texto.pdf. Acesso em: 01/Jul/2009.
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