Pº R.P. 143/2004 DSJ-CT.– Leitos de curso de água navegáveis ou

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Pº R.P. 143/2004 DSJ-CT.– Leitos de curso de água navegáveis ou flutuáveis – Domínio
público – Utilização privativa de bens dominiais – “Açude e pesqueira” enquanto obra –
Irregistabilidade da sua transmissão.
PARECER
Recorrente: Manuel….
Recorrida: Conservatória do Registo Predial de….
Registo a qualificar: Aquisição a favor do ora recorrente do “prédio urbano” que veio a ser
descrito (para efeitos de anotação da recusa) na ficha nº 00325/…, da freguesia de …,
requisitado pela ap. 9, de 23 de Março de 2004.
Relatório:
Por escritura pública de 2 de Maio de 2003, José … e mulher Deolinda … invocaram a
seu favor a usucapião do “prédio urbano composto por açude e pesqueira no Rio …, com
nove boqueiros, sito no lugar de … [da freguesia de …, do concelho de …], a confrontar do
norte com Manuel … e dos restantes lados com Rio …, não descrito na Conservatória do
Registo Predial de … e inscrito na respectiva matriz, em nome do justificante, sob o artigo
281 (…)”.
Nessa mesma escritura os justificantes declararam vender ao ora recorrente, e este
declarou comprar àqueles, o mencionado imóvel.
Com base em cópia daquela escritura e em certidão da matriz – donde consta a
descrição de um açude e pesqueira no rio …, c/ 9 boqueiros (mas sem indicação de área) –
foi requisitado o registo de aquisição a favor do ora recorrente.
O registo foi recusado com base nos art.s 69º e 82º do C.R.P., com o fundamento de
que “não tem características de prédio”.
Foi interposto recurso hierárquico, onde se alinha a seguinte argumentação:
a) O despacho de qualificação é nulo – o que se invoca para todos os efeitos legais -,
porque: não são concretizados os motivos de facto que sustentam a recusa;- o art. 69º do
C.R.P. abarca na sua previsão todos os casos de recusa, pelo que não é possível conhecer a
causa determinante do caso concreto;
b) Trata-se, no caso concreto, de uma construção (dotada de autonomia económica
em relação ao terreno onde se encontra implantada) assente no leito com carácter de
permanência, que integra um património de uma pessoa singular, e que tem valor
económico, pelo que deve ser integrada no conceito de “prédio” e, dentro deste, como
urbano – art. 6º, nº 1, d), do CIMI;
c) A forma de apropriação particular deste tipo de obras, tanto em águas particulares
como em águas públicas, está prevista na lei e, por isso, são transmissíveis e objecto de
comércio jurídico – cfr. art. 1387º, nº 1, a), e art. 1386º, nº 1, d), do C. Civil;
d) O referido prédio tem inscrição matricial autónoma, e parece não haver dúvidas
que a realidade “açude e pesqueira” integra o conceito de “prédio”, tanto para efeitos civis
como fiscais.
A recorrida sustentou a recusa. Alega que não se trata de um prédio, nos termos em
que o art. 204º do C. Civil o define. Sendo ainda certo que, ainda que de prédio urbano se
tratasse, não está definida a “parte delimitada do solo”.
1
O processo é o próprio, as partes legítimas, o recurso tempestivo, o recorrente está
devidamente representado e inexistem questões prévias ou prejudiciais que obstem ao
conhecimento do mérito.
Fundamentação:
1- A realidade material, ou seja, o objecto mediato do registo peticionado, na própria
tese do recorrente, é um “açude e pesqueira” assente no leito do rio …. Por açude entendese “construção destinada a represar as águas do rio, a fim de servirem para rega ou
moagem; levada; represa; comporta”, e por pesqueira “lugar em que há armações de pesca;
local em que há viveiro de peixes” 1. Pelo que não andaremos longe da realidade se
definirmos o “açude e pesqueira” dos autos como uma construção destinada a represar as
águas do rio e que também funciona como uma armação de pesca ou viveiro de peixes.
Tratar-se-á, portanto, de uma obra ou construção 2, como aliás parece admitir o
recorrente.
Donde resulta que, mesmo na tese do recorrente, a parcela do leito do rio … onde
está assente a obra não integra a «realidade» submetida a registo.
Teremos, pois, que o leito do rio …, concretamente a parcela onde está assente o
“açude e pesqueira” dos autos, pertence ao domínio público fluvial do Estado 3.
- Cfr. Augusto Moreno, in Dicionário Complementar da Língua Portuguesa, 8ª ed.,
págs. 26 e 1076, respectivamente).
1
- Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, Vol. III,
1972, pág. 542, o termo obras é mais amplo do que a expressão edifícios e até do que o
vocábulo construções. Aliás, a alínea a) do nº 1 do art. 1387º do C.C., citada pelo
recorrente, utiliza o vocábulo “obras”.
2
- Sobre o domínio público hídrico, e concretamente sobre o domínio público fluvial,
3
cfr. Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativom, 10 º ed., 5ª reimpressão,
pág. 898 e segs., e Ana Raquel Gonçalves Moniz, in O Domínio Público – O Critério e
o Regime Jurídico da Dominialidade, 2005, pág. 168 e segs. Como é consabido, o art.
84º, nº 1, a), da Constituição (cujo conteúdo faz parte da organização económica a partir
da revisão operada em 1989) diz-nos que pertencem ao domínio público «(…) os
cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos». Já o D.L. nº
477/80, de 15 de Outubro (que cria o inventário geral do património do Estado) nos veio
dizer que integram o domínio público do Estado os cursos de água navegáveis ou
flutuáveis com os respectivos leitos e margens (art. 4º, al. b)). A navegabilidade e
flutuabilidade devem ser declaradas pelo Governo, em relação a cada corrente, mediante
decreto de classificação, mas na falta deste entende-se como corrente navegável «a que
for acomodada à navegação, com fins comerciais, de barcos de qualquer forma,
construção e dimensões», e como corrente flutuável «aquela por onde estiver
efectivamente em costume fazer derivar objectos flutuantes, com fins comerciais» (cfr.
art. 8º do Decreto nº 5 787 – IIII, de 10 de Maio de 1919 – Lei das Águas).
A noção de leito é-nos dada pelo art. 2º do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de
Novembro, alterado pelos Decretos-Leis nºs 53/74, de 15 de Fevereiro, 89/87, de 26 de
Fevereiro, e 16/2003, de 4 de Junho.
2
Pelo que não está em causa nos autos o reconhecimento da propriedade privada
sobre parcelas de leitos ou margens públicas, nem, obviamente, a inscrição no registo
predial do direito de propriedade (privada) sobre tais parcelas a favor do respectivo titular 4.
2- Assentámos em que a parcela do leito do rio … sobre que foi erigido o “açude e
pesqueira” é uma coisa pública 5.
Como é consabido, as coisas públicas estão sujeitas a um regime jurídico-público
(estatuto da dominialidade), de cujo conteúdo avulta a extracomercialidade de direito
privado, o que vale por dizer que do estatuto da dominialidade está arredada «a
possibilidade de alienação a favor de particulares, ou, mais genericamente, da constituição
iure privato de direitos subjectivos privados sobre bens do domínio público» 6.
- Como também é consabido, o art. 8º do citado D.L.. nº 468/71 admite o
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reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas
do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis.
Não é isto, porém, que está em tabela no presente recurso. Nem os documentos
apresentados para o registo, nem o pedido de registo nem os termos da petição de
recurso permitem sustentar que o solo (parcela do leito do rio) em que está assente o
“açude e pesqueira” integra o objecto do direito de propriedade que se pretende
inscrever nas tábuas.
Assim sendo, não se justifica que nos alonguemos sobre a apreciação da fattispecie da
norma do art. 8º do D.L. nº 468/71.
- Que nos parece estar “conexionada de uma forma muito especial com a integridade
territorial do Estado e com a respectiva sobrevivência enquanto tal, senão mesmo com a
própria identidade (identificação) nacional», pelo que se nos afigura ajustada a
integração desta coisa no domínio público material («por natureza») do Estado (cfr.
Ana Raquel Gonçalves Moniz, ob. cit., pág. 292).
5
- Citámos Ana Raquel Gonçalves Moniz, ob. cit., pág. 416. Importa, no entanto,
sublinhar que, como aprofundada e pormenorizadamente discorre a Autora, no âmbito
objectivo do regime da dominialidade discute-se sobre a «sobreposição de
propriedades» (pública e privada), «divisão da propriedade em volumes» e «imbricação
de construções privadas e domínio público» (ob. cit., pág. 379). Aliás, a Autora salienta
(págs. 381/382) que «a existência de bens submetidos à propriedade privada e
pertencentes a particulares sobre solo dominial já se encontra admitida no direito
positivo português quanto às obras realizadas por concessionários de utilização
privativa», e que «o problema da sobreposição de estatutos já obteve tratamento
expresso na nossa legislação a propósito de um problema concreto» (possibilidade de
atribuição de um direito de construir com vista à rentabilização do património
ferroviário – cfr., actualmente, D.L. nº 276/2003, de 4 de Novembro, art. 29º, nº 1),
rematando: «Independentemente da solução a propor, afigura-se determinante observar
a imprescindibilidade de uma intervenção legislativa nesta matéria que, em geral,
determine o horizonte de possibilidades da sobreposição de estatutos e do
relacionamento entre ambos, assim como dos respectivos títulos constitutivos».
Relativamente, porém, à possibilidade de constituição de direitos reais privados (de
gozo ou de garantia) sobre bens do domínio público, refere a Autora que «a posição
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3
As coisas públicas são, assim, inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis.
Consequência da imperatividade da exclusão da titularidade privada de tais bens é a
insusceptibilidade da sua aquisição por usucapião 7.
Porém, existe comercialidade de direito público. Ou seja, os bens dominiais
constituem objecto de actos e negócios jurídicos sob a égide do Direito Administrativo. E
uma das manifestações dessa comercialidade (a par da exploração do domínio público e das
mutações dominiais) é a utilização privativa dos bens dominiais.
A natureza jurídica dos direitos emergentes da concessão 8 de uso privativo do
domínio público não é pacífica 9.
tradicional inclina-se no sentido de interditar a constituição de quaisquer direitos
privados a favor dos particulares sobre bens do domínio público – cfr., entre nós, artigo
202º, nº 2, do Código Civil», mas actualmente tal posição tem merecido algumas
críticas. De qualquer modo, salienta que «as possibilidades de aproveitamento de bens
dominiais pelos particulares reconduzir-se-ão a figuras jurídico-publicísticas
(concessão), pressupondo a atribuição de um título jurídico-público, do qual devem
constar as faculdades de que gozam os particulares sobre tais bens» (págs. 425/427).
- Como já anteriormente salientámos, é nossa convicção que não se pretendeu invocar o
direito de propriedade (privada) ou qualquer outro direito real sobre a parcela do leito
do rio …. Pelo que não vamos aqui apreciar a possibilidade de pelo usucapião (ou pelo
imemorial e pelo usucapião) os particulares adquirirem direitos reais (privados) sobre
coisas que eram públicas (cfr. Ana Raquel Gonçalves Moniz, ob. cit., págs. 428/439),
nem a susceptibilidade de a escritura de justificação notarial ser o instrumento de
invocação dessa forma de aquisição originária.
7
- Segundo Ana Raquel Gonçalves Moniz, ob. cit., pág. 467, «o título jurídicoadministrativo que permite a utilização privativa de um bem do domínio público reveste
a natureza de uma verdadeira concessão, e não de uma autorização-licença».
De acordo com o regime jurídico dos terrenos públicos conexos com as águas públicas
(citado D.L. nº 468/71 e diplomas que o alteraram), «serão objecto de contrato
administrativo de concessão os usos privativos que exijam a realização de investimentos
em instalações fixas e indesmontáveis e sejam consideradas de utilidade pública» (cfr.
art. 18º, nº 2).
A concessão em bens do domínio público e as suas transmissões, quando sobre o direito
concedido se pretenda registar hipoteca, estão sujeitas a registo [cfr. art. 2º, nº 1, v), do
C.R.P.].
9
- Ana Raquel Gonçalves Moniz, ob. cit., pág. 474, ensina que a concessão atribui ao
particular beneficiário «uma posição jurídica subjectiva (mais precisamente um direito)
exclusiva (face aos demais particulares) sobre uma determinada parcela de uma certa
coisa pública, cujo conteúdo abrange apenas todas as faculdades previstas e
conformadas pelo título jurídico-administrativo (além daquelas que constam da lei) e
nos limites legalmente prescritos».
A Autora propende para a ideia de que ao concessionário é conferido pela
Administração um direito pessoal de gozo público (pág. 477).
Será este direito que é objecto de hipoteca [cfr. art. 688º, nº 1, d), do C.C., e art. 2º, nº 1,
v), do C.R.P.], caso em que nos encontraríamos perante uma noção de «direitos reais
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4
3- No caso dos autos, não conseguimos descortinar a natureza do direito que se
pretende inscrever no registo predial.
Não estamos, seguramente, em presença de um direito de propriedade de prédio
urbano. Porque não há solo (art. 204º, nº 2, C.C.). O solo, a parcela dominial em que está
assente o “açude e pesqueira”, está fora do comércio (art. 202º, nº 2, C.C.).
Também não está titulada a aquisição e a transmissão de um direito de propriedade
sobreposto ao direito de propriedade pública da parcela dominial, nem a constituição
(onerosa) pela entidade administrativa de direitos reais menores, mais propriamente do
direito de superfície 10, pelo que despropositado se nos afigura a pronúncia sobre a
registabilidade destas situações 11.
Finalmente, não vemos como sustentar que os documentos apresentados titulam a
aquisição e a transmissão de um direito de utilização privativa de parcela dominial.
Resta-nos, assim, encarar a situação dos autos como aquisição e transmissão da
propriedade de obra em parcela dominial.
A obra, construção ou edifício em si mesmos não são, naturalmente, prédios 12 nem
quaisquer outras coisas imóveis nos termos do art. 204º do C.C. Como tal, não são objecto
administrativos» semelhante à noção francesa [a Autora – págs. 368/369 – associa os
direitos reais administrativos «a direitos reais submetidos a uma disciplina jurídicoadministrativa cujo titular (mas já não necessariamente o beneficiário) é uma pessoa
colectiva pública e que, nessa medida, se destinam ao exercício de uma função de
interesse público», e daí que o objecto destes direitos «hão-de ser coisas que se
encontram na propriedade privada de um terceiro (direitos sobre coisa alheia), às quais
se acrescentam os bens do domínio público»] ? Ou serão antes as obras ou edifícios
construídos sobre a parcela dominial (os quais pertencem em propriedade privada ao
particular), interpretação que terá algum arrimo no nº 4 do art. 25º do D.L. nº 468/71, o
qual, segundo Freitas do Amaral e José Pedro Fernandes, in Comentário à Lei dos
Terrenos do Domínio Hídrico, 1978, pág. 218 e segs., terá interpretado correctivamente
a citada al. d) do nº 1 do art. 688º do C.C. ?
- Cfr. Ana Raquel Gonçalves Moniz, ob. cit., pág. 385. Referimos estas hipóteses a
título meramente especulativo, porquanto não cremos que a Administração algum dia
aceitaria seguir estas vias para a implantação de um açude e pesqueira no leito de um
rio. Além de que sempre teria que ser apreciada a questão da admissibilidade da
usucapião como modo de aquisição destes direitos e da forma da escritura pública para
titular a sua invocação.
11
- Não obstante, sempre diremos que em relação à constituição pela Administração do
direito de superfície sobre parcela dominial e ao ingresso no Registo da respectiva
situação jurídica já este Conselho se pronunciou no Pº C.P. 65/98 DSJ-CT, in BRN nº
2/99, pág. 31 e segs. .
10
- O recorrente sustenta que a realidade “açude e pesqueira” integra o conceito de
prédio tanto para efeitos civis como para efeitos fiscais, mas nós não concordamos com
tal afirmação.
12
5
de publicidade registral 13. Ademais, a transmissão da propriedade da obra sempre careceria
do consentimento da Administração, sob pena de nulidade (cfr. art. 25º, nºs 2 e 5, do D.L.
nº 468/71).
Decorre do exposto que, a nosso ver, a recusa do registo é a resposta adequada do
sistema registral à pretensão formulada. Porque o facto aquisitivo, para além da nulidade do
negócio jurídico, não está sujeito a registo [art. 69º, nº 1, c), 2º segmento, e d), do C.R.P.].
Bem andou, assim, a recorrida ao recusar o registo peticionado. Fê-lo, é certo, por
forma extremamente sintética 14. Mas daí à nulidade da decisão parajudicial [art. 668º, nº
Para efeitos fiscais, não questionamos que aquela realidade seja classificada como
prédio (não é ao conservador que compete a classificação fiscal), porquanto as
plantações, edifícios e construções incorporados ou assentes com carácter de
permanência em qualquer fracção de território são prédios ou parte componente de
prédios, consoante não pertençam ou pertençam ao mesmo dono da fracção de território
em que se situem (cfr. António Manuel Cardoso Mota, in Contribuição Predial e
Imposto sobre a Indústria Agrícola, 1972, pág. 211, em anotação ao art. 4º do CCPISIA,
comentário que se nos afigura perfeitamente actual em face da 2ª parte do art. 2º do
CIMI aprovado pelo D.L. nº 287/2003, de 12 de Novembro.
Porém, para efeitos civis, e como já referimos, não vemos como seja possível classificar
como prédio urbano um edifício (e o “açude e pesqueira” nem sequer é edifico)
incorporado ou assente com carácter de permanência em solo alheio inexistindo um
direito incidente sobre esse solo de cujo exercício tenha resultado o implante, «dado o
desfasamento entre as duas propriedades – do solo e do implante (art.s 1302º e 204º nº 1
– a) e nº 2 CC)» (cfr.o recente Acórdão da Relação de Évora de 03.02.2005, in CJ XXX
– I, pág. 258).
Assumimos, portanto, que existem divergências no conceito de prédio para efeitos civis
e para efeitos fiscais, o que a nosso ver terá que ser levado em conta no
desencadeamento do «processo com vista à criação da informação predial única,
reconciliando e condensando a realidade factual da propriedade imobiliária com o
registo predial, as inscrições matriciais e as informações cadastrais» (medida de política
a concretizar em 2005/2006 segundo as Grandes Opções do Plano para 2005/2006, in
D.R. nº 167 I-A, de 31.08.2005, pág. 5256).
- Ainda que recuemos ao fim prioritário do Registo Predial definido no art. 1º do
Código de 1967, que era dar publicidade aos direitos inerentes às coisas imóveis. O art.
1º do Código actual fixa como objecto da publicidade registral «a situação jurídica dos
prédios». Portanto, prima facie pareceria que os direitos inerentes às coisas imóveis que
não sejam prédios estariam arredados das tábuas. Mormente quando tais coisas (águas e
árvores) não estejam (inicialmente) contidas em prédios. É o caso das águas
originariamente públicas que tenham entrado no domínio privado até 21 de Março de
1868, por preocupação, doação régia ou concessão [cfr. art. 1386º, nº 1, d), do C.C., que
o recorrente invocou, salvo o devido respeito a despropósito].
13
- A situação submetida à apreciação do conservador era, convenhamos, muito
complexa, pelo que uma fundamentação exauriente não casaria bem com a fluidez do
tráfego jurídico.
14
6
1, b), do C.P.C.] vai um passo arriscado, porquanto, a nosso ver, há fundamentação de facto
e de direito (se não há prédio não pode haver registo, foi isso que se quis dizer).
De qualquer modo, ainda que se considere que, a existir nulidade, a mesma não foi
suprida no despacho de sustentação (cfr. art. 668º, nº 4, do C.P.C.), esperemos que o
despacho do Director-Geral dos Registos e do Notariado, se homologatório deste parecer,
não venha a ser atacado também por falta de fundamentação. Porque, é bom lembrar, a
nulidade do despacho de qualificação não implica que o processo baixe à conservatória para
emissão de novo despacho 15.
4- Nos termos expostos, somos de parecer que o recurso não merece provimento.
Firmam-se em consonância as seguintes
CONCLUSÕES
1- O leito dos cursos de água navegáveis ou flutuáveis pertence ao domínio público.
2- As coisas públicas estão sujeitas a um regime jurídico-público (estatuto da
dominialidade) de cujo conteúdo avulta a extracomercialidade de direito privado.
3- Porém, à partida não será de afastar a possibilidade da sobreposição dos estatutos
da propriedade pública e da propriedade privada, nem da constituição (onerosa) pela
entidade administrativa de direitos reais menores, mais propriamente de direitos de
superfície, sobre bens dominiais.
4- Para além de que existe comercialidade de direito público, e uma das suas
manifestações é a utilização privativa dos bens dominiais.
5- Um “açude e pesqueira” assente em parcela do leito de um curso de água
navegável ou flutuável inexistindo direito (real) incidente sobre essa parcela dominial de cujo
exercício tenha resultado o implante, ainda que inscrito na matriz como prédio urbano, não é
prédio nem outra coisa imóvel para efeitos civis nem edifício, tratando-se antes de uma
obra.
6- Enquanto obra, o “açude e pesqueira” não constitui objecto da publicidade
registral, pelo que a sua transmissão, que aliás carece de consentimento da entidade
- Parece ser este o espírito do recorrente, quando na petição do recurso pede que “em
caso negativo [ou seja, não se lavrando o registo], deve ser sempre considerado nulo o
despacho em causa, por falta de esclarecimento dos motivos da recusa”.
Ora há muito que as legislações, incluindo a nossa, vêm trilhando o caminho da
«absorção da velha querela nullitatis pela appelatio» (cfr. art.s 668º, nº 3, e 715º, nº 1,
do C.P.C. e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, in Manual de
Processo Civil, 2ª ed., 1985, pág. 692). Do que resulta que o director-geral dos registos
e do notariado conhece directamente, por via do recurso hierárquico, das nulidades
imputadas à decisão do conservador que recuse a prática do acto nos termos requeridos.
15
7
administrativa que eventualmente tenha conferido a concessão sob pena de nulidade, não é
facto sujeito a registo, que deverá ser recusado.
Este parecer foi homologado por despacho do Director-Geral de 04.10.2005.
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