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A lei do SNUC e as formas de promoção do desenvolvimento
sustentável na RDS do Tupé
Evelinn Flores de Oliveira1
Resumo
O artigo comparou os objetivos dispostos no artigo 20, §1º da Lei do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC), nº 9.985/00, com os objetivos do artigo 1º do Decreto
Estadual nº 8.044, de 25 de agosto de 2005, que criou a Reserva de Desenvolvimento
Sustentável do Tupé (REDES do Tupé). A REDES do Tupé é a maior unidade de proteção do
Município de Manaus e abriga em seu interior seis comunidades: São João do Lago do Tupé,
Livramento, Julião, Tatulândia, Agrovila Amazonino Mendes e Colônia Central. No seu entorno, há
outras sete comunidades: comunidade Bela Vista, Costa do Arara, Baixote e Caioé, São
Sebastião, Nossa Senhora de Fátima, Ebenezer e Tarumã Açu. Estas comunidades estão
dispersas e, o acesso entre elas e a área urbana do município é feito exclusivamente por via
fluvial em pequenos barcos motorizados. Neste contexto, buscou-se com base na literatura e
observações diretas, verificar a eficácia social da norma de criação da reserva, combinada com os
preceitos do SNUC, a fim de se delinear a forma com que a Unidade Gestora da REDES do Tupé
e os comunitários vivenciam, na prática, cada um daqueles objetivos e, de que forma os mesmos
são estimulados e desenvolvidos na Comunidade São João do Tupé.
Introdução
Embora o termo “Desenvolvimento Sustentável” tenha sido utilizado pela primeira vez em
1980 por um organismo privado de pesquisa, a Aliança Mundial para a Natureza (UICN), foi
através do Relatório Brandtland, produzido pela ONU em 1987 como resultado de sua primeira
Conferência sobre meio ambiente, que ele foi difundido como sendo o desenvolvimento “que
atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras
atenderem as suas necessidades” (Relatório Brandtland/ONU). Apesar das diferentes percepções
acerca do conceito de desenvolvimento sustentável, sua proposição colocou em discussão a
necessidade de se repensar as formas de produção aliadas a um crescimento econômico
baseado na utilização intensa dos recursos naturais.
Para a sociedade moderna o desenvolvimento sempre foi associado à transformação das
estruturas produtivas para a apropriação e geração de riquezas, gerando o progresso técnico,
1
Advogada. Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA e bolsista da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Amazonas – FAPEAM, [email protected]
1
crescimento econômico, industrialização e acúmulo de riqueza. O crescimento social e a
conservação dos recursos naturais não eram prioridades diante destes valores. No Brasil, o
crescimento econômico aliado à aquisição de tecnologia foram os norteadores das políticas
econômicas em busca do “progresso” do país, sem incluir a satisfação social buscando erradicar a
pobreza e dos desequilíbrios regionais.
As unidades de conservação são imprescindíveis na luta em favor da proteção da
biodiversidade. Nos últimos cinco anos, o Município de Manaus tem recorrido aos institutos da
Política Nacional do Meio Ambiente, para criar unidades de conservação de uso sustentável.
Neste aspecto, destacam-se as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), que a lei2
define com uma área natural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em
sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e
adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na
proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica e têm como objetivo preservar a
natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condições e os meios necessários para reprodução e
a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das populações
tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo
do ambiente, desenvolvidas por estas populações. Esta categoria de unidade de conservação é
um dos modelos mais adequados à realidade Amazônica, em virtude da presença de populações
tradicionais. Entretanto, garantir meios de subsistência para estas populações locais, garantir sua
participação em todos os processos de criação e elaboração dos planos de manejo, são ações
que precisam ser adequadamente desenvolvidas e integradas em nível local, envolvendo todas as
comunidades residentes nas áreas em foco.
A criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza aconteceu em
2000, por meio da Lei 9.985, de 18 de julho de 2000. Até então, o marco regulatório pertinente ao
assunto encontrava-se em leis esparsas cujos objetivos de conservação ficavam ao arbítrio dos
órgãos responsáveis pela sua criação3, gerando injustiças e arbitrariedades.
Conforme o SNUC, unidade de conservação é o espaço territorial com características
naturais relevantes e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, legalmente
instituídos pelo Poder Público com objetivos de conservação in situ e de desenvolvimento
sustentável das comunidades tradicionais, com limites definidos, sob regime especial de
administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção4.
De acordo com a mesma lei (9.985/2000), as unidades de conservação integrantes do
SNUC dividem-se em dois grupos com características específicas: as unidades de proteção
integral e as unidades de uso sustentável. Compõe as unidades de proteção integral: a estação
2
Artigo 20 caput e § 1º da lei n.º 9.985/2000.
DEUS, Cláudia Pereira de (org.) et. al. Piagaçu-Purus: bases científicas para a criação de uma Reserva de Desenvolvimento
Sustentável.Manaus : IDSM, 2002.
4
Artigo 2º, I da Lei n.º 9.985/00.
3
2
ecológica, a reserva biológica, o parque nacional, o monumento natural e o refúgio de vida
silvestre, que têm por objetivo preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos
seus recursos naturais respeitadas as exceções previstas na lei. Já as unidades de uso
sustentável são formadas pela área de proteção ambiental, área de relevante interesse ecológico,
floresta nacional, reserva extrativista, reserva de fauna, reserva de desenvolvimento sustentável e
pela reserva particular do patrimônio natural, e buscam compatibilizar a conservação da natureza
com o uso sustentável de parte dos seus recursos naturais.
Estas áreas protegidas proporcionam meios para preservar e conservar grandes áreas
florestais que sofrem pressão antrópica. No aspecto conservacionista, uma importante questão a
ser discutida é como conciliar a conservação da biodiversidade, com a ocupação humana no seu
interior.
Assim, o presente artigo compara os objetivos dispostos no artigo 20, §1º da Lei do SNUC
com os objetivos do art. 1º do Decreto Estadual nº 8.044, de 25 de agosto de 2005, que criou a
Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé (REDES do Tupé), como forma de medir a
eficácia social da norma, com ênfase sobre a comunidade São João do Tupé.
1. Áreas Protegidas no Município de Manaus
Grande parte do território do Município de Manaus encontra-se ambientalmente protegida,
seja pela existência de unidades legalmente criadas com este fim, seja pela existência de áreas
institucionais, que de alguma maneira mantêm a integridade dos ambientes naturais. Estima-se
que esta proteção alcance 70% da área total do Município. São também áreas protegidas as
áreas de preservação permanente, as áreas verdes e os fragmentos florestais urbanos.
Os espaços territoriais especialmente protegidos, sujeitos a regime jurídico especial, são
definidos no Código Ambiental de Manaus, Lei n.º 605/2001. São espaços territoriais
especialmente protegidos:
I. as áreas de preservação permanente;
II. as unidades de conservação;
III. as áreas verdes;
IV. os fragmentos florestais urbanos;
V. as praias, as ilhas, as cachoeiras, a orla fluvial e os afloramentos rochosos associados
aos recursos hídricos.
Em Manaus atualmente, encontram-se implantadas oito Unidades de Conservação,
enquadradas em diversas categorias (Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Refúgio
da Vida Silvestre Sauim Castanheiras, Parque Municipal do Mindu, Área de Proteção Ambiental
do Tarumã/Ponta Negra, Jardim Botânico Adolpho Ducke, Reserva Particular do Patrimônio
Natural da Moto Honda e Reserva Particular do Patrimônio Natural Dos Buritis), somando uma
superfície de mais de 34.589,74 hectares de áreas preservadas,
3
2. Tupé: de área de relevante interesse ecológico à reserva de desenvolvimento
sustentável
2.1 Caracterização e localização da reserva
Tupé, do tupi, significa entrançado, tecido trançado com talas da palmeira Arumã (planta
típica da região Amazônica), em cores ou não, usado como objeto de arte, principalmente pelos
indígenas, tapete, esteira, toldo de barcos, dentre muitas outras utilidades. Este termo identifica
uma localidade da área rural do Município de Manaus, no Amazonas, muito freqüentada por
visitantes locais e estrangeiros. Esta denominação surgiu em razão do lago do mesmo nome que
deságua no Rio Negro. É tradicionalmente ocupada por comunidades ribeirinhas, dispersas entre
si e isoladas da área urbana de Manaus5.
O Tupé é uma região lacustre, composta por cinco cursos d´agua (igarapés), ligados ao
Rio Negro por um canal. Às margens do lago do Tupé há populações recentes, etnias
remanejadas e povos originários do Alto Rio Negro. O Tupé é também um povoamento recente de
novos ribeirinhos, migrantes de vários outros recantos da Amazônia e do Brasil, que utilizam as
margens do Rio Negro como foco turístico e de laser6. Amazônidas e migrantes partilham de um
modo de vida ligado à agricultura familiar, extração de produtos da floresta, caça e pesca.
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé (REDES) abriga seis comunidades
em seu interior: São João do Lago do Tupé, Livramento, Julião, Tatulândia, Agrovila Amazonino
Mendes e Colônia Central e outras sete comunidades no seu entorno: comunidade Bela Vista,
Costa do Arara, Baixote e Caioé, São Sebastião, Nossa Senhora de Fátima, Ebenezer e Tarumã
Açu. Tais comunidades estão dispersas entre si e o acesso, entre elas e com a área urbana do
município, é feito exclusivamente por via fluvial com a utilização de pequenos barcos motorizados.
De acordo com Plano de Uso Público (PUP)7, elaborado pela ONG IPÊ, as famílias estão
divididas na REDES do Tupé da seguinte forma: na comunidade da Agrovila residem 80 famílias,
a Colônia Central possui 20, no Julião existem 80, no Livramento 120, na Tatulândia 20 e na
Comunidade de São João residem 80 famílias, podendo ser descritas como povoados ou grupos
de unidades residenciais compostas de várias famílias, distribuídas de forma irregular,
organizadas em associações criadas para cooperar sobre decisões relacionadas à educação,
saúde, economia, cursos e melhorias de vida. Estes moradores garantem sua sobrevivência,
sobretudo através da agricultura, da pesca de subsistência, o turismo e da visitação.
A REDES do Tupé é a maior unidade de proteção do Município de Manaus e tem seus
limites e objetivos definidos no Decreto n.º 8.044, de 25 de agosto de 2005:
5
6
7
SILVA, Edinaldo Nelson dos Santos(org). et al. BioTupé: meio físico, diversidade biológica e sócio-cultural. Manaus : INPA, 2005.
Op. cit. p.10.
Plano de Uso Público da REDES do Tupé. IPÊ, 2008.
4
Art.1º Fica criada a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do
Tupé (REDES do Tupé) com área total de 11.973 há (onze mil, novecentos
e setenta e três hectares) e perímetro de 47.056 m (quarenta e sete mil e
cinqüenta e seis metros), com objetivo básico de preservar a natureza e, ao
mesmo tempo, assegurar as condições e os meios necessários para a
reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração
dos recursos naturais das populações tradicionais, bem como valorizar,
conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do
ambiente, desenvolvidas por estas populações.
Consoante o artigo 2º do Decreto acima, a REDES do Tupé começa na confluência do Rio
Negro com a margem direita do Igarapé Tatu, seguindo do Igarapé Acácia até a confluência com o
Igarapé Tarumã-Mirim. Depois, segue pela margem direita do Igarapé Tarumã-Mirim, até sua foz
com o Rio Negro, para encontrar, na sua margem esquerda, seu ponto inicial no Igarapé Tatu.
A área da REDES do Tupé possui vegetação relativamente íntegra. Há, entretanto,
pequenas áreas degradadas próximas aos núcleos comunitários e na margem direita do igarapé
Tarumã-Mirim, onde estão localizadas três comunidade do entorno da Reserva, Nossa Senhora
de Fátima, Ebnezer e São Sebastião8.
A Reserva situa-se geograficamente em uma zona rural do município de Manaus às
margens do Rio Negro, no Estado do Amazonas, há aproximadamente 25km do centro urbano da
cidade. Sua área é formada por diferentes tipologias vegetais, que formam um mosaico que
reflete, principalmente, influência do ciclo de subida e descida das águas do Rio Negro. Apresenta
uma diversidade muito grande de mamíferos, tais como, a onça, paca, o macaco guariba, o
macaco-aranha, a preguiça-bentinho, o macaco-prego e a espécie símbolo da REDES: o sauimde-manaus, ou sauim-de-coleira. As aves são representadas pelo Sovi, Biguá, Pato-do-Mato,
Arara-canindé. Além destas espécies, podem ser encontrados jacarés, arraias e ariranhas, com
funções ecológicas de dispersão, disseminação, predação de sementes e polinização de flores e
muitas espécies de peixes de valor comercial e ornamental, como o matrinxã, o aracú, o tucunaré,
o acará açu, dentre outras espécies9.
As praias, os lagos, os igarapés, os córregos e as cachoeiras constituem a vasta malha
hídrica da REDES. Mesmo com a presença de fontes permanentes de água para o cultivo, o solo
na reserva, em especial na Comunidade de São João, é considerado fraco para a agricultura
pelos moradores, além da presença indesejada das saúvas que destroem o curto roçado. Somase a isso a dificuldade de acesso e de transporte que representam os maiores empecilhos para o
escoamento adequado da produção, havendo alto índice de perda, principalmente de cupuaçu,
pois no período de safra, esses problemas se impõem e a falta de condições para transportar a
produção ou ainda de transformá-la localmente em polpa ou em outros derivados acabam
8
Observação pessoal resultante de visita técnica realizada em fevereiro de 2008.
Informação retirada da Secretaria Municipal de Meio Ambiente
<http://www.manaus.am.gov.br> último acesso em: 25 de março de 2008.
9
–
SEMMA.
Manaus/Am.
Disponível
em
5
causando seguidos prejuízos e desânimo nos pequenos produtores. Também não há energia
elétrica, o que impede o armazenamento e o beneficiamento da produção, obrigando os
produtores a realizarem a comercialização in natura das frutas10.
Um fator determinante para o agravamento das condições de vida e da não utilização
adequada dos recursos naturais nas comunidades da REDES é a constatação de que não há
organização comunitária. Isto impede o desenvolvimento de uma consciência de vida coletiva11.
Iniciar o processo de construção de convivência comunitária, a partir dos próprios atores sociais
envolvidos, é um desafio e uma necessidade para proporcionar perspectivas de melhoria na
qualidade de vida na região.
2.2 Histórico da criação da reserva
A região onde hoje se encontra a REDES do Tupé sempre foi uma área que demandou
proteção especial do Estado e do Município em função da beleza de seu cenário natural, da
diversidade da fauna, da ocorrência de espécies animais endêmicas, da existência de tribos
indígenas (Desãna, Tukano e Tuyuka) e da visitação recreativa desenvolvida na Praia do Tupé.
Diante desse cenário, o poder público municipal, buscando controlar o processo de
degradação ambiental causado pelas atividades dos visitantes e dos moradores, instituiu alguns
instrumentos legais de proteção, dentre os quais se enumera:
a) em 1990, a Praia do Tupé foi declarada como Área de Relevante Interesse Ecológico
pela Lei Orgânica do Município de Manaus (LOMAM);
b) em 1995, pela Lei Municipal nº 321, foi criada a Unidade Ambiental do Tupé (UNATupé) definindo-se também os limites territoriais dessa área, integrante do Sistema Municipal de
Unidades de Conservação;
c) em 1999 o Decreto Municipal nº 4.581, de 18.06 instituiu aquela área como “espaço
territorial de relevante interesse ecológico”, e atribuiu à Secretaria Municipal de Desenvolvimento
e Meio Ambiente (SEDEMA) a gestão ambiental daquela localidade;
d) ainda em 1999, por meio da Portaria nº 18/99, de 24.06, a SEDEMA (atual SEMMA)
instituiu o Regulamento da Área de Relevante Interesse Ecológico do Tupé (ARIE -Tupé),
definindo os limites espaciais da mesma, bem como, estabelecendo diretrizes e estratégias para a
implantação e o funcionamento dessa unidade ambiental;
10
SILVA, Edinaldo Nelson dos Santos(org). et al. BioTupé: meio físico, diversidade biológica e sócio-cultural. Manaus : INPA, 2005.
ANDRADE, Ellen Barbosa de. et.al. Tecendo o Tupé: Extensão Universitária na construção da gestão ambiental de uma Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Amazônica. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA, 2, 2004, Belo Horizonte.
Anais.
11
6
e) em 2002, pela Lei nº 671/02 e atendendo ao que estabelece a legislação federal
referente ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), a UNATupé foi
reenquadrada como Reserva de Desenvolvimento Sustentável Tupé - RDS Tupé.
f)
em 2005, através do Decreto nº 8.044, assinado em 25 de agosto, foi finalmente criada
a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé (nesse documento denominada REDES do
Tupé).
Desde o seu enquadramento como Área de Relevante Interesse Ecológico em 1990 até
sua recategorização como Reserva de Desenvolvimento Sustentável em 2005, a participação das
comunidades nas decisões tornou-se fundamental e obrigatória, como determina o § 4º do artigo
20 da Lei do SNUC, ao dispor que as RDS serão geridas por um conselho deliberativo formado
por representantes das populações tradicionais residentes na área. Segundo o depoimento de
alguns moradores, as legislações e os projetos antigamente “vinham de cima pra baixo”, mas a
partir de 2005, eles foram envolvidos em todas as decisões concernentes à reserva.
2.3 Potencialidades econômicas
O lago, a praia, os igarapés, o canal de ligação com o Rio Negro são mais que ângulos
privilegiados de acesso à fruição estática da paisagem. São ambientes produtores de vida no
trópico úmido e, portanto, são unidades de reprodução da vida física, social e cultural, muito além
de simples recursos para os usos da sobrevivência econômica12.
Não houve grandes mudanças nas atividades econômicas realizadas pelos moradores
antes da transformação da área em uma reserva. Em virtude das limitações impostas pela lei do
SNUC e no próprio decreto de criação da REDES, são proibidas as atividades que causem a
degradação da qualidade ambiental, as obras de terraplanagem e abertura de canais, as
atividades capazes de provocar erosão do solo e assoreamento dos recursos hídricos, as
atividades industriais poluidoras, a pesca predatória, que se utilize de arrastão, bombas, timbó e
malhadeira, a caça profissional e amadora, a extração de recursos minerais e outras atividade
que, de certa forma, puderem causar qualquer tipo de alteração na qualidade do meio ambiente,
direta ou indiretamente13.
Por outro lado, são permitidas e incentivadas a pesquisa científica voltada à conservação
da natureza, à melhor relação das populações residentes com seu meio e à educação ambiental,
sujeitando-se à prévia autorização do órgão responsável pela administração da unidade, a caça e
pesca de subsistência, o manejo dos recursos naturais, visitação pública desde que compatível
com os interesses locais, o turismo nas tribos indígenas. As atividades produtivas de subsistência
realizadas pelas comunidades da REDES do Tupé variam desde a fruticultura, o roçado, a
12
13
SILVA, Edinaldo Nelson dos Santos(org). et al. BioTupé: meio físico, diversidade biológica e sócio-cultural. Manaus : INPA, 2005.
Observação pessoal resultante de visita técnica realizada em fevereiro de 2008.
7
avicultura, o artesanato, a fabricação de remédios por plantas medicinais, a fabricação de doces e
geléias, a apicultura, venda nas barracas da Praia do Tupé e etc14.
Na comunidade de São João, em especial, atualmente poucos praticam a agricultura. A
disponibilidade da praia durante grande parte do ano, o crescimento da comunidade em torno da
recente “infra-estrutura turística” combinados com a facilidade de acesso da população de
Manaus, contribuíram para a concentração dos moradores em atividades relacionadas ao
comércio informal15.
2.4 Confronto entre os objetivos da lei do snuc e os objetivos do decreto de criação
da redes do tupé
O artigo primeiro do decreto de criação da REDES do Tupé traz detalhadamente as
finalidades e os objetivos que deverão nortear as políticas públicas elaboradas para o
desenvolvimento da comunidade local e para a conservação da natureza, bem como, deverão
servir de fundamento para toda e qualquer legislação pertinente àquela área:
Art.1º Fica criada a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do
Tupé (REDES do Tupé) [...] com objetivo básico de preservar a natureza e,
ao mesmo tempo, assegurar as condições e os meios necessários para a
reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração
dos recursos naturais das populações tradicionais, bem como valorizar,
conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do
ambiente, desenvolvidas por estas populações.
O artigo transcrito acima traduz a essência de uma RDS, como é o caso da REDES do
Tupé e, principalmente, o cuidado e o estudo na elaboração do seu plano de manejo, nas
pesquisas, nas visitações e nos projetos desenvolvidos, tendo vista que a Comunidade de São
João (foco desta pesquisa) conta com 80 famílias atualmente.
Passa-se neste momento ao comentário do artigo 1º, por tópicos, que trata dos objetivos
gerais da REDES do Tupé e sua aplicação prática na Comunidade de São João.
a) preservar a natureza:
A expressão “preservar” traz em si uma limitação conceitual que não é adequada aos
propósitos de uma RDS. Estas áreas devem oferecer condições e meios necessários para
reprodução e melhoria da qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das populações
14
15
SILVA, Edinaldo Nelson dos Santos(org). et al. BioTupé: meio físico, diversidade biológica e sócio-cultural. Manaus : INPA, 2005.
Op. cit.
8
tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo
do ambiente, desenvolvidos por aquelas populações.
O termo preservação significa: manutenção das características próprias de um ambiente e
as interações entre seus componentes. É a ação de proteger, contra a destruição e qualquer
forma de dano ou degradação, um ecossistema, uma área geográfica definida ou espécies
animais e vegetais, adotando-se medidas preventivas legalmente necessárias e as medidas de
vigilância adequadas16, ou seja, traz a idéia de intocabilidade.
A inserção desta expressão na lei vem dificultando o modo de vida dos moradores da
Comunidade de São João, pois limita a utilização de recursos naturais tradicionalmente
aproveitados. Este quadro é agravado pela ausência do plano de manejo e pelo zoneamento da
REDES. Até um simples roçado para plantação de mandioca requer um procedimento burocrático,
onde ao final, é concedida uma licença de autorização para o início do roçado ecológico, que é
limitado a uma área de 50m2, permitindo apenas a plantação de produtos de subsistência. Em
casos especiais, são concedidas licenças com uma área maior do que 50m2, desde que, o
morador apresente um projeto de utilização da área para plantação visando à produção para
comercialização de determinados frutos, como o cupuaçu. Porém, na comunidade de São João,
em virtude na pobreza do solo e aos constantes ataques das saúvas nas plantações fica
praticamente inviável a agricultura, já que os moradores não dispõem de recursos financeiros para
aquisição de adubos e fertilizantes17.
Ciente destas dificuldades, a SEMMA vem procurando viabilizar outras alternativas de
sustento, como o curso de meliponilcultura, curso com plantas medicinais e a capacitação de
moradores que trabalham nas barracas na praia do Tupé durante os finais de semana.
Assim, o objetivo legal de preservar a natureza é garantido, a floresta continua intocada,
mas grande parte dos moradores vive numa situação de pobreza. Entretanto, não há preservação
possível em meio à pobreza e ao subdesenvolvimento. O desenvolvimento sustentável acontece
quando a dimensão social é contemplada tanto quanto a dimensão ambiental18.
b) assegurar as condições e os meios necessários para a reprodução e a
melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das
populações tradicionais:
A SEMMA nos últimos três anos vem desenvolvendo na REDES do Tupé, em parceira
com instituições como a UFAM, Uninorte e ULBRA e ONG’s como o IPÊ, campanhas ambientais,
campanhas de saúde, workshops sobre educação ambiental, cursos de capacitação ambiental
16
RIOS, Aurélio Virgílio Veiga (org). et al. O Direito e o Desenvolvimento Sustentável: Curso de Direito Ambiental. São Paulo : Instituto
Internacional de Educação do Brasil, 2005.
17
Observação pessoal resultante de visita técnica realizada em fevereiro de 2008.
18
CRESPO, Samyra. A vez do socioambientalismo. O Globo, 16 de dezembro de 2002. p.7. apud SANTILLI, Juliana.
Socioambientalismo e novos direitos. Editora Fundação Peirópolis Ltda. São Paulo. 2005, pág. 51.
9
visando a melhoria na qualidade de vida dos moradores e contribuir para estudos, propostas e
ações que promovam a formação, a integração e a cooperação na comunidade.
Nos cursos, os moradores são apresentados a novas alternativas econômicas através de
atividades simples, que exploram os recursos ambientais existentes na REDES, além de cursos
de inglês básico para atendimento ao turista, manipulação e conservação de alimentos, de
empreendedorismo, entre outros. Porém, mesmo com toda facilidade apontada acima, a
comunidade pouco se envolve nestas atividades19.
c) bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as
técnicas de manejo do ambiente, desenvolvidas por estas populações:
As ações da SEMMA na REDES do Tupé levam em conta as potencialidades de cada uma
das seis comunidades. Por exemplo, na Comunidade de São João, são estimulados o turismo e a
visitação, a criação de abelhas para fabricação de mel e as manipulação de plantas medicinais. Já
na comunidade do Julião é estimulado o plantio do cupuaçu para a fabricação de doces (balas,
geléias e gelatinas). Tudo isso é feito pela cooperativa das mulheres doceiras do Julião, que
através do curso oferecido aprenderam as técnicas e as formas de comercialização do cupuaçu
através da polpa20.
Na maioria das comunidades são incentivados a implantação dos roçados ecológicos, o
apoio ao turismo sustentável, a educação ambiental e patrimonial.
Segundo os moradores, na Comunidade de São João,21 os projetos desenvolvidos
incentivam atividades ligadas ao turismo. Ocorre, que poucos moradores exploram as atividades
comerciais nas barracas da praia do Tupé (são apenas 12 das 80 famílias residentes) e o turismo
na tribo indígena Dessana concentra a renda apenas entre as duas famílias da tribo.
Ainda na opinião dos moradores, grande parte de suas idéias são descartadas pela
SEMMA, que já vem com propostas prontas e apenas repassam para a comunidade.
2.5 A comunidade de São João do Tupé
A Comunidade de São João do Lago do Tupé está limitada pela praia, pela mata de igapó
e pela terra firme. Suas residências estão à beira do lago e agrupadas na pequena vila
estruturada nas proximidades da praia do Tupé22
19
Observação pessoal resultante de visita técnica realizada em fevereiro de 2008.
Informação retirada da Secretaria Municipal de Meio Ambiente – SEMMA. Manaus/Am. Disponível em
<http://www.manaus.am.gov.br> último acesso em: 30 de março de 2008.
21
Observação pessoal realizada em fevereiro de 2008 na comunidade de São João.
22
SILVA, Edinaldo Nelson dos Santos(org). et al. BioTupé: meio físico, diversidade biológica e sócio-cultural. Manaus : INPA, 2005.
20
10
Segundo o levantamento socioeconômico preliminar de 2002, a comunidade de São João
do Tupé compreendia 31 famílias23, mas, de acordo com informações fornecidas no PUP,
atualmente a Comunidade de São João conta com 80 famílias. Deste total, 57% desenvolvem
alguma atividade produtiva, como a fruticultura, roça, avicultura, plantas medicinais, apicultura,
exploração das barracas na praia do Tupé e o restante vive das bolsas escola e família, da
aposentadoria ou são empregados da SEMMA ou da Secretaria Municipal de Educação (SEMED).
A comunidade possui acesso fácil para a praia do Tupé, que passou por melhorias para
melhor atender os visitantes vindos de Manaus. Em fevereiro de 2008 a Prefeitura inaugurou 12
barracas padronizadas e entregou a dez moradores para a venda de comidas e bebidas através
de termo de concessão de uso. Na praia também está localizado o Centro de Atendimento e
Desenvolvimento Sustentável e a base da SEMMA. A comunidade de São João conta com um
posto médico, com uma rádio comunitária, uma igreja católica e uma evangélica, uma escola
municipal, duas pequenas tabernas e um chapéu de palha onde futuramente funcionará o clube
de mães24.
O principal problema da comunidade é a limitação no uso dos recursos naturais
decorrentes das proibições impostas na lei do SNUC, o que dificulta a busca por alternativas
econômicas sustentáveis. A REDES do Tupé deveria compatibilizar a conservação da natureza
com o uso sustentável de parte de seus recursos naturais, entretanto, na prática, observa-se um
valor se sobrepondo ao outro. A preservação da natureza é prioridade, restringindo quase todas
as atividades econômicas dos moradores, que tiveram que adequar seu modo de vida às
limitações legais.
2.5.1 Atuação do órgão gestor da reserva na comunidade de São João
As ações do Poder Público na REDES do Tupé foram intensificadas a partir de 1999,
impulsionadas pela crescente participação social e pela necessidade de cumprimento da
legislação ambiental, que vem exigindo uma atuação planejada dos órgãos públicos integrantes
do SISNAMA que podem ser responsabilizados pela gestão das unidades de conservação que
administram.
Visando melhorar o modo de vida da população local, a SEMMA, desde a recategorização
da área para RDS em 2005, vem desenvolvendo inúmeros cursos com o objetivo de ampliar as
oportunidades econômicas, propiciando benefícios para a comunidade local, por exemplo o curso
de formação de agentes ambientais voluntários, no qual são ministradas palestras sobre a
prevenção da ocorrência de danos ambientais e o incentivo a programas de educação ambiental
junto à comunidade. A SEMMA também vem promovendo a revisão o Plano de Uso Público da
Praia do Tupé, em parceria com a ONG IPÊ
23
24
Op.cit.
Observação pessoal realizada em fevereiro de 2008 na comunidade de São João.
11
Pelos exemplos citados acima, observa-se que o órgão gestor da REDES tem sido atuante
na busca de alternativas econômicas viáveis para a comunidade. Periodicamente, são realizadas
reuniões com todos os moradores da REDES, onde são repassadas informações sobre a situação
da Reserva, sobre os cursos, sobre o andamento dos projetos existentes e dos em implantação.
Nestas reuniões, os moradores, sem exceção, são convocados a participarem da gestão da
Reserva, a dar sugestões sobre as atividades, sugerirem novos cursos e contribuir na sua
fiscalização, já que é inviável, deixar a fiscalização de uma Reserva de quase 12.000ha sob a
responsabilidade exclusiva da SEMMA.
2.5.2 Plano de manejo
Pela lei do SNUC, em seu artigo 2º, XVII, o plano de manejo é um documento técnico
mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se
estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos
recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade,
devendo ser elaborado no prazo de cinco anos a partir da data de sua criação.
Na REDES do Tupé o plano de manejo está na segunda fase de elaboração. Define-se no
momento, o zoneamento da reserva junto com os representantes do conselho deliberativo das 06
comunidades da REDES, com algumas ONG’s envolvidas e com instituições de ensino. São
realizadas reuniões mensais, nas quais são avaliadas as zonas destinadas a cada tipo de
atividade, por exemplo, serão delimitadas zonas para o roçado ecológico25, zonas de recreação,
trilhas turísticas, áreas destinadas à visitação pública e etc.
Mais adiantado está o PUP, que trata das atividades de uso público, definindo as
atividades a serem desenvolvidas na área e estabelecendo as normas e diretrizes para sua
execução. Em reunião realizada em março de 2008, nas Comunidades do Julião e em São João,
foi apresentada a minuta no PUP para todos os interessados. Na ocasião, ressaltou-se a
importância do envolvimento das comunidades nas reuniões para o sucesso do PUP.
Por último, fortaleceu-se o discurso de que as populações tradicionais devem retirar seu
sustento da floresta. Entretanto, em especial na comunidade de São João, esta idéia é
impraticável, conforme exposto acima. O que se observa, é que são realizados diversos cursos de
capacitação, porém, eles não contemplam nenhuma atividade que envolva o manejo da floresta.
2.5.3 Gestão e conflitos
25
Sistemas de plantios baseados na fenologia das espécies para um rendimento sustentado.
12
Devido à facilidade de acesso, a comunidade de São João do Tupé passou a sofrer forte
pressão humana. Por este motivo, o estímulo à visitação à praia, e o turismo, vêm surgindo como
alternativas para o desenvolvimento econômico sustentável das pessoas envolvidas.
Assim como ocorre em outras Reservas de Desenvolvimento Sustentável, na RDS do
Tupé existem conflitos oriundos da pesca, da caça e da extração ilegal da madeira. Em notícia
recente publicada em um periódico regional26, mostrou a apreensão de 650 troncos de madeira
ilegal extraída da REDES do Tupé, no momento em que o barco passava pelo lago com a
mercadoria. Esta apreensão repercute não só na mídia, como gera uma repercussão muito maior
nos moradores da Reserva. De acordo com a matéria, os extratores levaram um mês para reunir
aquela quantidade de madeira.
Na opinião dos moradores, eles são os maiores prejudicados com as atividades proibidas.
Há um consenso, quanto as suas fragilidades e a burocracia enfrentada quando pretendem
transformar as áreas de capoeira em áreas de roçado, ou sugerir alguma alternativa que possa
melhorar de alguma forma seus modos de vida. Naturalmente, devido ao tamanho da REDES do
Tupé e aos poucos funcionários da SEMMA disponíveis para fiscalização, terceiros conseguem
entrar na REDES e extrair madeira por um mês sem que ninguém perceba.
Contudo, a SEMMA sugere e instiga nas reuniões uma gestão compartilhada com os
moradores da comunidade de São João, no sentindo de fiscalizarem as atividades um dos outros
e de terceiros, de ajudarem na limpeza na praia do Tupé e de comunicar as autoridades caso
presenciem ou suspeitem de alguma atividade ilegal.
A grande questão é que os moradores não têm poder de polícia e na maioria dos casos
relatados, os mesmos foram vítimas de agressões verbais por parte dos infratores ao tentar inibir
comportamentos/atividades ilegais. Assim, preferem deixar a cargo da SEMMA a responsabilidade
pelo monitoramento da REDES e não pôr em prática o conhecimento adquirido nos cursos de
Agente Ambiental Voluntário (AAV) realizados pela SEMMA. O curso de atualização é ministrado
uma vez ao ano para que os agentes possuam informações atualizadas sobre a legislação
pertinente ao meio ambiente, além de novas práticas para a implantação da educação ambiental
nas comunidades. Entre as atribuições ao AAV, estão a prevenção da ocorrência de danos
ambientais e o incentivo a programas de educação ambiental junto à comunidade27.
Importante destacar que o gerenciamento efetivo de uma Unidade de Conservação
necessita de investimento, seja do órgão público responsável, seja através de parcerias com
organismos internacionais e nacionais, objetivando melhoria nas condições de infra-estrutura, nas
condições de vida das popualações tradicionais, além da contratação e qualificação de pessoal
que irão atuar na administração e monitoramento das unidades, necessita igualmente do apoio
26
FISCALIZAÇÃO: Semma apreende madeira ilegal extraída da RDS do Tupé. Jornal do Comércio, Manaus, 27 mar. 2008.
Informação retirada da Secretaria Municipal de Meio Ambiente – SEMMA. Manaus/Am. Disponível
<http://www.manaus.am.gov.br> último acesso em: 31 de março de 2008.
27
em:
13
das instituições de ensino, das ONG´s e principalmente das comunidades residentes nestas
áreas.
Outro aspecto relevante é o crescimento do números de unidades de conservação criadas
no Amazonas nos últimos anos28, porém, garantir a proteção da biodiversidade com a criação de
áreas protegidas por si só é insuficiente, pois, mais importante que a criação é a fiscalização de
forma adequada, e neste apecto ressalta-se a participação das populações locais na criação e
manutenção dessas áreas.
2.5.4 Conselho Deliberativo do Tupé
Consoante o artigo 20, §4º da Lei do SNUC, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável
será gerida por um Conselho Deliberativo, presidido pelo órgão responsável por sua
administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade
civil e das populações tradicionais residentes na área, conforme se dispuser em regulamento e no
ato de criação da unidade.
Por meio da Resolução n.º 040/2006, do Conselho Municipal de Desenvolvimento e Meio
Ambiente (COMDEMA), que aprovou o regulamento interno da REDES do Tupé, o Conselho
Deliberativo do Tupé foi instituído para auxiliar na gestão da reserva e na elaboração e
implantação do Plano de Uso e Ordenamento da Praia do Tupé, visando adequar o número de
visitantes à capacidade de suporte do meio ambiente local e do Plano de Manejo.
O grupo é formado pelo COMDEMA (presidência), por um representante de cada
comunidade que integra a REDES e, dois representantes escolhidos entre as sete comunidades
do entorno, por representantes de instituições de ensino e pesquisa, como Universidade Federal
do Amazonas (UFAM) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), além de
representantes da sociedade civil e entes governamentais, como as Secretarias Municipais de
Educação, Saúde, Cultura e Turismo, Agricultura e de Produção e a Manaustur.
3. Aplicabilidade social dos preceitos legais
Cada povo apresenta sua história de consolidação e desenvolvimento, tendo como base o
meio ambiente em que se estabeleceu, a construção de seus valores culturais e as relações com
outros povos, fatores que influenciam na construção de seus conhecimentos e suas técnicas (a
racionalidade) e, portanto, mediam suas relações de exploração e de conservação da natureza29.
28
O Município de Manaus, com 11.458,5 km2 (área equivalente a 0,73% do Estado do Amazonas), possui 96,4% de seu território em
área rural, dos quais aproximadamente 70% se encontram inseridas em áreas protegidas de diversas categorias. A área urbana de
Manaus, tem 377 km 2 e corresponde a 3, 30% do Município, aproximadamente 55% estão também em áreas protegidas.
29
LEFF, Enrique. Ecologia, Capital e Cultura: racionalidade ambiental, democracia participativa, e desenvolvimento sustentável.
Blumenau: Furb, 2000. 381 p. Col. Sociedade e Ambiente 5.
14
Para a sustentabilidade é necessária a adoção de novas práticas sociais que estabeleçam
relações de produção e exploração dos recursos, garantindo sua manutenção (o equilíbrio
dinâmico da natureza), o que depende de uma reelaboração científica dos conhecimentos
(ecotecnologia) observando a natureza e/ou o ambiente de outra perspectiva, a otimização das
funções ecológicas, respeitando os limites e tirando partido das potencialidades da natureza. Isto
implica em adotar uma economia política do ambiente, na qual todos os atores sociais envolvidos
(Poder Público, movimentos sociais, comunidades, cientistas e outros) mobilizem-se por uma
gestão ambiental integrada na qual a conservação, ao invés da preservação, seja prioritária e
fundamental.
Outrossim, para que a natureza possa continuar a satisfazer às necessidades humanas
por meio de suas funções, admite-se portanto, que sua conservação seja de fundamental
importância. Conservar a Amazônia é uma tarefa urgente. É melhor que façamos nós mesmos
antes que nos julguem incapazes e questionem nossa soberania30.
Sabe-se que durante o processo de criação nas unidades de conservação no Brasil foi
adotado o conceito de áreas naturais protegidas criado pelo norte-americanos no final do século
passado, com uma visão preservacionista baseada na idéia de que o homem é necessariamente,
destruidor da natureza31. Portanto, impedindo e desconsiderando a existência de qualquer relação
natural entre o homem e os recursos naturais, ressalvadas as de finalidade científica e de turismo
ecológico32.
A proporção de unidades de conservação de uso sustentável tem aumentado muito graças
ao estímulo dos investimentos estrangeiros em idéias que promovam o desenvolvimento
sustentável como balizador do manejo de unidades de conservação e de seu entorno. Além disso,
politicamente é mais muito mais fácil estabelecer áreas protegidas “brandas”, onde é permitida a
utilização dos recursos naturais, do que criar as “estritamente protegidas”.
O grande problema é quando os gestores das unidades de uso sustentável, em especial
das RDS, as tratam como se fossem áreas de proteção integral, ou então, estabelecem no
zoneamento da reserva uma área desproporcional de proteção integral em relação às de uso
direto. Não é justo criar uma área com a presença humana em seu interior e proibir as populações
de utilizarem seus recursos naturais. Pelo exemplo da REDES do Tupé, vê-se que na maioria dos
casos, os infratores são pessoas não residentes na REDES e quando ocorre o “auxílio” de alguns
moradores nestas atividades, é justamente devido a falta de alternativas econômicas, pois, os
moradores são conscientes da atividades proibidas e permitidas na REDES do Tupé.
30
31
32
VIANA, V. M. Desenvolvimento Sustentável e Áreas protegidas na Amazonas. Revista Eco 21, ano XIV, Edição 86, janeiro.2004.
Um dos maiores defensores das idéias preservacionista foi o escocês John Muir.
DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 4ª ed. São Paulo: Hucitec, 2004.
15
A concepção da “conservação baseada na comunidade” baseia-se no fato de não ser
possível proteger a natureza sem providenciar condições de vida e oportunidades de crescimento
econômico às comunidades do interior e do entorno das unidades de conservação33.
Corroborando o pensamento acima, a literatura reconhece a necessidade de se incorporar
as populações tradicionais no manejo das áreas protegidas. E no entanto, essa dimensão da
conservação tem sido negligenciada na nossa própria tradição de manejo de recursos naturais34.
Na REDES do Tupé, assim com em outras áreas protegidas, os grandes “inimigos da
conservação” não têm sido as populações tradicionais, mas sim madeireiros e pescadores
comerciais. Brown, K. & Brown35 também destacam a importância das comunidades tradicionais
na conservação da biodiversidade na floresta tropical brasileira e afirmam que a destruição destas
florestas é conseqüência das ações de grandes fazendeiros e grupos econômicos. Os mesmo
autores ainda destacam que o modelo de uso de baixa intensidade dos recursos naturais pelas
populações extrativistas e indígenas frequentemente resulta num mínimo de erosão genética e
num máximo de conservação36.
O Relatório feito por Baylei37 para o Banco Mundial reforça as teorias acima ao afirmar que
a relevância deste fato para a planificação da proteção e manejo das reservas biológicas é que, se
excluirmos os seres humanos do uso de grandes áreas de florestas, não estaremos protegendo a
biodiversidade, mas a alteraremos significativamente e provavelmente a diminuiremos ao longo do
tempo. Por isso, áreas deveriam ser consideradas livres e disponíveis para a conservação, depois
de estudos cuidadosos, incluindo entrevistas exaustivas com os moradores locais e adjacentes a
essas áreas.
4. Considerações finais
Conclui-se, portanto, que a exclusão das populações tradicionais (usuários locais dos
recursos naturais) da formação e gestão das unidades de conservação é prejudicial não só para o
meio ambiente natural, mas principalmente, para a efetivação do desenvolvimento sustentável.
Esta exclusão (preservacionista) prejudica a interação do homem com o meio que o circunda e
gera subdesenvolvimento.
33
DOUROJEANNI, M.J; PÁDUA, M. T. J. Biodiversidade. A hora decisiva. Curitiba: UFPR, 2001.
GOMEZ-POMPA & KLAUS. Apud. DIEGUES, A.C. O mito moderno da natureza intocada. 4ª ed. São Paulo: Hucitec, 2004.
Op. Cit. P. 152.
36
Idem. P. 152.
37
BAILEY, R et alii. Development in the Central African Rainforest: concern for forest people. apud DIEGUES, Antônio Carlos. O mito
moderno da natureza intocada. 4ª ed. São Paulo: Hucitec, 2004
34
35
16
Para o sucesso de uma RDS, não basta apenas garantir a preservação da natureza, se faz
necessário, igualmente, o desenvolvimento de várias atividades dentro do seu escopo, e que
garantam a sobrevivência em condições dignas das populações que as habitem38.
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável revelou-se como um instrumento importante
para a conservação ambiental, mas ineficaz se depender apenas da proteção e fiscalização dos
órgãos ambientais responsáveis. A população residente exerce um papel fundamental neste
sentido, pois ela vivencia as intervenções humanas no meio ambiente diariamente.
Assim, analisando a lei do SNUC em conjunto com o decreto n.º 8.044/05, percebe-se que
as duas legislações têm um conteúdo social significativo, pois em ambas, visa-se conservar a
natureza e promover a comunidade envolvida sócio e economicamente. Porém, vários fatores
contribuem negativamente para a ineficácia, pelo menos em parte, destes dois preceitos, o
primeiro é a gestão preservacionista de alguns órgãos ambientais (Secretarias de Meio Ambiente
e Institutos de Proteção) nas unidades de uso sustentável, o segundo, é a falta de união e
organização da comunidade em torno de um objetivo maior que suas diferenças (culturais e
religiosas), vizando à concretização de modos de vida sustentáveis.
Referências
ANDRADE, Ellen Barbosa de. et.al. Tecendo o Tupé: Extensão Universitária na construção da
gestão ambiental de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amazônica. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA, 2, 2004, Belo Horizonte. Anais
BENJAMIN, Antônio Herman (coord). et al. Direito ambiental das áreas protegidas: o regime
jurídico das Unidades de Conservação. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
BRASIL. Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000. Institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da natureza. Senado Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br> Acesso
em: 15 de março de 2008.
DEUS, Cláudia Pereira de (org.) et. al. Piagaçu-Purus: bases científicas para a criação de uma
Reserva de Desenvolvimento Sustentável.Manaus : IDSM, 2002.
DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 4ª ed. São Paulo: Hucitec,
2004.
DOUROJEANNI, M.J; PÁDUA, M. T. J. Biodiversidade. A hora decisiva. Curitiba: UFPR, 2001.
38
FIGUEIREDO, G. J. P. de; RODRIGUES, J. E. R. Apontamentos sobre a Reserva de Desenvolvimento Sustentável à luz do conceito
trazido pelo relatório Blundtland. In: BENJAMIN, Antônio Herman (coord). et al. Direito ambiental das áreas protegidas: o regime
jurídico das Unidades de Conservação. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
17
LEFF, Enrique. Ecologia, Capital e Cultura: racionalidade ambiental, democracia participativa, e
desenvolvimento sustentável. Blumenau: Furb, 2000. 381 p. Col. Sociedade e Ambiente 5.
MANAUS. Resolução n.º 040, de 24 de abril de 2006. Aprova o Regulamento Interno da Reserva
de Desenvolvimento Sustentável do Tupé. Conselho Municipal de Desenvolvimento e Meio
Ambiente (COMDEMA). Disponível em <http://www.manaus.am.gov.br> Acesso em: 27 de
fevereiro de 2008.
RIOS, Aurélio Virgílio Veiga (org). et al. O Direito e o Desenvolvimento Sustentável: Curso de
Direito Ambiental. São Paulo : Instituto Internacional de Educação do Brasil, 2005.
SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. Editora Fundação Peirópolis Ltda. São
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SILVA, Edinaldo Nelson dos Santos (org). et al. BioTupé: meio físico, diversidade biológica e
sócio-cultural. Manaus : INPA, 2005.
IPÊ. Plano de Uso Público da REDES do Tupé. 138 p. 2008.
VIANA, V. M. Desenvolvimento Sustentável e Áreas protegidas na Amazonas. Revista Eco 21,
ano XIV, Edição 86, janeiro.2004.
< http://www.manaus.am.gov.br> Acesso em: 25 de março de 2008.
18
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