10 Fialho - Santanita - Elias pp 131-146

Propaganda
Desenvolvimento e Sociedade | n.º 1 Novembro 2016
Revisitando Norbert Elias e os seus Contributos
para a Teoria Sociológica:
O foco no individuo e na sociedade
Joaquim Fialho
UÉvora, ECS, DSoc | CICS.NOVA.UÉvora
[email protected]
Carla Santanita [1]
CICS.NOVA.UÉvora
[email protected]
Resumo
A teoria sociológica é rica em contradições e consensos em torno de vários temas. No centro destas contradições, há um lugar comum: as dinâmicas de interação entre o individuo e a sociadade, isto é, entre o ator e o
palco. O debate em torno da questão da relação entre indivíduo e sociedade têm ocupado um lugar de destaque na sociologia. Entre os estudiosos que se preocuparam em analisar essa relação destacam-se autores clássicos da sociologia como Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber, Pierre Bordieu e Norbert Elias. O presente ensaio de reflexão irá analisar com uma maior profundidade a perspetiva de Norbert Elias, tendo por base
a obra “Sociedade dos Indivíduos”.
Palavras-Chave: Norbert Elias, indivíduo, sociedade, redes sociais.
Introdução
A interação social é o amago do debate sociológico.
Esta discussão teórico conceptual pretende construir
um momento de reflexão sobre as lógicas de configuração da relação entre indivíduo e sociedade, ancorada fundamentalmente na perspetiva de Norbert
Elias e tendo como principal referência um dos seus
trabalhos mais relevantes para a análise sociológica
das interações sociais: “Sociedade dos Indivíduos”.
A proposta de Norbert Elias sobre a relação entre
indivíduo e sociedade apresenta-se como inovadora,
rompendo com as lógicas em que a sociedade e indivíduo eram vistas como dicotomias fechadas sobre si
próprias, dissociáveis e distintas entre si. Elias via
esta relação numa perspetiva dinâmica, indissociável,
já que indivíduo e sociedade são na sua conceção
inúteis um sem o outro. Indivíduo e sociedade constituem assim para Norbert Elias, uma face de uma
mesma moeda.
A questão em torno da interacção entre individuo e
sociedade tem sido alvo de inúmeros debates sociológicos e preocupação constante entre inúmeros sociólogos, entre os quais Karl Marx, Émile Durkheim,
Max Weber, Pierre Bordieu e o já referido Norbert
Elias.
A conceção sociológica de Elias sobre as interações
sociais pode ser considerada dinâmica, pois trabalha
com o processo de interação em rede e com a dinâmica desse mesmo processo, não sendo vista a sociedade como estática já que a relação dos indivíduos
entre si, trocando significados entre si também não o
131
Revisitando Norbert Elias e os seus contributos para a teoria sociológica: O foco no individuo e na sociedade
é. Norbert Elias trabalha assim a sua Sociologia em
uma perspetiva de longo prazo que permite a articulação entre os elementos de personalidades dos indivíduos e as estruturas sociais. A sociologia de Elias
constitui-se portanto, definitivamente processual já
que envolve ações continuadas que os indivíduos
praticam em interação.
ências a filosofia ocidental, a sociologia e a teoria
Freudiana.
Segundo Silva (2006), citado por Nery (2007), o
objeto de análise da teoria eliasiana envolve:
• A sociedade da corte que aborda o antigo
regime.
• O processo civilizador demonstrando as
forças motrizes que levaram o homem à civilização.
• De indivíduo incivilizado a civilizado, procurando demonstrar aspetos dessa mudança
e envolvendo também as relações de poder
e habitus.
• A vida e obra de Mozart, realizando uma
análise sociológica e contextual do músico.
• As relações de interdependência entre o Eu
e o Nós.
• A morte, o tempo, o lazer e o desporto.
O indivíduo não deve assim, ser visto como separado do mundo, como um Eu fechado sobre si mesmo, com uma existência independente dos relacionamentos com os outros, não deve ser encarado como um homo clausus cuja personalidade e psiqué estão
separadas das figuras sociais. Elias opõe-se a uma
perspetiva tradicional da sociologia que vê o indivíduo como um elemento estático como uma situação
e não como um processo dinâmico (Nery, 2007).
No contexto da perspetiva de Norbert Elias, o presente ensaio pretende proporcionar uma reflexão em
torno da perspetiva sociológica construída por este
autor, refletindo também sobre o posicionamento
em relação a outras perspetivas, bem como aquilo
que trouxe de novo para a sociologia e que aprendizagem faço eu própria desta perspetiva enquanto
indivíduo de uma sociedade.
1. A
Ao longo da sua vida, Elias realizou inúmeras indagações sociológicas, de entre as quais: o que é a sociedade e de que estamos falando quando falamos de
sociedade?
Na obra “Sociedade dos Indivíduos” Elias centra a sua
análise numa questão que denomina como uma
questão cardeal para a sociologia a “essência da sociedade em si”, tentando assim com a sua obra desenvolver
um modelo que melhor se adeque à realidade da relação entre o indivíduo e a sociedade.
sociologia processual em Norbert Elias
Norbert Elias sociólogo alemão (1897–1990), nascido em Breslau, de família judia com formação académica em várias e distintas áreas como medicina,
sociologia, filosofia e psicologia, viveu no momento
em que Hitler se torna Chanceler da Alemanha e
inicia a perseguição aos judeus. Exilado do seu país,
percorreu a França, Bélgica fixando-se mais tarde em
Inglaterra onde desenvolve os seus trabalhos, de entre os quais, o que mais se destacou “O Processo Civilizador”. Elias dedicou-se ao longo dos seus trabalhos
a questões fulcrais da sociologia com enfoque na
compreensão do mundo ocidental, tendo-se encontrado esquecido por os restantes cientistas sociais,
por muito tempo. Atualmente, no campo das ciências sociais, Elias tem-se revelado como um dos autores da sociologia contemporânea mais resgatado na
sociologia, tendo tido a sua obra três grandes influ-
Segundo o autor, todos pensam saber o significado
da palavra “sociedade”, sendo esta dita de uma pessoa para outras como se de uma moeda de troca se
tratasse e cujo valor é totalmente e plenamente compreendido e conhecido por todos.
Mas Elias questiona: “Mas será que realmente nos entendemos?” (Elias, 2004, p. 22), Ao partir desta questão
sobre o significado da sociedade, que aparentemente
é do entendimento do senso-comum, Elias é confrontado com respostas que não o satisfazem plenamente, referindo que o significado da sociedade não
132
Desenvolvimento e Sociedade | n.º 1 Novembro 2016
é de todo e completamente compreendido, não sendo esse significado linear no domínio científico.
Norbert Elias recusa polarizações entre indivíduo e
sociedade, entre a estrutura da personalidade e as
estruturas sociais, defendendo que ambas se encontram alicerçadas numa relação de interdependência,
construindo assim, nesta relação interdependente o
processo social (Nery, 2007).
O autor não aceitava a dicotomia tradicional da sociologia entre sociedade e indivíduo, não aceitando
pressupostos teóricos que viam sociedade e indivíduo como algo fechado, como sendo autónomos e
distintos entre si, opondo-se portanto, a esta dicotomia e afirmando em sua perspetiva que não existe
sociedade sem indivíduos e que não existe indivíduos
sem sociedade. Elias via assim, sociedade e indivíduos como algo indissociável, não sendo possível
compreender uma parte sem a outra, sendo este, um
dos aspetos fulcrais no pensamento eliasiano.
Ao analisar a obra “Sociedade dos Indivíduos” e tendo
em consideração os pressupostos teóricos que este
recusou, não podemos deixar de refletir sobre esta
relação indivíduo e sociedade, indagando e questionando tais pressupostos. Subescrevo assim, o pensamento eliasiano, já que nos questionamos sobre a
possibilidade de existir uma sociedade criada de valores, regras, normas, costumes, acima do indivíduo.
Discordamos da dicotomia arbitrária que coloca de
um lado indivíduo e do outro lado sociedade, já que
o que confere e constrói a sociedade com toda a sua
panóplia de instituições, tradições e costumes são os
próprios indivíduos relacionando-se entre si ao longo
do tempo e que, por outro lado o homem não adquire a sua plenitude de ser humano se não no seu meio
social, o indivíduo não pensa e age sozinho, ele adquire tais características através do outro e através
daquilo que outros antes dele construíram entre si, a
sociedade. Por este motivo parece-nos que o pensamento eliasiano é aquele que responde e se adequa
melhor à realidade daquilo que é realmente a sociedade e a relação que estabelece com o indivíduo.
Para ilustrar e compreender a relação entre indivíduo
e sociedade, Elias socorre-se de uma imagem da Gestalt (entre as partes e o todo). Assim, a casa será um
conjunto de tijolos ou será a relação entre todos os
tijolos que forma e constitui a casa? O autor dá ainda
o exemplo de uma melodia. Sendo a melodia composta por várias notas musicais, todas as notas musicais isoladas entre si não passam de meros sons, que
só fazem sentido na relação que mantém, constituindo a partir da sua relação aquilo que ouvimos e chamamos de melodia, a parte e o todo. Estas simples
figuras podem se transpor para o binómio do indivíduo e da sociedade, já que, Elias defende que é necessário romper-se com o pensamento em substâncias singulares isoláveis e que o todo é diferente das
partes que o compõem, não podendo o todo ser
compreendido a partir da simples análise dos seus
elementos isolados, tal como acontece na casa e na
melodia sendo portanto na sua ótica, para compreender a sociedade e o indivíduo, necessário fazer a
ponte para um pensamento em relações e funções.
Segundo Elias (2004, p. 30), “…imaginamos o todo,
como sendo algo mais ou menos de harmonioso. A vida comum
dos seres humanos em sociedade está contudo cheia de contradições, de tensões e explosões”.
Norbert Elias (2004) afasta-se assim de antinomias
que veem individuo e sociedade como algo dissociável, referindo nos seus trabalhos que “ninguém dúvida
de que todos os indivíduos formam a sociedade ou de que toda
a sociedade é uma sociedade de indivíduos”(p.16).
No entanto, o autor afirma que para se chegar a tal
ideia, faltam conceitos, modelos e fundamentações,
tentando assim com a sua análise encontrar um novo
caminho, cujo processo central é exatamente o estudo do comportamento humano, da sua evolução e
desenvolvimento social, provocando deste modo,
um processo de revisão das teorias.
É neste quadro que o sociólogo advoga que “q vida
em comum dos seres humanos não é certamente harmoniosa.
E, se não é a harmonia, então a palavra do “todo” provoca
em nós pelo menos a ideia de algo fechado em si, de uma configuração claramente delineada de constituição evidente e de uma
estrutura tangível mais ou menos concreta” (2004, p.30).
Ao longo dos tempos, outros foram os sociólogos
que se debruçaram em torno desta questão, da relação indivíduo e sociedade. O indivíduo e a sociedade
133
Revisitando Norbert Elias e os seus contributos para a teoria sociológica: O foco no individuo e na sociedade
foram pensados por inúmeros estudiosos tais como:
Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber, Parsons,
Pierre Bordieu, entre outros. A sociologia tem vindo
assim a oferecer inúmeras possibilidades teóricas
para a análise da relação entre indivíduo e sociedade
de forma a que seja possível optar-se por uma perspetiva mais apropriada para examinar a realidade e
buscar respostas a perguntas, sendo a diversidade de
análises um dos elementos essenciais do pensamento
sociológico.
também podem reagir e modificar. O seu enfoque
encontra-se na análise das relações estabelecidas em
determinada classe e entre as diversas classes que
compõem a sociedade, sendo apenas passível de
compreensão as relações entre indivíduos com base
nos antagonismos, nas contradições e na complementaridade entre as classes sociais. Para Marx a
chave para compreender a vida social contemporânea está na luta de classes que se desenvolve à medida que indivíduos procuram satisfazer as suas necessidades.
Karl Marx na primeira metade do século XIX, sendo
sociólogo e economista do regime capitalista, desenvolve uma teoria sobre este regime, a qual é inseparável da sua época, comportando a obra de Marx,
uma teoria sociológica, uma teoria económica, obras
de história, traçando assim uma teoria das classes em
França durante um determinado período 1848 e
1850. Deste modo, Marx, apresentava-se como um
sociólogo específico, um sociólogo economista,
acreditando que não é possível compreender a sociedade moderna sem ter referência ao funcionamento
do sistema económico, nem compreender a evolução
do sistema económico negligenciando a teoria do
funcionamento, não separando portanto, a compreensão do presente da previsão do futuro e da vontade da ação. Assim, o pensamento de Marx aponta
para uma análise e uma compreensão da sociedade
capitalista no seu funcionamento atual, na sua estrutura presente e no seu dever necessário. (Aron, 2010)
Mas será a relação entre indivíduo e sociedade apenas uma luta de classes e o indivíduo um ser fechado
e condicionado à sua classe social?
Na nossa perpetiva a forma como é visto o indivíduo
na teoria de Karl Marx é algo redutora, já que o indivíduo não deve ser visto como um ser isolado numa
determinada classe social com determinadas necessidades que lutam entre si e que desta luta de classes
sociais, constituída por indivíduos resulte a sociedade. Marx vê, analisa e estuda a sociedade da sua época, fechada numa retrospetiva histórica, numa forma
estática, não constituindo para mim uma resposta à
relação entre indivíduo e sociedade.
Elias embora se reveja em alguns tópicos do seu colega, aponta como principal dificuldade neste tipo de
teorias sociológicas a noção de evolução que apresentam e com a ausência de um distanciamento, isto
é, não se conseguiram afastar e contemplar como
observadores distanciados, os acontecimentos sociais, o que para Elias constitui uma limitação (Canal,
2011).
A teoria de Marx tida como uma sociologia de processo, apresentava algumas preocupações como as
transformações, a mudança social a longo prazo e a
evolução social, Elias de certa forma revia-se com
este seu colega quando este via a sociedade como um
processo que evolui e a própria indissociabilidade da
relação entre sociedade e indivíduo (Canal, 2011).
Também Auguste Comte com uma das primeiras
teorias sociológicas exprime a ideia de uma esperança
e de um futuro melhor, numa evolução linear que
inevitavelmente levaria a um futuro e a uma sociedade melhor, tendo como pano de fundo a industrialização. Não muito diferente Marx, pressupõe a mesma ideia mas tendo como protagonistas não os industriais mas sim os operários e a sua luta de classes,
acreditando também num futuro melhor, tendo em
conta os seus próprios ideais. (Canal, 2011)
No entanto, o foco da teoria de Marx encontra-se
nas classes sociais e embora aborde a questão do
indivíduo, Marx afirma que os seres humanos constroem a sua história, sujeitos a condicionantes do
passado, que condicionam sucessivamente a construção do social no futuro. Para Marx, existem condicionantes estruturais que levam o indivíduo, os grupos
e as classes para determinados caminhos, aos quais
134
Desenvolvimento e Sociedade | n.º 1 Novembro 2016
Posto isto, para Elias, o pressuposto de processo
social como evolução linear orientada para um futuro melhor da sociedade ocorreu exatamente pela ausência de distanciamento diante do seu contexto social e dos seus próprios ideais. Para Elias as teorias
assim construídas foram baseadas em ideias e convicções próprias, em desejos e não em realidades,
tratando-se assim de perspetivas comprometidas que
não correspondiam ao real (Canal, 2011).
geração que criam um conjunto homogéneo, fazendo com que a comunidade permaneça integrada e
perpetue ao longo do tempo. Pelo contrário Karl
Marx acredita que para a constituição da sociedade é
indispensável a contradição e o conflito.
Mas estas regras e leis, normas e valores, costumes e
tradições que convergem em instituições são fruto de
algo superior aos indivíduos? Se são superiores aos
indivíduos, como surgem, como foram criadas? Será
que é a sociedade algo superior a todos os indivíduos? Ou serão os indivíduos com a sua convivência
que constituem as normas e valores para a criação de
uma sociedade harmoniosa?
Fará sentido estudar o indivíduo e a sociedade em
perspetivas exclusivas? Fará sentido ver o indivíduo
apenas do ponto de vista económico ou meramente
político, pertencente a uma determinada classe social
para assim compreender a sociedade? Não será esta
perspetiva redutora e restrita para a compreensão da
sociedade, restringindo-a a uma determinada época?
Por sua vez Max Weber (1864–1920), tem como
preocupação central compreender o indivíduo e as
suas ações. Porque tomam as pessoas determinadas
decisões e quais as razões para os seus atos. Segundo
Weber, a sociedade não é algo externo e acima dos
indivíduos, mas é sim o conjunto das ações dos indivíduos relacionando-se entre si reciprocamente que a
constitui. Weber parte assim do indivíduo e das suas
motivações, de forma a compreender a sociedade
como um todo. Para Weber, ao contrário do que
defende Durkheim, as normas, os costumes e as regras sociais não são algo externo ao indivíduo, mas
interno ao indivíduo e com base no que trás dentro
de si, o indivíduo escolhe condutas e comportamentos, dependendo das situações com que se depara.
As relações sociais consistem assim na probabilidade
de que se aja socialmente com determinado sentido,
sempre numa perspetiva de reciprocidade por parte
dos outros. Weber desenvolve deste modo, a ideia de
um indivíduo absoluto como realidade e uma sociedade como um conjunto de ações individuais desordenadas. (Canal, 2011)
Émile Durkheim (1858–1917), na “Da Divisão do trabalho social” apresenta como tema central o pensamento durkheimiano, o da relação entre os indivíduos e a coletividade, questionando-se sobre como é
que uma coleção de indivíduos pode constituir uma
sociedade e como é que os indivíduos podem realizar
essa condição da existência social que é um consenso?
Para Durkheim, a sociedade dispõe de certas normas, regras, valores, tradições que asseguram a sua
perpetuação ao longo dos tempos, prevalecendo
sempre a sociedade sobre o indivíduo. As regras e
leis existentes independem do indivíduo estando
acima de todos, formando uma consciência coletiva
que dá o sentido de integração entre os elementos da
sociedade. Durkheim crê que estas regras e estas leis
solidificam-se em instituições como, família, escola,
sistema jurídico e o Estado, as quais congregam os
elementos essenciais da sociedade, dando-lhe sustentação e permanência e que para não se desestruturarem não podem ser modificadas individualmente e
repentinamente mas sim de forma progressiva e morosa, ao longo de gerações. Para Durkhéim é devido
às instituições que cada indivíduo sabe como deve
agir para não provocar conflito à vida comunitária.
Durkheim coloca em ênfase a coesão para a manutenção da sociedade, acreditando que são as normas,
valores, regras, costumes transmitidas de geração em
O autor procurou portanto analisar e entender a sociedade como um processo em evolução e de desenvolvimento social, apontando a que a sociedade se
constitui como um dos elementos essenciais de uma
estrutura organizacional cujas alterações se demonstram de diversas formas de inter relacionamentos e
entrelaçamentos sociais em que se permitem agrupar
e que jamais poderia resultar de um agir individual
(Fradson, 2001).
135
Revisitando Norbert Elias e os seus contributos para a teoria sociológica: O foco no individuo e na sociedade
Elias apela assim à natureza da sociedade e a relações
complexas entre indivíduos. A sociedade constitui
portanto uma rede, na qual cada um de nós seria um
fio de uma teia de relações humanas, não podendo a
natureza da rede ser definida por um fio em particular nem mesmo se fosse possível conhecermo-los a
todos. O autor concebe a sociedade como uma rede,
sendo cada indivíduo parte integrante e que participa
ativamente nessa rede, não sendo esta definitiva ou
estanque mas sim, dinâmica sofrendo a influência do
movimento e alterando-se ao longo do tempo e no
espaço. Nem o todo da teia, nem a forma que cada
fio adquire pode ser entendido a partir de um único
fio, nem mesmo de todos os fios singulares em si
mas apenas e exclusivamente a partir da sua interligação e da relação que mantém entre eles. Deste tipo
de interligações surge portanto um sistema de tensões, cuja ordem se manifesta em cada fio em si, de
forma mais ou menos diferente em cada um deles,
dependendo do seu lugar e da sua função no todo
desta teia. Quando da tensão e da estrutura do todo
da teia se alterar também o fio singular se altera e
vice-versa. Torna-se assim uma teia dinâmica e móvel.
mo, da construção humana do seu mundo, devendo
ser encarada de forma processual. Para Elias é exatamente a história que se constitui como um processo que reflete o fluxo da interação que une indivíduo
e sociedade. Compreende-se assim, o caráter processual em que se apresenta a Sociologia de Norbert
Elias, envolvendo ações contínuas que os indivíduos
praticam em interação constante (Nery, 2007).
Nesta perspetiva, a sociedade não é encarada de
forma estanque, mas sim através de uma perspetiva
dinâmica, fruto de um movimento contínuo, com
forças, tensões, conflitos, entre indivíduos, que sem
planearem, constroem e vão construindo aquilo que
é uma sociedade, que passa de pais para filhos e assim sucessivamente e em que cada um se revela como um ator participante que modifica e é modificado, o mundo em que vive e que outros viverão.
É possível verificar na sua obra, a posição do autor
(Elias, 2004 p. 21 e 22), quando o mesmo refere que:
“Que configuração é esta, a «sociedade», que todos nós, conjuntamente, compomos e que, todavia, nenhum de nós, nem
mesmo todos em conjunto a quisémos ou planeámos na forma
como hoje existe, que só existe por haver muitos homens e que
só funciona por muitos seres humanos singulares quererem e
fazerem algo, e cuja estrutura, cujas grandes mudanças históricas todavia não dependem, pelos vistos, da vontade dos indivíduos?” (Elias, 2004 pp. 21-22).
Segundo Norbert Elias, a sociedade não deve ser
vista como um mero aglomerado de indivíduos, já
que se assim fosse, a sociedade existente nos Estados
Unidos do século XXI seria portanto igual a uma
sociedade europeia do mesmo século ou até mesmo
uma sociedade na Europa do século XII seria igual a
uma sociedade Europeia no século XIX. Tal não
acontece, as sociedades modificam-se e alteram-se ao
longo do tempo e decorrente de cada espaço, os indivíduos e os seus posicionamentos são diferentes,
os relacionamentos que estabelecem entre si são
também eles diferentes, e se a construção do processo social se faz decorrente destas interações, não podemos ter nem sociedades iguais, nem sociedades
estanques como se ficassem congeladas no tempo. Se
assim fosse, como teríamos nós chegado até aqui,
como seria possível ocorrer a evolução das sociedades?
Para Norbert Elias, a explicação estrutural da sociedade vem e converge portanto no equilíbrio do nós e
o outro. O indivíduo e a sociedade são assim inúteis
um sem o outro, coexistem ambos, mas sem indivíduo não existe sociedade e sem sociedade não existe
indivíduo, não dependendo a construção do social da
vontade e agir individual.
Embora esta imagem se revele bastante complexa, é
possível verificar que em sociologia uma coletividade
não se reduz a uma simples e mera soma de indivíduos, já que tudo decorre de relações. Assim sendo,
cada indivíduo assume-se como uma ator participante na rede relacionando-se com outro indivíduo/ator e assim sucessivamente relacionando-se
entre si, de modo a constituir uma teia móvel de relações humanas e interdependentes.
Norbert Elias opõe-se assim a um conceito de época
visível na visão retrospetiva que fazem os historiadores. Para o autor este aspeto retira todo o dinamis-
136
Desenvolvimento e Sociedade | n.º 1 Novembro 2016
Segundo Mondardo (2002), Elias considera assim,
que a sociedade é formada com indivíduos que são
singulares em diferentes tempos e espaços, ocorrendo assim uma mudança mais ou menos lenta de configurações e formas de vida, a qual é contínua ocorrendo ao longo de gerações, formando e construindo
através dessas diferenças, diferentes sociedades, sociedades essas projetadas por tramas e jogos de relações sociais a que Elias chama “fenómenos reticulares”
produzidos no interior de uma rede móvel humana
de relações de interdependência, as quais são compostas por estruturas, cadeias, limites e possibilidades.
entendida a partir de uma estrutura específica e das
tensões específicas desta conexão global.
Consolidando ainda a presente ideia, Elias (2004)
refere na sua obra que “cada pessoa que passa por outra,
como estranhos, aparentemente desvinculados na rua, está
ligada a outras por laços invisíveis, sejam estes laços de trabalho e propriedade, seja de instintos e afetos. Os tipos mais
díspares de funções tornaram-se dependentes de outrem e tornaram outros dependentes dela” (Elias, 2004, p.22).
Norbert Elias defende assim a indissociabilidade de
indivíduo e sociedade, tendo desenvolvido tendo por
base esta perspetiva de indissociabilidade de indivíduo e sociedade uma sociologia alternativa às outras
perspetivas sociológicas, denominada por Sociologia
Processual assente num conceito de configuração
social, dinâmico, na medida em que o indivíduo não
pode ser pensado em oposição à sociedade. (Silva,
2006, citado por Nery,2007)
Na perspetiva de Elias, o indivíduo quando nasce é
envolvido numa teia de funções bem determinada na
qual se adapta e não pode sair para fora dela arbitrariamente. Um indivíduo que seja médico possui determinadas obrigações, aquilo que os outros esperam
de dele. Um indivíduo que seja agricultor não pode
repentinamente decidir que quer ser cirurgião. Elias
defende que, embora com a possibilidade de escolha
entre as funções pré estabelecidas o indivíduo está
sempre sujeito a determinados determinismos sociais, tendo as suas possibilidades sempre e de certo
modo limitadas desde o dia em que nasce e pelo
meio em que cresce (Elias, 2004).
O autor contrapõe sobretudo com a noção de homo
clausus, já que se levarmos em consideração o caráter
interdependente que a rede de relações tem, é impossível imaginar um Eu sem o outro, sem o Nós, já que
cada um de nós só existe de acordo com as conexões
e posições decorrentes dos outros. Elias contrapunha
não só contra a noção de homo clausus enraizada na
sociologia do final do século XIX e início do século
XX mas sobretudo contra esta noção de “homem fechado em si mesmo” desde a filosofia de Platão, passando por Descartes, Lock e Kant tida também na sociologia de Durkheim (no conceito de facto social),
Weber (modelo teórico da ação social) e Parsons
(ideia de que os processos ocorrem dentro de uma
black box). Elias acreditava e via o indivíduo como
homo aperti vinculado com os outros e como um ser
social (Landini, 2005).
Por este prisma, o indivíduo encontra-se portanto
inserido numa teia em constante movimento, num
entrelaçar de relações em que cada um de nós assume um lugar, tem uma família, uma profissão, estando sempre o passado diretamente ligado ao presente,
conforme defende Elias (2004) “vivemos num tecido de
relações móveis”. Para o autor, o indivíduo é portanto
construído por um conjunto de laços invisíveis que
formam uma rede de relações, tendo cada indivíduo
algures uma determinada função nessa rede.
Será o indivíduo realmente um homo clausus, fechado
sobre si próprio, ou será por outro lado o indivíduo
um homem enclausurado nessa rede de interdependências?
Elias refere que estas funções interdependentes que
conferem a um coletivo humano o seu caráter específico não é uma criação apenas de indivíduos singulares, já que até mesmo o indivíduo mais poderoso é
um ser humano singular, uma parte constituinte, representante de uma função que apenas se mantém
em ligação com outras funções e que só pode ser
Norbert Elias defende o indivíduo como um ser que
não sendo fechado sobre si próprio, encontra-se em
interação com o outro, no entanto, este encontra-se
sujeito a determinismos existentes e decorrentes des137
Revisitando Norbert Elias e os seus contributos para a teoria sociológica: O foco no individuo e na sociedade
ta própria rede de interdependências. Esta ideia é
visível na obra do autor, quando Elias refere que
cada indivíduo “vive e viveu desde pequenos, numa rede de
dependências que não lhe é possível modificar ou romper, pelo
simples girar de um anel mágico, mas somente até onde a própria estrutura dessas estruturas o permita” (2004, p. 33).
Para Elias, o indivíduo é portanto construído por um
conjunto de laços invisíveis que formam uma rede de
relações, tendo cada indivíduo algures uma determinada função nessa rede, estando em constante dependência do outro. É esta conexão de funções, que
os seres humanos têm uns com os outros, esta teia
de funções, que segundo Elias, constitui aquilo a que
chamamos sociedade, constituída por estruturas sociais e regularidades sociais. As relações entre indivíduos possuem uma estrutura e regularidade própria,
na «natureza» ou «consciência» dos indivíduos singulares e procura saber como são “em si” antes de
qualquer tipo de relações, como são nas suas estruturas, nas suas regularidades.
Segundo Elias (2004), a verdade é que, cada ser humano se encontra numa situação de ligação a outras
pessoas, vivendo numa constante dependência funcional de outros, representando apenas um elo nas
correntes formadas por seres humanos.
Embora o indivíduo não seja um ser fechado sobre
si próprio e se encontre em constante interação, este
é fortemente condicionado por determinismos sociais já existentes antes dele, passados de geração em
geração, de forma contínua, mas que evoluem e se
alteram no tempo de forma mais ou menos lenta,
decorrente das interações dos indivíduos, criando
este equilíbrio do Eu com o Nós, a sociedade.
As relações que se processam na sociedade entre os
indivíduos comportam assim funções, cadeias, redes
de funções e auto regulação. É através do contrato
social que os indivíduos criam maneiras de auto controlo no interior da sociedade e que gerem as tensões
das relações de poder que permeiam a interdependência na sociedade. A auto regulação consiste assim
no processo civilizador uma condição de subjetivação das emoções no âmbito das redes de relações
sociais que, fazem do indivíduo um “ser regulado”
no interior das mais adversas situações em que se
insere relacionalmente.
Na sua obra Norbert Elias (2004) defende exatamente esta ideia quando refere:
“Mas as oportunidades entre as quais a pessoa assim se vê
forçada a optar não são, em si mesmas, criadas por essa pessoa. São prescritas e limitadas pela estrutura específica de sua
sociedade e pela natureza das funções que as pessoas exercem
dentro dela. E seja qual for a oportunidade que ela aproveite
seu ato se entremeará com os de outras pessoas; desencadeará
outras sequências de ações, cuja direção e resultado provisório
não dependerão desse indivíduo, mas da distribuição do poder e
da estrutura das tensões em toda essa rede humana móvel” (p.
33).
Segundo Mondardo (2002), para Elias a sociedade e
as diferentes relações dos indivíduos funcionam
através de acordos que consistem numa acondensação material e simbólica de um campo de forças, de
disputas e de poder que se processam através das
relações do quotidiano entre os indivíduos em sociedade. Assim, os acordos funcionam como mecanismos de auto regulação das tensões que se processam
entre os indivíduos e que produzem a sociedade no
desenvolvimento do processo civilizacional, os quais
são construídos no interior da sociedade a partir de
diferentes estratégias de regulação social no interior
do processo civilizador.
A teia de funções entre diferentes pessoas ligadas
entre si por exemplo num hospital, não tem certamente a sua origem numa tomada livre de decisão
por parte de muitos, num “contrat social”, que só são
possíveis dentro de uma determinada estrutura de
interdependências de funções de uma sociedade. Até
mesmo decisões comuns permitem que esta estrutura de funções seja unicamente alterada ou desenvolvida dentro de determinados limites, esta conexão de
funções possui assim uma regularidade própria.
Por outro lado, Silva (2006), citado por Nery (2007),
as mudanças presentes nos costumes sociais ao longo da história, são interiorizadas pelos indivíduos,
moldando consequentemente o seu comportamento
e convertendo-se portanto na nossa segunda nature-
138
Desenvolvimento e Sociedade | n.º 1 Novembro 2016
za, estabelecendo a relação entre a dinâmica social e
a estrutura da personalidade de cada indivíduo. Esta
segunda natureza, este constante movimento entre o
social e o individual, apresenta-se assim como um
outro conceito central na obra de Norbert Elias, designado por habitus.
individual à medida que vai de forma contínua agregando experiências. Bordieu defende que o indivíduo
não se tornará uma pessoa completamente diferente
do que era antes, pois modifica-se sem perder as suas
marcas de origem do seu grupo familiar ou da classe
em que nasceu, do seu habitus primário (Nery, 2007).
Para o autor, estas regularidades e controlos sociais,
ocorrem e são absorvidos pelos indivíduos desde o
seu nascimento, o que possibilita um processo de
autocontrolo, possibilitando portanto, a convivência
no interior das denominadas configurações sociais.
O conceito de habitus para Norbert Elias consiste
assim numa segunda natureza, num saber social incorporado durante a nossa vida em sociedade, sendo
o destino de uma determinada sociedade ao longo do
tempo, sedimentado no habitus dos seus indivíduos,
sujeito a uma constante e contínua mudança, a qual
não ocorre de forma abrupta, promovendo por isso
a evolução através do equilíbrio entre a continuidade
e a mudança (Nery,2007).
Quando olhamos para trás, vimos sempre um passado, vimos sempre queiramos ou não, avós, pais, filhos que se tornaram pais e assim sucessivamente,
estando todos eles interligados. Cada ser humano é
por natureza constituído de forma a necessitar de
outros para crescer, quando nasce é inserido num
grupo que já existia antes. A criança quando nasce,
nasce selvagem, quando sozinha não se apresenta
mais do um ser “antropomorfo semi selvagem” tal como
refere Elias (2004), que pode eventualmente crescer
fisicamente mas que vai permanecer uma criança
psicologicamente. Apenas em relação com os outros
seres humanos a criança se torna na sua plenitude
um indivíduo psiquicamente com caráter de adulto,
só em sociedade, com as suas funções psíquicas
moldáveis e relativamente indiferenciadas é que a
criança se torna num ser diferenciado. Nenhum indivíduo é igual a outro indivíduo mesmo que inseridos
no mesmo coletivo humano, têm o destino de relações e histórias individuais diferentes que parte de
um ponto único da sua teia de relações quando nasce
e percorre um caminho de encontro à sua morte.
No entanto, interessa referir que este conceito de
habitus que Elias desenvolveu, foi mais tarde resgatado por Pierre Bordieu, que detinha tal como Elias, a
preocupação de estabelecer uma relação real de indivíduo e sociedade.
Bordieu via este conceito por uma outra perspetiva já
que para este autor, o habitus se apresenta como social e individual ao mesmo tempo. A questão fundamental para Bordieu era mostrar a articulação entre
as condições de existência do indivíduo e suas formas de ação e perceção, dentro ou fora dos grupos.
Para Bordieu o conceito de habitus é estruturado por
meio de instituições de socialização dos agentes (a
família, a escola) e é aí que a ênfase na análise do
habitus deve ser colocada, pois são essas primeiras
categorias e valores que orientam a prática futura dos
indivíduos, sendo este o primeiro habitus e mais duradouro mas que não é congelado no tempo (Nery,
2007).
Elias (2004) explica na sua obra que “cada homem singular, sendo diferente de todos os outros, apresenta um caráter
específico que partilha com outros membros da sua sociedade”
(p.239), chamando a essa marca hábito social (habitus) que inclui a língua aprendida e as suas pronúncias, o modo de nomear o mundo, a escrita aprendida na escola bem como os comportamentos adotados como modelos, sendo assim esta base que confere a individualidade e originalidade cada pessoa, a
qual conserva as marcas do meio em que vivemos e
crescemos, tendo estas marcas repercussões próprias
na nossa personalidade (Angers, 2003).
À medida que se relaciona com outras pessoas, ao
longo da sua vida o indivíduo desenvolve um habitus
secundário não contrário ao anterior mas indissociável daquele e assim se vai construindo este habitus
Posto isto, o indivíduo constrói-se numa interação
dinâmica e contínua e em rede com diversas pessoas,
com tramas, jogos de interrelacionamento interdependentes e que se situam nos diferentes contextos e
139
Revisitando Norbert Elias e os seus contributos para a teoria sociológica: O foco no individuo e na sociedade
escalas sócio-espaciais, como por exemplo, na escola,
igreja, universidade, rua, festa, no bar, em diferentes
lugares em que os indivíduos estabelecem relações
com a sociedade.
almente pre concebidos, de partes e produtos de outros.
Importa referir ainda que, na perspetiva elisiana, individualidade e dependência social não são antagónicas mas sim complementares já que, a individualidade por seu lado só é possível quando o indivíduo
cresce num coletivo humano inserido numa sociedade sendo que a diferenciação das funções psíquicas
de um ser humano só se manifesta através da sua
individualidade e é moldável dependendo do decurso
das relações entre eles e outros seres humanos.
Neste contexto o indivíduo em sociedade existe
sempre na relação histórica com os outros, que formam com ele a sociedade dos indivíduos e, que ainda
trás a marca de uma sociedade específica. O indivíduo adquire a sua marca individual a partir da sua
história de dependências, tendo presente em si, a
história de toda a rede humana em que cresce e vive,
tendo essa história marcada quer esteja sozinho quer
esteja em relação com os outros (Elias, 2004).
Desde o início, desde a sua conceção que o indivíduo
necessita de outros, até mesmo quando está no útero
da mãe, o feto necessita da mãe para poder nascer e
inserir-se nesta teia humana. O indivíduo existe sempre, desde o seu início ligado a outros por relações
estruturais específicas do coletivo a que pertence.
Tendo presente a perspetiva de habitus defendida por
Elias e por Bordieu não encaro grandes diferenças
nas suas perspetivas, mantendo-me em concordância
com a segunda natureza defendida por Norbert Elias.
Elias (2004) ressalta o seguinte na sua obra “a relação
entre o indivíduo e a sociedade só poderá ser entendida se se
incluir na teoria social o desenvolvimento constante do indivíduo no seio de uma sociedade, ou seja, o processo de individualização” (p. 45).
Retomando à discussão em torno da relação indivíduo e sociedade, Elias (2004), refere que a investigação do processo civilizacional demonstrou que a
modelação e com ela também a formação individual
dos seres humanos singulares está dependente da
transformação histórica dos standarts sociais, da estrutura das relações humanas. Os seres humanos
transformam-se com e através das relações que mantém uns com os outros e de se modelarem e remodelarem, num entrelaçamento constante de interdependências. Assim na perspetiva de Elias, a individualidade dos seres humanos forma-se através do constante tecer de relações num tecido móvel em que
esteve e está inserido, não sendo possível continuarmos a ver a sociedade como uma sociedade com
indivíduos já concluídos e terminados. A historicidade de cada individualidade, o fenómeno de crescer e
de se tornar adulto, assume no que diz respeito à
elucidação do que é a sociedade uma posição chave.
A sociabilidade integral do ser humano só se revela
por completo quando se tenta compreender qual o
significado que as relações com os outros seres humanos têm para a criança. A criança necessita da
imposição de marcas de outras pessoas, necessita da
sociedade para se tornar uma pessoa psiquicamente
adulta. Necessita da incorporação de modelos soci-
A sociedade, as diferentes relações que estabelecemos com os outros, fazem com que cada um de nós
tenha uma identidade única, diferentes da de todos
os outros, sendo por isso, inseparáveis dos grupos a
que estamos ligados, estando a nossa identidade enraizada nesses mesmos grupos. Possuir uma identidade própria, sermos um ser único singular deve-se
assim, paradoxalmente à sociedade que nos cerca. É
por isto que, a nossa identidade não pode desenvolver-se fora das nossas relações com os outros, é a
nossa relação com os outros que nos define e determina quem somos. Elias na sua obra “Sociedade dos
Indivíduos” defende que não existe de um lado, a sociedade e os grupos que a constituem e do outro lado,
um indivíduo desligado dela. Afirma ainda que é impossível uma sociedade sem indivíduos tal como é
evidente que o indivíduo está sempre ligado a outros,
refletindo todo o nosso desenvolvimento em relação
com os outros, o caráter social da pessoa humana.
Deste modo, vivemos de interações, a nossa identidade desde que nascemos assenta neste contacto
140
Desenvolvimento e Sociedade | n.º 1 Novembro 2016
próximo que estabelecemos com outros desde o
nosso nascimento (Angers, 2003).
personalidade, num entrelaçamento contínuo das
necessidades, desejo e realização constantes, numa
inter relação constante. É a ordem deste entrelaçamento constante sem início, é a história das suas relações que determina o caráter e a figura do ser humano singular, tal como o tipo e a forma da sua opinião bem como aquilo que sente.
Em termos sociológicos, a família constitui o primeiro e o mais poderoso agente de socialização, constituindo a socialização o processo pelo qual a sociedade se infiltra em nós, sendo os diferentes agentes de
socialização os mais diversos grupos que nos rodeiam durante toda a vida. Assim, a nossa identidade
reflete a impressão das múltiplas socializações em
que nos inserimos. A construção da nossa identidade
revela-se assim, um processo dinâmico que se inicia
desde que nascemos e que nunca se dá por terminado, tendo sempre presente, crises, redefinições, já
que ao longo da nossa vida nos mantemos sempre
em contacto com os outros, influenciando-os tal
como nos influenciam a nós. (Angers, 2003)
O pensamento elisiano consiste numa sociedade
formada por nós e pelos outros que se inter relacionam ao longo do tempo e no espaço, numa teia humana móvel de inter dependências com relações de
força entre os indivíduos, sujeitos a determinismos
sociais embora com uma elasticidade de ação. O
pensamento elisiano converge assim para uma explicação estrutural da sociedade resultante do equilíbrio
do nós e o outro. Na perspetiva elisiana, o ser humano é algo mais de uma simples caixa com gavetas
onde se guardam os seus órgãos, fechado sobre si
mesmo, é sim um ser diferenciado com funções e
estruturas biológicas concebidas que lhe permitem
relacionar-se com os outros, numa rede em constante movimento, num tecer e destecer ininterrupto de
ligações. O ser humano é portanto, um ser de ordem
natural e social, criado de forma a poder e necessitar
de estabelecer relações com os outros.
Para a presente ideia, Elias (2004), refere que:“é da
história destas suas relações, das suas dependências, e portanto,
num contexto mais vasto, da história de toda a teia humana
em que cresce e vive que ele adquire o seu caráter. Esta história, este entrelaçamento humano está presente na sua pessoa e
é por ele representado quer se encontre em relação atual com os
outros homens quer esteja só, quer se mova no centro de uma
grande cidade, quer até mesmo como um náufrago como Robinson Crusoe, o qual já comporta em si uma marca de uma
determinada sociedade, classe social, ou povo” (pp. 45-46).
Para Elias, somente na relação com os outros é que
o ser humano adquire características de ser humano
tais como pensar e amar, chamando por isso Elias a
atenção para a interdependência entre pessoas que se
relacionam, realçando a unidade e a união com a expressão Sociedade dos Indivíduos.
Na sua obra “Sociedade dos Indivíduos”, Elias (2004)
ressalta que o ser humano é um produto de interdependências e que é criado numa reciprocidade contínua de relações como outros seres humanos, sendo o
ser humano, um indivíduo adulto, uma figura indiscutivelmente sócio específica. O indivíduo tem assim
um lugar socialmente pré determinado pela estrutura
específica da teia humana a que pertence. Não existe
nenhum ponto da teia de interdependências sociais
do homem singular, de onde este possa abordar a
sociedade do exterior, como um ser desprendido ou
desligado de qualquer forma de interligação com os
outros. Na perspetiva de Norbert Elias, o indivíduo
consiste no produto de relações humanas com os
outros, é a expressão da teia humana em que vive, no
qual se produzem através dos relacionamentos com
os outros, pensamentos, convicções, afetos, necessidades e marcas características que representam a sua
2. A
dinâmica reticular e o contexto das interações
Tal como tem vindo a ser referido, a reflexão sobre
sociedade e indivíduo não pode fixar essas duas realidades como dissociáveis e distintas entre si, independentes e ausentes de reciprocidade, devendo sim
esta reflexão definir-se mais no sentido de relação
entre indivíduo e sociedade, tendo em conta que,
esta relação nesta teia humana móvel, não é harmoniosa nem linear, mas sim, cheia de tensões, forças e
141
Revisitando Norbert Elias e os seus contributos para a teoria sociológica: O foco no individuo e na sociedade
conflitos. Os indivíduos encontram-se assim inseridos na sociedade por meio de relações que desenvolvem ao longo da sua vida, inicialmente no seio familiar, depois na escola, na comunidade em que vivem,
no trabalho. As relações que os indivíduos estabelecem e mantém irão fortalecer então a esfera social.
Poderá afirmar-se que, sendo próprio da natureza
humana o estabelecimento de ligações com os outros
é próprio também a estrutura da sociedade em rede.
O conceito de rede social (social network) foi assim
desenvolvido ao longo dos tempos por vários autores embora de uma forma bastante desordenada.
Segundo Scott (2000) citado por Fialho (2008), a
atualidade observada nas redes sociais e o desenvolvimento da análise de redes sociais deve-se ao culminar de três correntes:
• Sociometria (Jacob Moreno);
• Escola de Harvard, desenvolvida nos Estados Unidos, baseada na análise quantitativa,
num quadro de uma abordagem estrutural.
• Escola de Manchester, enraizada na antropologia social britânica, desenvolvida após a
II Guerra Mundial e cuja preocupação assentava essencialmente na análise situacional de grupos restritos, sendo Elizabeth
Bott uma das principais influenciadoras.
O conceito de rede provém do latim “rete”, que significa armadilha ou laço. Segundo Nohria e Ecles, citado por Fialho (2008), o termo rede é uma estrutura
de laços entre atores de um sistema social, podendo
estes ser indivíduos, grupos ou organizações. Os laços podem basear-se então na amizade, família, afeto, comunicação, troca de recursos (económicos,
informação, etc.) que constituam a base da relação.
O conceito de rede está assim inerente ao nosso
quotidiano quer seja ele de dia a dia, quer seja ele
organizacional, já que a interdependência, a interação
e a inter-relação estão inerentes a todos nós, enquanto seres humanos.
Atualmente, o termo “rede” tem vindo “a adquirir
uma popularidade crescente” segundo (Mercklé,
2004) citado por Portugal (2006), sendo amplamente
utilizada, nos mais variados domínios.
Já Norbert Elias com a sua perspetiva o afirmava,
tendo sido a sua sociologia completamente nova
comparativamente com as teorias existentes na época
sobre a questão indivíduo e sociedade. Para Norbert
Elias a sociedade consiste exatamente numa teia de
inter relacionamentos com forças e tensões entre
indivíduos que constituem por um lado a sua sociedade e que por outro, se constituem e constroem a si
próprios. A própria imagem que Elias dá à sociedade, uma imagem de uma teia com inúmeros fios (relações entre indivíduos) em constante movimento se
pode transpor para o conceito atual de redes em que
temos atores que emitem e recebem fluxos (interações / fios) e que sugere a própria figura de uma teia
a de uma rede.
Quais as razões da sua popularidade?
• Desenvolvimento das comunicações;
• Valorização das relações entre as pessoas;
• Massificação das redes sociais via internet.
A popularidade do conceito de rede e o reconhecimento das suas capacidades descritivas e explicativas
ultrapassam, hoje, os limites das ciências sociais estendendo-se para outros domínios.
Borgatti (2003), defende que rede consiste num conjunto de laços diádicos todos do mesmo tipo, entre
uma série de atores. Outros autores, como Alejandro
& Norman defendem que rede assenta num conjunto de indivíduos que se relacionam com um objetivo
específico caracterizado pela existência de fluxos de
informação. (Arco, 2010)
Tendo por base a obra de Manuel Castells “A Sociedade em Rede” é possível verificar que a noção de rede
empregue pelo autor se apresenta como uma imagem
e representação dos processos sociais a uma escala
mundial, referindo também que a rápida difusão da
noção de redes sociais parece estar bastante interli-
142
Desenvolvimento e Sociedade | n.º 1 Novembro 2016
gada ao processo de globalização e à proliferação da
informação através da informática e das próprias
tecnologias de informação.
que nele estão inseridos, tendo esta metáfora que
associava o comportamento individual à estrutura da
qual o indivíduo pertencia, dado origem à sociometria de Jacob Moreno, a qual permitia ver uma determinada estrutura social em que o indivíduo estava
inserido. Por aqui se vê uma nítida contribuição de
Norbert Elias para a sociologia das redes sociais.
Indo de encontro à presente ideia, Manuel Castells
(2005) refere que as funções e os processos dominantes nesta era da informação estão cada vez mais
organizados em torno de redes.
No entanto, aquando da sua obra “Sociedade dos Indivíduos”, Elias referia exatamente como uma limitação
à sua perspetiva sobre a questão sociedade e indivíduo o facto de não existirem modelos conceituais
que permitissem compreender aquilo que se vive na
realidade, a realidade da relação entre indivíduo e
sociedade.
Consegue-se assim, realizar um paralelo entre a perspetiva de Norbert Elias com a de Manuel Castels,
vendo que o que ocorre aqui é uma passagem de
uma perspetiva micro social para uma perspetiva
mais global, uma perspetiva macro.
Segundo Portugal (2005), no decorrer das últimas
décadas, a sociologia das redes sociais tem-se vindo a
afirmar como um domínio específico de conhecimento, sendo evidentes, os sinais da sua consolidação. Assim, o conceito de redes sociais será provavelmente um dos conceitos da sociologia que melhor
responde às mudanças que ocorrem a nível social,
também pelo seu caráter flexível e dinâmico que demonstra a realidade daquilo que é a sociedade.
Interessa também referir que, para Norbert Elias a
sociedade e as diferentes relações dos indivíduos
funcionam através de acordos que consistem numa
acondensação material e simbólica de um campo de
forças, de disputas e de poder que se processam
através das relações do quotidiano entre os indivíduos em sociedade. Assim, os acordos funcionam
como mecanismos de auto regulação das tensões que
se processam entre os indivíduos e que produzem a
sociedade no desenvolvimento do processo civilizacional, os quais são construídos no interior da sociedade a partir de diferentes estratégias de regulação
social no interior do processo civilizador. (Montardo,2002)
A análise de redes sociais tem assim sido, alvo de
interesse por parte de inúmeros investigadores das
mais diversas áreas de estudo, na tentativa de compreenderem o processo social.
Segundo Watts (1999), citado por Marteleto (2004),
as redes são assim sistemas de nós (indivíduos) conectados entre si por algum tipo de relação, podendo-se de uma forma genérica estudar o sistema visando apenas o seu comportamento e como as suas
relações influenciam esse comportamento, tendo
inúmeras aplicações tais como na área da saúde pública (estudos epidemiológicos), na área das tecnologias da informação, na sociologia (movimentos sociais, economia (mercados e economias de rede) e matemática aplicada (otimização de algoritmos).
Elias (2004) na sua obra “Sociedade dos Indivíduos”
refere que “…imaginamos o todo, como sendo algo mais ou
menos de harmonioso. A vida comum dos seres humanos em
sociedade está contudo cheia de contradições, de tensões e explosões” (p.30 ).
Transpondo esta ideia de Elias para a sociologia das
redes sociais podemos verificar a existência de um
paralelismo entre aquilo que Norbert Elias afirma na
altura e a teoria desenvolvida por Mark Granovetter
“The strength of weak ties” em 1973.
São inúmeros os autores que destacam a importância
das relações sociais estabelecidas entre os indivíduos
como a chave para a compreensão da sociedade.
Norbert Elias foi um desses autores, com a sua ideia
inovadora de que as relações sociais compõem um
tecido móvel que condiciona a ação dos indivíduos
Mark Granovetter, rompeu assim com uma sociologia tradicional quando propõe a análise do padrão de
conexão existente entre os indivíduos. No seu estudo, Granovetter analisa os laços sociais existentes,
classificando-os como laços fortes, aqueles que ne143
Revisitando Norbert Elias e os seus contributos para a teoria sociológica: O foco no individuo e na sociedade
cessitam de uma interação mais longa, com um maior grau de confiança como por exemplo aqueles que
existem numa família ou entre amigos e, como laços
fracos, aqueles em que existe um menor investimento na relação e que podem ser assemelhados às pessoas que vamos conhecendo ao longo da nossa vida
mas que não passam dos chamados “conhecidos”.
Aqui reside aquilo a que Norbert Elias se refere como a força dos laços ou relações, as tensões, que se
estabelecem no decorrer das relações entre indivíduos num determinado meio social.
papel deveras importante complementado com a
Análise de Redes Sociais.
A literatura sobre as redes sociais é bastante ampla e
não pode ser esgotada pelo que, no presente ensaio
de reflexão apenas se realizou um breve enfoque
com um breve paralelismo entre a sociologia de
Norbert Elias com foco na obra “Sociedade dos Indivíduos” e a sociologia das Redes Sociais, bem como
algumas das suas contribuições.
Para Granovetter ambos os laços se revelam importantes para manter a estabilidade da rede, os laços
fortes e os laços fracos. Os laços fortes por um lado
precisam de tempo, confiança para se estabelecerem,
criam uma identidade comum entre os indivíduos de
um determinado grupo e são importantes para as
tomadas de decisão constituindo grande influência
nos comportamentos de cada individuo. Por outro
lado, a capacidade de indivíduos estabelecerem laços
fracos com outros indivíduos externos ao seu grupo,
comportam em si novas informações e novo conhecimento que lhes permite, a cada indivíduo e ao seu
próprio grupo uma janela aberta para o resto do
mundo, promovendo inovação e evolução. É neste
sentido que os laços fracos são assim de extrema
importância para a conexão de cada indivíduo à própria sociedade não permitindo que estes se fechem
num grupo. Assim, se dá o tecido humano móvel
com forças e tensões constituída por pequenos micro tecidos a que Norbert Elias chama “Sociedade dos
Indivíduos”.
Considerações finais em torno do pensamento Elisiano
Tendo em conta a perspetiva elisiana e a reflexão
realizada sobre a sua obra, a minha posição converge
com a posição defendida pelo autor, já que eu apenas
existo e sou aquilo que sou pelo espelho que tenho
do outro, pela família em que cresci, pela escola em
que estudei, pela profissão que desempenho, ao fim
ao cabo, pelos outros que foram surgindo ao longo
da minha vida. Nesta rede enquanto ator participante
eu interajo com o outro e contribuo com o meio
social em que me insiro tal como o outro me molda
através da interação que estabelece comigo. É impossível compreender e analisar a realidade, dissociando ou vendo por partes indivíduo e sociedade. O
ser humano é um ser de relação, um ser sobretudo
social.
Segundo Elias (2004), a explicação estrutural da sociedade vem e converge portanto no equilíbrio do nós
e o outro. O indivíduo e a sociedade são assim inúteis um sem o outro, coexistem ambos, mas sem indivíduo não existe sociedade e sem sociedade não
existe inivíduo.
O conceito de rede vai para além daquilo que são os
atributos individuais dos atores, indo de encontro
sim a processos interativos, a relações que ocorrem
num determinado momento e num determinado
espaço.
A teoria elisiana aponta assim para um individuo
como um ator na relação do eu com o outro, apontando assim o pensamento elisiano para a sociedade
formada por nós e os outros, tendo por base o seu
equílibrio. A dependência dos outros inerente a todos nós, através da autorregulação comportamental
especifica-se e desenvolve-se “nas e pelas suas relações
com os outros”(Elias, 2004, p.12).
Para Norbert Elias, a sociedade é uma rede e cada
um de nós seria um fio de uma teia de relações humanas, não sendo a sua natureza definida por um fio
particular, nem mesmo se fosse possível conhecermo-los a todos. Assim, a rede só pode ser concebida
se examinarmos as ligações entre os fios ou o modo
como se entrecruzam, tomando aqui a sociologia um
144
Desenvolvimento e Sociedade | n.º 1 Novembro 2016
O indivíduo encontra-se portanto inserido numa teia
em constante movimento, num entrelaçar de relações em que cada um de nós assume um lugar, tem
uma família, uma profissão, estando sempre o passado diretamente ligado ao presente, conforme defende Elias (2004) vivemos num tecido de relações móveis.
coletividade não se reduz a uma simples e mera soma
de indivíduos, já que tudo decorre de relações. Assim
sendo, cada indivíduo assume-se como uma ator na
rede relacionando-se com outro indivíduo / ator e
assim sucessivamente relacionando-se entre si, de
modo a constituir uma teia móvel de relações humanas e interdependente. Olhando para a perspetiva de
Norbert Elias vimos nitidamente uma contribuição
para o conceito atual de redes sociais, em que este se
apresenta como um conjunto de nós (indivíduos),
que estabelecem fluxos entre si (relações) num determinado espaço e num determinado momento,
sujeitos a forças e que se vão modificando. Cada ator
(indivíduo) detém um determinado posicionamento
na rede (uma determinada função sujeito a determinismos sociais, tal como refere Elias) e é nesta interação constante que se vê a evolução de uma sociedade e que se compreende uma determinada estrutura social.
Para Elias, o indivíduo é portanto construído por um
conjunto de laços invisíveis que formam uma rede de
relações, tendo cada indivíduo algures uma determinada função nessa rede.
A sociedade dos indivíduos para Elias apresenta-se
assim como uma teia humana de interdependências,
móvel que se modifica no tempo e no espaço, sujeita
a regularidades próprias, cujas atuações se demonstram pelas diversas formas de inter – relacionamentos, interdependências e entrelaçamentos sociais e
auto regulação. O indivíduo é assim modelado através das relações que desenvolve com os outros, com
a sociedade desde o seu nascimento e crescimento
nos diferentes grupos sociais que constituem a sociedade. Segundo Elias, citado por Mondardo (2002),
o indivíduo apresenta-se como uma “linha de um
novelo” relacional, ou seja, a sociedade que através
de entrelaçamento contínuo de relações de poder e
de tensões, de amizade ou familiares, como se de um
tecido contituído por muitos tecidos singulares se
tratasse, constrói a sociedade dos indivíduos.
A perspetiva de Elias na obra “Sociedade dos Indivíduos”demonstra exatamente que a relação entre indivíduo e sociedade só é realmente compreendida se
tivermos em conta a multidimensionalidade das relações sociais, de auto – regulação das emoções e do
desenvolvimento de estratégias racionais de auto
controlo, onde todos os indivíduos são considerados
participantes e modeladores, em diferentes níveis ou
naturezas na sociedade (Mondardo, 2002).
Na nossa perspetiva, Norbert Elias rompe com uma
sociologia tradicional, dando um contribuição inovadora à compreensão da sociedade e indivíduo, conferindo-lhe um grau dinâmico e processual.
Na sua obra “Sociedade dos Indivíduos”, Norbert Elias
apela à natureza da sociedade e a relações complexas
entre indivíduos, tentando assim analisar e desenvolver um modelo que melhor se adeque à realidade da
relação entre indivíduo e sociedade. Imagina assim a
sociedade como uma rede e em que cada um de nós
seria um fio de uma teia de relações humanas, não
podendo a natureza da rede ser definida por um fio
particular, nem mesmo se fosse possível conhecermo-los a todos. O autor vê assim a sociedade como
uma rede, sendo cada indivíduo parte integrante e
que participa ativamente nessa rede, não sendo esta,
definitiva ou estanque mas sim, dinâmica sofrendo a
influência do movimento e alterando-se ao longo do
tempo e no espaço. Embora a complexidade desta
imagem, é possível verificar que em sociologia uma
As pessoas encontram-se inseridas na sociedade por
meio de relações que desenvolvem ao longo da sua
vida, inicialmente no seio familiar, depois na escola,
na comunidade em que vivem, no trabalho. As relações que as pessoas estabelecem e mantém irão fortalecer a esfera social. Poderá afirmar-se que, sendo
próprio da natureza humana, o estabelecimento de
ligações com os outros é próprio e portanto, também
a estrutura da sociedade em rede. A ideia de uma
rede em constante movimento surge para Elias como
uma imagem adequada para explicar a dinâmica das
relações humanas que não podem nem ser reduzidas
145
Revisitando Norbert Elias e os seus contributos para a teoria sociológica: O foco no individuo e na sociedade
boa. Fundação Calouste Gulbenkian Serviço de
Educação e bolsas.
à liberdade individual nem apenas ao constrangimento coletivo. A rede em movimento é assim um entrelaçar constante de relações e ligações entre invidivíduos.
Elias, N. (2004). A Sociedade dos Indivíduos: a questão cardeal da sociologia. 2.ª ed. Local: Lisboa. Publicações
Dom Quixote.
Ao refletir sobre a relação entre indivíduo e sociedade, entendemos tal como Elias, a sociedade como
um conjunto de relações que se constroem e descontroem num determinado momento e num determinado lugar entre indivíduos, sujeitas a tensões e forças entre elas, não se apresentando estas relações
petrificadas ou estanques, fortalecendo-se ou enfraquecendo-se ao longo do tempo, numa perspetiva
dinâmica. Elias entende assim a sociedade como uma
rede de indivíduos em constante relação, numa relação de interdependência contínua e dinâmica. Elias
contribui assim com o seu pensamento elisiano para
aquilo que são hoje as redes sociais na sociologia,
vendo assim uma sociedade em rede, a que chamou
“Sociedade dos Indivíduos”.
Fialho, J. (2008). Redes de Cooperação interorganizacional: o
caso das entidades formadoras do Alentejo Central. Dissertação de doutoramento em Sociologia. Évora. Universidade de Évora.
Frasson, A. (2001). A configuração Sociedade: Numa
ótica de Norbert Elias. Universidade Estadual de
Ponta Grossa. Acedido em 28 de dezembro de
2012,
em
URL:
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos
/File/2010/artigos_teses/SOCIOLOGIA/A_confi
gurao_sociedade_numa_tica_de_Norbert_Elias.pdf.
Referências bibliográficas
Nery, M. (2007). Sociologia Contemporânea. Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino. Acedido em
16 de fevereiro de 2013, em URL:
http://books.google.pt/books?id=ctqslEianaMC&
printsec=frontcover&hl=ptPT&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepa
ge&q&f=false.
Angers, M. (2003). A Sociologia e o conhecimento de si: uma
outra maneira de nos conhecermos graças à sociologia. Lisboa: Instituto Piaget.
Marteleto, R., Silva, A. (2004). Redes e Capital social: o
enfoque da informação para o desenvolvimento local. Acedido a 16 de fevereiro de 2013, em URL:
http://www.scielo.br/pdf/ci/v33n3/a06v33n3.pdf.
Arco, H. (2010). Tecendo Redes. Dissertação de doutoramento em Sociologia. Évora. Universidade de Évora.
Mondardo, M. (2002). Globalização e sociedade dos
indivíduos: redes sociais, interdependência e auto
controle. Universidade estadual de Mato Grosso do
Sul. Acedido a 28 de dezembro de 2012, em URL:
http://www.bocc.ubi.pt/pag/bocc-abordagemreticular-mondardo.pdf.
Aron, R. (2010). As etapas do pensamento sociológico. 9.ª ed.
Local: Lisboa: Publicações Dom Quixote.
Castels, M., Cardoso, G. (2005). A Sociedade em Rede: Do
conhecimento à acção política. Acedido a 18 de Fevereiro
de
2013,
em
URL:
http://www.cies.iscte.pt/destaques/documents/So
ciedade_em_Rede_CC.pdf
Oliveira, O., Oliveira, T. (2012). O Processo Civilizador
segundo Norbert Elias. Acedido a 29 de dezembro
de
2012,
em
URL:
http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/an
pedsul/9anpedsul/paper/viewFile/1342/56
Canal, N (2011). Entre figurações e associações. As sociologias
de Norbert Elias e Bruno Latour. Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas. Universidade de Campinas.
Brasil. Acedido em: 08 de fevereiro de 2013, em:
URL:
www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHu
manSocSci/.../pdf
Portugal, S. (2006). Novas famílias, Modos Antigos As redes
sociais na produção de bem-estar. Dissertação de doutoramento em Economia. Coimbra. Universidade de
Coimbra.
Notas: [1] Doutoranda em Sociologia, IIFA- Univ. Évora.
Cruz, M. (2010). Teorias Sociológicas: os fundadores e os clássicos (Antologia de textos) I. Volume. 6.ª ed. Local: Lis146
Download