Desenvolvimento e Sociedade | n.º 1 Novembro 2016 Revisitando Norbert Elias e os seus Contributos para a Teoria Sociológica: O foco no individuo e na sociedade Joaquim Fialho UÉvora, ECS, DSoc | CICS.NOVA.UÉvora [email protected] Carla Santanita [1] CICS.NOVA.UÉvora [email protected] Resumo A teoria sociológica é rica em contradições e consensos em torno de vários temas. No centro destas contradições, há um lugar comum: as dinâmicas de interação entre o individuo e a sociadade, isto é, entre o ator e o palco. O debate em torno da questão da relação entre indivíduo e sociedade têm ocupado um lugar de destaque na sociologia. Entre os estudiosos que se preocuparam em analisar essa relação destacam-se autores clássicos da sociologia como Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber, Pierre Bordieu e Norbert Elias. O presente ensaio de reflexão irá analisar com uma maior profundidade a perspetiva de Norbert Elias, tendo por base a obra “Sociedade dos Indivíduos”. Palavras-Chave: Norbert Elias, indivíduo, sociedade, redes sociais. Introdução A interação social é o amago do debate sociológico. Esta discussão teórico conceptual pretende construir um momento de reflexão sobre as lógicas de configuração da relação entre indivíduo e sociedade, ancorada fundamentalmente na perspetiva de Norbert Elias e tendo como principal referência um dos seus trabalhos mais relevantes para a análise sociológica das interações sociais: “Sociedade dos Indivíduos”. A proposta de Norbert Elias sobre a relação entre indivíduo e sociedade apresenta-se como inovadora, rompendo com as lógicas em que a sociedade e indivíduo eram vistas como dicotomias fechadas sobre si próprias, dissociáveis e distintas entre si. Elias via esta relação numa perspetiva dinâmica, indissociável, já que indivíduo e sociedade são na sua conceção inúteis um sem o outro. Indivíduo e sociedade constituem assim para Norbert Elias, uma face de uma mesma moeda. A questão em torno da interacção entre individuo e sociedade tem sido alvo de inúmeros debates sociológicos e preocupação constante entre inúmeros sociólogos, entre os quais Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber, Pierre Bordieu e o já referido Norbert Elias. A conceção sociológica de Elias sobre as interações sociais pode ser considerada dinâmica, pois trabalha com o processo de interação em rede e com a dinâmica desse mesmo processo, não sendo vista a sociedade como estática já que a relação dos indivíduos entre si, trocando significados entre si também não o 131 Revisitando Norbert Elias e os seus contributos para a teoria sociológica: O foco no individuo e na sociedade é. Norbert Elias trabalha assim a sua Sociologia em uma perspetiva de longo prazo que permite a articulação entre os elementos de personalidades dos indivíduos e as estruturas sociais. A sociologia de Elias constitui-se portanto, definitivamente processual já que envolve ações continuadas que os indivíduos praticam em interação. ências a filosofia ocidental, a sociologia e a teoria Freudiana. Segundo Silva (2006), citado por Nery (2007), o objeto de análise da teoria eliasiana envolve: • A sociedade da corte que aborda o antigo regime. • O processo civilizador demonstrando as forças motrizes que levaram o homem à civilização. • De indivíduo incivilizado a civilizado, procurando demonstrar aspetos dessa mudança e envolvendo também as relações de poder e habitus. • A vida e obra de Mozart, realizando uma análise sociológica e contextual do músico. • As relações de interdependência entre o Eu e o Nós. • A morte, o tempo, o lazer e o desporto. O indivíduo não deve assim, ser visto como separado do mundo, como um Eu fechado sobre si mesmo, com uma existência independente dos relacionamentos com os outros, não deve ser encarado como um homo clausus cuja personalidade e psiqué estão separadas das figuras sociais. Elias opõe-se a uma perspetiva tradicional da sociologia que vê o indivíduo como um elemento estático como uma situação e não como um processo dinâmico (Nery, 2007). No contexto da perspetiva de Norbert Elias, o presente ensaio pretende proporcionar uma reflexão em torno da perspetiva sociológica construída por este autor, refletindo também sobre o posicionamento em relação a outras perspetivas, bem como aquilo que trouxe de novo para a sociologia e que aprendizagem faço eu própria desta perspetiva enquanto indivíduo de uma sociedade. 1. A Ao longo da sua vida, Elias realizou inúmeras indagações sociológicas, de entre as quais: o que é a sociedade e de que estamos falando quando falamos de sociedade? Na obra “Sociedade dos Indivíduos” Elias centra a sua análise numa questão que denomina como uma questão cardeal para a sociologia a “essência da sociedade em si”, tentando assim com a sua obra desenvolver um modelo que melhor se adeque à realidade da relação entre o indivíduo e a sociedade. sociologia processual em Norbert Elias Norbert Elias sociólogo alemão (1897–1990), nascido em Breslau, de família judia com formação académica em várias e distintas áreas como medicina, sociologia, filosofia e psicologia, viveu no momento em que Hitler se torna Chanceler da Alemanha e inicia a perseguição aos judeus. Exilado do seu país, percorreu a França, Bélgica fixando-se mais tarde em Inglaterra onde desenvolve os seus trabalhos, de entre os quais, o que mais se destacou “O Processo Civilizador”. Elias dedicou-se ao longo dos seus trabalhos a questões fulcrais da sociologia com enfoque na compreensão do mundo ocidental, tendo-se encontrado esquecido por os restantes cientistas sociais, por muito tempo. Atualmente, no campo das ciências sociais, Elias tem-se revelado como um dos autores da sociologia contemporânea mais resgatado na sociologia, tendo tido a sua obra três grandes influ- Segundo o autor, todos pensam saber o significado da palavra “sociedade”, sendo esta dita de uma pessoa para outras como se de uma moeda de troca se tratasse e cujo valor é totalmente e plenamente compreendido e conhecido por todos. Mas Elias questiona: “Mas será que realmente nos entendemos?” (Elias, 2004, p. 22), Ao partir desta questão sobre o significado da sociedade, que aparentemente é do entendimento do senso-comum, Elias é confrontado com respostas que não o satisfazem plenamente, referindo que o significado da sociedade não 132 Desenvolvimento e Sociedade | n.º 1 Novembro 2016 é de todo e completamente compreendido, não sendo esse significado linear no domínio científico. Norbert Elias recusa polarizações entre indivíduo e sociedade, entre a estrutura da personalidade e as estruturas sociais, defendendo que ambas se encontram alicerçadas numa relação de interdependência, construindo assim, nesta relação interdependente o processo social (Nery, 2007). O autor não aceitava a dicotomia tradicional da sociologia entre sociedade e indivíduo, não aceitando pressupostos teóricos que viam sociedade e indivíduo como algo fechado, como sendo autónomos e distintos entre si, opondo-se portanto, a esta dicotomia e afirmando em sua perspetiva que não existe sociedade sem indivíduos e que não existe indivíduos sem sociedade. Elias via assim, sociedade e indivíduos como algo indissociável, não sendo possível compreender uma parte sem a outra, sendo este, um dos aspetos fulcrais no pensamento eliasiano. Ao analisar a obra “Sociedade dos Indivíduos” e tendo em consideração os pressupostos teóricos que este recusou, não podemos deixar de refletir sobre esta relação indivíduo e sociedade, indagando e questionando tais pressupostos. Subescrevo assim, o pensamento eliasiano, já que nos questionamos sobre a possibilidade de existir uma sociedade criada de valores, regras, normas, costumes, acima do indivíduo. Discordamos da dicotomia arbitrária que coloca de um lado indivíduo e do outro lado sociedade, já que o que confere e constrói a sociedade com toda a sua panóplia de instituições, tradições e costumes são os próprios indivíduos relacionando-se entre si ao longo do tempo e que, por outro lado o homem não adquire a sua plenitude de ser humano se não no seu meio social, o indivíduo não pensa e age sozinho, ele adquire tais características através do outro e através daquilo que outros antes dele construíram entre si, a sociedade. Por este motivo parece-nos que o pensamento eliasiano é aquele que responde e se adequa melhor à realidade daquilo que é realmente a sociedade e a relação que estabelece com o indivíduo. Para ilustrar e compreender a relação entre indivíduo e sociedade, Elias socorre-se de uma imagem da Gestalt (entre as partes e o todo). Assim, a casa será um conjunto de tijolos ou será a relação entre todos os tijolos que forma e constitui a casa? O autor dá ainda o exemplo de uma melodia. Sendo a melodia composta por várias notas musicais, todas as notas musicais isoladas entre si não passam de meros sons, que só fazem sentido na relação que mantém, constituindo a partir da sua relação aquilo que ouvimos e chamamos de melodia, a parte e o todo. Estas simples figuras podem se transpor para o binómio do indivíduo e da sociedade, já que, Elias defende que é necessário romper-se com o pensamento em substâncias singulares isoláveis e que o todo é diferente das partes que o compõem, não podendo o todo ser compreendido a partir da simples análise dos seus elementos isolados, tal como acontece na casa e na melodia sendo portanto na sua ótica, para compreender a sociedade e o indivíduo, necessário fazer a ponte para um pensamento em relações e funções. Segundo Elias (2004, p. 30), “…imaginamos o todo, como sendo algo mais ou menos de harmonioso. A vida comum dos seres humanos em sociedade está contudo cheia de contradições, de tensões e explosões”. Norbert Elias (2004) afasta-se assim de antinomias que veem individuo e sociedade como algo dissociável, referindo nos seus trabalhos que “ninguém dúvida de que todos os indivíduos formam a sociedade ou de que toda a sociedade é uma sociedade de indivíduos”(p.16). No entanto, o autor afirma que para se chegar a tal ideia, faltam conceitos, modelos e fundamentações, tentando assim com a sua análise encontrar um novo caminho, cujo processo central é exatamente o estudo do comportamento humano, da sua evolução e desenvolvimento social, provocando deste modo, um processo de revisão das teorias. É neste quadro que o sociólogo advoga que “q vida em comum dos seres humanos não é certamente harmoniosa. E, se não é a harmonia, então a palavra do “todo” provoca em nós pelo menos a ideia de algo fechado em si, de uma configuração claramente delineada de constituição evidente e de uma estrutura tangível mais ou menos concreta” (2004, p.30). Ao longo dos tempos, outros foram os sociólogos que se debruçaram em torno desta questão, da relação indivíduo e sociedade. O indivíduo e a sociedade 133 Revisitando Norbert Elias e os seus contributos para a teoria sociológica: O foco no individuo e na sociedade foram pensados por inúmeros estudiosos tais como: Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber, Parsons, Pierre Bordieu, entre outros. A sociologia tem vindo assim a oferecer inúmeras possibilidades teóricas para a análise da relação entre indivíduo e sociedade de forma a que seja possível optar-se por uma perspetiva mais apropriada para examinar a realidade e buscar respostas a perguntas, sendo a diversidade de análises um dos elementos essenciais do pensamento sociológico. também podem reagir e modificar. O seu enfoque encontra-se na análise das relações estabelecidas em determinada classe e entre as diversas classes que compõem a sociedade, sendo apenas passível de compreensão as relações entre indivíduos com base nos antagonismos, nas contradições e na complementaridade entre as classes sociais. Para Marx a chave para compreender a vida social contemporânea está na luta de classes que se desenvolve à medida que indivíduos procuram satisfazer as suas necessidades. Karl Marx na primeira metade do século XIX, sendo sociólogo e economista do regime capitalista, desenvolve uma teoria sobre este regime, a qual é inseparável da sua época, comportando a obra de Marx, uma teoria sociológica, uma teoria económica, obras de história, traçando assim uma teoria das classes em França durante um determinado período 1848 e 1850. Deste modo, Marx, apresentava-se como um sociólogo específico, um sociólogo economista, acreditando que não é possível compreender a sociedade moderna sem ter referência ao funcionamento do sistema económico, nem compreender a evolução do sistema económico negligenciando a teoria do funcionamento, não separando portanto, a compreensão do presente da previsão do futuro e da vontade da ação. Assim, o pensamento de Marx aponta para uma análise e uma compreensão da sociedade capitalista no seu funcionamento atual, na sua estrutura presente e no seu dever necessário. (Aron, 2010) Mas será a relação entre indivíduo e sociedade apenas uma luta de classes e o indivíduo um ser fechado e condicionado à sua classe social? Na nossa perpetiva a forma como é visto o indivíduo na teoria de Karl Marx é algo redutora, já que o indivíduo não deve ser visto como um ser isolado numa determinada classe social com determinadas necessidades que lutam entre si e que desta luta de classes sociais, constituída por indivíduos resulte a sociedade. Marx vê, analisa e estuda a sociedade da sua época, fechada numa retrospetiva histórica, numa forma estática, não constituindo para mim uma resposta à relação entre indivíduo e sociedade. Elias embora se reveja em alguns tópicos do seu colega, aponta como principal dificuldade neste tipo de teorias sociológicas a noção de evolução que apresentam e com a ausência de um distanciamento, isto é, não se conseguiram afastar e contemplar como observadores distanciados, os acontecimentos sociais, o que para Elias constitui uma limitação (Canal, 2011). A teoria de Marx tida como uma sociologia de processo, apresentava algumas preocupações como as transformações, a mudança social a longo prazo e a evolução social, Elias de certa forma revia-se com este seu colega quando este via a sociedade como um processo que evolui e a própria indissociabilidade da relação entre sociedade e indivíduo (Canal, 2011). Também Auguste Comte com uma das primeiras teorias sociológicas exprime a ideia de uma esperança e de um futuro melhor, numa evolução linear que inevitavelmente levaria a um futuro e a uma sociedade melhor, tendo como pano de fundo a industrialização. Não muito diferente Marx, pressupõe a mesma ideia mas tendo como protagonistas não os industriais mas sim os operários e a sua luta de classes, acreditando também num futuro melhor, tendo em conta os seus próprios ideais. (Canal, 2011) No entanto, o foco da teoria de Marx encontra-se nas classes sociais e embora aborde a questão do indivíduo, Marx afirma que os seres humanos constroem a sua história, sujeitos a condicionantes do passado, que condicionam sucessivamente a construção do social no futuro. Para Marx, existem condicionantes estruturais que levam o indivíduo, os grupos e as classes para determinados caminhos, aos quais 134 Desenvolvimento e Sociedade | n.º 1 Novembro 2016 Posto isto, para Elias, o pressuposto de processo social como evolução linear orientada para um futuro melhor da sociedade ocorreu exatamente pela ausência de distanciamento diante do seu contexto social e dos seus próprios ideais. Para Elias as teorias assim construídas foram baseadas em ideias e convicções próprias, em desejos e não em realidades, tratando-se assim de perspetivas comprometidas que não correspondiam ao real (Canal, 2011). geração que criam um conjunto homogéneo, fazendo com que a comunidade permaneça integrada e perpetue ao longo do tempo. Pelo contrário Karl Marx acredita que para a constituição da sociedade é indispensável a contradição e o conflito. Mas estas regras e leis, normas e valores, costumes e tradições que convergem em instituições são fruto de algo superior aos indivíduos? Se são superiores aos indivíduos, como surgem, como foram criadas? Será que é a sociedade algo superior a todos os indivíduos? Ou serão os indivíduos com a sua convivência que constituem as normas e valores para a criação de uma sociedade harmoniosa? Fará sentido estudar o indivíduo e a sociedade em perspetivas exclusivas? Fará sentido ver o indivíduo apenas do ponto de vista económico ou meramente político, pertencente a uma determinada classe social para assim compreender a sociedade? Não será esta perspetiva redutora e restrita para a compreensão da sociedade, restringindo-a a uma determinada época? Por sua vez Max Weber (1864–1920), tem como preocupação central compreender o indivíduo e as suas ações. Porque tomam as pessoas determinadas decisões e quais as razões para os seus atos. Segundo Weber, a sociedade não é algo externo e acima dos indivíduos, mas é sim o conjunto das ações dos indivíduos relacionando-se entre si reciprocamente que a constitui. Weber parte assim do indivíduo e das suas motivações, de forma a compreender a sociedade como um todo. Para Weber, ao contrário do que defende Durkheim, as normas, os costumes e as regras sociais não são algo externo ao indivíduo, mas interno ao indivíduo e com base no que trás dentro de si, o indivíduo escolhe condutas e comportamentos, dependendo das situações com que se depara. As relações sociais consistem assim na probabilidade de que se aja socialmente com determinado sentido, sempre numa perspetiva de reciprocidade por parte dos outros. Weber desenvolve deste modo, a ideia de um indivíduo absoluto como realidade e uma sociedade como um conjunto de ações individuais desordenadas. (Canal, 2011) Émile Durkheim (1858–1917), na “Da Divisão do trabalho social” apresenta como tema central o pensamento durkheimiano, o da relação entre os indivíduos e a coletividade, questionando-se sobre como é que uma coleção de indivíduos pode constituir uma sociedade e como é que os indivíduos podem realizar essa condição da existência social que é um consenso? Para Durkheim, a sociedade dispõe de certas normas, regras, valores, tradições que asseguram a sua perpetuação ao longo dos tempos, prevalecendo sempre a sociedade sobre o indivíduo. As regras e leis existentes independem do indivíduo estando acima de todos, formando uma consciência coletiva que dá o sentido de integração entre os elementos da sociedade. Durkheim crê que estas regras e estas leis solidificam-se em instituições como, família, escola, sistema jurídico e o Estado, as quais congregam os elementos essenciais da sociedade, dando-lhe sustentação e permanência e que para não se desestruturarem não podem ser modificadas individualmente e repentinamente mas sim de forma progressiva e morosa, ao longo de gerações. Para Durkhéim é devido às instituições que cada indivíduo sabe como deve agir para não provocar conflito à vida comunitária. Durkheim coloca em ênfase a coesão para a manutenção da sociedade, acreditando que são as normas, valores, regras, costumes transmitidas de geração em O autor procurou portanto analisar e entender a sociedade como um processo em evolução e de desenvolvimento social, apontando a que a sociedade se constitui como um dos elementos essenciais de uma estrutura organizacional cujas alterações se demonstram de diversas formas de inter relacionamentos e entrelaçamentos sociais em que se permitem agrupar e que jamais poderia resultar de um agir individual (Fradson, 2001). 135 Revisitando Norbert Elias e os seus contributos para a teoria sociológica: O foco no individuo e na sociedade Elias apela assim à natureza da sociedade e a relações complexas entre indivíduos. A sociedade constitui portanto uma rede, na qual cada um de nós seria um fio de uma teia de relações humanas, não podendo a natureza da rede ser definida por um fio em particular nem mesmo se fosse possível conhecermo-los a todos. O autor concebe a sociedade como uma rede, sendo cada indivíduo parte integrante e que participa ativamente nessa rede, não sendo esta definitiva ou estanque mas sim, dinâmica sofrendo a influência do movimento e alterando-se ao longo do tempo e no espaço. Nem o todo da teia, nem a forma que cada fio adquire pode ser entendido a partir de um único fio, nem mesmo de todos os fios singulares em si mas apenas e exclusivamente a partir da sua interligação e da relação que mantém entre eles. Deste tipo de interligações surge portanto um sistema de tensões, cuja ordem se manifesta em cada fio em si, de forma mais ou menos diferente em cada um deles, dependendo do seu lugar e da sua função no todo desta teia. Quando da tensão e da estrutura do todo da teia se alterar também o fio singular se altera e vice-versa. Torna-se assim uma teia dinâmica e móvel. mo, da construção humana do seu mundo, devendo ser encarada de forma processual. Para Elias é exatamente a história que se constitui como um processo que reflete o fluxo da interação que une indivíduo e sociedade. Compreende-se assim, o caráter processual em que se apresenta a Sociologia de Norbert Elias, envolvendo ações contínuas que os indivíduos praticam em interação constante (Nery, 2007). Nesta perspetiva, a sociedade não é encarada de forma estanque, mas sim através de uma perspetiva dinâmica, fruto de um movimento contínuo, com forças, tensões, conflitos, entre indivíduos, que sem planearem, constroem e vão construindo aquilo que é uma sociedade, que passa de pais para filhos e assim sucessivamente e em que cada um se revela como um ator participante que modifica e é modificado, o mundo em que vive e que outros viverão. É possível verificar na sua obra, a posição do autor (Elias, 2004 p. 21 e 22), quando o mesmo refere que: “Que configuração é esta, a «sociedade», que todos nós, conjuntamente, compomos e que, todavia, nenhum de nós, nem mesmo todos em conjunto a quisémos ou planeámos na forma como hoje existe, que só existe por haver muitos homens e que só funciona por muitos seres humanos singulares quererem e fazerem algo, e cuja estrutura, cujas grandes mudanças históricas todavia não dependem, pelos vistos, da vontade dos indivíduos?” (Elias, 2004 pp. 21-22). Segundo Norbert Elias, a sociedade não deve ser vista como um mero aglomerado de indivíduos, já que se assim fosse, a sociedade existente nos Estados Unidos do século XXI seria portanto igual a uma sociedade europeia do mesmo século ou até mesmo uma sociedade na Europa do século XII seria igual a uma sociedade Europeia no século XIX. Tal não acontece, as sociedades modificam-se e alteram-se ao longo do tempo e decorrente de cada espaço, os indivíduos e os seus posicionamentos são diferentes, os relacionamentos que estabelecem entre si são também eles diferentes, e se a construção do processo social se faz decorrente destas interações, não podemos ter nem sociedades iguais, nem sociedades estanques como se ficassem congeladas no tempo. Se assim fosse, como teríamos nós chegado até aqui, como seria possível ocorrer a evolução das sociedades? Para Norbert Elias, a explicação estrutural da sociedade vem e converge portanto no equilíbrio do nós e o outro. O indivíduo e a sociedade são assim inúteis um sem o outro, coexistem ambos, mas sem indivíduo não existe sociedade e sem sociedade não existe indivíduo, não dependendo a construção do social da vontade e agir individual. Embora esta imagem se revele bastante complexa, é possível verificar que em sociologia uma coletividade não se reduz a uma simples e mera soma de indivíduos, já que tudo decorre de relações. Assim sendo, cada indivíduo assume-se como uma ator participante na rede relacionando-se com outro indivíduo/ator e assim sucessivamente relacionando-se entre si, de modo a constituir uma teia móvel de relações humanas e interdependentes. Norbert Elias opõe-se assim a um conceito de época visível na visão retrospetiva que fazem os historiadores. Para o autor este aspeto retira todo o dinamis- 136 Desenvolvimento e Sociedade | n.º 1 Novembro 2016 Segundo Mondardo (2002), Elias considera assim, que a sociedade é formada com indivíduos que são singulares em diferentes tempos e espaços, ocorrendo assim uma mudança mais ou menos lenta de configurações e formas de vida, a qual é contínua ocorrendo ao longo de gerações, formando e construindo através dessas diferenças, diferentes sociedades, sociedades essas projetadas por tramas e jogos de relações sociais a que Elias chama “fenómenos reticulares” produzidos no interior de uma rede móvel humana de relações de interdependência, as quais são compostas por estruturas, cadeias, limites e possibilidades. entendida a partir de uma estrutura específica e das tensões específicas desta conexão global. Consolidando ainda a presente ideia, Elias (2004) refere na sua obra que “cada pessoa que passa por outra, como estranhos, aparentemente desvinculados na rua, está ligada a outras por laços invisíveis, sejam estes laços de trabalho e propriedade, seja de instintos e afetos. Os tipos mais díspares de funções tornaram-se dependentes de outrem e tornaram outros dependentes dela” (Elias, 2004, p.22). Norbert Elias defende assim a indissociabilidade de indivíduo e sociedade, tendo desenvolvido tendo por base esta perspetiva de indissociabilidade de indivíduo e sociedade uma sociologia alternativa às outras perspetivas sociológicas, denominada por Sociologia Processual assente num conceito de configuração social, dinâmico, na medida em que o indivíduo não pode ser pensado em oposição à sociedade. (Silva, 2006, citado por Nery,2007) Na perspetiva de Elias, o indivíduo quando nasce é envolvido numa teia de funções bem determinada na qual se adapta e não pode sair para fora dela arbitrariamente. Um indivíduo que seja médico possui determinadas obrigações, aquilo que os outros esperam de dele. Um indivíduo que seja agricultor não pode repentinamente decidir que quer ser cirurgião. Elias defende que, embora com a possibilidade de escolha entre as funções pré estabelecidas o indivíduo está sempre sujeito a determinados determinismos sociais, tendo as suas possibilidades sempre e de certo modo limitadas desde o dia em que nasce e pelo meio em que cresce (Elias, 2004). O autor contrapõe sobretudo com a noção de homo clausus, já que se levarmos em consideração o caráter interdependente que a rede de relações tem, é impossível imaginar um Eu sem o outro, sem o Nós, já que cada um de nós só existe de acordo com as conexões e posições decorrentes dos outros. Elias contrapunha não só contra a noção de homo clausus enraizada na sociologia do final do século XIX e início do século XX mas sobretudo contra esta noção de “homem fechado em si mesmo” desde a filosofia de Platão, passando por Descartes, Lock e Kant tida também na sociologia de Durkheim (no conceito de facto social), Weber (modelo teórico da ação social) e Parsons (ideia de que os processos ocorrem dentro de uma black box). Elias acreditava e via o indivíduo como homo aperti vinculado com os outros e como um ser social (Landini, 2005). Por este prisma, o indivíduo encontra-se portanto inserido numa teia em constante movimento, num entrelaçar de relações em que cada um de nós assume um lugar, tem uma família, uma profissão, estando sempre o passado diretamente ligado ao presente, conforme defende Elias (2004) “vivemos num tecido de relações móveis”. Para o autor, o indivíduo é portanto construído por um conjunto de laços invisíveis que formam uma rede de relações, tendo cada indivíduo algures uma determinada função nessa rede. Será o indivíduo realmente um homo clausus, fechado sobre si próprio, ou será por outro lado o indivíduo um homem enclausurado nessa rede de interdependências? Elias refere que estas funções interdependentes que conferem a um coletivo humano o seu caráter específico não é uma criação apenas de indivíduos singulares, já que até mesmo o indivíduo mais poderoso é um ser humano singular, uma parte constituinte, representante de uma função que apenas se mantém em ligação com outras funções e que só pode ser Norbert Elias defende o indivíduo como um ser que não sendo fechado sobre si próprio, encontra-se em interação com o outro, no entanto, este encontra-se sujeito a determinismos existentes e decorrentes des137 Revisitando Norbert Elias e os seus contributos para a teoria sociológica: O foco no individuo e na sociedade ta própria rede de interdependências. Esta ideia é visível na obra do autor, quando Elias refere que cada indivíduo “vive e viveu desde pequenos, numa rede de dependências que não lhe é possível modificar ou romper, pelo simples girar de um anel mágico, mas somente até onde a própria estrutura dessas estruturas o permita” (2004, p. 33). Para Elias, o indivíduo é portanto construído por um conjunto de laços invisíveis que formam uma rede de relações, tendo cada indivíduo algures uma determinada função nessa rede, estando em constante dependência do outro. É esta conexão de funções, que os seres humanos têm uns com os outros, esta teia de funções, que segundo Elias, constitui aquilo a que chamamos sociedade, constituída por estruturas sociais e regularidades sociais. As relações entre indivíduos possuem uma estrutura e regularidade própria, na «natureza» ou «consciência» dos indivíduos singulares e procura saber como são “em si” antes de qualquer tipo de relações, como são nas suas estruturas, nas suas regularidades. Segundo Elias (2004), a verdade é que, cada ser humano se encontra numa situação de ligação a outras pessoas, vivendo numa constante dependência funcional de outros, representando apenas um elo nas correntes formadas por seres humanos. Embora o indivíduo não seja um ser fechado sobre si próprio e se encontre em constante interação, este é fortemente condicionado por determinismos sociais já existentes antes dele, passados de geração em geração, de forma contínua, mas que evoluem e se alteram no tempo de forma mais ou menos lenta, decorrente das interações dos indivíduos, criando este equilíbrio do Eu com o Nós, a sociedade. As relações que se processam na sociedade entre os indivíduos comportam assim funções, cadeias, redes de funções e auto regulação. É através do contrato social que os indivíduos criam maneiras de auto controlo no interior da sociedade e que gerem as tensões das relações de poder que permeiam a interdependência na sociedade. A auto regulação consiste assim no processo civilizador uma condição de subjetivação das emoções no âmbito das redes de relações sociais que, fazem do indivíduo um “ser regulado” no interior das mais adversas situações em que se insere relacionalmente. Na sua obra Norbert Elias (2004) defende exatamente esta ideia quando refere: “Mas as oportunidades entre as quais a pessoa assim se vê forçada a optar não são, em si mesmas, criadas por essa pessoa. São prescritas e limitadas pela estrutura específica de sua sociedade e pela natureza das funções que as pessoas exercem dentro dela. E seja qual for a oportunidade que ela aproveite seu ato se entremeará com os de outras pessoas; desencadeará outras sequências de ações, cuja direção e resultado provisório não dependerão desse indivíduo, mas da distribuição do poder e da estrutura das tensões em toda essa rede humana móvel” (p. 33). Segundo Mondardo (2002), para Elias a sociedade e as diferentes relações dos indivíduos funcionam através de acordos que consistem numa acondensação material e simbólica de um campo de forças, de disputas e de poder que se processam através das relações do quotidiano entre os indivíduos em sociedade. Assim, os acordos funcionam como mecanismos de auto regulação das tensões que se processam entre os indivíduos e que produzem a sociedade no desenvolvimento do processo civilizacional, os quais são construídos no interior da sociedade a partir de diferentes estratégias de regulação social no interior do processo civilizador. A teia de funções entre diferentes pessoas ligadas entre si por exemplo num hospital, não tem certamente a sua origem numa tomada livre de decisão por parte de muitos, num “contrat social”, que só são possíveis dentro de uma determinada estrutura de interdependências de funções de uma sociedade. Até mesmo decisões comuns permitem que esta estrutura de funções seja unicamente alterada ou desenvolvida dentro de determinados limites, esta conexão de funções possui assim uma regularidade própria. Por outro lado, Silva (2006), citado por Nery (2007), as mudanças presentes nos costumes sociais ao longo da história, são interiorizadas pelos indivíduos, moldando consequentemente o seu comportamento e convertendo-se portanto na nossa segunda nature- 138 Desenvolvimento e Sociedade | n.º 1 Novembro 2016 za, estabelecendo a relação entre a dinâmica social e a estrutura da personalidade de cada indivíduo. Esta segunda natureza, este constante movimento entre o social e o individual, apresenta-se assim como um outro conceito central na obra de Norbert Elias, designado por habitus. individual à medida que vai de forma contínua agregando experiências. Bordieu defende que o indivíduo não se tornará uma pessoa completamente diferente do que era antes, pois modifica-se sem perder as suas marcas de origem do seu grupo familiar ou da classe em que nasceu, do seu habitus primário (Nery, 2007). Para o autor, estas regularidades e controlos sociais, ocorrem e são absorvidos pelos indivíduos desde o seu nascimento, o que possibilita um processo de autocontrolo, possibilitando portanto, a convivência no interior das denominadas configurações sociais. O conceito de habitus para Norbert Elias consiste assim numa segunda natureza, num saber social incorporado durante a nossa vida em sociedade, sendo o destino de uma determinada sociedade ao longo do tempo, sedimentado no habitus dos seus indivíduos, sujeito a uma constante e contínua mudança, a qual não ocorre de forma abrupta, promovendo por isso a evolução através do equilíbrio entre a continuidade e a mudança (Nery,2007). Quando olhamos para trás, vimos sempre um passado, vimos sempre queiramos ou não, avós, pais, filhos que se tornaram pais e assim sucessivamente, estando todos eles interligados. Cada ser humano é por natureza constituído de forma a necessitar de outros para crescer, quando nasce é inserido num grupo que já existia antes. A criança quando nasce, nasce selvagem, quando sozinha não se apresenta mais do um ser “antropomorfo semi selvagem” tal como refere Elias (2004), que pode eventualmente crescer fisicamente mas que vai permanecer uma criança psicologicamente. Apenas em relação com os outros seres humanos a criança se torna na sua plenitude um indivíduo psiquicamente com caráter de adulto, só em sociedade, com as suas funções psíquicas moldáveis e relativamente indiferenciadas é que a criança se torna num ser diferenciado. Nenhum indivíduo é igual a outro indivíduo mesmo que inseridos no mesmo coletivo humano, têm o destino de relações e histórias individuais diferentes que parte de um ponto único da sua teia de relações quando nasce e percorre um caminho de encontro à sua morte. No entanto, interessa referir que este conceito de habitus que Elias desenvolveu, foi mais tarde resgatado por Pierre Bordieu, que detinha tal como Elias, a preocupação de estabelecer uma relação real de indivíduo e sociedade. Bordieu via este conceito por uma outra perspetiva já que para este autor, o habitus se apresenta como social e individual ao mesmo tempo. A questão fundamental para Bordieu era mostrar a articulação entre as condições de existência do indivíduo e suas formas de ação e perceção, dentro ou fora dos grupos. Para Bordieu o conceito de habitus é estruturado por meio de instituições de socialização dos agentes (a família, a escola) e é aí que a ênfase na análise do habitus deve ser colocada, pois são essas primeiras categorias e valores que orientam a prática futura dos indivíduos, sendo este o primeiro habitus e mais duradouro mas que não é congelado no tempo (Nery, 2007). Elias (2004) explica na sua obra que “cada homem singular, sendo diferente de todos os outros, apresenta um caráter específico que partilha com outros membros da sua sociedade” (p.239), chamando a essa marca hábito social (habitus) que inclui a língua aprendida e as suas pronúncias, o modo de nomear o mundo, a escrita aprendida na escola bem como os comportamentos adotados como modelos, sendo assim esta base que confere a individualidade e originalidade cada pessoa, a qual conserva as marcas do meio em que vivemos e crescemos, tendo estas marcas repercussões próprias na nossa personalidade (Angers, 2003). À medida que se relaciona com outras pessoas, ao longo da sua vida o indivíduo desenvolve um habitus secundário não contrário ao anterior mas indissociável daquele e assim se vai construindo este habitus Posto isto, o indivíduo constrói-se numa interação dinâmica e contínua e em rede com diversas pessoas, com tramas, jogos de interrelacionamento interdependentes e que se situam nos diferentes contextos e 139 Revisitando Norbert Elias e os seus contributos para a teoria sociológica: O foco no individuo e na sociedade escalas sócio-espaciais, como por exemplo, na escola, igreja, universidade, rua, festa, no bar, em diferentes lugares em que os indivíduos estabelecem relações com a sociedade. almente pre concebidos, de partes e produtos de outros. Importa referir ainda que, na perspetiva elisiana, individualidade e dependência social não são antagónicas mas sim complementares já que, a individualidade por seu lado só é possível quando o indivíduo cresce num coletivo humano inserido numa sociedade sendo que a diferenciação das funções psíquicas de um ser humano só se manifesta através da sua individualidade e é moldável dependendo do decurso das relações entre eles e outros seres humanos. Neste contexto o indivíduo em sociedade existe sempre na relação histórica com os outros, que formam com ele a sociedade dos indivíduos e, que ainda trás a marca de uma sociedade específica. O indivíduo adquire a sua marca individual a partir da sua história de dependências, tendo presente em si, a história de toda a rede humana em que cresce e vive, tendo essa história marcada quer esteja sozinho quer esteja em relação com os outros (Elias, 2004). Desde o início, desde a sua conceção que o indivíduo necessita de outros, até mesmo quando está no útero da mãe, o feto necessita da mãe para poder nascer e inserir-se nesta teia humana. O indivíduo existe sempre, desde o seu início ligado a outros por relações estruturais específicas do coletivo a que pertence. Tendo presente a perspetiva de habitus defendida por Elias e por Bordieu não encaro grandes diferenças nas suas perspetivas, mantendo-me em concordância com a segunda natureza defendida por Norbert Elias. Elias (2004) ressalta o seguinte na sua obra “a relação entre o indivíduo e a sociedade só poderá ser entendida se se incluir na teoria social o desenvolvimento constante do indivíduo no seio de uma sociedade, ou seja, o processo de individualização” (p. 45). Retomando à discussão em torno da relação indivíduo e sociedade, Elias (2004), refere que a investigação do processo civilizacional demonstrou que a modelação e com ela também a formação individual dos seres humanos singulares está dependente da transformação histórica dos standarts sociais, da estrutura das relações humanas. Os seres humanos transformam-se com e através das relações que mantém uns com os outros e de se modelarem e remodelarem, num entrelaçamento constante de interdependências. Assim na perspetiva de Elias, a individualidade dos seres humanos forma-se através do constante tecer de relações num tecido móvel em que esteve e está inserido, não sendo possível continuarmos a ver a sociedade como uma sociedade com indivíduos já concluídos e terminados. A historicidade de cada individualidade, o fenómeno de crescer e de se tornar adulto, assume no que diz respeito à elucidação do que é a sociedade uma posição chave. A sociabilidade integral do ser humano só se revela por completo quando se tenta compreender qual o significado que as relações com os outros seres humanos têm para a criança. A criança necessita da imposição de marcas de outras pessoas, necessita da sociedade para se tornar uma pessoa psiquicamente adulta. Necessita da incorporação de modelos soci- A sociedade, as diferentes relações que estabelecemos com os outros, fazem com que cada um de nós tenha uma identidade única, diferentes da de todos os outros, sendo por isso, inseparáveis dos grupos a que estamos ligados, estando a nossa identidade enraizada nesses mesmos grupos. Possuir uma identidade própria, sermos um ser único singular deve-se assim, paradoxalmente à sociedade que nos cerca. É por isto que, a nossa identidade não pode desenvolver-se fora das nossas relações com os outros, é a nossa relação com os outros que nos define e determina quem somos. Elias na sua obra “Sociedade dos Indivíduos” defende que não existe de um lado, a sociedade e os grupos que a constituem e do outro lado, um indivíduo desligado dela. Afirma ainda que é impossível uma sociedade sem indivíduos tal como é evidente que o indivíduo está sempre ligado a outros, refletindo todo o nosso desenvolvimento em relação com os outros, o caráter social da pessoa humana. Deste modo, vivemos de interações, a nossa identidade desde que nascemos assenta neste contacto 140 Desenvolvimento e Sociedade | n.º 1 Novembro 2016 próximo que estabelecemos com outros desde o nosso nascimento (Angers, 2003). personalidade, num entrelaçamento contínuo das necessidades, desejo e realização constantes, numa inter relação constante. É a ordem deste entrelaçamento constante sem início, é a história das suas relações que determina o caráter e a figura do ser humano singular, tal como o tipo e a forma da sua opinião bem como aquilo que sente. Em termos sociológicos, a família constitui o primeiro e o mais poderoso agente de socialização, constituindo a socialização o processo pelo qual a sociedade se infiltra em nós, sendo os diferentes agentes de socialização os mais diversos grupos que nos rodeiam durante toda a vida. Assim, a nossa identidade reflete a impressão das múltiplas socializações em que nos inserimos. A construção da nossa identidade revela-se assim, um processo dinâmico que se inicia desde que nascemos e que nunca se dá por terminado, tendo sempre presente, crises, redefinições, já que ao longo da nossa vida nos mantemos sempre em contacto com os outros, influenciando-os tal como nos influenciam a nós. (Angers, 2003) O pensamento elisiano consiste numa sociedade formada por nós e pelos outros que se inter relacionam ao longo do tempo e no espaço, numa teia humana móvel de inter dependências com relações de força entre os indivíduos, sujeitos a determinismos sociais embora com uma elasticidade de ação. O pensamento elisiano converge assim para uma explicação estrutural da sociedade resultante do equilíbrio do nós e o outro. Na perspetiva elisiana, o ser humano é algo mais de uma simples caixa com gavetas onde se guardam os seus órgãos, fechado sobre si mesmo, é sim um ser diferenciado com funções e estruturas biológicas concebidas que lhe permitem relacionar-se com os outros, numa rede em constante movimento, num tecer e destecer ininterrupto de ligações. O ser humano é portanto, um ser de ordem natural e social, criado de forma a poder e necessitar de estabelecer relações com os outros. Para a presente ideia, Elias (2004), refere que:“é da história destas suas relações, das suas dependências, e portanto, num contexto mais vasto, da história de toda a teia humana em que cresce e vive que ele adquire o seu caráter. Esta história, este entrelaçamento humano está presente na sua pessoa e é por ele representado quer se encontre em relação atual com os outros homens quer esteja só, quer se mova no centro de uma grande cidade, quer até mesmo como um náufrago como Robinson Crusoe, o qual já comporta em si uma marca de uma determinada sociedade, classe social, ou povo” (pp. 45-46). Para Elias, somente na relação com os outros é que o ser humano adquire características de ser humano tais como pensar e amar, chamando por isso Elias a atenção para a interdependência entre pessoas que se relacionam, realçando a unidade e a união com a expressão Sociedade dos Indivíduos. Na sua obra “Sociedade dos Indivíduos”, Elias (2004) ressalta que o ser humano é um produto de interdependências e que é criado numa reciprocidade contínua de relações como outros seres humanos, sendo o ser humano, um indivíduo adulto, uma figura indiscutivelmente sócio específica. O indivíduo tem assim um lugar socialmente pré determinado pela estrutura específica da teia humana a que pertence. Não existe nenhum ponto da teia de interdependências sociais do homem singular, de onde este possa abordar a sociedade do exterior, como um ser desprendido ou desligado de qualquer forma de interligação com os outros. Na perspetiva de Norbert Elias, o indivíduo consiste no produto de relações humanas com os outros, é a expressão da teia humana em que vive, no qual se produzem através dos relacionamentos com os outros, pensamentos, convicções, afetos, necessidades e marcas características que representam a sua 2. A dinâmica reticular e o contexto das interações Tal como tem vindo a ser referido, a reflexão sobre sociedade e indivíduo não pode fixar essas duas realidades como dissociáveis e distintas entre si, independentes e ausentes de reciprocidade, devendo sim esta reflexão definir-se mais no sentido de relação entre indivíduo e sociedade, tendo em conta que, esta relação nesta teia humana móvel, não é harmoniosa nem linear, mas sim, cheia de tensões, forças e 141 Revisitando Norbert Elias e os seus contributos para a teoria sociológica: O foco no individuo e na sociedade conflitos. Os indivíduos encontram-se assim inseridos na sociedade por meio de relações que desenvolvem ao longo da sua vida, inicialmente no seio familiar, depois na escola, na comunidade em que vivem, no trabalho. As relações que os indivíduos estabelecem e mantém irão fortalecer então a esfera social. Poderá afirmar-se que, sendo próprio da natureza humana o estabelecimento de ligações com os outros é próprio também a estrutura da sociedade em rede. O conceito de rede social (social network) foi assim desenvolvido ao longo dos tempos por vários autores embora de uma forma bastante desordenada. Segundo Scott (2000) citado por Fialho (2008), a atualidade observada nas redes sociais e o desenvolvimento da análise de redes sociais deve-se ao culminar de três correntes: • Sociometria (Jacob Moreno); • Escola de Harvard, desenvolvida nos Estados Unidos, baseada na análise quantitativa, num quadro de uma abordagem estrutural. • Escola de Manchester, enraizada na antropologia social britânica, desenvolvida após a II Guerra Mundial e cuja preocupação assentava essencialmente na análise situacional de grupos restritos, sendo Elizabeth Bott uma das principais influenciadoras. O conceito de rede provém do latim “rete”, que significa armadilha ou laço. Segundo Nohria e Ecles, citado por Fialho (2008), o termo rede é uma estrutura de laços entre atores de um sistema social, podendo estes ser indivíduos, grupos ou organizações. Os laços podem basear-se então na amizade, família, afeto, comunicação, troca de recursos (económicos, informação, etc.) que constituam a base da relação. O conceito de rede está assim inerente ao nosso quotidiano quer seja ele de dia a dia, quer seja ele organizacional, já que a interdependência, a interação e a inter-relação estão inerentes a todos nós, enquanto seres humanos. Atualmente, o termo “rede” tem vindo “a adquirir uma popularidade crescente” segundo (Mercklé, 2004) citado por Portugal (2006), sendo amplamente utilizada, nos mais variados domínios. Já Norbert Elias com a sua perspetiva o afirmava, tendo sido a sua sociologia completamente nova comparativamente com as teorias existentes na época sobre a questão indivíduo e sociedade. Para Norbert Elias a sociedade consiste exatamente numa teia de inter relacionamentos com forças e tensões entre indivíduos que constituem por um lado a sua sociedade e que por outro, se constituem e constroem a si próprios. A própria imagem que Elias dá à sociedade, uma imagem de uma teia com inúmeros fios (relações entre indivíduos) em constante movimento se pode transpor para o conceito atual de redes em que temos atores que emitem e recebem fluxos (interações / fios) e que sugere a própria figura de uma teia a de uma rede. Quais as razões da sua popularidade? • Desenvolvimento das comunicações; • Valorização das relações entre as pessoas; • Massificação das redes sociais via internet. A popularidade do conceito de rede e o reconhecimento das suas capacidades descritivas e explicativas ultrapassam, hoje, os limites das ciências sociais estendendo-se para outros domínios. Borgatti (2003), defende que rede consiste num conjunto de laços diádicos todos do mesmo tipo, entre uma série de atores. Outros autores, como Alejandro & Norman defendem que rede assenta num conjunto de indivíduos que se relacionam com um objetivo específico caracterizado pela existência de fluxos de informação. (Arco, 2010) Tendo por base a obra de Manuel Castells “A Sociedade em Rede” é possível verificar que a noção de rede empregue pelo autor se apresenta como uma imagem e representação dos processos sociais a uma escala mundial, referindo também que a rápida difusão da noção de redes sociais parece estar bastante interli- 142 Desenvolvimento e Sociedade | n.º 1 Novembro 2016 gada ao processo de globalização e à proliferação da informação através da informática e das próprias tecnologias de informação. que nele estão inseridos, tendo esta metáfora que associava o comportamento individual à estrutura da qual o indivíduo pertencia, dado origem à sociometria de Jacob Moreno, a qual permitia ver uma determinada estrutura social em que o indivíduo estava inserido. Por aqui se vê uma nítida contribuição de Norbert Elias para a sociologia das redes sociais. Indo de encontro à presente ideia, Manuel Castells (2005) refere que as funções e os processos dominantes nesta era da informação estão cada vez mais organizados em torno de redes. No entanto, aquando da sua obra “Sociedade dos Indivíduos”, Elias referia exatamente como uma limitação à sua perspetiva sobre a questão sociedade e indivíduo o facto de não existirem modelos conceituais que permitissem compreender aquilo que se vive na realidade, a realidade da relação entre indivíduo e sociedade. Consegue-se assim, realizar um paralelo entre a perspetiva de Norbert Elias com a de Manuel Castels, vendo que o que ocorre aqui é uma passagem de uma perspetiva micro social para uma perspetiva mais global, uma perspetiva macro. Segundo Portugal (2005), no decorrer das últimas décadas, a sociologia das redes sociais tem-se vindo a afirmar como um domínio específico de conhecimento, sendo evidentes, os sinais da sua consolidação. Assim, o conceito de redes sociais será provavelmente um dos conceitos da sociologia que melhor responde às mudanças que ocorrem a nível social, também pelo seu caráter flexível e dinâmico que demonstra a realidade daquilo que é a sociedade. Interessa também referir que, para Norbert Elias a sociedade e as diferentes relações dos indivíduos funcionam através de acordos que consistem numa acondensação material e simbólica de um campo de forças, de disputas e de poder que se processam através das relações do quotidiano entre os indivíduos em sociedade. Assim, os acordos funcionam como mecanismos de auto regulação das tensões que se processam entre os indivíduos e que produzem a sociedade no desenvolvimento do processo civilizacional, os quais são construídos no interior da sociedade a partir de diferentes estratégias de regulação social no interior do processo civilizador. (Montardo,2002) A análise de redes sociais tem assim sido, alvo de interesse por parte de inúmeros investigadores das mais diversas áreas de estudo, na tentativa de compreenderem o processo social. Segundo Watts (1999), citado por Marteleto (2004), as redes são assim sistemas de nós (indivíduos) conectados entre si por algum tipo de relação, podendo-se de uma forma genérica estudar o sistema visando apenas o seu comportamento e como as suas relações influenciam esse comportamento, tendo inúmeras aplicações tais como na área da saúde pública (estudos epidemiológicos), na área das tecnologias da informação, na sociologia (movimentos sociais, economia (mercados e economias de rede) e matemática aplicada (otimização de algoritmos). Elias (2004) na sua obra “Sociedade dos Indivíduos” refere que “…imaginamos o todo, como sendo algo mais ou menos de harmonioso. A vida comum dos seres humanos em sociedade está contudo cheia de contradições, de tensões e explosões” (p.30 ). Transpondo esta ideia de Elias para a sociologia das redes sociais podemos verificar a existência de um paralelismo entre aquilo que Norbert Elias afirma na altura e a teoria desenvolvida por Mark Granovetter “The strength of weak ties” em 1973. São inúmeros os autores que destacam a importância das relações sociais estabelecidas entre os indivíduos como a chave para a compreensão da sociedade. Norbert Elias foi um desses autores, com a sua ideia inovadora de que as relações sociais compõem um tecido móvel que condiciona a ação dos indivíduos Mark Granovetter, rompeu assim com uma sociologia tradicional quando propõe a análise do padrão de conexão existente entre os indivíduos. No seu estudo, Granovetter analisa os laços sociais existentes, classificando-os como laços fortes, aqueles que ne143 Revisitando Norbert Elias e os seus contributos para a teoria sociológica: O foco no individuo e na sociedade cessitam de uma interação mais longa, com um maior grau de confiança como por exemplo aqueles que existem numa família ou entre amigos e, como laços fracos, aqueles em que existe um menor investimento na relação e que podem ser assemelhados às pessoas que vamos conhecendo ao longo da nossa vida mas que não passam dos chamados “conhecidos”. Aqui reside aquilo a que Norbert Elias se refere como a força dos laços ou relações, as tensões, que se estabelecem no decorrer das relações entre indivíduos num determinado meio social. papel deveras importante complementado com a Análise de Redes Sociais. A literatura sobre as redes sociais é bastante ampla e não pode ser esgotada pelo que, no presente ensaio de reflexão apenas se realizou um breve enfoque com um breve paralelismo entre a sociologia de Norbert Elias com foco na obra “Sociedade dos Indivíduos” e a sociologia das Redes Sociais, bem como algumas das suas contribuições. Para Granovetter ambos os laços se revelam importantes para manter a estabilidade da rede, os laços fortes e os laços fracos. Os laços fortes por um lado precisam de tempo, confiança para se estabelecerem, criam uma identidade comum entre os indivíduos de um determinado grupo e são importantes para as tomadas de decisão constituindo grande influência nos comportamentos de cada individuo. Por outro lado, a capacidade de indivíduos estabelecerem laços fracos com outros indivíduos externos ao seu grupo, comportam em si novas informações e novo conhecimento que lhes permite, a cada indivíduo e ao seu próprio grupo uma janela aberta para o resto do mundo, promovendo inovação e evolução. É neste sentido que os laços fracos são assim de extrema importância para a conexão de cada indivíduo à própria sociedade não permitindo que estes se fechem num grupo. Assim, se dá o tecido humano móvel com forças e tensões constituída por pequenos micro tecidos a que Norbert Elias chama “Sociedade dos Indivíduos”. Considerações finais em torno do pensamento Elisiano Tendo em conta a perspetiva elisiana e a reflexão realizada sobre a sua obra, a minha posição converge com a posição defendida pelo autor, já que eu apenas existo e sou aquilo que sou pelo espelho que tenho do outro, pela família em que cresci, pela escola em que estudei, pela profissão que desempenho, ao fim ao cabo, pelos outros que foram surgindo ao longo da minha vida. Nesta rede enquanto ator participante eu interajo com o outro e contribuo com o meio social em que me insiro tal como o outro me molda através da interação que estabelece comigo. É impossível compreender e analisar a realidade, dissociando ou vendo por partes indivíduo e sociedade. O ser humano é um ser de relação, um ser sobretudo social. Segundo Elias (2004), a explicação estrutural da sociedade vem e converge portanto no equilíbrio do nós e o outro. O indivíduo e a sociedade são assim inúteis um sem o outro, coexistem ambos, mas sem indivíduo não existe sociedade e sem sociedade não existe inivíduo. O conceito de rede vai para além daquilo que são os atributos individuais dos atores, indo de encontro sim a processos interativos, a relações que ocorrem num determinado momento e num determinado espaço. A teoria elisiana aponta assim para um individuo como um ator na relação do eu com o outro, apontando assim o pensamento elisiano para a sociedade formada por nós e os outros, tendo por base o seu equílibrio. A dependência dos outros inerente a todos nós, através da autorregulação comportamental especifica-se e desenvolve-se “nas e pelas suas relações com os outros”(Elias, 2004, p.12). Para Norbert Elias, a sociedade é uma rede e cada um de nós seria um fio de uma teia de relações humanas, não sendo a sua natureza definida por um fio particular, nem mesmo se fosse possível conhecermo-los a todos. Assim, a rede só pode ser concebida se examinarmos as ligações entre os fios ou o modo como se entrecruzam, tomando aqui a sociologia um 144 Desenvolvimento e Sociedade | n.º 1 Novembro 2016 O indivíduo encontra-se portanto inserido numa teia em constante movimento, num entrelaçar de relações em que cada um de nós assume um lugar, tem uma família, uma profissão, estando sempre o passado diretamente ligado ao presente, conforme defende Elias (2004) vivemos num tecido de relações móveis. coletividade não se reduz a uma simples e mera soma de indivíduos, já que tudo decorre de relações. Assim sendo, cada indivíduo assume-se como uma ator na rede relacionando-se com outro indivíduo / ator e assim sucessivamente relacionando-se entre si, de modo a constituir uma teia móvel de relações humanas e interdependente. Olhando para a perspetiva de Norbert Elias vimos nitidamente uma contribuição para o conceito atual de redes sociais, em que este se apresenta como um conjunto de nós (indivíduos), que estabelecem fluxos entre si (relações) num determinado espaço e num determinado momento, sujeitos a forças e que se vão modificando. Cada ator (indivíduo) detém um determinado posicionamento na rede (uma determinada função sujeito a determinismos sociais, tal como refere Elias) e é nesta interação constante que se vê a evolução de uma sociedade e que se compreende uma determinada estrutura social. Para Elias, o indivíduo é portanto construído por um conjunto de laços invisíveis que formam uma rede de relações, tendo cada indivíduo algures uma determinada função nessa rede. A sociedade dos indivíduos para Elias apresenta-se assim como uma teia humana de interdependências, móvel que se modifica no tempo e no espaço, sujeita a regularidades próprias, cujas atuações se demonstram pelas diversas formas de inter – relacionamentos, interdependências e entrelaçamentos sociais e auto regulação. O indivíduo é assim modelado através das relações que desenvolve com os outros, com a sociedade desde o seu nascimento e crescimento nos diferentes grupos sociais que constituem a sociedade. Segundo Elias, citado por Mondardo (2002), o indivíduo apresenta-se como uma “linha de um novelo” relacional, ou seja, a sociedade que através de entrelaçamento contínuo de relações de poder e de tensões, de amizade ou familiares, como se de um tecido contituído por muitos tecidos singulares se tratasse, constrói a sociedade dos indivíduos. A perspetiva de Elias na obra “Sociedade dos Indivíduos”demonstra exatamente que a relação entre indivíduo e sociedade só é realmente compreendida se tivermos em conta a multidimensionalidade das relações sociais, de auto – regulação das emoções e do desenvolvimento de estratégias racionais de auto controlo, onde todos os indivíduos são considerados participantes e modeladores, em diferentes níveis ou naturezas na sociedade (Mondardo, 2002). Na nossa perspetiva, Norbert Elias rompe com uma sociologia tradicional, dando um contribuição inovadora à compreensão da sociedade e indivíduo, conferindo-lhe um grau dinâmico e processual. Na sua obra “Sociedade dos Indivíduos”, Norbert Elias apela à natureza da sociedade e a relações complexas entre indivíduos, tentando assim analisar e desenvolver um modelo que melhor se adeque à realidade da relação entre indivíduo e sociedade. Imagina assim a sociedade como uma rede e em que cada um de nós seria um fio de uma teia de relações humanas, não podendo a natureza da rede ser definida por um fio particular, nem mesmo se fosse possível conhecermo-los a todos. O autor vê assim a sociedade como uma rede, sendo cada indivíduo parte integrante e que participa ativamente nessa rede, não sendo esta, definitiva ou estanque mas sim, dinâmica sofrendo a influência do movimento e alterando-se ao longo do tempo e no espaço. Embora a complexidade desta imagem, é possível verificar que em sociologia uma As pessoas encontram-se inseridas na sociedade por meio de relações que desenvolvem ao longo da sua vida, inicialmente no seio familiar, depois na escola, na comunidade em que vivem, no trabalho. As relações que as pessoas estabelecem e mantém irão fortalecer a esfera social. Poderá afirmar-se que, sendo próprio da natureza humana, o estabelecimento de ligações com os outros é próprio e portanto, também a estrutura da sociedade em rede. A ideia de uma rede em constante movimento surge para Elias como uma imagem adequada para explicar a dinâmica das relações humanas que não podem nem ser reduzidas 145 Revisitando Norbert Elias e os seus contributos para a teoria sociológica: O foco no individuo e na sociedade boa. Fundação Calouste Gulbenkian Serviço de Educação e bolsas. à liberdade individual nem apenas ao constrangimento coletivo. A rede em movimento é assim um entrelaçar constante de relações e ligações entre invidivíduos. Elias, N. (2004). A Sociedade dos Indivíduos: a questão cardeal da sociologia. 2.ª ed. Local: Lisboa. Publicações Dom Quixote. Ao refletir sobre a relação entre indivíduo e sociedade, entendemos tal como Elias, a sociedade como um conjunto de relações que se constroem e descontroem num determinado momento e num determinado lugar entre indivíduos, sujeitas a tensões e forças entre elas, não se apresentando estas relações petrificadas ou estanques, fortalecendo-se ou enfraquecendo-se ao longo do tempo, numa perspetiva dinâmica. Elias entende assim a sociedade como uma rede de indivíduos em constante relação, numa relação de interdependência contínua e dinâmica. Elias contribui assim com o seu pensamento elisiano para aquilo que são hoje as redes sociais na sociologia, vendo assim uma sociedade em rede, a que chamou “Sociedade dos Indivíduos”. Fialho, J. (2008). Redes de Cooperação interorganizacional: o caso das entidades formadoras do Alentejo Central. Dissertação de doutoramento em Sociologia. Évora. Universidade de Évora. Frasson, A. (2001). A configuração Sociedade: Numa ótica de Norbert Elias. 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