ARGUMENTOS NUCLEARES VS. ARGUMENTOS OBLÍQUOS

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A GRAMÁTICA DA ORAÇÃO: ARGUMENTOS NUCLEARES VS. ARGUMENTOS
OBLÍQUOS
Maria Angélica Furtado da Cunha – UFRN/CNPq
Introdução
Este trabalho focaliza a gramática da oração, mais particularmente, o conjunto de
relações que se estabelecem entre um verbo e seus argumentos, conhecido como estrutura
argumental (EA). Essas relações se manifestam em diferentes níveis lingüisticos. De uma
perspectiva sintática, a estrutura argumental especifica o número e as relações gramaticais
(sujeito, objeto direto etc.) dos argumentos de um verbo. De uma perspectiva semântica, focaliza
os papéis temáticos (agente, paciente etc.) que são atribuídos aos argumentos de um verbo. De
uma perspectiva cognitiva, codifica cenas que são fundamentais à experiência humana, isto é,
reflete uma estrutura de expectativas desencadeadas pelo verbo. Por último, de uma perspectiva
pragmática, descreve os diferentes modos em que essencialmente a mesma informação, ou o
mesmo conteúdo semântico-proposicional, pode ser estruturada a fim de refletir seu status
informacional.
O objetivo desta pesquisa é investigar o status argumental da relação gramatical objeto
indireto no português, questão diretamente relacionada à distinção entre argumentos nucleares e
oblíquos (core vs. oblique arguments). De um modo geral, os argumentos nucleares codificam os
participantes implicados na situação descrita pelo verbo; os argumentos oblíquos representam
entidades que não têm uma participação direta no evento, mas que fazem parte do seu contexto.
Em termos tipológicos, os dois tipos de argumento apresentam diferença de comportamento
sintático, semântico e discursivo-pragmático. Do ponto de vista sintático, essa classificação
distingue argumentos através do modo como são codificados: aqueles que não são precedidos por
preposição (sujeito, objeto direto) e argumentos preposicionados (objeto indireto, locativos,
agente da passiva etc.). Semanticamente, os argumentos nucleares desempenham papéis
obrigatórios previstos na moldura de caso (case frame) do verbo, enquanto os argumentos
oblíquos são circunstanciais. Para decidir se a relação gramatical ‘objeto indireto’ em português
representa um argumento nuclear ou oblíquo é necessário levar em conta não apenas propriedades
semânticas, mas principalmente propriedades discursivo-pragmáticas. Este trabalho propõe-se
discutir essas questões, apoiado na concepção de que a gramática de uma língua é o resultado da
estruturação de aspectos comunicativos e cognitivos da linguagem, envolvidos nas interações
lingüísticas diárias.
A análise está orientada pelos pressupostos teóricos-metodológicos da Lingüística
Funcional e da Lingüística Cognitiva, que concebem a língua como um complexo mosaico de
atividades cognitivas e sociocomunicativas e reconhecem o estatuto fundamental das funções da
língua na descrição das suas formas. Assume-se, portanto, que a categorização conceptual e a
categorização lingüística são análogas, ou seja, o conhecimento do mundo e o conhecimento
lingüístico seguem, essencialmente, os mesmos padrões. De acordo com essa visão, as línguas
são moldadas pela interação complexa de princípios cognitivos e funcionais que desempenham
um papel na mudança lingüística, na aquisição e no uso da língua. Como as línguas se
assemelham muito no que diz respeito às relações gramaticais que exibem, admite-se que essas
semelhanças são o resultado desses princípios cognitivos e funcionais. Metodologicamente, a
pesquisa conjuga fatores quantitativos e qualitativos no exame do objeto de estudo. Os dados
empíricos correspondem a oito narrativas faladas e suas correspondentes escritas extraídas do
Corpus Discurso & Gramática: a língua falada e escrita na cidade do Natal (FURTADO DA
CUNHA, 1998), produzidas por quatro estudantes do terceiro ano do ensino médio. Cabe
esclarecer que as narrativas orais correspondem a narrativas conversacionais, ou seja, narrativas
em que há tomada de turno, mas o narrador mantém o turno a maior parte do tempo. O material
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analisado consiste de 28.717 palavras, sendo 26.069 dos textos falados e 2.648 dos textos escritos
correspondentes. Para este estudo, limitei-me a investigar os verbos transitivos cuja moldura
semântica implica a existência de um argumento objeto direto e envolve também um argumento
objeto indireto, ou seja, os verbos que a gramática tradicional classifica como bitransitivos. A
partir da análise desse material, foi possível verificar tendências recorrentes no discurso no que
diz respeito ao comportamento do objeto indireto com esse tipo de verbo.
1. Breve Resenha do Tratamento do Objeto Indireto na Literatura
Nesta seção, faço um apanhado do que alguns estudiosos afirmam tanto sobre as
características dos objetos direto e indireto, quanto sobre a diferença entre argumentos nucleares e
oblíquos.
Cunha e Cintra (1985) distinguem, na oração, os termos integrantes (os complementos
verbais, como o objeto direto e indireto) dos termos acessórios (os adjuntos adnominal e
adverbial). Segundo esses autores, a preposição que encabeça um adjunto adverbial possui claro
valor significativo, enquanto a que introduz um objeto indireto apresenta acentuado esvaziamento
de sentido, servindo apenas como um elo sintático.
Para Andrews (1985), assim como para Cunha e Cintra, a distinção entre papéis
participatórios e circunstanciais está estreitamente relacionada à distinção entre complementos e
adjuntos, estes últimos regidos por preposição.
Souza e Silva e Koch (1989) sustentam que a distinção entre OD e OI pode ser
considerada como relativamente secundária, já que ambos são complementos verbais, sendo a
presença ou a ausência de preposição condicionada apenas pelo próprio verbo. Para elas, esse fato
não parece constituir razão suficiente para se distinguirem dois tipos diferentes de relação entre o
verbo e o seu complemento. A distinção se justifica apenas no caso de verbos que exigem dois
complementos (OD e OI, como é o caso dos verbos foco deste trabalho), em que o primeiro (OD)
funciona como o alvo sobre o qual recai o processo verbal ou o resultado desse processo, e o
segundo (OI), como o destinatário ou o beneficiário.
Conforme Matthews (1981), nocional ou semanticamente o objeto indireto (OI) é um
argumento do verbo, embora mantenha com ele uma relação mais frouxa do que o objeto direto.
Apresenta semelhanças com outros elementos que são mais circunstanciais (como o argumento
beneficiário, por exemplo).
Para Comrie (1981), um argumento nuclear mantém uma relação gramatical com o verbo,
enquanto oblíquos, não. Esse autor esclarece que uma relação gramatical deve ser sintaticamente
significativa na língua, isto é, deve ser sempre expressa pela mesma codificação sintática. É o que
acontece com o OI em português, que é sempre introduzido por preposição, exceto nos casos em
que é codificado por um pronome átono.
De um ponto de vista pragmático, Du Bois (2003) sustenta que a informação introduzida
por um oblíquo tende a ser menos tópica e mais efêmera no discurso, constituindo, no mais das
vezes, uma menção única.
Para Dutra (2004), os rótulos ‘direto’ e ‘indireto’ traduzem, respectivamente,
proximidade e distância entre verbo e complemento verbal: enquanto o objeto direto (OD) é, via
de regra, fisicamente alterado (ou afetado, em meus termos) pela ação expressa pelo verbo
transitivo, o OI é tido como recipiente ou recebedor da ação verbal. Note-se que os vocábulos
‘proximidade’ e ‘distância’, utilizados por Dutra, tanto podem se referir à proximidade/distância
física – ou sintática (dada a presença da preposição antes do OI) – entre o verbo e o argumento,
quanto à proximidade/distância conceitual – ou semântica (dado o afetamento do OD, mas não do
OI).
Rocha Lima (1998) e Said Ali (1971) fazem distinção entre o objeto indireto e o
complemento relativo. Para Rocha Lima, o OI representa o ser animado a que se dirige ou destina
a ação ou estado que o processo verbal expressa. Como casos incontroversos de OI, aponta
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aqueles que servem de complemento a verbos acompanhados de OD (foco deste trabalho),
representando o elemento onde termina a ação. Cita, como exemplo, os verbos bitransitivos,
como dar, oferecer, dizer, perguntar etc. Por sua vez, o complemento relativo é ligado ao verbo
por uma preposição determinada (a, com, de, em etc.) e integra, com o valor de OD, a predicação
de um verbo de significação relativa. Acrescenta, ainda, que o complemento relativo distingue-se
nitidamente do OI pelas seguintes circunstâncias: a) não representa a pessoa ou coisa a que se
destina a ação, ou em cujo proveito ou prejuízo ela se realiza, mas denota, como o OD, o ser
sobre o qual recai a ação; b) não corresponde, na 3ª pessoa, às formas pronominais átonas lhe/s, e
sim às formas tônicas ele/s, ela/s, precedidas de preposição, como em: assistir a um baile =
assistir a ele; precisar de conselhos = precisar deles; gostar de uvas = gostar delas. Para Said
Ali, certos verbos transitivos, tais como dar, entregar, pedir, mostrar etc, mesmo que codificados
com OD, requerem ainda outro substantivo que designe o ente a quem a ação se destina. Este é o
OI, usado para designar o ente a quem a ação “aproveita ou deaproveita”. Os verbos que são
usados com um complemento preposicionado, como depender de alguma cousa, precisar de
alguém ou de alguma cousa, concordar com uma opinião, são os intransitivos relativos. O termo
regido de preposição, com que se completa o sentido desses verbos, recebe o nome de OI.
Perini (2008, p. 155) é mais radical ao afirmar que a função de objeto indireto é “outro
cesto de despejo da sintaxe tradicional”. Conforme esse lingüista, o OI, como em “Meu avô
gostava de vinho”, pode ser descrito como complemento regido de preposição. Note-se, contudo,
que o exemplo citado corresponde ao que Rocha Lima (1998) e Said Ali (1971) classificariam
como complemento relativo. Perini não faz menção ao complemento preposicionado dos
chamados verbos bitransitivos.
Em suma, todos os autores resenhados apontam critérios sintáticos (ausência versus
presença de preposição) e/ou semânticos (tipo de participação no evento denotado pelo verbo) na
distinção quer entre OD e OI, quer entre argumentos nucleares e oblíquos. O OD se liga ao verbo
sem preposição e representa o alvo do processo verbal, o elemento afetado, o que o classifica
como um argumento nuclear. Por outro lado, o OI, apesar de ligar-se ao verbo através de
preposição, é o destinatário do processo, o que significa que é um participante diretamente
envolvido no evento expresso. A não correlação entre os critérios sintático e semântico no
comportamento do OI faz surgir a questão: o OI é um argumento nuclear ou oblíquo? Com base
nessas colocações, defendo que, no português, o OI representa uma categoria híbrida, nãodiscreta: apesar de ligado ao verbo por preposição, é também previsto na moldura semântica do
verbo.
2. O Objeto Indireto no Corpus D&G
No corpus sob análise, foram encontradas 65 ocorrências (54 na fala e 11 na escrita) de
orações cujos verbos são acompanhados por SN objeto direto mais SPrep que tradicionalmente é
classificado como objeto indireto. Dado o volume textual pesquisado (28.717 palavras), note-se
que verbos com essa configuração de três argumentos não são muito freqüentes no uso
interacional da língua. Seguindo a distinção, proposta por Rocha Lima e Said Ali, entre objeto
indireto e complemento relativo, separei seis orações na fala e uma na escrita cujo SPrep
corresponde a um complemento relativo. Alguns exemplos são:1
(1) o que que diferenciou esse congresso dos outros? que pelo o que eu sei você gostou
muito desse ... (D&G, p. 275, língua falada).
1
Nos exemplos, o verbo biargumental está sublinhado, o OD está em itálico e o SPrep (Comp Relativo ou
OI), em negrito.
2085
(2) Nesse congresso existe variás premiações entre elas a de melhor "unijovem"(união de
jovens), como todo mundo, eu estava trabalhando para ajudar a minha unijovem a
ganhar o prêmio. (D&G, p. 204, língua escrita).
Em (1), o SPrep negritado é não humano e não representa o recipiente da ação verbal.
Além disso, a preposição de que antecede o SPrep é regida pelo verbo diferenciar. Complementos
relativos como esse totalizam três ocorrências. Em (2), o elemento em negrito é uma oração, o
que afasta esse dado de todas as características apontadas para o OI. As três ocorrências restantes
de Comp Relativo são desse tipo. Neste trabalho, as orações com SPrep complemento relativo
não são examinadas.
Os 58 dados restantes mostram que os verbos triargumentais representam um típico
evento de transferência, em que um agente animado (SUJEITO) transfere (= afeta, causando a
mudança de localização ou estado) um elemento paciente (OD) para uma entidade humana
recipiente (OI). Esse tipo de verbo predomina tanto na fala (30 casos) quanto na escrita (7 casos).
Vejam-se os exemplos:
(3) então eu observei isso em uma pessoa ... aí a gente queria entregar o prêmio a essa
pessoa ... (D&G, p. 180, língua falada).
(4) ... mas aí ele falou com ela e disse que tinham que aceitar né ... tendo em vista que
eles estavam oferecendo tanto dinheiro pra eles ... aí eles aceitaram né ... (D&G, p. 277,
língua falada).
(5) (...) a peça retratava exatamente a tentativa de mostrar a esses jovens a verdade da
Bíblia (...). (D&G, p. 298, língua escrita).
(6) Eu tive uma crise de garganta muito grande, daquelas, que eu não podia engolir a
saliva e nessa fase ele me deu muito apoio (...).(D&G, p. 266, língua escrita).
Outro tipo de verbo que ocorre freqüentemente com OD e OI é o verbo dicendi,2 que
expressa uma atividade que pode ser metaforicamente interpretada como um evento de
transferência, em que aquilo que é dito (OD efetuado) é transferido para um interlocutor (OI
recipiente). No corpus, os verbos dicendi correspondem a 18 dados na fala e 3 na escrita, como
em:
(7) ele passou muitos dias assim ... sabe? aéreo ... (...) e num dizia pra onde ia ... saía sem
camisa ... ia pro supermercado fazer feira ... ia assim por instinto ... sabe? num dizia nada
pra ninguém ... (D&G, p. 224, língua falada).
(8) então seu amigo começou a dá em cima dela, mais ela não aceitou, mas seu amigo
contou-lhe uma estória mentirosa (...).(D&G, p. 266, língua escrita)
É possível, portanto, agrupar os verbos de transferência (dar, entregar, oferecer, mostrar,
por exemplo) com os verbos dicendi (dizer, contar, perguntar, pedir) na medida em que,
semanticamente, eles compartilham o mesmo conjunto de papéis participantes: agente, paciente e
recipiente. Em outras palavras, esses verbos têm a mesma estrutura argumental.
De um ponto de vista semântico, todos os 58 objetos indiretos examinados são humanos e
desempenham o papel temático de recipiente da ação denotada pelo verbo, como se pode ver nos
dados de (3-8). No que diz respeito à perspectiva pragmática, dos 48 objetos indiretos na fala, 44
codificam informação textual (exs. 3, 4, 5, 8) ou situacionalmente (exs. 6, 9) dada, logo,
persistente/contínua nas narrativas, o que evidencia sua natureza de argumento nuclear. Destes,
33 são morfologicamente expressos por pronome pessoal, o que enfatiza sua persistência e,
conseqüentemente, sua importância discursiva. Nas narrativas faladas, somente 4 objetos
2
A respeito dos verbos dicendi ou de enunciação, ver Furtado da Cunha, 2006.
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indiretos introduzem informação nova no texto. Dos 10 objetos indiretos na escrita, todos
representam informação velha, sendo 3 deles morfologicamente expressos por pronome pessoal.
Como exemplo de OI codificado por pronome pessoal, observe-se as orações em (4, 6, 8) acima,
além de (9). OI dado mas expresso por Prep + SN está exemplificado em (3, 5, 7) e (10).
(9) ... você poderia assim me contar uma [experiência] que realmente marcou? (D&G, p.
175, lingua falada).
(10) ... esse rapaz chegou pra Isabel pra pedir pra ela responder as cartas pra amiga ... né
... (D&G, p. 183, lingua falada).
A seguir, uma oração com OI informacionalmente novo, morfologicamente expressos por
Prep + SN, além de (7), acima.
(11) então eu observei isso em uma pessoa ... aí a gente queria entregar o prêmio a uma
pessoa ... a gente vai chamar o pastor Martins que é pastor da igreja pra entregar o
prêmio a essa pessoa” ... (D&G, p. 180, língua falada).
Com relação à preposição mais freqüentemente usada para introduzir o SPrep objeto
indireto, no corpus analisado predomina pra/para, tanto na fala (27 casos), quanto na escrita (5
casos). Com os verbos dicendi, só ocorre pra/para. A predominância dessa preposição confirma o
papel temático de recipiente do elemento que ela introduz, uma vez que seu sentido primeiro
indica direção. A segunda preposição mais freqüente é a, que também sinaliza movimento
direcionado. Por definição, o papel temático recipiente descreve o destinatário da ação verbal.
Considerações Finais
·
·
·
Com base nos dados aqui analisados, é possível caracterizar o OI prototípico como:
Nível sintático: SPrep
Nível semântico: Recipiente humano (dativo).
Nível discursivo: Informação dada, referente contínuo
Em português, pode-se argumentar que o objeto indireto é um argumento nuclear, dadas
não apenas suas propriedades semânticas (participante implicado no evento denotado pelo verbo),
mas principalmente suas propriedades discursivo-pragmáticas (informação dada, contínua). Como
prevê a orientação da Lingüística Funcional, o objeto indireto, no português, não é uma categoria
discreta, homogênea: há um contínuo que vai do OI prototípico (menos marcado) ao menos típico
(mais marcado) do ângulo semântico assim como do discursivo. Generalizando, prediz-se que
subtipos de SPrep têm propriedades semânticas, discursivas e gramaticais diferentes. Esse ponto
deve ser reforçado quando a análise se debruçar sobre os chamados verbos transitivos indiretos
(como gostar, ajudar, assistir, obedecer etc), próxima etapa da pesquisa. Resta, também, analisar
o papel temático do SPrep complemento desses verbos.
Parece não haver um conjunto fixo de critérios para decidir se o OI é um argumento
nuclear ou oblíquo em termos de tipologia lingüística. O exame dessa e de outras relações
gramaticais deve-se limitar a uma língua em particular, já que as formas pelas quais as relações
gramaticais são codificadas variam de língua para língua. Há, contudo, tendências recorrentes
para esse tipo de SPrep no uso efetivo de uma dada língua. De acordo com o quadro teórico que
se segue neste trabalho, as correlações entre forma e função são probabilísticas, e não categóricas.
A questão crucial tem a ver com o critério selecionado para definir o status de argumento nuclear
vs. oblíquo: a presença da preposição (critério sintático) não justifica o tratamento do OI, em
português, como um argumento oblíquo, periférico (critério semântico), dadas as características
semânticas discursivas (informação dada, contínua) desse elemento.
2087
Na determinação do caráter nuclear vs. oblíquo de um argumento alguns aspectos devem
ser levados em consideração: i) os argumentos nucleares são mais salientes do ponto de vista
cognitivo, em termos da conceitualização dos tipos de evento cuja ocorrência constitui uma dada
experiência mental (cf ONO; THOMPSON, 1995; LANGACKER, 1987). Isso significa que esses
argumentos desempenham um papel mais central nos eventos descritos pela oração. Para Croft
(1991), tipicamente eles são os iniciadores ou pontos de chegada, como o OI recipiente, na nossa
representação mental dos eventos causais; ii) essa saliência cognitiva se reflete na semâtica
verbal: a valência de um verbo é definida por argumentos nucleares, enquanto argumentos
obliquos podem ou não estar envolvidos na valência.
A interrelação entre motivações semânticas e discursivo-pragmáticas que atuam na
distinção nuclear vs. obliquo pode ser interpretada do seguinte modo: os iniciadores (agentes ou
outros causativos) e pontos de chegada (pacientes e recipientes) de eventos são aquelas entidades
sobre as quais os humanos falam mais, aquelas que eles querem que seus ouvintes rastreiem, e
são também aquelas a que as gramáticas das línguas naturais atribuem papéis nucleares. Desse
modo, os padrões gramaticais estão estreitamente relacionados a, e podem ser explicados em
termos da, estrutura do discurso.
As categorias de fluxo da informação (como dado, novo, disponível, inferível. Cf.
PRINCE, 1981) são relevantes na determinação entre argumento nuclear vs. obliquo, uma vez
que o fluxo da informação reflete aspectos cognitivos e sociais do modo como as pessoas
embalam o conteúdo ideacional à medida que se comunicam. Assim, a identificabilidade de um
referente tem a ver com aquilo que o falante assume que seu ouvinte pode identificar. O estado de
ativação de um referente na mente dos interlocutores se relaciona com o modelo do falante a
respeito do estado cognitivo corrente do ouvinte (ativo, semi-ativo, inativo. Cf. CHAFE, 1994).
Por último, a possibilidade de rastreamento de um participante no discurso dá conta tanto da
introdução de um referente no contexto comunicativo como da continuidade de uma menção
anterior.
Fica, assim, comprovada a interrelação entre propriedades semânticas do OI e suas
propriedades de fluxo da informação. A conjugação dessas propriedades parece ser decisiva na
caracterização do objeto indireto como um argumento nuclear em português.
Referências
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typology and syntactic description. v. I: Clause structure. Cambridge: CUP, p. 62-154, 1985.
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LANGACKER, R. Foundations of cognitive linguistics. v. 1. Theoretical Prerequisites. Stanford:
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MATTHEWS, P. H. Syntax. Cambridge: Cambridge University Press,1981.
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