Ponto 02 - Ética e Formação Profissional das Carreiras Jurídicas

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Ponto II – Ética e Formação Profissional das Carreiras Jurídicas
1. Ética na Universidade.
Vimos nas primeiras aulas que em nosso tempo se registra o que vem sendo chamado de
‘falência da moral’ (ou ‘banalização dos bons valores’). Entre as consequências
negativas deste fenômeno, explicado pela história e pela sociologia, estão uma
enormidade de enfermidades sociais vividas com pesar pela sociedade brasileira:
miséria, exclusão, corrupção, maltrato da coisa pública, destruição da natureza,
violência.
Somos uma sociedade enferma, que já se mostra insensível na convivência com o
marginalizado. Não nos preocupamos com o bem estar do idoso, agredimos sem culpa a
natureza, o patrimônio alheio, o público e o privado, toleramos a corrupção e fingimos
não ver a violência que nos rodeia, desde que ela não me atinja diretamente. Somos
egoístas e só vemos o sofrimento alheio com empatia nos casos em que o caso é
relatado a nós como mais um melodrama da vida real nos intermináveis programas de
TV dos fins de semana. O egoísmo faz perecer a empatia, a capacidade de olhar o
mundo e reconhecer os fatos pelos ‘pelos olhos do outro’. A manutenção dessa
condição criará uma sociedade ‘fria’, apática.
Embora tais efeitos não sejam unicamente atribuíveis à falência do projeto educativo de
uma sociedade heterogênea, somente uma alma bem formada terá condições de
contribuir para uma nova era, mais sensível aos verdadeiros valores, menos oprimida
pela necessidade de vencer a qualquer preço.
As crianças precisam receber noções de postura compatíveis com as necessidades da
convivência. Não é fácil treinar para a verdade, para a lealdade, para o companheirismo
e a solidariedade quem nasce numa era competitiva, onde se deve levar vantagem em
tudo. Assim como o aprendizado técnico é uma gradual evolução sem previsão de termo
final, assimilar conceitos éticos e empenhar-se em vivenciá-los deve ser tarefa com a
duração da vida.
Temos falhado ao legar à juventude um modelo pobre de convivência. Estamos nos
acostumando a uma sociedade egoísta, hedonista (pregando o prazer a qualquer custo e
a conversão da vida em uma eterna festa), imediatista e consumista.
O que esperar da conduta ética de nossos filhos no futuro, se sou eu aquela mãe que
vomita palavrões no trânsito, disposta a agredir fisicamente na disputa de vaga para
estacionar meu carro à saída da escola? Como me colocarei como exemplo, se sou
aquele pai que lesa o fisco, meus empregados ou patrões para garantir minha exclusiva
vantagem econômica? O esperar de um filho cujos pais se referem à honestidade como
fraqueza dos perdedores, dos tolos, do ‘mané’?
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Se, como vimos, a família vive um período de desconstrução estrutural de toda ordem,
inclusive ética, as escolas e faculdades também o vivem. O que está acontecendo é que
não se educa mais para a vida em sociedade.
A tecnologia, que tanto tem para auxiliar o aprendizado moral e social, é utilizada para
alienar as mentes dos indivíduos desde sua tenra idade. Crianças e adolescentes
conhecem o mundo inteiro pela tela de um dispositivo eletrônico, mas são incapazes de
externar no mundo real seus pensamentos e afetos. Eles se acostumaram desde cedo a
tratar a informação e os fatos com dois únicos sopros de juízo: se na sua malformada
subjetividade aquilo é considerado criticável, sua reação é a indiferença, o silêncio
mental. Se por outro lado o fato ou ato lhe interessa, uma simples ‘curtida’, basta. Um
só clique exprime a totalidade de seu juízo.
Este modelo de vida onde tudo se resolve da cama, de forma imediata, pronta, em
milésimos de segundo de um clique, está criando uma juventude sem preparo intelectual
para ir a campo buscar o que precisa, lutar pelo que é valioso, conquistar vitórias,
batalhar para a realização de seus desejos, anseios, necessidades.
As instituições de ensino, nosso foco aqui, é uma massa humana que se agrupa no
esforço conjunto de formar, ensinar, compreender. E como conjunto de pessoas, as
universidades também foram corrompidas pelas fraquezas do homem.
O individualismo, o hedonismo, o imediatismo o consumismo e todos os demais efeitos
negativos da condição humana atual impõem um modelo de ensino muito aprofundado
nas ciências naturais, onde a tônica é explicar o que existe, o que é, o que está pronto,
acabado.
De outra parte, as ciências do mundo cultural, especialmente as sociais, são tratadas de
forma rasa, em um ensino de superfície que impede a visão mais profunda do
conhecimento do ser em sua condição moral e social.
A competição no mercado de trabalho coloca o estudante nos trilhos da técnica sem
ética, na mira dos cargos e posições que garantirão os melhores salários. O
adestramento para as provas de seleção e de concursos mitigam dia a dia a oportunidade
de se formar cidadãos e profissionais conscientes dos valores que informam a moral.
Atingida a moral, restará atingida também a ética.
A Universidade dos nossos tempos, apoiada na cosmovisão da aparência, abdicou,
senão inteiramente, em muita parte, de sua autoridade moral e intelectual. Apartada da
tradição de sua cultura, alheia de uma filosofia que a pudesse alimentar, cerrada aos
problemas de seu tempo, a Universidade agoniza, faz-se moribunda, pede um socorro.
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A própria comunidade universitária também já não se aceita nos moldes como funciona.
Seus alunos não se conformam com o distanciamento entre as necessidades do mundo e
o acervo de conhecimentos que lhes é transmitido. Seus professores vivenciam
desalento, vendo o país remunerar com generosidade os apresentadores de TV, os
jogadores de futebol, as dançarinas do sensualismo. Adora, dizem, já remuneram até
mesmo o crime (como a depredação e violência injetada nos meios de protesto
legítimos).
E aos profissionais da educação é reservada uma carreira medíocre, sem garantia de
subsistência digna quando da aposentadoria. Quem se dedica à pesquisa, depois de uma
vida toda empenhada em estudos e análises, não percebe o suficiente para sustentar uma
velhice digna. Não há estímulo para o estudo. Os prêmios para a cultura são simbólicos.
Não escapam desta realidade nem mesmo as Universidades Católicas, nascidas no
coração da Igreja e inseridas no sulco da tradição que remonta à própria origem da
Universidade como instituição.
A educação é necessidade premente para um país de terceiro mundo. A implementação
de um programa consistente de educação para todos esbarra, como visto, em vários
óbices de índole ética.
A finalidade da educação é formar o indivíduo e realizar a personalidade, o que
significa a constituição de um sujeito consciente de sua própria valia e, por conseguinte,
em condições de afirmar e salvaguardar sua própria liberdade.
A Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI reconhece que a
educação para o futuro deve ser interdisciplinar e se assenta sobre quatro pilares:
aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer. Estão
superadas as tradicionais compartimentações do ensino, que setorizam o conhecimento
sem garantia de amarração lógico-moral do conteúdo como um todo.
Edgar Morin1 aceitou o desafio de aprofundar a visão transdisciplinar da educação e,
atendendo a uma solicitação da UNESCO, produziu um texto instigante, no qual
apresenta “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro”.
O primeiro dos saberes contempla as cegueiras do conhecimento e a necessidade de se
considerar e de se enfrentar, na formação do conhecimento, o erro e a ilusão.
Paradigmas e dogmas são terrenos férteis para a ilusão e não existe conhecimento
científico imune ao erro. "é impressionante que a educação que visa a transmitir
conhecimentos seja cega quanto ao que é o conhecimento humano, seus dispositivos,
1
EDGAR MORIN, Os sete saberes necessários à educação do futuro, São Paulo/Brasília, Editora
Cortez, Unesco, 2004.
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enfermidades, dificuldades, tendências ao erro e à ilusão, e não se preocupe em fazer
conhecer o que é conhecer”.
O segundo saber trata da multidimensionalidade do conhecimento. Somos todos, além
de seres culturais, seres naturais, físicos, psíquicos, míticos. A técnica da
compartimentação na transmissão do conhecimento, em disciplinas esparsas, sem
comunicação lógica e intelectual umas com as outras, impede a apreensão do conjunto,
rompe o vínculo entre partes e totalidade. Cumpre fazer com que o ensino disciplinar
seja dialético entre as unidades de conhecimento, para que sejam apreendidos os objetos
em seu contexto, sua complexidade e seu conjunto. O Departamento de Ciências
Jurídicas da PUC Goiás já se esforça neste sentido desde 2008, quando iniciaram as
tentativas de se interdisciplinarizar o conteúdo total da grade curricular, exemplo que se
espalha por toda a Instituição.
Como terceiro saber está o ensino da condição humana. "O ser humano é a um só tempo
físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Esta unidade complexa da natureza
humana é totalmente desintegrada na educação por meio das disciplinas, tendo-se
tornado impossível aprender o que significa ser humano". Investindo nesse saber,
capacitar-se-á o indivíduo a reconhecer a unidade e a complexidade humana. O ser
educando poderá, a partir dele, tomar consciência de sua identidade complexa e de sua
identidade, comum a todos os outros humanos.
Ensinar a identidade terrena é o objeto do quarto saber. A humanidade partilha de um
destino comum. Basta examinar as agressões causadas à natureza. O efeito estufa não
interessa apenas aos mais agressivos dentre os emissores de carbono. O suicídio da
humanidade é obra coletiva e ninguém se salvará sozinho se a Terra vier a perecer.
Portanto, o ensino deve obrigatoriamente incluir o reconhecimento de que a
sustentabilidade não é só um sonho de quem aqui está, mas uma necessidade para
garantir oportunidade de vida para ‘nossas’ futuras gerações.
O quinto saber é enfrentar as incertezas. Se as ciências permitem que tenhamos hoje
muitas certezas, ainda perduram as zonas de incerteza. Os teoremas estão quase todos
resolvidos. Mesmo assim, insiste-se em submeter os alunos ao suplício de resolvê-los,
assim como às equações e logaritmos. Ainda existe preocupação com a memorização
das fórmulas químicas e com a classificação sintática das palavras e das expressões na
frase. Será que isso contribui, efetivamente, para tornar o educando um ser mais crítico,
consciente e, a final, mais feliz? Se a vida oferece mais imprevistos do que o previsível,
a Universidade deve, ao contrário de repetir o conhecimento já mastigado e
sedimentado, fornecer ao alunado as estratégias hábeis ao enfrentamento do que é
incerto, do inesperado.
O sexto saber é o ensino da compreensão. Embora sendo meio e fim da comunicação
humana, a compreensão é ignorada pela educação convencional. Sem compreensão não
haverá espaço para a verdadeira democracia, nem para a edificação de uma sociedade
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mais justa. À compreensão só se chegará se houver conhecimento mais preciso do que é
a incompreensão. Mergulhando no estudo das causas e raízes da incompreensão
humana, saber-se-á imunizar o homem contra o preconceito, o racismo, a xenofobia, o
desprezo, a indiferença, a insensibilidade. Haverá, com isso, condições mais propícias
para o reconhecimento do outro, de seu espaço e de seus direitos, um dos dramas da
vida democrática.
O último dos saberes é o mais importante para estas reflexões, pois incide sobre a ética
do gênero humano. A educação ética é a alternativa mais eficaz para tornar cada
indivíduo um zeloso controlador da vida democrática. Cada homem é, simultaneamente,
indivíduo, cidadão e parcela da espécie. A tríplice realidade impõe um desenvolvimento
também complexo. O desenvolvimento verdadeiramente humano precisa abranger o
crescimento em plenitude e conjunto das autonomias individuais, das participações
comunitárias e da consciência de pertença à espécie humana, a mais nobre dentre as
criadas.
Uma Universidade fundada sobre os quatro pilares e empenhada em desenvolver esses
novos saberes será um laboratório de vida democrática e uma usina produtora da
compreensão.
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2. Ética do Estudante do Direito
O estudante de Direito optou por uma carreira cujo núcleo é trabalhar com o certo e com
o errado. Ele tem responsabilidade mais intensificada.
Na Faculdade de Direito ele desenvolverá essa formação ética inicial e, depois de cinco
anos, queira-se ou não, estará ele entregue a um mercado de trabalho com normativa
ética bem definida. Os advogados têm Código de Ética; juízes e promotores também.
Os Tribunais de Ética da OAB vêm enfrentando inúmeras denúncias de pessoas
prejudicadas por seus advogados. Avolumam-se as queixas, multiplicam-se as
apurações. Tudo isso por não haver a Escola de Direito, até bem pouco tempo e com as
honrosas exceções de sempre, se preocupado seriamente com a formação ética dos
futuros profissionais.
Vivemos um tempo em que as sociedades criminosas destinam parcela considerável de
seu dinheiro para formar profissionais voltados à sua tutela jurídica e, portanto,
operadores destinados a atuar pró-criminalidade. Só o estudo aprofundado e a meditação
consequente sobre a ética profissional poderá fazer frente a essa situação nova.
Ainda é tempo, embora se faça a cada dia mais urgente, de propiciar uma reflexão
crítica sobre a ética e de envolver a juventude nesse projeto digno de reconstrução da
credibilidade no Direito e na Justiça.
A inclusão da disciplina Ética Geral e Profissional no currículo das Faculdades de
Direito surgiu do reconhecimento de que os patamares de legitimidade das carreiras
jurídicas, em virtude das denúncias disseminadas e ampliadas pela mídia, chegaram a
níveis ameaçadores.
O momento, agora, é o da reversão. Para isso, a juventude também há de ser
conclamada e as lideranças acadêmicas precisam se conscientizar de que mais
importante do que promover as tradicionais e pouco criativas Semanas Jurídicas, delas
se reclama um investimento na formação de um profissional ético, em quem se possa
confiar. Projeto que, se não começou antes, é inadiável tenha início na Faculdade de
Direito.
As Faculdades de Direito de antigamente eram reflexos da solenidade que imperava na
atuação judicial. Os alunos frequentavam aulas de paletó e gravata e se portavam como
futuros aplicadores do direito. A multiplicação das Escolas, com a consequente
ampliação das turmas, as transformações da sociedade, gerou um fenômeno visual na
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maior parte das Faculdades. Hoje não se distingue o estudante do Direito do estudante
de Educação Física.
Um pouco mais de adequação no trajar e nos modos como se apresentam os alunos não
causaria malefício à educação jurídica. Até os treinos para a futura atuação restam
prejudicados quando se faz uma simulação de julgamento e o aluno escolhido para
representar o juiz se apresenta de bermuda e com camiseta cavada.
Hoje, com a necessidade de um treino efetivo da futura profissão, substituindo-se as
desnecessárias simulações por uma prestação de justiça real, não meramente virtual, o
traje é mais importante ainda. O público que trouxer seus problemas à resolução pelo
atendimento social da faculdade de Direito se sentirá mais seguro se estiver diante de
alguém que, no mínimo, se vista adequadamente.
Todavia, mais importante do que a forma é o conteúdo. É preciso conscientizar o aluno
de Direito de que o curso não só o transformará em um profissional aplicador da lei,
mas, acima disso, o transformará com pessoa, propiciando a oportunidade de se tornar
cada dia um pouco menos imperfeito, um pouco mais justo. É preciso resgatar o que é
mais valioso para o indivíduo enquanto ser social e para a própria sociedade. Essa é uma
proposta individual que depende apenas de cada consciência.
Ao se propor a estudar Direito, o estudante assume um compromisso: o de realmente
estudar. Isso parece óbvio e realmente o é. Quem conhece o aluno do bacharelado
jurídico sabe que as obviedades precisam ser enfrentadas. Exemplo disso é que continua
a existir o uso da cola ou de outros artifícios para obtenção de graus favoráveis nas
avaliações periódicas. Cresce a praxe da contratação de profissionais ou equipes para a
confecção de trabalhos científicos ou da monografia, hoje necessária à obtenção do grau
de bacharel em Direito. É preciso se desvencilhar do equívoco sobre a formação como
produto de prateleira e fomentar a aderência à bandeira da formação ética e com
propósitos morais.
Outra constatação negativa é a de que grande parte dos universitários é atraída para o
estudo do Direito por fatores que não incluem a perseguição da justiça, a defesa dos
valores que mais interessam à sociedade e a sua própria formação como pessoa. Iniciam
carreira jurídica com fins exclusivamente econômicos. Para estes, parece enfadonho o
estudo das questões filosóficas do Direito. Esquecem-se de que toda construção sem
fundações sólidas é só tijolo amontoado, que pode ruir facilmente com os ventos do
mercado, também corroído pela ferrugem da imoralidade. É claro que é importante o
conhecimento do dado, exigência das provas de concursos, que priorizam a ‘decoreba
das leis’. Mas isso não é ensino, é adestramento. No Direito, o dado sem o construído é
só um amontoado de textos legais que o aluno pode decorar mesmo em casa, sem o
esforço e o investimento demandados pela vida universitária.
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Como visto, muitos são os dilemas éticos que enfrenta o discente da área jurídica.
Terminado o curso, vem a angústia de quem não sabe exatamente o que fazer com o
diploma: "__ Sou bacharel em direito! E daí?". Haverá dia, não muito longínquo, no
Brasil, em que será necessário procurar quem não é bacharel em Direito.
E depois, será longo e árduo o caminho até à redenção profissional. O caminho para o
jovem advogado é árduo. Se não tiver uma família já respeitada na área e que o
encaminhe, a trilha até o êxito profissional dependerá de enorme esforço e de
redobrados sacrifícios. Muitos só encontram espaço para servir como qualificados office
boys de advogados já consagrados na carreira.
Então, o que deve nortear a vida acadêmica do aluno de Direito? O primeiro dever do
estudante de direito é manter-se lúcido e consciente de sua individualidade e de sua
condição gregária. Indagar-se sobre o seu papel no mundo, a missão que lhe foi
confiada e que depende, exclusivamente, de sua vontade. Atingido o discernimento, o
estudo contínuo, sério e aprofundado será consequência natural. A pessoa lúcida sabe
que ela pode, no seu universo, por menor e insignificante que lhe pareça, transformar o
mundo.
Saberá reclamar um padrão de qualidade à sua escola, desde os aspectos físicos à
excelência do ensino, aí incluídas as virtudes do corpo docente, direção e
funcionalismo. A maior parte dos que se dedicam ao ensino é formada de pessoas bemintencionadas. Estimuladas por um alunado entusiasta, reagirá para converter a
Faculdade de Direito em usina de criatividade, concretizando a reforma do ensino
jurídico hoje delineada.
Como na parábola dos talentos, a quem mais é dado, mais é pedido. O universitário tem
um débito para com a comunidade e a forma adequada de começar a saldá-lo é procurar
extrair proveito máximo de sua permanência na Faculdade. Estudando e exigindo ensino
adequado, pois alguém está pagando para recebê-lo e alguém está sendo pago para
ministrá-lo. Deve ainda haver empenho na pesquisa, parte indissociável do processo
educativo; e participação na extensão, que é forma de abertura da Universidade à
comunidade.
Muito pode ser feito pelo universitário de Direito para melhorar a situação dos seus
semelhantes. Basta, para isso, acionar a sua vontade. Assim, os mutirões jurídicos para
resolver problemas de documentação das pessoas necessitadas, o atendimento para a
resolução de dúvidas jurídicas, as cruzadas da cidadania para alertar a população quanto
a seus direitos e outras boas ações.
O trabalho voluntário do estudante de Direito poderá resgatar muitos semelhantes de
situação de marginalidade. Os Diretórios Acadêmicos poderão se encarregar de prover
os excluídos de documentação civil e profissional, auxiliando-os a obter certidões dos
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assentos indispensáveis - nascimento e casamento -, regularizando as situações
conjugais, encaminhando-os ao mercado de trabalho.
Um trabalho de conscientização da juventude para os problemas da droga e da
delinquência poderia ser realizado pelos universitários. Afinal, parece que a
dependência vai conquistando a juventude e cada dia mais cedo. A infração praticada,
por menor que seja, reforça negativamente nas estatísticas de criminalidade do País.
Os encarcerados precisam também de assistência jurídica plena. Não apenas assistência
judiciária. Há situações pessoais dos presos que precisam ser resolvidas. Questões
familiares, de vizinhança, de benefícios paralisados ou suspensos. Esse atendimento
poderia ser feito pelos acadêmicos.
O novo bacharel deve ser um agente transformador da realidade, imbuído do
compromisso de aperfeiçoar o ordenamento.
Outro exercício recomendável é a participação na política acadêmica. A Faculdade é
formadora de líderes. Líderes precisam treinar os seus talentos de liderança, de maneira
a estarem preparados quando recorrerem a eles na vida profissional. O treino político
auxilia o enfrentamento da tensão dialética, sem a qual o direito não opera. Se existe
pretensão a uma ética na política, esse paradigma há de se iniciar na disputa
democrática dos cargos diretoriais, para que a política propriamente dita não perca a
qualidade.
Tudo isso pertine à ética. Um estudante desprovido de ética não será um bom
profissional. A prática da virtude não significa perder a alegria, renunciar ao prazer ou
aos jogos lúdicos de sua idade. Ser virtuoso não equivale a ser circunspecto, arredio,
azedo e mal-humorado, mas aperfeiçoar-se através do conhecimento e praticar o que se
conheceu na prática ética, visando o bem.
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3. Ética docente
A pedagogia é a ciência que tem por objeto a educação. Visa o processo de ensino e
aprendizagem de forma geral. Portanto, o pedagogo, em sua atuação profissional, aplica
seu esforço na formação de pessoas que no futuro serão profissionais de áreas distintas,
na grande variedade das ciências.
Quem é o professor do curso de Direito? Em regra trata-se de um aplicador do direito
que se lança no desafio de formar profissionais na mesma área. Sua especialidade não é
ensinar. Na verdade é um eterno aprendiz da Ciência que ensina!
Portanto, o primeiro foco ético do professor de Direito deve ser conscientizar-se de que,
na cátedra, ele não é juiz, nem promotor, nem advogado ou qualquer outro profissional
do direito. Ele é professor, é alguém cuja incumbência é formar um colega, é fazer com
que os quadros jurídicos de reposição sejam preparados com ciência e com ética.
O professor de Direito não é senão um estudante qualificado, mais experiente e
responsável pelo despertar de outros colegas para viver a paixão fascinante pelas
ciências jurídicas.
O que leva uma pessoa a aceitar uma função de professor de Direito? Por favor, pense
em qualquer coisa, menos na necessidade de sustentar-se e a sua família. A
remuneração não é atrativa. Às vezes é até indecorosa, mesmo naqueles
estabelecimentos integrados em grandes empresas educacionais, voltadas à exploração
de uma atividade lucrativa como outra qualquer no desenfreado capitalismo da pósmodernidade.
A sociedade brasileira vem adquirindo fisionomia singular, onde o valor reside na
aparência, no físico, no ter, no lazer e no entretenimento. Qualquer propagador de
cultura tradicional está excluído do processo do enriquecimento. Não se premia a
cultura e a erudição, mas o show e o circo. Portanto, dinheiro não é o que atrai um
professor de Direito.
O docente jurídico não deve ser motivado somente pelo salário. Já que em regra não é
pedagogo e não foi preparado para o ensino. Há que existir, ao menos, vocação e escoro
moral para tal opção. Falo daqueles professores que acreditam que o Direito é
instrumento de solução das controvérsias, de pacificação e harmonização comunitária e
de realização da democracia. Estes fazem do magistério um sacerdócio e nutrem a
esperança de se construir o futuro.
Notório que também existe a questão do prestígio, favorecedor do êxito em outras
atividades, nas quais o título de professor universitário ainda impressiona (não tanto
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como nos idos, mas ainda sobra alguma decência). Há ainda os que pretendem conviver
com a juventude, extraindo dela um pouco de ânimo para vencer os embates
existenciais. Ou os que nisso enxergam oportunidade para atualizar os estudos, enfrentar
o desafio de se colocar diante da mocidade, de ouvir suas cobranças, sua sinceridade
cruel e até, muitas vezes, insolente.
Há um misto de tudo isso nos quadros do magistério superior jurídico brasileiro. Partese de uma constatação empírica e genérica, sem contemplar alguns casos episódicos e
extremados. Como o daqueles que, na cátedra, pretendem apenas criar uma clientela
fixa para a compra de suas apostilas ou livros. Ou de quem precise de um argumento
forte para estar fora de casa ao menos duas vezes por semana, convivendo com jovens
que se tornam companheiros - mais ainda, companheiras - de noitadas, de ‘chopadas’ e
de esticadas em barzinhos de convívio.
Porém, para aqueles que realmente se interessam pela sublime arte de ensinar, nada
paga a satisfação de ver olhos atentos e interessados, ávidos por conhecer. A alegria de
ver o conteúdo compreendido e criticado é impagável.
Também não se é professor compulsoriamente. O corpo docente da Faculdade de
Direito é integrado de profissionais competentes e pessoas idôneas em suas carreiras.
Embora o sistema esteja todo comprometido com a inércia, a reforma do ensino jurídico
pode partir de uma reforma da consciência do professor. Ele poderá transformar o
mundo se iniciar uma conversão de sua consciência, pondo-a a serviço da formação
integral do jovem jurista.
Note-se que o juiz é convidado a lecionar porque venceu o severo concurso de ingresso
e tornou-se expressão da soberania estatal. O mesmo vale para o integrante do
Ministério Público. Não se indaga sobre seus pendores didático-pedagógicos. A
exigência de uma formação para o magistério sempre foi encarada com resistência pelos
operadores jurídicos.
A questão é realmente polêmica. O sucesso na carreira já credencia o profissional como
vitorioso, apto a demonstrar com sua experiência que a opção do estudante está no reto
caminho e propicia êxito. Nem sempre, contudo, a proficiência na carreira se faz
acompanhar por capacidade de transmissão do conhecimento. Profissionais de
reconhecido prestígio podem ser professores medíocres. Outros há, privilegiados, que
acumulam as qualidades.
Quanto à formação docente para a área jurídica, não existe ainda no Brasil um processo
completo e real de capacitação do professor de Direito. A pós-graduação em sentido
estrito contribui para a elaboração de dissertações e teses relevantes. Pouco investe,
porém, na preparação de educadores. Favorece-se exclusivamente o estudo do Direito,
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sem se deter no ensino da didática, da pedagogia, da psicologia educacional e das
modernas técnicas de transmissão do conhecimento.
Contudo, não são muitos os professores preocupados com isso. Raros aqueles que se
propõem uma reciclagem ou um aprendizado de tais saberes, sem os quais grande parte
da cultura jurídica do docente deixa de chegar ao discente. Um pouco de técnica de
ensino auxiliaria notáveis juristas a um salto qualitativo no desempenho docente, com
reflexos favoráveis no processo formativo das novas gerações de estudantes do direito,
além de ganhos expressivos também em outras áreas de atuação profissional jurídica.
Exigências éticas também residem no compromisso de oferecer ao educando não
somente préstimos de ensino técnico, mas de orientação moral, pois não há verdadeiro
progresso se não houver progresso moral. Mais que um leitor de dispositivos de lei,
mais que um compilador de jurisprudência ou proficiente assimilador da doutrina, o
mundo precisa de um jurista eticamente engajado num projeto de restauração da
credibilidade moral da Justiça e da profissão jurídica.
Ainda é tempo de o professor resgatar as qualidades de uma carreira que já teve
concretamente reconhecida a sua nobreza na hierarquia das profissões liberais. Basta
aceitar que sua missão envolve mais do que ensinar direito. Do autêntico mestre se
aguarda transmita lições e prática do respeito, da moral, da amizade, da tolerância e da
compreensão.
Para desincumbir-se de um compromisso de tamanha abrangência, não basta conhecer
ética. Antes, é preciso acreditar na ética e viver eticamente.
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4. Ética e Carreiras Jurídicas
4.1 - A Profissão
O conceito de profissão, sob o aspecto moral, é uma atividade pessoal, desenvolvida de
maneira estável e honrada, a serviço dos outros e a benefício próprio, de conformidade
com a própria vocação e em atenção à dignidade da pessoa humana.
O exercício de uma profissão pressupõe a existência de uma organização social que
absorva ou entenda útil o resultado do esforço profissional. Não seria lógico se lançar
em atividade cuja produção não interesse à sociedade. Por esta razão, cada profissão
tem seus fundamentos na consecução da finalidade social, portanto no bem comum. E
bem comum é o conjunto de condições da vida social que consintam e favoreçam o
desenvolvimento integral da personalidade humana.
Mas então seria correto dizer que eu não trabalho só para minha realização pessoal?
Exatamente! O impulso natural ao trabalho, ao labor, é característica da natureza de
cooperação do homem enquanto ser gregário. Mesmo para o egoísta, seria
intelectualmente improdutivo se negar a esta verdade, pois qualquer atividade
profissional sua acabará preenchendo a necessidade ou o interesse do próximo, portanto
da coletividade.
O espírito de doação ao próximo, de solidariedade, é característica essencial à profissão.
O profissional que apenas considere a sua própria realização, o bem-estar pessoal e a
retribuição econômica por seu serviço, não é alguém vocacionado.
É verdade que nos dedicamos a uma profissão no intuito de desenvolvimento pessoal.
Contudo, isso não anula a natureza colaborativa de meu labor, não apaga a função social
da profissão. Conjugam-se aí dois objetivos que se complementam: trabalha-se visando
o bem alheio (se não interessar ao outro, meu labor não será remunerado) e com o
intuito de atender à própria necessidade de subsistência.
Todavia, a profissão há de atender ao apelo vocacional. Vocação já indica
etimologicamente o chamado a que o vocacionado atende quando abraça uma atividade.
À vocação acorre-se conscientemente ou de forma inconsciente. Deve-se evitar o risco
da casualidade, que reduz a opção profissional a aspectos exteriores à vontade do
exercente.
De que depende a verdadeira vocação?
De fatores internos - personalidade, tendências, aptidões, temperamento, inclinação
natural - e de fatores externos - o mercado de trabalho, a valorização profissional, a
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possibilidade de boa remuneração. Os fatores internos hão de ser vistos como
potencialidade individual, objetivamente analisada pelo interessado. A consideração aos
fatores externos não pode ser a única a motivar a opção.
Após a escolha da profissão, a própria atividade condicionará o optante e lhe imporá
limites. Não nos esqueçamos de que a conduta do exercente será diuturnamente medida
pelos outros profissionais da área, pelos clientes e pela sociedade.
Quando não verdadeiramente vocacionado, o profissional se sentirá tolhido, massacrado
pelo fardo que a rotina do trabalho e as imposições da profissão podem representar no
dia a dia. Portar-se-á como ‘zumbi’ no dia a dia do trabalho, será escravo acorrentado da
rotina. E por certo infeliz.
Por isso a vocação há de constituir livre e consciente projeto de vida. A opção
profissional deverá resultar de um sadio exame de consciência moral, pois, ao adentrar
na senda escolhida, estar-se-á assumindo o compromisso de realizar tal projeto.
A profissão deve ser exercida de modo estável e honroso. Melhor ainda se for
prazeroso. Por se cuidar da concretização de um projeto de vida, em regra a profissão
perdura durante a existência toda. Nossa vida é muito curta. O tempo, ágil e implacável,
não deixa reservas para jogar com várias tentativas de acerto.
O exercício honroso da profissão é aquele indissociável de seu aspecto finalístico, ou
seja, leva em conta o anseio do cliente e da sociedade. Espera-se do professor que
ensine, do médico que se interesse e lute pela saúde do paciente, do enfermeiro que o
atenda bem. Do condutor, que dirija com segurança. Do pedreiro, que construa
adequada e solidamente. Do advogado, que resolva juridicamente as questões de direito
postas perante seu grau, que busque a justiça.
Nas aulas anteriores concluímos que o direito e a moral são inseparáveis. Não se pode,
portanto, admitir de quem optou pela função do direito, do reto, do correto, se porte
incorretamente no desempenho profissional ou haja em desatino com a consciência
moral. Infrações profissionais são erros graves, pois, antes de se caracterizar atentado às
relações com o cliente e com a categoria profissional, constituem traição do infrator ao
seu próprio projeto de vida. A um compromisso só por ele assumido e que não soube,
ou não quis, honrar.
O exercício profissional ainda deve ser de acordo com o conceito da dignidade humana.
As atividades laborais humanas não existem somente para movimentar a economia. Elas
são voltadas à realização integral das pessoas que laboram, concretizando suas
potencialidades até a plenitude possível.
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Ética e carreiras jurídicas
A ética é tema recorrente, relevante e permanente há muito tempo, em todas as
profissões. Disseminam-se códigos deontológicos para médicos, engenheiros, dentistas,
jornalistas, publicitários, dentre outros. Neste tempo de flagrante declínio moral, tornase ainda mais premente regular a conduta ética na entrega de serviços e nos
relacionamentos profissionais.
Em nossa profissão, em especial, essa importância se avulta, pois o profissional do
Direito, como vimos, examina o bem e o mal, o que é correto e o que é incorreto na
conduta do cidadão no mundo social. É, a um tempo, homem de estudo e homem
público, persuasivo e psicólogo, orador e escritor. Sua ação defensiva e sua conduta
incidem profundamente sobre o contexto social em que atua.
Na aplicação do Direito, a linha fronteiriça entre o moral e o jurídico é tênue. Não é
tarefa fácil delimitá-la. É nas ciências jurídicas que as normas dos deveres morais se
põem com toda a nitidez. Por isso há muito temos um código de regras éticas.
Deontologia Forense, Deontologia Jurídica ou Deontologia das Profissões Jurídicas, a
escolha do nome é menos relevante que seu significado e finalidade.
Cabe distinguir os princípios deontológicos de caráter universal (probidade,
desinteresse, decoro) e os que resultam vinculados a cada profissão jurídica em
particular: a independência e imparcialidade do juiz, a liberdade no exercício
profissional da advocacia, a promoção da justiça e a legalidade cujo desenvolvimento
corresponde ao Ministério Público etc.
As normas deontológicas não se confundem com as regras de costume, de educação e
de estilo. Estas são de cumprimento espontâneo. Pontualidade nas reuniões,
hospitalidade em visita profissional, telefonema ao colega em caso de sua ausência a
uma audiência, são regras de cordialidade, elegância, portanto desprovidas de conteúdo
impositivo. Caracterizam o profissional educado, polido. Faltar em relação a qualquer
delas não constitui verdadeira infração ética. O bom senso, a prudência, a discrição, a
retidão, a civilidade são coisas que não se podem ensinar com um elenco de preceitos.
Em tempos de consciência em letargia, torna-se primordial aprimorar a educação moral
no meio jurídico. Esta é a nossa bandeira.
Deontologia, já vimos, é a teoria dos deveres. Deontologia profissional se chama o
complexo de princípios e regras que disciplinam particulares comportamentos do
integrante de uma determinada profissão. Deontologia Jurídica é o conjunto das normas
éticas e comportamentais a serem observadas obrigatoriamente pelo profissional
jurídico.
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