O ROCEIRO NA CIDADE GRANDE: OS VENDEDORES DE MANDIOCA EM CARRINHO DE MÃO NAS RUAS DA METRÓPOLE PAULISTA Maria Creuza Gonçalves [email protected] Esta pesquisa visa investigar o trabalho dos migrantes mineiros vendedores de mandioca em carrinho de mão nas ruas da metrópole paulista. Os migrantes mineiros vendedores de mandioca em carrinho de mão, se diferenciam de outros vendedores de mandioca porta a porta nas ruas da metrópole devido sua forma de organização, distribuição e venda da mandioca de uma maneira bem peculiar: se estruturam em rede de parentesco, se alojam juntos em cômodos alugados sob a orientação de um líder e vendem a mandioca porta-a-porta empurrando um carrinho de mão só nos meses de estiagem do ano. No período das chuvas retornam para seu local de origem para plantar suas roças de subsistência. Os migrantes mineiros vendedores de mandioca em carrinho de mão nas ruas da metrópole paulista são arregimentados dentre seus parentes nos seus locais de origem e viajam para a metrópole paulista juntos em ônibus ‘alternativos’ que transportam migrantes do norte de Minas para trabalhar na venda de mandioca porta a porta nas ruas de São Paulo. Neste trabalho buscamos desvendar o conteúdo da forma de inserção desses mandioqueiros na metrópole por meio da solidariedade estruturada por relações de parentesco e suas contradições. Não foi nossa pretensão, entretanto, explicar nesta investigação as estruturas de parentesco em si mesmas. Limitamos nossa abordagem, ao que foi pertinente, a explicação das contradições dessa solidariedade estruturada por relações de parentesco na estruturação do trabalho informal e seu papel na subsunção do trabalho familiar à lógica da reprodução do capital e da reprodução da precariedade do trabalho. A idéia da pesquisa é investigar como os migrantes mineiros vendedores de mandioca em carrinho de mão porta a porta, se estruturam numa rede de parentesco consolidando uma verdadeira rede de intermediação de mão-de-obra de trabalhadores caipiras na metrópole paulista. O recorte cronológico da pesquisa é o ano de 1990. Acreditamos que os anos noventa do século passado é um marco das grandes mudanças ocorridas na dinâmica do mercado de trabalho paulista. Nos anos de 1990 a intensificação do Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 1 processo de globalização trouxe importantes transformações para o mercado de trabalho: a intensificação do processo de globalização colocou a demanda no mercado de trabalho formal na escala mundial e os trabalhadores pouco escolarizados foram os primeiros a serem alijados da competição no mercado de trabalho formal. A intensificação da técnica no trabalho no campo e na cidade encolheu os postos de trabalho e aumentou o desemprego. Desta feita principalmente os trabalhadores de baixa escolaridade passam a intensificar a busca de meios de subsistência no meio urbano através de atividades como autônomos. Os migrantes mineiros vendedores de mandioca em carrinho de mão porta a porta, são arregimentados dentre os seus parentes para dar continuidade a um trabalho de roça na cidade: lavar, descascar e tratar da mandioca. Ao arregimentar somente conterrâneos, parentes, migrantes mineiros da área rural para o trabalho de vendedores de mandioca porta a porta, os intermediadores do comercio de distribuição de mandioca na metrópole paulista reservam os postos de trabalho na venda de mandioca para migrantes mineiros sitiantes caipiras especialistas no manejo com mandioca e acostumados a andar muitos quilômetros dia a dia para se deslocarem no seu local de origem. Esses mandioqueiros na metrópole percorrem enormes distâncias para vender a mandioca na cidade e só retornam ao alojamento ao esvaziar o carrinho de mandioca. Acreditamos que, esses migrantes vendedores buscam na metrópole não somente a oportunidade de meios de subsistência para seus familiares que ficaram no local de origem, mas também saciar as novas demandas de consumo disseminadas pelos meios de comunicação de massa principalmente a moto principalmente entre os jovens. A moto nas rodagens ou trilhas de terra batida do local de origem dos mandioqueiros permite a aceleração no deslocamento local. Presenciamos na viagem que fizemos à Taiobeiras local de origem dos migrantes mineiros desta investigação, que até as pessoas idosas não se intimidam em sentar na garupa da moto para acelerar deslocamentos tanto da roça para a cidade quanto de Taiobeiras para as localidades próximas onde se ligam redes de serviços regionais:cartórios, locais de compra e venda de produtos agrícolas ou vestuário. A relevância desta investigação é contribuir nos estudos do trabalho na geografia. A importância do estudo do trabalho na geografia foi enunciada por Pierre George ao elucidar que o trabalho é o criador de paisagem: Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 2 Em escala secular ou pelo menos nos limites de tempo de uma geração, o trabalho cria uma paisagem. Em escala cotidiana, impõe o que se denominou um ‘estilo de vida’ que é ao mesmo tempo uma realidade geográfica, etnológica e sociológica. (George,1969,93) Ruy Moreira(2002) corobora o trabalho como um tema permanente da geografia e que todavia, é total a ausência de sua explicação conceitual e analítica no campo acadêmico geográfico. E enuncia então que é importante perguntar o que seria ou poderia ser uma geografia do trabalho, seu perfil, seus temas, suas mediações teóricas, suas tarefas. Que não se trata entretanto de criar mais uma geografia, mas de explicar o modo como mo tema do trabalho deve ser investigado, clarificando se a forma como as categorias básicas da geografia dão conta analítica do tema. Que uma pergunta a ser pensada e que atravessa a todos os campos acadêmicos na atualidade é a questão da continuidade da centralidade do trabalho. Que Pierre George é, sem dúvida, a fonte mais realçante na referência bibliográfica da geografia. Até onde pode ser visto, é o único que propõe e usa a geografia do trabalho como nome e tema de intervenção analítica do trabalho na geografia. Mas que a abordagem de Pierre George, trata, entretanto, mais de uma geografia do emprego e atividades de trabalho, que o que poderia tomar-se por uma geografia do trabalho. Nesse sentido Moreira ensaia algumas possíveis teses para ser pensada por uma geografia do trabalho: 1) Denomina-se geografia do trabalho ao estudo do trabalho geograficamente orientado. 2) Em sua expressão geográfica, o trabalho deve ser enfocado sob a forma de duplo nível de existência: o metabolismo homem-meio e a regulação sociedade-espaço. 3) A relação metabólica compreende o plano de abrangência mais ampla do processo geral da história, podendo ser resumida na fórmula oferecida por Marx, embora pensando na economia política: “O trabalho é antes de tudo um ato que se passa entre o homem e a natureza. O próprio homem representa nisso, diante da natureza, o papel de uma potência natural. A força de que seu corpo é dotado, braços e pernas, cabeça e mãos, colocam-na em movimento para utilizar matérias em forma útil à sua vida”. É um plano portanto de intercâmbio em que o homem faz-se a si mesmo ao Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 3 tempo que faz o meio, confundindo-se com o processo do que Marx designa hominização do homem pelo trabalho. O tom geográfico da hominização é dado por três categorias que intervêm como condição necessária, a (des)naturização, a (des)terreação e a (des)territorialização, que valem como categorias de análise e como escalas de espaço-tempo para uma geografia do trabalho. A hominização é o tema da geografia do trabalho nesse plano (numa aproximação com a sociologia do trabalho alemã, com sua teoria da sociedade do trabalho, igualmente inspirada em Marx). 4) A regulação sociedade-espaço é o plano de materialidade normativa daquela relação mais ampla, na micro quanto na macro escala dos grandes espaços, isto é, da empresa quanto da nação, significando uma relação que pode ser resumida na fórmula de Henri Lefebvre da reprodução das relações de produção, igualmente pensada para a economia política do espaço, desta vez referida ao movimento de constituição do espaço urbano. Nessa relação de reprodutibilidade, a sociedade é estruturalmente o que é a estrutura do seu espaço - na linha de Milton Santos em que “a sociedade produz-se ao produzir o seu espaço” e “o modo de produção da sociedade é o modo de produção do seu espaço” -, o espaço atuando como uma categoria por excelência da regulação, a regulação espacial da relação dos homens em sociedade. A regulação espacial das convivências é o tema da geografia do trabalho neste plano. 5) As categorias da (des)naturalização, da (des)terreação e da (des)territorialização casam a dimensão metabólica com a dimensão espacial - a relação ambiental e a relação espacial, para empregarmos uma nomenclatura sintética de valor taxionômico -, atuando como as mediações da dialética de migração polar que se dá entre seus dois planos, num movimento de troca de posições contínua que faz que no movimento da constituição histórica das sociedades a geografia do trabalho ora seja o metabolismo e ora a regulação espacial dessa relação metabólica. 6) O perfil, os temas, as mediações, as tarefas e as formas de envolvimento da geografia do trabalho referem-se a um campo de investigações temáticas que vão dos Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 4 problemas da humanização do homem no âmbito do metabolismo ambiental às formas espaciais de regulação nas sociedades organizadas. 7) Na sociedade do capitalismo avançado - a sociedade capitalista correspondente à época da segunda revolução industrial – o elo dessa ligação é a centralidade fabril, papel atribuído à fábrica de integração dos espaços pela dinâmica globalizante da mais valia relativa. 8) As categorias de base da geografia - paisagem, território e espaço -, são as categorias da mediação do trabalho (igualmente a qualquer outro tema), cabendo à teorização determinar o modus operandi de cada uma delas na perspectiva de uma geografia do trabalho. 9) A paisagem é a um só tempo uma categoria da descrição e da compreensão. Em outros termos: é a categoria que inicia e a que fecha o processo analítico do fenômeno do trabalho no sentido da dinâmica geográfica (do fenômeno geográfico como dinâmica do trabalho e do fenômeno do trabalho como dinâmica geográfica, dialeticamente falando) das sociedades na história. 10) O território e o espaço por sua vez são categorias de uso interligado no processo da análise. Sendo mais explícito: o território deve ser visto no âmbito do espaço, e o espaço como o âmbito no qual vai se mover o ato analítico do território. Isto significa dizer que os temas da geografia do trabalho (a exemplo da ação sindical, da camelotagem, do trabalho informal, do desemprego ou outro qualquer de veio mais tradicionalmente analisado pela sociologia do trabalho), devem ser apreendidos inicialmente na dimensão do território (sua localização e repartição territorial), esta territorialidade sendo em seguida apreendida em sua inserção contextual dentro da estrutura do espaço. O pressuposto é que o espaço é estrutura e o território é recorte de domínio dentro da estrutura espaço, conceitualmente falando, de modo que a categoria do território não pode ser usada sozinha (principalmente para temas do trabalho com a natureza dos exemplificados), sem seu necessário casamento com a categoria abarcante do espaço. É por aí que se chega à realidade concreta da sociedade. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 5 11) A representação cartográfica está assim implícita como um elemento necessário da análise. Duas advertências devem então ser feitas: 1) A representação cartográfica (uma condição necessária da geografia do trabalho, repita-se), fica garantida pela interligação das categorias paisagem-território (interligação implícita na idéia da paisagem como categoria da descrição e do território como categoria de apreensão locacional do domínio espacial do fenômeno enfocado); 2) Uma semiologia nova precisa ser criada para ter-se a cartografia apropriada aos fins de uma geografia do trabalho, de vez que a linguagem de representação cartográfica tradicionalmente utilizada é de alcance analítico e comunicativo mais que limitado. Extremamente úteis para este propósito recriativo são o conceito de espacialidade diferencial, de Yves Lacoste, e o conceito de tríade da particularidade, de George Lukács. Bibliografia ANTUNES, Ricardo. ”Qual a crise da sociedade do trabalho?”, ponencia presentada al II Congresso Latinoamericano de Sociologia Del trabajo. 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