A ÉTICA E A NATUREZA DA FELICIDADE Considerações sobre a FILOSOFIA ESPÍRITA Carlos Bernardo Loureiro INTRODUÇÃO Ernst Cassirer (da Yale University) em seu “na Essay on Man”, cuja primeira edição, em inglês, foi dada a lume em 1944, afirma que o homem está sempre propenso a considerar o pequeno horizonte que o cerca como o centro do mundo e a fazer, de sua vida particular e privada, o modelo do Universo; mas, precisa renunciar a esta vã pretensão, a esta mesquinha e provinciana maneira de pensar e de julgar. Michel de Montaigne (1533-1592), em seus “Ensaios”, que traduzem, segundo seus critérios, as volutas de uma escrita concêntrica, revelando lente e inexorável conquista de uma arte de viver, refere-se ao tema proposto acima, por Cassirer, no momento em que admite que o homem deveria avaliar as coisas, de acordo com seu verdadeiro valor e grandeza. O ilustre pensador francês estava possibilitando, destarte, o desenvolvimento subsequente da teoria moderna do homem. É provável que as concepções de Montaigne transcendam os limites dessa possibilidade e se projetem como um autêntico desafio. Na verdade, ao que se assiste, na modernidade, é que cada pensador oferece uma particular visão da natureza humana. Estabeleceuse, e o próprio Cassirer proclama, “uma completa anarquia de pensamento”. E completa: “que esse antagonismo de idéias não é apenas um grave problema teórico, mas uma ameaça eminente a toda a extensão de nossa vida ética e cultural, não padece dúvida”. A propósito, vale assinalar o pensamento filosófico de Max Scheler (1874-1928), discípulo de Husserl, em Die Stellung des Menschen in Kosmo, 1928; “Em nenhum outro período do conhecimento humano, o homem se tornou mais problemático para si mesmo do que em nossos dias... já não possuímos nenhuma idéia clara e coerente sobre o homem. A multiplicidade cada vez maior das ciências particulares que se ocupam do estudo do homem, antes confundiu e obscureceu do que elucidou nossa concepção a respeito”. Essa é a inusitada situação a que chegou a filosofia moderna. Ainda assim, a Psicologia, a Etnografia, a Antropologia e a História conseguiram reunir extraordinário número de fatos, ao lado de instrumento sofisticados de observação e de experimentação, tornando as análises mais consistentes e aprofundadas. Mas, não se pôde encontrar um método adequado e capaz de equacionar satisfatoriamente, o conhecimento da natureza humana. Isto quer dizer que a riqueza de fatos não implica necessariamente uma riqueza de pensamentos. Pretende-se encontrar o fio de Ariadne, que resgate a filosofia moderna desse labirinto em que ela própria se meteu. É justamente o que tentamos fazer no ensaio que se segue. A ÉTICA E A NATUREZA DA FELICIDADE Ocorreu a Aristóteles (Estagira, 384 – Cálcis, 322, a.C.) que, acima de todas as questões do mundo físico estavam as questões maiores: qual o supremo bem da vida? Que é a virtude? Como poderemos atingir a felicidade e a realização do nosso destino? “Aristóteles é realisticamente simples em sua ética”, assevera Will Durant. Ele se abstém de pregar ideais super-humanos e vazios conselhos de perfeição. Afirma George Santayana – “Em Aristóteles o conceito de natureza humana é perfeitamente equilibrado; todo ideal tem uma base natural e todo natural tem desenvolvimento ideal”. Aristóteles reconhece, em princípio, que o objetivo da vida não é o bem por si mesmo e, sim, a felicidade. “Pois nós colhemos a felicidade por si mesma e nunca tendo em vista algo além dela; amamos a honra, o prazer, a inteligência...por supormos meios de atingir a felicidade” (ética). Mas, ele compreende ser mero truísmo dizer que a felicidade é o bem supremo; que é preciso um conhecimento mais claro da natureza da felicidade e do meio de alcançá-la. Espera encontrar tal meio perguntando em que difere o Homem dos outros seres e presumindo jazer a belicosidade humana na plena manifestação dessa qualidade, especificamente atributo do ser humana. Ora, a excelência peculiar ao Homem é a faculdade de pensa; por ela excede e domina todas as outras formas de vida; e como desenvolvimento desta faculdade lhe deu a supremacia, deve-se supor que o desenvolvimento dessa qualidade lhe proporcionará a realização dos seu destino para o alcance da felicidade. A condição primordial da felicidade é a vida da razão – glória particular do Homem e seu poder. A virtude, ou antes a excelência (tradução mais adequada ao vocábulo grego Arete), depende do juízo lúcido, autodomínio, desejos em proporção com as simples possibilidades e meios; não é acessível ao homem simples nem Dom conferido à inocência; e sim uma realização da experiência no Homem plenamente desenvolvido. Mesmo assim, há um caminho para ela, um roteiro para a excelência, que atalha muitos desvios e tardanças; o caminho mediano, a áurea mediocridade. As qualidades de caráter podem ser dispostas em tríades, em cada uma das quais a primeira e a última qualidade serão extremos e vícios, e a do meio uma virtude ou excelência. Assim, entre a coragem; entre a avareza e a prodigalidade, a liberdade; entre a humildade e o orgulho, a modéstia; entre a indecisão de Hamlet e a impulsividade e o arrebatamento de Dom Quixote, o autodomínio. O justo na ética não difere do certo na matemática; significa – correto, adequado, o que melhor atua para a consecução do melhor resultado. A excelência é uma arte adquirida com o exercício e o hábito; nós não procedemos retamente por termos virtudes ou excelência, e sim temos virtude ou excelência por procedermos retamente; “estas virtudes formam-se no Homem com a prática dos seus atos” (ética); somos aquilo que fazemos repetidas vezes. A excelência não é, então, um ato e sim um hábito; “o bem do Homem consiste em fazer a alma esforçar-se no caminho da excelência toda a vida; ...pois como uma andorinha ou um belo dia não fazem a Primavera, também não é um dia ou um curto lapso de tempo que faz a felicidade” (ética). A juventude é a idade dos extremos: “se um jovem comete uma falta é sempre por excesso ou exagero”. A grande dificuldade dos jovens (e de muitas pessoas mais velhas) é escapar de um extremo sem cair no oposto. Pois de um extremo passa-se facilmente a outro, quer por “excesso de correção”, quer por outra causa: “a deslealdade resvala para excessivos protestos de dedicação e a humildade paira sobre o abismo da presunção” (ética). Os que se acham conscientemente num dos extremos dão o nome de virtude, não ao meio, mas ao extremo oposto. Algumas vezes é isto um bem, pois se temos consciência de estar errado num dos extremos, “aspiramos chegar ao outro lado e atingiremos assim a posição intermediária..., a exemplo do que os homens fazem para endireitar uma tábua torta” (ética). Mas, os que estão nos extremos sem disso se aperceberem, encaram o justo meio como o defeito maior; eles “empurram para o extremo oposto o homem da posição média; o bravo é chamado temerário pelo covarde, e chamado covarde pelo temerário” (ética). Comenta Will Durant, a propósito: “É óbvio ser esta doutrina da média a formulação de uma atitude característica que aparece em quase todos os sistemas filosóficos da Grécia. Platão tivera-a em mente ao chamar a virtude ação harmoniosa; e Sócrates, ao identificá-la com o saber. Os sete Sábios haviam firmado essa tradição gravando no Templo de Apolo, em Delfos, a divisa Meden Agan: Nada em excesso”. Com isso afirmou Niestzsche em “A Origem da Tragédia” – os gregos se esforçaram para refrear a sua própria violência e impulsividade. Mais verdadeiro, contudo, seria pensar que esse preceito refletia a certeza que possuía o grego quanto as paixões não serem defeitos por si mesmas e sim a matéria-prima tanto dos defeitos como das virtudes. “Mas o justo meio” – informa Aristóteles – “não encerra todo o segredo da felicidade. Devemos ter, também, em boa proporção, bens mundanos; a pobreza torna o Homem avarento, ao passo que a riqueza, libertando-o de toda a cobiça e de toda a necessidade, concede-lhe facilmente o meio de exercer a virtude. O mais nobre dos auxiliares externos da felicidade é a amizade. Ela é me verdade mais necessária aos felizes do que aos infelizes, pois a felicidade se multiplica sendo compartilhada por outros. É de maior monta que a justiça, pois quando os homens são amigos, torna-se desnecessária a justiça; mas, se são justos, a amizade é ainda uma bênção” (ética). Apesar de os bens materiais e amizade serem necessários à felicidade, a essência desta reside em nós, no saber profundo e na clareza do entender. A ética de Aristóteles é uma variação de sua Lógica: a vida ideal assemelha-se a um silogismo correto. Ele nos negou um manual das conveniências em vez de um estímulo ao aperfeiçoamento. Houve quem o rotulou de “moderado em excesso”. Por outro lado, Mattew Arnold, citado por Will Durant, consideravam a ética infalível. Durante trezentos anos este livro e a Política formaram o espírito dos estadistas ingleses, “talvez para grandes e nobres realizações, mas indubitavelmente para uma lenta e fria eficiência”. Aos sessenta e dois anos Aristóteles morreu, voluntariamente, bebendo o mesmo veneno que impuseram a Sócrates: cicuta. O HOMEM NA SUA VALIDADE UNIVERSAL E NORMATIVA O Humanismo nasceria com os gregos, em que se considerava o homem na sua validade universal normativa. Esse movimento encontraria os seus pródomos no contexto da filosofia pré-socrática, a partir de Tales de Mileto, a quem é atribuída esta enigmática expressão: Todas as coisas estão cheias de Deuses. Interpretada (mas não aceita) por Werner Jaeger (Paidéia, Die Formung des Griechischenmennschen”), com este sentido: “Tudo está cheio de misteriosas forças vivas... tudo tem uma alma.” E a reflexão sobre o Homem, naquele prístino período, fez escola, em que se destaca a figura impoluta de Heráclito de Éfeso, um dos mais notáveis filósofos pré-socráticos, cujas idéias iriam influenciar o próprio Hegel, na construção e na fundamentação de sua dialética. Para Heráclito, “tudo corre, nada pára... ninguém pode banhar-se duas vezes nas mesmas águas de um rio”. Essa teoria do dever universal, se desdobra nesta sentença de profundo significado antecipando-se, no tempo e no espaço, à ética cristã, sustentáculo da ética espírita: “Se a felicidade consistisse nos prazeres do corpo, deveríamos proclamar felizes os bois, quando encontram ervilhas para comer.” Ou esta outra que parece Ter inspirado o “conhece-te a ti mesmo”, exortação inscrita no frontispício do templo de Apolo: “Eu me procuro a mim próprio.” Mais tarde, surgiria a figura não menos ilustre e sábia de Demócrito, cujas teorias tentam explicar o universo, os fenômenos e as próprias atividades espirituais pela combinação dos átomos. Alguns dos fragmentos das idéias esposadas por Heráclito encontram forte ressonância no íntimo da Filosofia de Demócrito, que, para muitos, seria o “pai do materialismo”, mas que, nesses fragmentos, demonstra, paradoxalmente, uma surpreendente visão espiritualista do ser na sua complexa mundividência terrena: “Escolher os bens da alma é escolher os bens divinos; contentar-se com os bens do corpo é contentar-se com os bens humanos.” “A felicidade não reside em rebanhos nem em ouro: a alma é a morada do daimon.” Esses filósofos pré-socráticos viriam delinear os fundamentos do patrimônio filosófico grego, embora não se descarte a possibilidade de uma remota e prisca influência de componentes filosóficos orientais. Entretanto, a filosofia helenista assumiria, mais tarde, maturidade própria, específica, inigualável, consubstanciando não exata e literalmente uma filosofia como fruto de um acordo original com o saber, mas o amor ou a procura amorosa da sabedoria. Esta não se resumiria, por sua vez, e simplesmente, no conhecimento teorético das essências, idéias, causas ou princípios das coisas, mas na vida de acordo, com esse conhecimento, pois só o acordo, ou a harmonia da vida teorética e da vida prática, poderia proporcionar a eudeimonia, quer dizer a felicidade, razão de ser da Filosofia. O terreno já estava preparado. Surgiriam, após, os grandes semeadores do pensamento grego que iria influenciar não somente as gerações de outros expressivos filósofos, mas o próprio evolver da cultura ocidental até os nossos dias. Desponta, então a figura de Platão. Considerado o continuador das idéias Socráticas, não apenas daria rumo certos e definidos à filosofia, mas oferecia as condições efetivas, pedagógicas e políticas que deveriam nortear a sua realização. Eis, em síntese, os pensamentos do gênio platônico: Rigor lógico e élan místico. É um espírito que teve uma infância piedosa e que não esquece jamais a criança que sobrevive no homem. Sob três aspectos ele reconhece élan de insatisfação que surge no indivíduo e o encaminha para alguma coisa que o supera, para o Ideal, para um além mais real que o universo sensível. Uma aspiração dominante: o BEM. Platão julgava captar, com a sua Teoria das Idéias, o sentimento e a essência da dialética socrática e tentava formular, claramente, as suas premissas teóricas. Esta teoria tem implícito um novo conceito de conhecimento, substancialmente diverso da percepção sensorial, e um novo conceito do Ser ou do Real, distinto do que tinham os antigos filósofos da natureza. Na elaboração de sua obra, desde a Apologia até o Górgias e deste até a República, Platão, teve necessariamente que se propor como plano ir levando o homem de degrau até a vigia mais alta donde poderia abarcar, enfim , todo o horizonte de sua filosofia. “Se olharmos em conjunto esta obra” – afirma W. Jaeger – “e dela subirmos até o seu início, iremos vê-la animada por uma idéia fundamental, exposta sob forma de diálogo, que consiste em fazer com que o leitor vá paulatinamente penetrando, cada vez mais, nas entranhas da Filosofia, e se dê conta do entrecruzamento dos diversos problemas entre si”. OS MITOS E A DIALÉTICA Para exprimir este além, Platão recorre aos mitos, onde sua imaginação é pródiga: recita imagens que explicam o mundo do devenir (futuro espiritual) pelas hipóteses veridicidas e as transporta às verdades intemporais, tentando respeitar as proporções que fazem a armadura do modelo ininteligível, em prolongamento ao raciocínio por um apelo ao sonho. Ele sente que são verdades que as imagens podem exprimir, para tentar sugerir o inexaurível. No sonho, quando o espírito rompe os freios das inibições que a razão lhe impõe e no homem aparece o selvagem e o animalesco em lugar do domesticado, descobre-se esta parte da natureza humana de que em geral nem o próprio homem tem consciência. “Platão é o pai da psicanálise” – sentencia W. Jaeger. E prossegue: “É o primeiro que desmascara a monstruosidade do complexo de Édipo, a volúpia de se unir sexualmente à própria mãe, como sendo parte do eu inconsciente, que ele traz para luz por meio da investigação das experiências dos sonhos; e apresenta ainda uma série de recalcados complexos de desejos análogo a este, que vão até o comércio sexual dos Deuses”. Platão tira, daí, a conclusão de que se deve estender a Paidéia a esta vida psíquica inconsciente, para opor um dique à ameaça de irrupção destes elementos subterrâneos no mundo harmônico das emoções e aspirações conscientes da alma. O método que prescreve para dominar as tendências negativas, baseia-se na psicologia das três partes da alma. Tem por fundamento uma relação sã e comedida entre o Homem e o seu Eu. Da descoberta platônica e das conexões existentes entre a vida dos sonhos e os atos do homem desperto (estado de vigília), teria Aristóteles ilações importantes para as suas investigações sobre os sonhos; mas, as investigações aristotélicas têm mais um caráter de ciências naturais, ao contrário daquelas de Platão, cuja psicologia do sonho se mantém vinculada ao problema da educação. Antes de adormecer, o homem deve estimular em a parte pensante do seu ser; deve servir-lhe uma ceia abundante de formosos pensamentos e reflexões, para que ela se concentre e entre em si. Do mesmo modo deve-se apaziguar a parte irascível da alma, para que o homem não vá dormir de ânimo excitado. A este propósito importa que se tenham presentes as formas fundamentais do movimento no thymos, que são a cólera e o entusiasmo. Por conseguinte, o sono deve começar a derramar-se pelas duas partes inferiores da alma, deixando-a ficar livre até o último instante, de modo a que os últimos efeitos da sua ação apaziguadora continuem a se fazer sentir nas zonas psíquicas inquietas, durante o período de completa inibição da consciência, esta pedagogia do sono teve grande influência nos últimos tempos da Antigüidade. Entre o neopitagóricos, por exemplo, foi ligada ao labor diário da perscrutação da consciência. A DIALÉTICA ESPÍRITA Tudo quando existe, do átomo ao homem, segue uma trajetória que se perde no infinito, observada tanto no passado como no porvir. Essa trajetória, porém, tem uma linha progressiva ascendente. Isso quer dizer, de conformidade com a dialética espírita, que todas as coisas e seres estão em constante transformação, que não ocupam um determinado e prefixado lugar, que marcham para estados melhores, estados que conquistarão no tempo e no espaço. Basta observar-se as pronunciadas diferenças que a História registra, no que se refere às plantas, aos animais e aos homens para que se deduza rapidamente que as formas se vão sutilizando, perdendo a casca e a rudeza primitivas, idealizando-se e seguindo sempre para um fim superior que as orienta nesse processo formidável e eterno! Os Espíritos, encarnados ou não, marcham, também, para a conquista de planos cada vez melhores e, pela Lei Suprema, lutam constantemente para desenvolverem os germes divinos que aninham em sua essência imortal. Conclui-se, daí, que a lei de causa e efeito aplicada ao progresso, não é fatalista e nada tem que ver com “olho por olho, dente por dente”, predicado no passado bíblico. É claro, é evidente que os seres trazem sua herança espiritual e que pesa sobre eles um determinismo. Mas, também, é certo que seres voltam para tomar formas, a fim de poderem conquistar novos planos, num batalhar tremendo contra a ignorância, contra a dor e contra todas as negações de misérias físicas e moral. Se as cadeias aqui estão atadas às ações e reações se compusessem de argolas exatamente iguais, constituídas de material grosseiro e rude, o processo de evolução de energia estimuladora e progressiva. Se tivéssemos que ser vítimas que fizemos em nosso passado é palingenésico, a Lei de Causalidade teria que criar novos verdugos para o nosso castigo. Esses verdugos, por sua vez, em futuro não muito remeto, teriam que ser vítimas de outros verdugo...e assim por todo sempre! Tal encadeamento, porém, não condiz com a lógica e, o que é mais grave, não se ajusta à lei do progresso. Não é absolutamente necessário que o ato do Espírito origine outro ato análogo, nem que cada situação social do passado exija condição oposta. É ridículo, absurdo e sem mais elementar raciocínio, pensar-se que os pobres de hoje são os ricos de ontem, que o ignorante é o sábio de outrora, que o feio antes foi belo e que o inválido fez abusivo emprego de sua força física. A evolução, ao contrário, faz com que cada ato repercuta especialmente no foro íntimo de cada criatura, na consciência do indivíduo, onde se escreve, indelevelmente, a Lei Divina. Quando o homem começa a compreender essa realidade através da dor, filha direta da ignorância, abre-se a seus passos dialeticamente, o caminho da sabedoria. E enquanto começa o despertar de sua consciência, compreende que aquilo que realizou e fez no passado, que tudo quanto serviu, para prejudicar seus semelhantes, pode-se transformar pelo Amor e pela Virtude; principia, assim, o seu peregrinar pelas estradas da libertação. Constituir-se-á, então, o homem em paladino das causas nobres e justas; defende a cultura, estimula a vontade; trabalha e luta pelo melhoramento das condições de vida de seu próximo; repele os crimes; combate todas as formas de escravidão e edifica, dentro de si mesmo, uma personalidade criadora, ao lado de uma moral dinâmica. Seus pensamentos, destarte, despertaram para novas e cósmicas verdades! REFLEXÃO SOBRE O PROBLEMA DO SER Assim como aconteceu com o Espiritismo, o Darwinismo sofreu acerbada refutações dos teólogos que acusavam Charles Darwin de contrariar os sonhadores dispositivos bíblicos sobre a gênese humana, sempre defendidos com unhas e dentes, e com fogueiras e torturas. Kardec e Darwin afrontaram, com “O LIVRO DOS ESPÍRITOS” (1857) e “SOBRE AS ORIGENS DAS ESPÉCIES” (1859), respectivamente, os preconceitos e a própria ciência da época. Às teorias darwinianas, relativamente à evolução dos seres vivos, de modo especial o homem, falta-lhe o princípio espiritual, senhor e soberano dos elos perdidos. O processo evolutivo das espécies e do homem na face da Terra não é, como se pensa (e se prega) aleatório, quer dizer, não fica ao sabor do acaso. Há uma Ordem, um planejamento, sustentado em leis universais perfeitas e maravilhosamente definidas e direcionadas. Ademais, o “destino” não é cruel, como se acredita; cruéis são os resultados de atitudes cruéis do homem, atitudes que ferem, de frente, os ditames da Lei de Deus. Ninguém é graciosamente favorecido, nem por condições biológicas, nem, tampouco, sociais. Não se é criado em palácios e favelas por simples fatalismo. E o ser humano (se apregoa insensatamente) não é produto do jogo fortuito de reações específicas aos acasos da existência, na base da herança genética combinada com as influências do meio. A vida não é uma dialética moral entre o Eu e que Ortega Y Gasset denominava “minha circunstâncias”. A vida é mais do que sonha a vã filosofia dos fisiologistas. E se desiguais são os homens, as famílias, os povos, as raças, todos são porque assim determina as aptidões e os caracteres morais e intelectuais, cultivadas e identificadas através de vidas sucessivas. Das desigualdades não nascem tão somente as injuções que levam ao domínio e ao poder, ou à miséria e a escravidão; das desigualdades nascem a competitividade, a expectação diante da vida, a íntima e anímica aspiração de se ascender levando o homem a negar o “sentido trágico da existência”, segundo as concepções de ilustre fisiólogo francês do século XVIII (Bichat). Quando simploriamente definiu a vida como um conjunto de funções que resistem à morte, mas a ela capitulam, inevitavelmente, o que inspiraria, neste particular, Martin Heidegger, para quem o homem é um ser para-a-morte. Na verdade, o ser sobre a Terra, a velha Terra de tantas e tremendas hecatombes morais, gira em torno do que os gregos chamavam, inspiradoramente, de pleosnescia: mais poder, maior número de bens, maiores prazeres. E o homem cai no que os próprios escolásticos chamaram de “concuspiscentia inordatia” que se divide “apetitus irascibilis” (exaltado por Nietzche). Mas, e negando o filósofo do “Ser e o Tempo”, no final da batalha sairemos vencedores, derrotando a morte e as paixões... O homem deve libertar-se das influências materiais hereditárias, familiares e raciais, que traz em suas origens orgânicas, a fim de se empenhar inteiramente na aventura espiritual em que se põe em jogo o destino do mundo”, E finaliza: “Todo o processo real se deve processar no plano do espírito. E por um constante esforço de penetração e de amplificação interior que o homem cumpre o seu destino e participa, ao mesmo tempo, da obra universal... A moral da necessidade e do interesse pessoal que se alimenta nas mesmas fontes da atividade animal é incapaz de satisfazer aquele que penetrou o sentido e o valor do trabalho humano. O homem deve labutar na obra coletiva, que o integra no desenvolvimento universal; e é numa entrega total de si mesmo e numa obrigação sem reserva que deve esgotar a força, a confiança e alegria. Por seu turno, Lincoln Barnett, autor da obra “Einstein e o universo” após evidenciar as concepções revolucionárias da física relativista, mostra como o conhecimento científico é limitado pelo fato de o Espírito humano acabar por se descobrir a si mesmo no Universo que explora. A verdade é que na evolução do pensamento científico um fato se tornou infinitamente claro: não há mistérios do mundo físico que não conduza ao mistério de nós mesmos. Todas as grandes vias da inteligência, todos os resumos da teoria e das conjunturas conduzem finalmente a um abismo que a natureza não pode franquear. Porque o homem está preso ao seu ser pela sua finalidade e ligado à natureza. Quanto mais alarga os horizontes, mais reconhece que – no dizer do físico Niels Bohr – “somos ao mesmo tempo espectadores e autores no drama monumental da existência “. Ou como bem disse Benedetto Croce: “O espelho d’água que reflete a paisagem faz parte da paisagem”. Entre os progressos da física e da biologia, as investigações parapsicológicas dão importante contribuição a esta orientação espiritualista do pensamento contemporâneo, que se vai tirando do conhecimento científico em elevado ideal moral e social. O CARÁTER EVOLUCIONISTA DA FILOSOFIA ESPÍRITA Segundo Dante Morando (in: “Pedagogia”), citado pelo educador espírita Ney Lobo (in: “Filosofia Espírita da Educação”, Vol. 1 pág. 50, Ed. FEB), “uma filosofia que em última análise, não serve para o melhoramento do homem, é não só inútil e abstrata, senão falsa”. Acrescenta, à concepção o pedagogo espanhol, que a filosofia objetiva dá às pessoas a noção dos fins últimos das coisas, não apenas para torná-las sábia, mas sobretudo para fazê-la melhor. O Professor Herculano Pires vai até mais longe, afirmando que o Espiritismo, mediante a sua filosofia, promove a “renovação integral do homem, não apenas do homem na sua expressão individual e transitória, mas na sua permanente expressão coletiva” (in: Introdução a obra “Dialética e Metapsíquica” de Humberto Mariotti. Na verdade, a filosofia espírita é essencialmente revolucionária, transformista por excelência, uma autêntica filosofia da ação. Uma filosofia, sem embargo, evolutiva, que aclama por seu desenvolvimento e adaptação aos novos tempos. Deve-se observar, contudo, que tal filosofia nada tem de utópico, contemplativo ou sonhador. Prática por excelência, ela é a filosofia da INQUIETAÇÃO que nos incita à eterna conquista do melhor; da LUTA, que esteia no trabalho consciente e nos impede a construir; do DINAMISMO, que, por sua vez, impede-nos de estacionar, proíbe-nos o descanso improdutivo e o devaneio estéril. André Moreil (“La Vies es l’Oeuvre d’Allan Kardec”, Editions Sperar, Paris – 1961 – “A Vida e Obra de Allan Kardec”, Editora Edicel, 1966, pág. 130), faz a seguinte pergunta, após tecer algumas considerações sobre a Filosofia Espírita: “É possível classificar esta filosofia entre as doutrinas.................. “Sabemos que, para Platão, o nosso mundo é a cópia do mundo invisível das idéias puras. Este confronto entre a perfeição e o mundo sublunar é idêntico nas duas filosofias (a espírita e a platônica); mas é tudo; aí termina a semelhança. Com efeito, as idéias platônicas não tem individualmente; na medida em que são gerais e que fecundam casos particulares são essenciais. (...)Ao contrário, os Espíritos são as almas dos seres que já tiveram existência própria. Além disso, conserva a sua individualidade. Compreende-se, então, porque o idealismo espírita não é, realmente, um idealismo próprio, ou melhor, a sua vida particular. (...) Entre os dois mundos, existe penetração efetiva e não relação...platônica. Em outras palavras, o mundo puro dos Espíritos não está separado do mundo corporal e visível. Não há, pois, dicotomia, nem ruptura ou fosso intransponível. (...)Para o Espiritismo, o mundo do Espírito é, portanto, um só: o visível é a sua face encarnada, o invisível o reverso desencarnado.” (...) Enquanto isso, Humberto Mariotti lembra que a Filosofia Espírita é revolucionista, porque admite a transformação nos aspectos essenciais do Se, encarnado a ligação existente entre todas as coisas. Mas, como realiza o Espiritismo essa ligação? Realiza-se ao demonstrar a união que existe entre três reinos da Natureza, pois sabemos que, no visível, o Ser essencial parte do mineral, que depois se instala no vegetal e, ao desempenhar o processo necessário, a Essência passa ao reino animal e deste ao hominal. Daí deverá passar ao espiritual. Eis aí o caráter dialético do Espiritismo. O Espiritismo Dialético é obra do pensador argentino Manuel S. Porteiro. A sua concepção dinâmica dos seres e das coisas permitiu-lhe entrever que tudo se acha em movimento e em permanente transformação. Afastou-se desse Espiritismo narrativo de fatos repetidos e compreendeu como Kardec que, em vez de fenômeno, devia utilizar, antologicamente falando, o fenômeno da mediunidade. Verificou que o Espiritismo é uma ciência espiritual que determina uma ciência social. Quer dizer: compreendeu que o Espiritismo, além de ser um fenômeno científico, é uma nova interpretação do homem e seu destino e ético relacionado com processo social e histórico da Humanidade. À semelhança de Kardec, M. S. Porteiro pensou no homem como Espírito que encarna e desencarna e se instala na Sociedade para transformar através de seu progresso e evolução, compreendendo igualmente que o espiritismo extrai o Espírito do fundo dos seres e das coisas, como viva realidade que, mediante a sua evolução paligenésica, movimenta a História, dando ao processo verdadeira intencionalidade teológica. O autor de “Espiritismo Dialético” viu que as coisas estão ligadas entre si por lei de causalidade e que nada ocorre na Sociedade e na Natureza sem determinação por número espiritual. Advertindo assim que tudo está sujeito a movimento incessante e criador e que os próprios Espíritos encarnados agem ligados causalmente com os homens e demais seres e coisas. A sua concepção dialética encontra-se firmada, com precisão filosófica, na obra “Espiritismo Dialético”, editada em Buenos Aires, no dia 25 de agosto de 1936. “Neste livro – afirma Humberto Mariotti – “Porteiro coloca a Filosofia Espírita nos mais elevados planos ideológicos da cultura no mundo moderno, o que chamou a atenção de quem se arriscou a considerar o espiritismo “filosofia primária” baseada em larvas e cascões astrais e, na ordem sociológica, uma superstição de conseqüências patológicas”. E conclui o autor de “Parapsicologia Y Materialismo Histórico”: “Todos estes conceitos ruíram ante essa obra, infelizmente pouco conhecida”. Neste livro se põem em confronto o materialismo dialético e histórico e o espiritualismo espírita e palingenésico. Mas, as duas grandes realidades do Universo – Matéria e espírito, irreconciliáveis até pouco, harmonizam-se ali, considerando que os dois elementos se sintetizam, dando conhecimento integral do homem e da história. O processo das idades em sua fase histórica e espiritual é analisado pelo pensador argentino de acordo com a concepção Kardecista, para encontrar numa filosofia social criadora e humanista. Isto demonstra que o conteúdo da Doutrina Espírita está na própria essência da Natureza, razão porque o destino histórico não poderá ser desvirtuado pelos que ainda sentem preconceitos a respeito do Espiritismo. O pensamento dialético do Espiritismo não admite a imobilidade nem a estática na vida do Espírito e dos povos e considera que tudo está em movimento e em marcha para novos estádios morais e sociais. Para o Espiritismo Dialético, o homem é um ser que se transforma continuamente, ampliando a compreensão de tudo que o rodeia e elevando a consciência às mais puras esferas do Universo. “De grau em grau – afirma M. S. Porteiro – e sem nunca retroceder, o Espírito, encarnado e desencarnado através de incessante dialética palingenésica, avança para novas situações sem se deter definitivamente em ponto algum do progresso”. Dir-se-ia, porém, que o conceito dialético do Espiritismo é inovação doutrinária, o que é verdadeiro. O analista espírita utiliza-se do método dialético (não se deve esquecer que a dialética é apenas um método) para encarar os grandes temas do Espiritismo com a precisão exigida pelo Mundo Moderno. Entretanto, é necessário reconhecer que esse método está contido na Filosofia Espírita desde a publicação (em Paris) de “O Livro dos Espíritos”. Diria, a propósito o próprio M. S. Porteiro: Não é, como se poderia supor, uma inovação sistemático, fundamental, da Filosofia espírita: é a própria doutrina tratada dialeticamente à luz da ciência moderna e em concordância com os fenômenos da natureza e da vida e muito especialmente com os da psicologia e da história”. AS TESES E A FILOSOFIA DE GUSTAVE GELEY Em sua obra “Do Consciente ao Inconsciente”, Gustave Geley elabora uma crítica geral do conhecimento (e dos sistemas naturais), incursionando na área dos problemas maiores do Ser. Termina por estabelecer uma tese admirável sobre o espírito e a Existência. É um trabalho de cunho científico-filosófico que se inicia com uma crítica ao pensamento de Schopenhauer, que teve o mérito de estabelecer um adequado relacionamento entre a filosofia e os fatos, no momento em que reconhece “O Mundo como Vontade e Representação” (sua obra-prima), ao tempo em que faz uma arguta análise do pessimismo do notável pensador alemão. Sobre o indivíduo e a evolução, escreveu: “(...) só enfrentaremos o que é possível saber e compreender sobre o destino do mundo e sobre o destino individual (...)”. Geley tentava evitar “todas as vãs discussões especulativas, os sistemas contraditórios, onde têm naufragado, umas após outras, as mais preclaras inteligências (...)”. Eis em síntese, os dois princípios fundamentais da filosofia, firmando a obra supracitada: - O que há de essencial no Universo e no indivíduo é dinamopsiquismo único, a princípio inconsciente, mas tendo em si todas as potencialidades. As aparências diversas e inumeráveis das coisas são apenas as suas representações (idioplastia). - O dinamopsiquismo essência e criador passa, pela evolução, do inconsciente ao consciente. Adiante acrescenta: “No indivíduo, o ser aparente, submetido ao nascimento e à mote, limitados em suas capacidades, efêmero em sua duração, não é o ser real; não é senão uma representação ilusória, atenuada e fragmentária. O Ser real, aprendendo pouco a pouco a conhecer-se a si mesmo e a conhecer o Universo, é a centelha divina a caminho de realizar a sua divindade, infinita em suas potencialidades, criadora e eterna”. Finalmente, Humberto Mariotti, ao comentar o magnífico trabalho de raciocínio de Geley, lamenta: “O que nos parece estranho e incompreensível é a cultura filosófica continuar ignorando a teoria do dinamopsiquismo, exposta sobre bases experimentais por Gustave Geley, em seu livro “Do Inconsciente ao Consciente”. Esta obra, que deveria ser o fundamento da nova filosofia idealista, permanece quase esquecida ao lado do “Tratado de Metapsíquica” de Charles Richet”. A REPULSA AO ETERNO Humberto Mariotti fala, em sua obra já citada, no Homem Impotente, fruto da cultura filosófica, que não foi capaz, ao longo do tempo, de identificar no ser humano as suas origens pré-universais e preexistenciais. Pregou-se (e ainda vem se pregando) o “aparecimento” de um indivíduo, que teve origem nonada, ignorando-se que o ser é criado “simples e ignorante” que se encarna na realidade material objetivando o despertar de suas imanentes potencialidades espirituais. O “homem que morre”, extraordinária expressão de Mariotti, por sua efêmera, jamais poderia concretizar os ideais de infinitude do ser espiritual, eterno e sempre direcionado para o futuro. O “homem que morre” é aquele de que tratam as doutrinas materialistas, que escoriaram da face da Terra o ser eterno e responsável perante a sua consciência em face da lei natural. O “homem que morre” é justamente aquele que esgota, inexorável, na solidão tenebrosa do túmulo, sem quaisquer perspectiva de o ultrapassar e projetar-se na dimensão cósmica. Diria, a propósito Humberto Mariotti: “O homem finito, com seus afetos e aspirações, resultará em tragédia e fatalidade”. A repulsa ao eterno preconizada pelo niilismo seria, a nosso ver, o medo de o homem assumir pessoal responsabilidade diante dos ordenamentos da lei natural. É, diríamos, uma espécie de fuga, que lhe parece estratégica. Na verdade, terá ele de assumir as repercussões dos atos praticados (geralmente violadores da harmonia universal), compulsoriamente. Não se trata do olho por olho, mas de um processo em que se destacam a responsabilidade e o respeito ao direito de outrem. A lei, no caso, tem, realmente, um caráter pedagógico, levando o Espírito a concretizar-se de sua realidade ontológica, ainda que se situe em um plano considerado inferior (quando reencarnado) e em uma dimensão compatível com o seu estado moral (quando desencarnado). O idealismo filosófico de Geley não significa fuga da realidade; pelo contrário, significa compreensão do real como idealidade, o que eqüivale a dizer como realidade do Espírito. Temos, em primeiro plano, o idealismo psicológico ou “conscienciológico”, que consiste em dizer que a realidade é cognoscível se, e enquanto, se projeta no âmbito da consciência, revelando-a como momento ou conteúdo em nossa vida interior. É provavelmente nesse sentido eu se poderia interpretar o aforismo de George Berkeley (“Tretise Concerning the Principles of Human Knowledge”): ser é ser percebido. ENERGIA E CONSCIÊNCIA Para grande número de homens de ciência e de filósofos existe um laço entre a energia e a consciência. “A consciência” – afirma Kostyleff – “é uma parte da energia tal como se manifesta no mundo vivente, no homem”. Henri Berr diz que “a energia em si é, em menor grau, o que o Eu encontra em si mesmo: a tendência a existir, a existir o mais possível”. Esta profunda modificação das idéias atingiu, também, a Biologia: conhece-se a repercussão mundial da obra “O Homem e o seu Destino “, do biologista Pierre Leconte du Noüy, que vê na evolução qualquer coisa mais do simples jogo das forças físico-químicas e do acaso, isto é, a manifestação de uma idéia, de um Querer Supremo. Numa obra intitulada “O Dinamismo Ascensional”, outro biologista – Gustave Mercier – desenvolveu uma concepção Segunda a qual a Vida e o Espírito estão presentes no Universo, que a evolução faz progredir, elemento por elemento, do reino do determinismo ao reino da liberdade. Eis alguns pensamentos deste biologista-filósofo: “A criação está sempre em marcha, mesmo quantitativamente. O Universo desenvolveu-se em si mesmo pelo seu esforço, englobando os esforços e o trabalho de todas as partes individuais. Aquilo a que chamamos vida, deriva da organização que não tem limite inferior. O átomo é organizado, porque é vivo. Nenhuma cortina de ferro separa o mundo mineral do mundo orgânico”. E conclui: “A consciência marca o acesso a um estádio superior – o da Espiritualidade – que se define biologicamente como conquista do tempo e do espaço, um domínio próprio conducente ao domínio de grande parte do Universo e a libertação progressiva da servidão material”. Existe, efetivamente, identidade natural entre a energia e a espiritualidade humana e esta permite a progressão e a possessão, em consciência, dos planos que servem de base ao Universo. E arremata Gustave Mercier: “O Universo contêm em si próprio a sua razão suficiente e a sua justificação. É o mesmo que o homem que, doravante, constitui uma peça essencial e que, pelo desenvolvimento da espiritualidade, deve elevar-se à Fonte Suprema que acaba de enriquecer com seu esforço”. Enquanto isso, Albert Vandel, professor de zoologia na Faculdade de Ciências de Toulose, França, na sua obra “O Homem e a Evolução”, exprime nitidamente a idéia filosófica fundamental que tende a libertar-se da ciência contemporânea: “Se a evolução é, antes de mais nada, desenvolvimento do Espírito, emergência da consciência fora da matéria e do orgânico; se o pensamento é o modo superior do Ser, como a energia é a forma nobre da matéria, o sentido da vocação espiritual do homem não apresenta dúvidas.