Luft (2002, pgs. 46-51)

Propaganda
46
MODERNA
GRAMATICA
SINTAXE
BRASILEIRA
o SUJEITO
Sujeito - "ser de quem se diz alguma coisa", elemento com 0 qual concorda
o verbo: Eu trabalho. Tu descansas. Pedro e Paulo siio irmaos. 0 moleque apanhou uma surra. Tern por nucleo urn substantivo (nome, pronome ou palavra
substantivada). A classe que 0 manifesta e sempre urn sintagma substantivo (ou
sintagma nominal), mesmo que seja uma s6 palavra.
Pode ser:
• Simples, quando tern urn s6 nucleo substantive (nome ou pronome): Um
vento triste assobia leifora. Considera-se tambern simples 0 sujeito constituido de substantivos sinonimos que, coordenados, deixam 0 verbo no
singular. A fonologia, [onimica ou [onematica estuda os sons na sua funcionalidade.
• Composto, quando tern mais de urn nucleo substantivo (nome ou pronome), 0 que se reflete na concordancia do verbo. A saLiva e a seca prejudicaram a plantadio. Ele e eu saimos.
• Indeterminado, quando nao se exprime 0 agente, que no entanto existe na
ideia: Falam de novas demissbes. Extraviaram 0 livro. Ouviu-se gritar (=
alguem gritar) por socorro.
• (falta na NGB) Eliptico, ou oculto, quando suprimido por elipse, subentendido, recuperavel na des in en cia verbal ou no contexto: Leio poesia, escreves
cartas, enviamos [elicitacoes, chegaste cedo.
• Inexistente - nas oracoes sem sujeito ou impessoais: Chove, venta, troveja.
Faz calor. Houve alguns protestos.
Observacoes
a) Na linguagem coloquial, e na literaria antiga, aparece ainda a construcao
Diz que..., provavel reducao haplol6gica de diz-se que: Diz que ela anda por ai.
b) E rna tecnica gramatical considerar os pronomes indefinidos como sujeitos
indeterminados, confundindo sintaxe com sernantica. Em oracoes como
Alguem estava chamando e ninguem respondeu, os sujeitos sao alguern e
ninguem. Ja para os verbos grifados emfalam muito de ti e niio adianta reclamar, nao ha palavras que exercam a funcao de sujeito. A diferenca esta na
ocupacao/nao-ocupacao
da posicao 1 (sujeito):
alquern fala de til
,
2
3
• Emprego do verbo na 3.a pessoa do plural: dizem que ele vem; comentam que
ele niio volta mais.
• Emprego do verbo no infinitivo dito "impessoal": e [acil protestar; e preciso
manter a calma; reclamar niio adianta; ouvi chamar da rua.
falam}
de ti
{ falar
0
2
3
Nas oraciiessem sujeito, 0 enunciado se concentra no predicado, e este nao
atribuido a nenhum ser ou agente. E 0 caso dos verbos impessoais.
e
Oracao sem sujeito: a impessoalidade
A oracao e geralmente bimembre: uma parte nominal e outra verbal. A
primeira na funcao de sujeito, a segunda na de predicado. F6rmula:
0-+
Sujeito indeterminado/sujeito
inexistente
Nao confundir orafiio sem sujeito com oradio de sujeito indeterminado.
Naquela, nao existe sujeito: 0 predicado nao e atribuivel a nenhum agente;
nesta, ha urn sujeito (agente humano) que, por nao querer ou nao poder, nao
se declara.
A indeterrninacao do sujeito se pode fazer de duas maneiras:
47
Mas ha tambem oracoes sem
0
55 + 5V
primeiro constituinte. Oracoes unimembres:
0-+
5V
Toda a declaracao concentra-se na parte verbal, sem precisar apoiar-se num
nominal. 0 processo nao e atribuido a qualquer agente ou coisa que 0 valha:
Venta. Troveja. Chove. Ha perigo.
As oracoes bimembres sao pessoais. Urn dos traces de qualquer entidade
substantiva e a categoria gramatical de pessoa (Pes), que se aplica (por "concordancia") ao verbo: eu + Pes 1 + canta -+ eu + Pes 1 + canta + Pes 1 -+ eu
canto.
48
MODERNA
GRAMATICA
BRASILEIRA
Pois as oracoes unimembres nao tendo 0 constituinte substantivo (sujeito)
tampouco tern pessoa:
Sao as oracoes impessoais.
Fica 0 verbo na 3.a pessoa do singular - chove, havia principes - nao por
concordancia, mas porque essa e a forma basica do verbo, nao marcada, de
desinencia numero-pessoal zero.
Principais casos de impessoalidade
• Expressao de fenomenos meteorologicos:
chove, chuvisca, neblina, garoa, neva, geia (gear), orvalha, venta, troveja,
relampeja (e variantes) ... Indicacao de momentos do dia: clareia, (clarear),
auroresce, alvorece, amanhece, entardece, crepusculeja, escurece, anoitece ...
Observem-se os sufixos: -e(ar), -ej(ar), -ec(er), com 0 sentido de "ficar,
tornar-se", frequencia ou repeticao. Amanhece vale por fica manhii. Quer
dizer, esses verbos derivam de locucoes: fica claro -+ clareia.
As locucoes parecem ser, portanto, as formas originarias. Sua estrutura:
verbo de ligacao (ser, estar, ficar, parecer) + nome (substantivo, adjetivo,
adverbio):
e dia/noite, e (parece) primavera/outono, esta (fica) escuro/claro, e (parece)
cedo/tarde, esta frio/quente, esta calor, esta urn luar bonito, estava urn sol de
rachar ...
Com 0 verbo fazer: faz frio!calor, fazia sol/luar ("quer chova, quer faca
sol"), fazia uma linda noite, fazer-se dia/noite.
Verbo haver: havia sol/tum bonito) luar. Havia neve!geada ...
• Nas condicoes de tempo:
a) com 0 verbo ser: e dia/noite, e meio-dia/meia-noite;
e uma hora, sao
duas (tres ... dez ... vinte e quatro) horas (aqui a concordancia e por atracao,
com 0 predicativo horas); e cedo/tarde; (hoje) e primeiro de marco, sao 2 (3...
10... 31) de marco: concordancia com 0 predicativo dias, subentendido; tambern se usa: e 2 (3... 31) de mar~o = e dia 2,3 ...; com adverbiais (adverbios
ou sintagmas preposicionais): e cedo/tarde, era de manna/de noite, foi no
tempo dos reis, quando foi pela rnanhii ... Quando foi de sua renuncia ...
b) Com 0 verbo passar + de: passa da meia-noite, passa(va) das 8 horas.
c) Eventualmente com 0 verbo parecer (que, alias, implica ser: parece primavera, parecia noite; e outros verbos de ligacao (aspectos de ser): ficou
noite, foi ficando tarde.
SINTAXE
49
• Nas indicacoes de tempo sinalizadas por instrumentos (sinos, rel6gios,
cometas, etc.), com os verbos tanger, tocar, dar, bater (acidentalmente
impessoais, pois pod em ter sujeito - sino, rel6gio, etc.):
tange a vesperas (matinas ... ), tocou a recolher, ja tocou?, bateu meia-noite,
deu 8 horas.
No caso de bater e dar tam bern ocorre na lingua literaria flexao plural (os
rel6gios - ou 0 plural seguinte, por atracao): "Bateram quatro da manha"
(Fernandes, 1955). "Deram nove horas" (id., ibid.) ou "Deram as nove
(horas)".
"Deram tres quartos. Modernamente se prefere fazer este verbo impessoal
como haver e fazer: 'Ia deu dez horas' Ambas as construcoes, porern, sao
classicas," (Otoniel Mota, Licoes de Portugues, apud Fernandes, 1955.)
[a soar e pessoal: soam as dez (horas) da manhii +- as dez (horas) soam.
• Na indicacao de tempo decorrido, duracao, com os verbos haver e fazer.
ha/jaz dez anos (que) niio estuda, fazia vinte anos que se formara.
A sintaxe fazem vinte anos, haviam dez meses, com a pessoalizacao desses
verbos, e considerada de nivel baixo, vulgar.
Com 0 verbo ir + para ou em: vai para dez anos que ele partiu, vai em cinco
meses que ela voltou. "Vai em tres anos que niio vinhas visitar-me." (Aulete.)
• Em expressoes de existencia, acontecimento ou realizacao, com 0 verbo haver:
Ha pessoas de bern entre nos, houve alguns problemas, havera jogos, houve
(= ocorreram) acidentes, houve festas (= realizaram-se festas).
A sintaxe houveram festas (pluralizacao do verbo, em concordancia com 0
nominal substantivo seguinte) e havida como vulgar, baixa.
o verbo ser na expressao narrativa inicial era uma vez:
Era uma vez tres porquinhos ...
Trata-se de uma expressao estereotipada, embora de origem fosse pessoal
o verbo (ser = existir): Tres porquinhos + eram (existiam) + uma vez -+ Eram
uma vez tres porquinhos. A expressao no singular impessoal deve-se a inicios
como "era uma vez uma princesa (urn rei, urn principe, etc.)", hist6rias com
urn s6 her6i central.
Naturalmente, ocorre tam bern a forma regular pessoal: Eram uma vez tres
porquinhos ...
Tambem nas locucoes seja como for, seja como te aprouver e impessoal 0
verbo ser e significa "acontecer, suceder".
MODERNA
50
GRAMATICA
BRASILEIRA
SINTAXE
Verbo ir + bem/mal: "Cada um diz da feira como nela the vai" (proverbio).
Mal vai a quem [izer isso.
• Na indicacao de espaco e distancia, com os verbos ser e ir: Quanto e/vai
daqui ate a praia? Sao vinte quilometros (concordancia com 0 predicativo,
por atracao).
• Na expressao de sensacoes, com os verbos doer, comichar, co~ar, cheirar:
Onde the d6i? D6i-me nas costas. Ondelhe comicha/cocai Cheira bem aqui.
Cheira a churrasco aqui.
• Nas locucoes esta bem ou esta mal: esta bem, vamos adiante. Esta mal, assim
nao pode ser.
• 0 verbo dar (importar) na locucao pouco se the da de: Pouco se the (me, nos,
etc.) da das criticas.
• Os verbos bastar e chegar + de: Basta (ou chega) de reclamacoes.
Curiosa e a sintaxe do verbo tratar na expressao trata-se de, sempre em
referencia a afirrnacao anterior: Temos, na escola, um caso dificil. Trata-se da
matricula de excedentes.
E rna sintaxe pluralizar 0 verbo: Gosto de Fernando Pessoa e Jorge de Lima.
"Tratam-se de poetas de excecao. Emende-se: Trata-se de (...).
SABENDO UM POUCO MAIS
CAMACHO,
funcionais
Roberto
G.Aspectos
na atribuicao
e objeto. Campinas,
__
."Motiva~6es
lndeterminacao
GALVES, Charlotte.
de sujeito
Unicamp,
discursivas
1996.
da
do sujeito."
In: Anais do Primeiro
Simp6sio Nacional
LingOisticos.
Joao
de Estudos
Pessoa, 1:
188-209,1997.
CASTILHO, Ataliba
sujeito
de T. "A elipse do
no portuques culto falado
em Sao Paulo." In: Estudos
LingOfsticos 14: 32-40, 1987.
"T6picos
pro nome e concordancias
e sujeitos,
em
portuques." In: Caderno de
Estudos llnqiiistlcos. Campinas, 34:
19- 32, 1998.
MATOS, Gabriela
A. & DUARTE, lnes S.
"Cllticos e sujeito oculto em
portuques.Tn: Boletim de Filologia
29: 479-538, 1984.
NEVES, Maria
de M. "Expressao
elipse do pronome
sujeito
e
em
portuques." In. Estudos LingOfsticos.
Sao Paulo, 24: 523-28, 1995.
51
A flexao dos auxiliares de oraciio impessoal
Os verbos auxiliares portam a desinencia numero-pessoal dos respectivos
verb os principais. Se estes forem impessoais, e obvio que aqueles devem ficar
na 3.a pessoa do singular (isto e, nao se flexionam, recebem des in en cia zero).
Numa serie de auxiliares, e sempre 0 primeiro que porta a flexao:
Houve! deve ter havido problemas. Esta havendo (pode ter havido, podera haver,
tera havido, come~a a haver, cessou de haver, esta comecando a haver) problemas.
Faz dez anos que ... Vai fazer (ia fazer, deve fazer, ha de fazer) dez anos ...
Chove. Vai, devera chover. Esta chovendo. Cessou de chover. Pode ter cessado de estar chovendo.
Pessoalizacao dos verbos impessoais
Mesmo verbos essencialmente impessoais podem, eventualmente, receber a
categoria de pessoa. Podem tornar-se pessoais. Isto se da:
• Quando verbos de fenornenos meteorol6gicos tomam sujeitos como 0 ceu,
o dia, 0 ar, a atmosfera, as nuvens, etc.: 0 ceu chove, as nuvens trovejam, 0 dia
amanhece, entardeceu 0 dia, relampeja 0 ceu...
As vezes se lhes da (em certas linguagens regionais) urn sujeito puramente
gramatical - 0 pronome ele: Ele e cedo, ele chove muito por aqui.
o mesmo ocorre com 0 verbo haver: "Ele ha frade no caso" (Garrett) - Ele
ha exceciies.
• Quando se usam em sentido figurado os verbos de fenornenos meteorol6gicos: Deus (ou 0 ceu) chove bencaos sobre a terra. Os arcos chovem flechas. 0 comandante troveja amea~as. Os canhiies trovejam, relampejam as
baionetas. Anoitece a vida. "A esperan<;:aanoiteceu na sua alma" (Rebelo da
Silva). "Quando esse melanc6lico fenomeno anoitecer 0 mundo" (Rui).
• Com os verbos amanhecer, entardecer,anoitecer- quando se empregam no sentido de 'achar-se pela manha, tarde ou noite em certo estado, condicao ou atividade' - construcao intransitivo-predicativa, de "predicado verbo-nominal": 0 pai
amanheceu alegre,a menina anoiteceu com febre, asflo resentardeceram murchas...
o PREDICADO
Predicado e "aquilo que se afirma do sujeito", quando este existe; caso contnirio, e 0 "enunciado puro de urn fato qualquer": Chove. Era tarde.
Download