doenças Redução de danos Leprose dos citros: foco no controle do ácaro vetor Heraldo Negri/Usp Esalq Renato Beozzo Bassanezi * Danos 2 4 em folhas provocados pelo ácaro-da-leprose A leprose dos citros é um complexo que envolve o agente causal da doença Citrus leprosis virus (CiLV), seu ácaro vetor (Brevipalpus phoenicis), o hospedeiro principal (Citrus sinensis) e hospedeiros alternativos do vetor, todos sob a influência do ambiente. Devido à quantidade de plantas afetadas, aos danos causados e ao aumento do custo de produção pela adoção das medidas de controle, a leprose dos citros pode ser considerada como uma das principais doenças da citricultura paulista. A doença e o ácaro vetor encontram-se amplamente disseminados por toda a área citrícola do planalto paulista. De acordo com estimativas do Fundecitrus, mais de 53% das laranjeiras do Estado de São Paulo apresentam sintomas da doença, sendo 22% com sintomas em ramos e frutos do ano (Figura 1). Historicamente, a doença tem sido mais severa no Norte e Noroeste do Estado, onde o clima mais quente e com períodos de estiagem prolongados favorece o aumento populacional do ácaro-da-leprose e dificulta seu controle. Entretanto, um aumento significativo da incidência da doença na região Sul tem ocorrido nos últimos anos. Os danos da leprose são resultantes da redução da produção do ano e dos anos visão agrícola nº 2 jUL | dez 2004 Controle do vetor A população do ácaro vetor e a presença de plantas fontes de vírus são peças chaves para o manejo da leprose e justificam a maior atenção dada ao vetor que ao patógeno, no controle e nos estudos dessa doença. A disseminação do vírus da leprose é totalmente dependente da ação do vetor. Uma vez adquirido, o vetor pode transmitir o vírus por toda sua vida, em qualquer estádio de desenvolvimento – larva, protoninfa, deutoninfa e adulto, com uma eficiência que varia de 10 a 50%. Dessa forma, o controle da leprose dos citros pode ser obtido evitando a introdução e disseminação do ácaro-da-leprose no pomar e desfavorecendo o seu aumento populacional. Medidas preventivas, como o plantio de mudas isentas do ácaro vetor, a desinfestação de caixas de colheita, equipamentos e veículos e a implantação de quebra-vento ou cerca viva com espécies não hospedeiras do ácaro – pinus, primavera ou coroa-de-cristo – evitam a introdução e disseminação do ácaro-da-leprose no pomar. A colheita antecipada de todos os frutos, a utilização de medidas que favoreçam a população de inimigos naturais do ácaro (ácaros predadores como Iphiseiodes zuluagai, Euseius concordis e Agistemus sp.), a eliminação de locais de abrigo e oviposição do ácaro-da-leprose (ramos secos, frutos com verrugose e folhas com galerias de larva-minadora), o controle de plantas daninhas hospedeiras do ácaro-da-leprose e o uso de espécies menos favoráveis ao ácaro como cobertura verde (mentrasto e cambará) são medidas complementares à aplicação de acaricidas que desfavorecem o crescimento populacional do ácaro-da-leprose. Outras características dessa doença, como a não observação da transmissão do vírus entre gerações do ácaro, a aquisição do vírus pelo ácaro vetor apenas após a alimentação em tecido infectado e a localização do vírus na planta restrito às células de tecidos próximas aos sítios de infecção, o que confere um caráter de não-sistemicidade do vírus, permitem que a leprose dos citros possa ser controlada, também, pela eliminação das fontes de inóculo do vírus. Essa sanitização do pomar é conseguida com o plantio de mudas livres do vírus, com a retirada de frutos com sintomas e caídos e com a poda de limpeza, eliminando os ramos afetados pela leprose. Plantas podadas com ataques severos de leprose podem levar até dois anos para recuperar sua produção original. Ainda hoje, a principal prática adotada pelos citricultores para o controle do ácaro-da-leprose (Figura 2), e conseqüentemente da doença, tem sido a pulverização das plantas com acaricidas. Em geral, são feitas de uma a duas aplicações por ano de acaricidas específicos, após o final do período chuvoso e durante o período de seca, quando a população do ácaro começa a crescer. As pulverizações normalmente são realizadas com equipamentos turboatomizadores ou com pistola, utilizando um volume de calda e tamanho de gotas que possibilitem adequada deposição e cobertura dos ramos e frutos mais internos da copa. A rotação de produtos de diferentes grupos químicos e modos de ação tem sido recomendada para evitar a seleção de populações resistentes do ácaro-da-leprose aos acaricidas intensivamente usados. A tomada de decisão de pulverização tem se baseado em níveis de ação deFigura 1 | Sintomas de leprose em fruto cítrico Reginaldo E. Ferreira/fundecitrus seguintes, da perda de árvores e do custo do controle. A queda e a depreciação dos frutos lesionados variam de 0 a 2%, quando a doença é eficientemente controlada, e de 40 a 100%, quando não são adotadas as medidas de controle, dependendo do nível de infestação do ácaro, da incidência da doença, da idade e variedade da planta, das condições climáticas e de outros fatores. A redução da safra do ano seguinte – resultante da queda de folhas e seca de ramos, a redução da vida útil da planta, a perda de árvores e a produção perdida até a recuperação de uma planta após a poda dos ramos afetados são danos altamente significativos, mas de difícil mensuração. Por causa desses danos, o manejo da leprose, a fim de mantê-la em níveis aceitáveis, torna-se imprescindível e exige um esforço contínuo, gerando um incremento nos custos de produção. Nos custos decorrentes da leprose dos citros, devem ser contabilizados o custo do controle do ácaro vetor, o custo da redução do inóculo – poda de ramos ou remoção de plantas afetadas, e o custo da substituição das plantas severamente afetadas – replantio de mudas e renovação antecipada de pomares severamente atacados. A necessidade crescente de redução dos custos de produção no setor citrícola tem levado, invariavelmente, a uma maior preocupação dos citricultores com o conhecimento e manejo da leprose dos citros, gerando a necessidade de estudos mais aprofundados sobre a epidemiologia da doença, papel da fonte de vírus na epidemia da doença, comportamento da população do ácaro-da-leprose no tempo e no espaço, métodos de amostragem da população do ácaro, estimativas de dano e níveis de controle, tecnologia de aplicação de acaricidas, manejo da resistência dos ácaros aos acaricidas e métodos alternativos ao controle químico. 25 doenças terminados empiricamente e, portanto, bastante variados, indo de aplicações a partir da constatação dos primeiros ácaros, até níveis de infestação de pelo menos um ácaro em 15% dos frutos ou ramos amostrados. Essa variação nos níveis de ação deve-se, em parte, ao dimensionamento do número de pulverizadores, à agilidade na aquisição do acaricida, à incidência da doença nos pomares e ao tipo de amostragem da população do ácaro. Pode-se dizer que um dos principais problemas no controle do ácaro-da-leprose está na sua amostragem, fundamental para determinar quando e onde deverá ser feito o controle. Quanto antes for determinado o momento de crescimento da população do ácaro, maiores serão as chances de sucesso no seu controle. Quanto mais precisa for a localização dos focos de ácaro e plantas doentes, maiores as chances de se realizar medidas de controle localizadas e, portanto, de menor impacto econômico e ambiental. Devido ao seu tamanho diminuto e por apresentar normalmente baixa densidade populacional, a amostragem do ácaro-da-leprose para a tomada de decisão de controle é bastante dificultada. Freqüentemente, são amostrados de três a cinco frutos e/ou ramos por planta. Em caso de se encontrar o ácaro, o resul- Figura 2 | Brevipalpus phoenicis, ácaro vetor da leprose dos citros tado é positivo e confiável, mas o inverso não é verdadeiro. Como dizer que não há ácaro em uma planta com centenas de frutos e ramos, amostrando-se apenas alguns? Algumas informações sobre a biologia (Tabela 1) e o comportamento do ácaro-da-leprose têm auxiliado na tentativa de minimizar essas falhas no delineamento de melhores práticas de amostragem. Para a oviposição, o ácaro prefere locais protegidos, como lesões de verrugose, galerias de larva-minadora-dos-citros, ramos e frutos com lesões e nervuras de folhas. Os frutos com verrugose são o local preferido pelo ácaro, seguido pelos frutos sem verrugose, ramos e, finalmente, folhas (Tabela 2). Os ácaros ocorrem normalmente em maior intensidade nos frutos que nas folhas, constatando-se em média 95,2% de ácaros nos frutos, 4,3% nas folhas velhas e apenas 0,5% nas folhas novas. A amostragem, portanto, deve ser direcionada a esses locais de preferência do ácaro. Dessa forma, em pomares em formação, a inspeção deve ser realizada nos ramos, principalmente onde há bifurcação de ramos, e nos locais onde ocorrem saliências e reentrâncias, enquanto que, em pomares em produção, a inspeção deve ser realizada nos frutos maduros e que estejam dentro da copa da planta, de preferência com verrugose. Caso a planta não apresente frutos ou os apresente ainda verdes, as inspeções podem ser realizadas nos ramos. Como ocorre movimentação do ácaro dentro da planta durante o ano, para a procura de um local de abrigo para proteção e oviposição, uma amostragem direcionada a esses locais, em função da época do ano e da fenologia da planta, também deve ser levada em consideração. O que se tem observado é uma migração do ácaro das frutas internas Tabela 1 | Biologia de Brevipalpus phoenicis em frutos e folhas de citros em laboratório, a 30°C Estágios de desenvolvimento Fruto Folha Ovo-adulto (dias) 14,37 17,62 Longevidade (dias) 21,47 19,66 Ciclo completo (dias) 35,84 37,28 Número de ovos 39,17 8,57 Fonte: Adaptado de Chiavegato, 1986 Tabela 2 | Porcentagem de Brevipalpus phoenicis recuperados em diferentes estruturas da planta de citros Local de liberaçãoLocal de recuperação % recuperação Frutos com verrugose 57,7 Frutos com verrugose Folhas 1,6 Ramos0,7 Frutos sem verrugose 28,1 Frutos sem verrugose Folhas 19,0 Ramos1,3 heraldo NEGRI / USP ESALQ RamosRamos Folhas2,0 Folhas6,1 Folhas Folhas adjacentes Ramos15,1 Fonte: Adaptado de Chiavegato e Kharfan, 1993 26 21,4 2,5 com verrugose, temporãs, restos de colheita e velhas ou ramos internos, para ramos externos vegetando, do ano, com ou sem fruta na extremidade, à medida que vai ocorrendo o desenvolvimento e maturação dos frutos novos. Quando se aproxima a época de colheita, os ácaros deixam os frutos externos e migram novamente para os órgãos internos. Embora o ácaro-da-leprose possa ser encontrado durante todo o ano, os níveis populacionais elevam-se a partir dos meses de março a abril, período em que normalmente começam a diminuir as precipitações pluviais e os frutos aceleram seu desenvolvimento. A partir de julho, atingem níveis populacionais mais altos, quando as plantas estão submetidas a períodos de estresse hídrico (Tabela 3), sendo que o pico máximo ocorre geralmente nos meses de setembro a outubro, quando os frutos estão próximos à maturação, para decrescer gradativamente com as chuvas e a colheita dos frutos (Figura 3). Nesse período de maior crescimento populacional, a freqüência de amostragem deve ser intensificada para 7 a 10 dias, enquanto que, nas épocas de menor ocorrência, a amostragem pode ser feita a cada 15 dias. Como a doença apresenta um período de incubação relativamente longo, isto é, os sintomas da doença aparecem após 20 a 60 dias da transmissão do vírus pelo ácaro-da-leprose, atrasos na detecção do ácaro no pomar e na tomada de medidas de controle podem resultar em danos nas plantas, mesmo após o controle do ácaro. Estudos recentes sobre a distribuição de plantas com o ácaro-da-leprose em pomares comerciais mostraram que plantas com ácaro apresentam padrões espaciais bem menos agregados (muitas vezes aleatórios) que das plantas com sintomas (Figuras 4 e 5). Como a maioria das pragas, o ácaro-da-leprose, ao ser introduzido, principalmente pela ação do vento, origina padrões espaciais tipicamente ao acaso, mas à medida que sua população aumenta, ocorre uma visão agrícola nº 2 jUL | dez 2004 Figura 3 | Flutuação populacional de ácaro (A), umidade do ar (B) e estádios fenológicos da cultura (C) em levantamentos realizados no Estado de São Paulo entre 2002 e 2004 (A) Número de ácaros por planta (B) Umidade relativa do ar média entre as avaliações (C) Estádios de florescimento (R2 = 4, R3 = 6, R4 = 8, R5 = 10, R6 = 12 e R7 = 14) e de frutificação (F2 = 20, F3 = 30, F4 = 40, F5 = 50, F6 = 60, F7 = 70 e F8 = 80), avaliados no Estado de São Paulo, no período de janeiro de 2002 a janeiro de 2004 27 doenças predominância do movimento do ácaro para dentro do talhão, principalmente entre plantas próximas, o que origina padrões mais agregados. Esses padrões, entretanto, podem se modificar para formas mais aleatórias, com a remoção do ácaro pelo controle químico ou colheita de frutos e/ou com a reinfestação das plantas por ácaros sobreviventes e/ou reintroduzidos. A variação dos padrões espaciais da Tabela 3 | Número médio de Brevipalpus phoenicis e severidade de sintomas de leprose asolo diferentes condições deaumidade domédia solo Capacidade deCondição deNúmero médio de Nota campoem do mudas solo (%)submetidas umidade do ácaros/ramo sintomas dedeleproseb 20 Acentuadamente seco 505,6 4,56 30 Moderadamente seco 491,0 2,10 50 Ideal 396,21,43 70 Encharcado243,2 1,30 Fonte: Adaptado de Souza et al., 2002. Notas: a população média obtida após 60 dias da liberação de 30 fêmeas/ramo (7 repetições); b notas médias de 3 avaliações aos 24, 36 e 48 dias após a infestação das plantas (7 repetições). Nota 0 = sem lesão; 1 = 1 a 2 lesões; 2 = 3 a 4 lesões; 3 = 5 a 6 lesões, 4 = acima de 6 lesões e 5 = queda de folhas pela lesão. população do ácaro-da-leprose torna difícil o controle localizado (em reboleiras). Por outro lado, a alta agregação das plantas com sintomas da doença indica uma alta dependência da presença de ácaros virulíferos com a fonte de inóculo. Isso torna viável a adoção de técnicas que visem à eliminação de tais fontes pela poda ou remoção de plantas e/ou órgãos de plantas com lesões e de controle de ácaros virulíferos, que devem estar nas plantas com sintomas e ao seu redor, de maneira localizada. Além do controle dentro de cada talhão, é importante realizar um manejo do ácaro e da doença na propriedade como um todo, uma vez que as introduções do vetor e do vírus ocorrem em sua maioria nas bordas dos Figura 4 | Mapas de áreas com diferentes níveis de infestação do ácaro-da-leprose, em diferentes épocas de avaliação Linha Linha Coluna Linha Linha Coluna Coluna Linha Linha Coluna 28 Coluna Coluna Figura 5 | Mapas de áreas com diferentes incidênciaS de plantas com sintomas de leprose, em diferentes épocas de avaliação Linha Linha Coluna Coluna Coluna Linha Linha talhões, isto é, vêm do talhão vizinho. Dessa forma, a amostragem do ácaro deve ser mais casualizada e feita com maior cuidado nas bordas dos talhões, enquanto que a amostragem de plantas com sintomas deverá ser sistemática, com um caminhamento preestabelecido em espiral ou zigue-zague. Para otimização do controle do ácaro, a amostragem deve ser realizada em talhões com aproximadamente 2.000 plantas. Aqueles com maior número de laranjeiras devem ser subdivididos, com controle direcionado aos subtalhões que apresentem população do ácaro no nível de controle. Nesses talhões ou subtalhões, o número de plantas a serem amostradas deve ser de, pelo menos, 1%. visão agrícola nº 2 Coluna Linha Linha Coluna jUL | dez 2004 Coluna A adoção conjunta de medidas de controle da população do ácaro-da-leprose e eliminação das fontes de vírus permitirá que se mantenham os danos causados pela leprose em níveis baixos. * Renato Beozzo Bassanezi é pesquisador do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) ([email protected]). Chiavegato, L.G.; Kharfan, P.R. Comportamento do ácaro da leprose Brevipalpus phoenicis (G.) (Acari: Tenuipalpidae) em citros. Anais da Sociedade Entomológica do Brasil, v. 22, n. 2, p. 355-359, 1993. Souza, R.S.; Oliveira, C.A.L.; Araújo, J.A.C.; Fernandes, E.J. Desenvolvimento do Brevipalpus phoenicis (Geijskes, 1939) sobre plantas de citros submetidos a diferentes condições hídricas. In: Congresso Brasileiro de Entomologia, 19, Resumos. Manaus: SEB, 2002a. p. 253-254. Souza, R.S.; Oliveira, C.A.L.; Araújo, J.A.C.; Fernandes, E.J. Incidência de leprose em plantas cítricas submetidas a diferentes condições hídricas. In: Congresso Brasileiro de Entomologia, 19, Resumos. Manaus: SEB, 2002b. p. 247. REFERÊNCIAS bibliográficas Chiavegato, L.G. Biologia do ácaro Brevipalpus phoenicis em citrus. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v. 21, n. 8, p. 813-816, 1986. 29