2581 IMPLICAÇÕES PRAGMÁTICAS DO USO DE CONSTRUÇÕES EPISTÊMICAS EM INGLÊS Sandra Aparecida Faria de Almeida – UFRJ 0 Introdução As construções sintáticas têm sido objeto de estudo da Lingüística Cognitiva na medida em que exercem um papel importante na construção e/ou atribuição de significado. `A luz da Gramática das Construções, as construções sintáticas têm sido vistas como representações pareadas de forma e significado, ou seja, postulam-se correlações específicas entre ambos, no sentido de que as construções por si só ativam significados. Com base nos pressupostos teóricos da Gramática das Construções na concepção de Goldberg (1995, 2006), nos conceitos de Subjetividade (Traugott & Dasher, 2005 e Langacker, 1990, Palmer, 1986), de Intersubjetividade (Traugott & Dasher, 2005), o presente trabalho busca analisar os padrões sintáticos observados na ocorrência das construções completivas epistêmicas do inglês, do tipo “ I think (that) he will come”. 1. Pressupostos Teóricos O trabalho se orienta principalmente pelos pressupostos da Gramática das Construções (Goldberg, 1995). Do ponto de vista de Goldberg (1995), “as construções formam uma rede, ligandose por relações de herança que motivam muitas das propriedades de construções específicas” (p. 67). Com base nessa perspectiva, ela elabora quatro princípios que regem a organização lingüística, dos quais os mais relevantes são: 1. Princípio da Motivação Maximizada – “Se duas construções são sintaticamente relacionadas, tais construções podem ser motivadas semântica ou pragmaticamente.” 2. Princípio da Não-sinonímia – “Se duas construções são sintaticamente distintas, tais construções devem ser também distintas semântica ou pragmaticamente.” Corolário A: Se duas construções são sintaticamente distintas e semanticamente sinônimas, então elas não podem ser pragmaticamente sinônimas. Corolário B: se duas construções são sintaticamente distintas e pragmaticamente sinônimas, então elas não podem ser semanticamente sinônimas. No caso das construções completivas epistêmicas em inglês, o preenchimento do slot verbal pode se dar com os verbos think, find, know e believe, entre outros, que, por sua vez, podem ser seguidos ou não do complementizador that. Postulamos, então, que as construções sintáticas com ou sem that podem ser percebidas como semanticamente sinônimas entre si e que as diferenças devem residir, portanto, em aspectos de natureza discursivo-pragmática. Para nossa análise, buscamos atrelar tais escolhas ao caráter subjetivo e/ou intersubjetivo da interação comunicativa. Segundo Traugott & Dasher (2005), a subjetividade é codificada na língua pelo uso da dêixis, da modalidade e de marcadores discursivos, por exemplo. A intersubjetividade, por sua vez, implica na atenção do falante com relação ao seu interlocutor no evento de fala, ou seja, ele sinaliza a “inclusão” do ouvinte na sua expressão lingüística enquanto participante do evento comunicativo que pode ser expresso de formas outras que não apenas por pronomes pessoais e dêiticos. Para o presente trabalho, tais conceitos se tornam relevantes na medida em que consideram aspectos discursivos e argumentativos do evento de fala e que, a nosso ver, são apropriados para analisar a natureza dos dados encontrados até agora. 2. Procedimentos metodológicos Os procedimentos metodológicos incluíram levantamento de dados a partir de textos jornalísticos, coletados virtualmente de fontes tais como a CNN, BBC, ABC, etc. sobre eventos recentes bem como de revistas especializadas em artigos em inglês, especificamente entre 2005 e 2008, distribuídos em 2582 cerca de 90 transcrições com os verbos think(that), find(that), believe(that) e know (that). Os exemplos foram analisados quantitativamente quanto a relação entre oração principal e encaixada e a presença ou não do complementizador. Além disso, os exemplos foram analisados qualitativamente, segundo os padrões sintáticos e pragmáticos encontrados, procurando-se estabelecer objetivos comunicativos e/ou discursivos. Os objetivos definidos para o trabalho foram (i) verificar os contextos de ocorrência da construção [SN VEpst[S]] e da construção [SN VEpist[that S]]; (ii) relacionar as construções a processos de subjetividade, intersubjetividade e de modalização do discurso, buscando mapear os objetivos comunicativos e tentando estabelecer regularidades. Quanto às hipóteses, postula-se que (i) construções epistêmicas sem o complementizador that sinalizam a perspectiva do falante; (ii) construções epistêmicas com o complementizador that sinalizam perspectivas diferentes da do falante, ou perspectiva diferente da que se encontra ativada no discurso; e (iii) o preenchimento do slot verbal com diferentes verbos epistêmicos vai sinalizar diferentes graus de subjetividade. 3. Análise dos Dados Com bases nos dados levantados, as construções completivas selecionadas em sua grande maioria ocorrem com o verbo epistêmico to think. As ocorrências com os verbos epistêmicos to find, to believe e to know são encontrados em proporção bem menor, embora as construções completivas em que eles ocorrem estejam sujeitas aos mesmos tipos de comportamento verificados para as construções em que o slot verbal é preenchido com o verbo to think. Isso pode indicar que as construções completivas epistêmicas sofrem processos semelhantes, independentemente do preenchimento do verbo na oração completiva. 3.1. Aspectos sintático-pragmáticos do uso do complementizador: 3.1.1.Correlação temporal entre oração principal e oração encaixada O primeiro aspecto a ser considerado é a correlação temporal entre oração principal e oração encaixada, no intuito de avaliar se (i) o verbo epistêmico tem relação com o preenchimento do complementizador e (ii) o preenchimento do complementizador pode ter relação com o tempo verbal em que se situa o evento de fala. As tabelas a seguir indicam o número e percentual correspondente de ocorrências dos verbos think, find, believe e know seguidos de uma oração encaixada no tempos verbais de presente, passado e futuro. Tabela 1: Oração principal com “VEpist(that)” de acordo com o tempo verbal da oração encaixada Oração Principal com “Think ” Oração Principal com “Find ” Oração Principal com “Believe ” Oração Principal com “Know ” Oração encaixada/presente VEpist Ø VEpist that Nº % Nº % Oração encaixada/passado VEpist Ø VEpist that Nº % Nº % Oração encaixada/ futuro VEpist Ø VEpist that Nº % Nº % Total VEpist Ø VEpist that Nº % Nº % 25 42% 12 20 % 5 9% 3 5% 11 19% 3 5% 41 70 % 18 30% 4 36% 6 55 % 0 0% 1 9% 0 0% 0 0% 4 36 % 7 64% 2 18% 5 46 % 0 0% 3 27% 0 0% 1 9% 2 18 % 9 82% 1 9% 5 46 % 0 0% 4 36% 0 0% 1 9% 1 9% 10 91% 2583 Conforme os resultados obtidos, percebe-se que as orações encaixadas de presente foram mais recorrentes para todos os quatro verbos, sendo que a construção com o verbo think foi a que apresentou maior número de ocorrências de orações encaixadas de presente quando o complementizador não estava preenchido, ou seja, uma freqüência de 42% comparada à dos verbos find, believe e know que foram, respectivamente, 36%, 18% e 9%. Além disso, as construções com o verbo epistêmico think apresentaram maior flexibilidade quanto à ocorrência de tempos verbais distintos nas orações encaixadas, embora com freqüências distintas entre si. Em ambos os casos, em termos pragmáticos, tal observação pode ser interpretada como um indicativo da perspectiva que o falante assume sobre o assunto ou evento, ou mesmo de sua crença ou expectativa positiva com relação à proposição. Com relação aos demais verbos epistêmicos, percebe-se que as construções com os verbos find, believe e know, sem o preenchimento do complementizador, não apresentaram quaisquer ocorrências com orações encaixadas de passado ou de futuro. Por outro lado, para as construções com esses verbos em que o complementizador estava preenchido, a ocorrência de orações encaixadas de presente foi proporcionalmente superior, 55%, 46% e 46%, respectivamente, se comparada à freqüência de ocorrência de construções com o verbo think, ou seja, 20%. Tais observações podem estar relacionadas ao status desses verbos epistêmicos em termos de assertividade e factividade (Palmer, 1986), como veremos adiante 3.1.2. Ocorrência de sujeitos na oração principal Tabela 2: Tipos de sujeitos nas orações principais introduzidas por “VEpist (that)” : 1ª pessoa VEpist Ø VEpist that Nº % Nº % 2ª/3ª pessoas VEpist Ø VEpist that Total VEpist Ø VEpist that Nº % Nº % Nº % Nº % Oração Principal com “Think (that)” 36 61% 11 18% 5 9% 7 12% 41 70% 18 30% Oração Principal com “Find (that)” 3 28% 5 45% 1 9% 2 18% 4 37% 7 63% Oração Principal com “Believe (that)” Oração Principal com “Know (that)” 2 18% 7 64% 0 0% 2 18% 2 18% 9 82% 1 9% 6 55% 0 0% 4 36% 1 9% 10 91% Com relação à ocorrência de sujeitos de 1ª, 2ª e 3ª pessoa nas orações principais, as tabelas acima são ilustrativas quanto aos seguintes aspectos: · As construções com o verbo think, em que o complementizador é omitido, são mais frequentes, ao passo que as construções com os demais verbos, find, believe e know, são mais comumente usadas com o preenchimento do complementizador; · As construções de 1ª pessoa são mais comuns entre os verbos, respeitadas as diferentes proporções, do que as ocorrências de 2ª e 3ª pessoas, sendo que tal observação se verifica, no caso do verbo think, nas construções em que o complementizador é omitido, enquanto que nas demais construções com os verbos find, believe e know, as construções de 1ª pessoa com o preenchimento do complementizador são mais frequentes. Tal constatação parece estar em conformidade com o uso mais subjetificado da construção epistêmica de 1ª pessoa sem o complementizador (ver 4.1.4 adiante) e com o caráter não-factivo que o verbo possui, que possivelmente contribui para sua maior recorrência em função de seu papel pragmático de estratégia de convencimento de ponto de vista; 2584 · A maior ocorrência do complementizador entre os verbos find e know, também vem ao encontro da classificação proposta por Palmer (1986). O fato de estes verbos apresentarem maior valor factivo e assertivo pode contribuir para o uso do complementizador nesses contextos, que teria a função de “ atenuar” o grau de comprometimento do falante com o conteúdo da proposição. No entanto, também o verbo believe apresentou maior ocorrência de construções com o preenchimento do complementizador. Porém, é importante notar que, embora think e believe sejam classificados da mesma forma por Palmer (1986) como verbos não-factivos e pouco assertivos, eles apresentam ligeira diferença entre si em termos epistêmicos, já que believe expressa maior positividade quanto ao conteúdo da proposição do que think. È possível que haja uma gradiência entre eles, que seria: think > believe > find > know, considerando-se os verbos think e believe como mais subjetivos, o que vai ao encontro da alternância das duas construções, com e sem o complementizador, para as ocorrências observadas para esses verbos, e os verbos find e know como mais intersubjetivos (ver 4.1.5 adiante), pois seu valor factivo-assertivo se pauta na experiência ou no compartilhamento da informação. 3.1.3. Processos de subjetividade Dado que a construção epistêmica já sinaliza nível de subjetividade por si só, pois o evento está sendo expresso pela perspectiva do falante, postula-se que o não preenchimento do complementizador possa ter relação com uma atitude ou crença mais ancorada na perspectiva deste, o que torna a construção ainda mais subjetificada, e que possivelmente é utilizada como estratégia de convencimento de um determinado ponto de vista, no caso aqui o do falante/escritor, como nos exemplos a seguir: (1) So prevalent, in fact, has the vampire image become in modern society that thousands of internet sites deal with dark-related topics, and many New York clubs hold vampires nights at least once a week. At one point three movies with vampire themes were playing simultaneously in U.S. theatres. And the television series, “Buffy the Vampire Slayer”, continues to enjoy stellar ratings. In Brazil vampires are all the rage with Globo´snew soap opera, “ O beijo do vampiro”. And this is not the first one. Some 10 years ago “Vamp” was a major hit. So what exactly is going on? Katherine Ramsland is a clinical psychologist as well as the author of Piercing the Darkness, Undercover with Vampires in America Today. Katherine: I think as a cultural phenomenon , it’s actually the shadow side of our culture. A generation of people who are sick of the way most people live. (…) And so, I think the fascination in part is, in part it’s conscious on their part, to set themselves apart in some mysterious, powerful way. But also, I think, there’s this subconscious thing going on, a collective subconscious going on of showing our culture, our society just how vampiric we really are though we pretend we are not. And we do honor vampires in our midst in terms of the corporations and politicians and people in power who are quite vampiric but we pretend that that’s not what we support. And I think that this generation of people who identify with the vampire are really mirrors to us. (Speak Up # 187) No exemplo acima, o falante, que é uma psicóloga, embora se inclua na sociedade e na cultura americana de forma geral, ela não se associa ao grupo descrito, que se trata de pessoas que cultuam a idéia do “vampirismo” nos EUA, mais especificamente na vida noturna nova-iorquina. Ela se refere ao grupo como “this generation of people”, ou seja, “ eles”, “are mirrors to us”, ou seja, “são espelhos para nós”. Em outras palavras, embora ela se dissocie do comportamento do grupo, ela reconhece que eles refletem algo da própria sociedade americana, na qual se inclui. O complementizador parece funcionar como elemento de distinção entre as duas perspectivas. Um segundo aspecto relevante no que diz respeito à diferença entre a escolha pela construção epistêmica com ou sem o preenchimento do complementizador that, é que o uso da construção com o 2585 complementizador coincide com uma mudança de perspectiva por parte do falante, ou seja, ele parte de uma perspectiva ancorada em si (“I”) ou também no ouvinte/leitor (“We”) para assumir a perspectiva de outrem (“they”): (2) Speak Up: But these stories very much go against the idea we have of the romantic Latins and the rather boring, unemotional “Anglo-Saxons” for want of a better word. Moira Shear: I don’t think the image of the Latin lover…well, in some ways, it is correct, because men are very passionate, women are adored, in some sense, more so than maybe by American men, but I think Italian men, they’re a bit more arrogant than the American man, they think that this romance element is not necessary, that they can successfully “conquer” a woman, so to speak, with their charm, whereas an American man has to rely on romance. (Speak Up # 181) A construção com that pode sinalizar também a alternância na perspectiva assumida pelo falante/escritor sobre um determinado assunto. Através da construção com o complementizador, ele sinaliza que sua visão é distinta da que está ativada no discurso: (3) Josef Xercavins: If we talk about the UN reform, we are producing some feeling of weakness of UN, and I think that our goal should be to strengthen the UN. And the best reform of the UN that we can do is to put the…all of the international institutions under the umbrella of the UN. This is, of course, not in opposition of the ideas of the secretary general; of course it’s not. But I think that our best way to help him is to say that the best reform of UN is to put the World Bank, the World Trade Organization in the hands of UN with our participation. (Speak Up # 194) 3.1.4. Processos de intersubjetividade e modalização A seleção pela construção com that ocorre também quando há a presença de outros elementos modalizadores do discurso na sentença, ou seja, advérbios tais como actually, just, maybe, probably ou verbos modais tais como may, should or would. Conforme observaram Traugot & Dasher (2005), esses elementos têm valor discursivo bem como intersubjetivo, na medida em que são utilizados com o intuito de “suavizar” ou diminuir o efeito do conteúdo expresso pelo falante em um procedimento de atenção ou consideração ao ouvinte/leitor: (4) Q: In a previous interview you mentioned that the events of 11th September followed on closely from the “stolen election”, as you call it. You think that that election was stolen? A: Yes, I do. I’m sure the election was stolen: crazy thing is, if it hadn’t been that close, it couldn’t have been stolen. Q: You live in New York. I mean, what’s the mood in the city like today? A: Well, I think it’s pretty wary. I just think that maybe, after having put on a very brave face and gone back to trying to feel normal, people are beginning to admit that things are different, they do feel differently. (Speak Up # 190) Resultados e discussão · · Com base nos exemplos analisados, algumas considerações são: O uso da construção sem o complementizador, mais especificamente com relação ao verbo think, parece estar relacionada à perspectiva que o falante assume sobre o assunto e/ou evento, que normalmente é uma perspectiva mais centrada em sua crença, avaliação ou expectativa, ou seja, mais subjetiva, possivelmente como estratégia comunicativa de convencer o ouvinte/interlocutor de seu ponto de vista e levá-lo a determinado comportamento ou atitude; O uso da construção com o preenchimento do complementizador, por sua vez, ocorre em contextos que já possuem algum tipo de marcador discursivo ou estrutura sintática que por si 2586 · só já revela traços de subjetividade e mesmo de intersubjetividade. O complementizador teria o papel, então, de atenuar ou equilibrar a modalização do conteúdo expresso. Também é importante enfatizar a função intersubjetiva dos marcadores discursivos e das estruturas interrogativas e dos próprios verbos que preenchem o slot verbal da construção. Os verbos think e believe podem ser vistos como verbos mais subjetivos, enquanto que os verbos find e know poderiam ser classificados como mais intersubjetivos, havendo, porém, um “continuum” entre eles. Além disso, o uso do complementizador pode estar relacionado a uma maior atenção à crença, expectativa ou face do ouvinte/interlocutor, ou seja, a um caráter mais intersubjetivo da construção. Referências FERRARI, Lílian Vieira. Integração Conceptual em Construções Epistêmicas no Português do Brasil. In: MIRANDA, N.& NAME, C. (orgs.). Linguística e Cognição. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2005. GOLDBERG, A. Constructions: A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press, 1995. PALMER, F. R. Mood and Modality. Cambridge: Cambridge University Press, 1986. TRAUGOTT, Elizabeth C. & DASHER, Richard B. Regularity in Semantic Change. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. Speak Up English Magazine. São Paulo: Peixes, 2003-2007. http://www.bbc.com. Acesso em: 11 de janeiro de 2005. http://www.cnn.com. Acesso em: 11 de janeiro de 2005. http://www.newsweek.com. Acesso em: 11 de janeiro de 2005. http//www.abcnews.go.com. Acesso em 14 de janeiro de 2007. http//www.cnn.com. Acesso em 14 de janeiro de 2008. 2587