MÚSICA-VÍDEO: UM NOVO GÊNERO MUSICAL Vania Dantas Leite* RESUMO: Esta pesquisa tem como principal objetivo apontar para um novo gênero de linguagem musical, investigando uma tendência que vem proliferando na produção dos compositores que se utilizam da tecnologia como meio de expressão: o uso crescente da linguagem visual somada à prática da composição musical. Para o estudo e caracterização do gênero que chamamos de Música-Vídeo, tomamos como base o desenvolvimento da própria linguagem musical associada a modelos de produção e percepção sonoro/visuais. Pela própria natureza da pesquisa, concentramos nossos esforços na prática das músicas eletroacústicas, assim como nos modelos tecnológicos que disponibilizam a mistura das duas linguagens no formato audiovisual. Para exemplificação e análise utilizamos obras de compositores brasileiros, atuantes no Rio de Janeiro, que melhor representam o gênero. PALAVRAS-CHAVE: Composição Musical; Música-Recursos Audiovisuais; Música Eletroacústica. ABSTRACT: The main goal of this research is to highlight a new genre of musical language, investigating a growing tendency in the works of composers who use technology as a means of expression: the increased use of visual language in musical composition. In order to study and characterize the genre we designated Video – Music, we used the development of musical language itself, associated to production models and audio-visual perception, as a basis. Due to the research’s very nature, we concentrated on the practice of electro-accoustic music, as well as the technological models that allow the blending of both languages in an audio-visual format. For illustrative and analytic purposes, we used the works of Brazilian composers, currently active in Rio de Janeiro, who best exemplify the genre. KEYWORDS: Musical Composition; Music - Audio-visual Resources; Electroacoustic Music. INTRODUÇÃO Este texto é um resumo de minha tese de doutorado intitulada Relação Som/Imagem, defendida em maio de 2004 na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), disponível para consulta na Biblioteca desta Universidade e na Biblioteca Nacional, RJ. O principal objetivo desta pesquisa foi nominar e comprovar a existência de um novo gênero musical, que chamamos de Música-Vídeo. O ponto de partida foi investigar uma tendência que vem proliferando na produção de compositores que utilizam novas tecnologias como meio de expressão: o uso crescente da linguagem visual somada à prática da composição musical. Embora esta manifestação artística venha também se desenvolvendo e sendo bastante praticada em outras comunidades eletroacústicas, tanto no Brasil como no exterior, dirigimos nosso estudo a obras de compositores brasileiros atuantes no Rio de Janeiro, que melhor representam o gênero. Entendemos que esta delimitação do campo de trabalho não só viabilizaria a pesquisa, possibilitando um acesso mais estreito aos compositores e suas obras, como também, acrescentaria uma contribuição do ponto de vista musicológico. * Doutora em Música. Professora Adjunta do Departamento de Composição e Regência e do PPGM do CLA-UNIRIO. [email protected] 1 Apesar de ser fruto da interação de duas linguagens, a sonora e a visual, chamamos de Música-Vídeo um gênero que é praticado por compositores e consequentemente, para estudá-lo, já tínhamos como base a própria natureza da teoria e da prática musical, ou seja, da concepção, interpretação/difusão e percepção da música num determinado contexto. O grande desafio entretanto, era a possibilidade de rever estes conceitos sob um enfoque mais abrangente, além da própria natureza sonora, investigando por exemplo, como a visualidade esteve presente ou como ela interferiu nas diversas formas de construção do sonoro que historicamente antecederam a MúsicaVídeo. Nossa idéia central foi mostrar que a música sempre se constituiu num espetáculo audiovisual, que imagens sempre fizeram parte da prática, difusão e percepção da música em suas três principais manifestações histórico/culturais distintas: nas músicas de tradição oral, nas músicas escritas e nas músicas eletroacústicas. Acreditamos que a qualquer manifestação de uma criação artística, somam-se, em evidência ou subentendidamente, outras formas de expressão, mesmo que esta não seja a intenção do artista criador. Um espetáculo sempre foi e será, um ponto de encontro entre múltiplas percepções. A VISUALIDADE NA LINGUAGEM SONORA Um dos postulados de Michel Chion em seu livro L’Audio-Vision é que a audição e a visão são dois sentidos que tem “uma relação de complementaridade e de oposição privilegiada entre todos os outros sentidos e que certamente esta relação não foi criada pela tecnologia mas, já vem de muito longe em nossa história e, muito cedo na infância já está presente na vida humana” (Chion, 1998: p. 219). Desde as primeiras manifestações musicais, como por exemplo, na música vocal, para ouvir era preciso ver o cantor: num determinado local – cenário; vestido de acordo com um contexto – figurino; com sua gestualidade própria a uma determinada canção, geralmente somandose a linguagem verbal; e, somando-se ainda a apresentação, todos os percalços que envolvem a percepção em tempo real – outros sons e imagens do meio ambiente, odores, sensações táteis etc. interferindo naquele momento. Num contexto como o das músicas vocal/instrumental podemos assumir que a música é uma prática de ver/ouvir onde a visão da fonte sonora e do gesto instrumental antecedem a audição. Até meados do século XX, esta prática de apresentação musical dominou com exclusividade tanto as músicas de tradição oral quanto as músicas escritas. Em 1948, o surgimento da musique concrète – música gravada sobre um suporte - rompe com este espetáculo audiovisual do concerto “ao vivo”. Do ponto de vista da percepção, operam-se duas mudanças abruptas: 1) O corte do vínculo do som com sua fonte sonora até então explícitos sob os dois aspectos sensoriais, visual e auditivo: intérprete e instrumento são substituídos por um sistema de transmissão de som e, no palco, só nos resta a visão de alto-falantes, capazes de transmitir sons de todas ou quaisquer procedências. 2) A possibilidade da criação de imagens virtuais pela mente do ouvinte, em consequência da introdução do uso de sons naturais na composição, acrescentando à linguagem musical o sentido mimético dos sons, seja por associação (um som de trem ou de um pássaro) ou por evocação (texturas sonoras que imitam a natureza ou aspectos culturais diretamente associados a materiais musicais). 2 Quebra-se a prática audiovisual do concerto invertendo-se, por assim dizer, o processo perceptivo para ouvir/ver: é a mente do ouvinte que passará a evocar ou associar “imagens” relativas aos sons utilizados na composição. Interpretar o termo “imagem” pode ser situá-lo em algum ponto entre uma verdadeira sinestesia com a imagem visual e um complexo mais ambíguo de estímulos auditivos, visuais e emocionais. Não estamos nos referindo aqui ao modo como fontes específicas podem evocar determinadas imagens mas sim, a como o imaginário evocado interage com aspectos mais abstratos da composição musical. 1 (Emmerson, 1986: 17) A acusmática, antiga palavra de origem grega, é um dos primeiros termos que surgem para caracterizar esta nova escuta. Foi retomada por J. Peignot e teorizada por Schaeffer em 1952, significando “ouvir sem ver a causa originária do som” ou, “o som que se ouve através de um alto-falante” sem a visão de sua fonte causal. O rádio, um disco ou o telefone, que transmitem sons sem mostrar seus emissores são por definição meios acusmáticos. Em 1970, François Bayle batizou de música acusmática a música de concerto realizada sobre um suporte de gravação e ouvida através de alto-falantes, com a ausência voluntária e fundamental das causas originárias dos sons e suas visões. Esta é a música também denominada música concreta ou música de suporte. (Chion, 1991: 96) No livro Le Son (1998) Chion dedica o capítulo 10 - intitulado Le couplage audio-visuel (A união audiovisual) - à demonstração de uma série de noções criadas a partir do estudo das relações som/imagem. Entre elas, ressaltamos a noção que ele chama de “audio-vision et visu-audition”. Por “audio-vision” ele designa um tipo de percepção própria do cinema e da televisão, onde a escuta influencia a visão, onde o som acrescenta a todo momento uma série de efeitos, de sensações, de significações que, por um fenômeno de projeção são atribuídos à imagem. Assim, uma vez que um som acrescenta um sentido a uma imagem, este sentido parece emanar da imagem por si só, ou seja, o som fica sub-entendido na imagem. Simetricamente, o termo ‘visuaudition’ se aplica a um tipo de percepção que é conscientemente concentrada sobre o audível, como no caso do concerto, onde a audição está acompanhada, reforçada, em todo caso, transformada por um contexto visual que a influencia, podendo projetar sobre ela certas percepções. Segundo Chion, tanto no concerto de música clássica, com a visão causal dos instrumentos, como no trabalho do compositor de música eletrônica ou do montador de som no cinema ou no vídeo, uma vez que todos eles se servem de pontos de localização gráficos (sobre uma partitura ou sobre a tela de um computador) expressam situações muito comuns de nossa época de “visu-audition”. (idem: 220) Se transpomos estas noções para nosso esquema de visualização nas concepções e nas práticas da linguagem sonora observamos que: nosso primeiro postulado ver/ouvir – como a fase que representa a prática das músicas de concerto, corresponde exatamente aos critérios colocados por Chion que caracterizam este tipo de percepção – “visu-audition”; e o segundo – ouvir/ver – representa igualmente os princípios da “audio-vision” por ser um tipo de percepção onde a audição estimula a visão, ou seja, como na música acusmática, onde a imagem não está presente nem na realidade nem em suporte mas apenas na mente do ouvinte, estimulada pelo sonoro. 1 “The term “image” may be interpreted as lying somewhere between true synaesthesia with visual image and a more ambiguous complex of auditory, visual and emotional stimuli. We are concerned here not with how specific sources may evoke particular images but with how the imagery evoked interacts with more abstract aspects of musical composition”. 3 Ver / Ouvir Música Acústica Compositor Partitura Intérprete / Instrumento Visão da fonte sonora Visão / audição (tempo real) Ouvir / Ver Música Acusmática Compositor / Intérprete Suporte Aparelhagem / Alto-falantes Ausência da fonte sonora Audição (tempo real) / Visão (virtual) Figura 1 Esquema de visualização nas concepções e práticas musicais No final do séc. XX, o surgimento da técnica de digitalização do som e da imagem dá origem a uma nova relação entre as linguagens sonora e visual, abrindo um vasto campo de experimentação nos gêneros que englobam a multimídia. Nosso ponto de vista é que a Música-Vídeo, como um destes gêneros, se faz representar pela soma das duas fases anteriores: ver/ouvir e ouvir /ver, como comentaremos mais adiante. O AUDIOVISUAL No primeiro capítulo da tese, dedicado a visualidade na linguagem sonora com enfoque nas músicas eletroacústicas, dispusemos de uma bibliografia não tão vasta mas bastante consistente para nos apoiar em nosso objetivo. No entanto, no que diz respeito ao gênero enquanto audiovisual, situando-se no contexto da multimídia, não encontramos nenhuma bibliografia específica. A pouca literatura existente consiste de textos isolados ou capítulos em livros que se dirigem ao cinema ou a multimídia. Desta bibliografia, dois autores foram de extrema importância para conceituação e análise da Música-Vídeo: Nicholas Cook e Michel Chion, respectivamente em Analysing Musical Multimedia (2000) e L’Audio-Vision (2002). Cook, ao iniciar o prefácio de seu livro aponta justamente para a ausência de um embasamento teórico no que diz respeito a análise dos diversos gêneros que englobam a multimídia observando que até então, as teorias e críticas dirigidas a análise de filmes, videoclips2 ou comerciais de TV, além do balé, da ópera ou da canção utilizam-se de critérios isolados em suas essências. Chion conduz seu livro conceituando relações audiovisuais dirigidas ao cinema, mas no final propõe um esboço para análise aplicável a todos os gêneros que englobam a multimídia. O livro de Cook tem como proposta dois objetivos: partir da linguagem musical para outras manifestações que a acompanha (mídias envolvidas numa determinada “peça” de multimídia) e, questionar se estas outras manifestações já não são intrínsecas à experiência musical. Na expressão Musical Multimedia do título, o termo Musical não aparece apenas para justificar sua área de atuação como musicólogo e teórico da música mas sobretudo para explicar uma orientação metodológica que parte essencialmente de 2 Traduzimos o termo ‘music videos’, como Cook emprega no original, por ‘videoclip’, cujo significado já está incorporado em nosso vocabulário quotidiano - um gênero audiovisual da música popular que geralmente acrescenta uma ‘trilha’ de imagens a uma canção já finalizada e difundida pela mídia. O autor cita como exemplo, entre outros, ‘Material Girl’ de Madonna. 4 uma abordagem da música em relação a outros meios, procurando estender as fronteiras da teoria musical para englobar, ou pelo menos mapear estas fronteiras com palavras, gestos ou imagens em movimento, objetivo que sem dúvida vem de encontro ao nosso. Não se trata tampouco de achar que todos os gêneros que englobam a multimídia sejam intrinsecamente musicais (embora o sejam a maior parte deles) mas, de lutar contra a grande maioria das abordagens que quase sempre reduzem o papel da música a mero complemento, aliás, também a tônica de M. Chion em L’Audio-Vision. Ambos, embora por caminhos diferentes, dirigem-se para um lugar comum: o ponto em que estas novas manifestações artísticas se confrontam com a percepção humana, questionando a percepção individual dos sentidos e suas significações. Como observa Cook, “a verdade é que a arte musical vem se expandindo: mas ela está se expandindo fora da teoria da música”. (Cook, 1998: p.:vii) O capítulo II foi dedicado a descrição das modalidades de relações som/imagem encontradas no gênero Música-Vídeo, segundo a concepção, difusão e percepção das diferentes interações. Para chegar a esta modelização, partimos do desenvolvimento da própria pesquisa, da trajetória da construção de minha obra e, dos depoimentos dos compositores cujas obras foram utilizadas para definir os modelos que, incluídos neste capítulo, ilustram e reforçam a classificação. Estes depoimentos foram respostas a um questionário por nós elaborado, cuja meta era nortear as principais questões implícitas na criação de uma Música-Vídeo com enfoque na concepção, construção e significação da obra. São três as observações que consideramos básicas na distinção da Música-Vídeo: 1) Quando a digitalização torna compatível imagem e som sobre um mesmo suporte não perecível, de alta qualidade e custo mais baixo, manifesta-se um interesse crescente entre os compositores na utilização da imagem como parte integrante do conteúdo de suas obras. Cada um, a sua maneira, soma à linguagem sonora a linguagem visual, gerando por assim dizer, um produto que pouco ou nada se assemelha ao audiovisual desenvolvido no cinema ou na televisão. 2) Com raras exceções, não são apenas duas linguagens mas dois artistas diferentes que contrapõem seus estilos, suas técnicas etc.. Na música, o som sugere imagens que lhe são próprias e, por outro lado, toda imagem contém seu próprio som, mesmo que seja o silêncio. 3) Chama atenção o fato de que estes compositores permanecem absolutamente fiéis aos seus estilos musicais assim como às maneiras de construir suas músicas, apesar das interações no ato composicional, tanto que a maior parte destas obras pode ser apenas ouvida, sustentando-se enquanto arte sonora independentemente das imagens, mesmo que ganhe um outro significado. O gênero para o qual apontamos é aquele em que a linguagem visual se soma à linguagem sonora seja: utilizando som e imagem sobre um só suporte; utilizando-se de suportes individuais de som e imagem manipulados em cena e/ou mixados a eventos produzidos em tempo real; ou ainda, som e imagem apenas manipulados em tempo real. Ou seja, como nas músicas eletroacústicas, uma música-vídeo pode estar num DVD, como no caso da tape music, pode estar parcialmente sobre suporte e mixada a outros eventos sonoros/visuais ao vivo, como no caso da música mista, e ainda, imagem e som podem ser controlados ou processados em tempo real, como no caso da live electronic music. Assim, a Música-Vídeo é descendente direta da música eletroacústica porque enquadra-se perfeitamente em todas as categorias desta, diferenciando-se unicamente pela soma da linguagem visual, o que em nossa opinião a distingue como um novo gênero. 5 Seguindo nossa proposta metodológica, a Música-Vídeo representa uma terceira fase na visualidade da linguagem sonora, fase que se constitui na soma das duas anteriores, respectivamente ver/ouvir e ouvir/ver: imagem e som, como duas linguagens independentes, justapõem-se (ou contrapõem-se) gerando uma nova forma de expressão – porque demanda não apenas novos domínios técnicos como também novas difusões e percepções. O 3º e 4º capítulos, respectivamente, nossa proposta para uma análise da Música-Vídeo e o exemplo de uma obra analisada, reforçam a questão que permeia toda a tese - ver/ouvir, ouvir/ver - e no caso, sendo este gênero a soma das duas percepções oriundas das músicas acústica e eletroacústica, a análise parte das duas perguntas que na verdade já se tornaram clássicas entre os teóricos do audiovisual: No áudio: O que é que eu vejo daquilo que ouço? No vídeo: O que é que eu ouço daquilo vejo? Em resumo, numa primeira etapa a sugestão é trabalhar com os conceitos aplicados a cada linguagem separadamente, ouvindo sem ver e vendo sem ouvir. E numa segunda etapa, a relação som/imagem: Como se opera a soma das percepções ? MODALIDADES DE RELAÇÕES SOM /IMAGEM NA MÚSICA/VÍDEO Na tese, chegamos a uma primeira classificação incluindo 5 modalidades que agrupam 12 modelos segundo a concepção e a percepção das diferentes interações na relação som/imagem, do gesto instrumental tradicional às interfaces interativas em tempo real. Segue apresentação de tabelas na seguinte ordem: modalidade, descrição, modelo, descrição do modelo, obra que deu origem ao modelo, autor da música, autor da imagem, equivalência na categoria das músicas eletroacústicas. 1ª MODALIDADE Quando a imagem é a partitura dando origem ao processo de construção do sonoro. Modelo I Modelo II A imagem da origem a criação de A imagem dá origem à construção das materiais sonoros estruturas e organizações formais da música Di-Stances (1982) Dueto I + 1 (1978) Música: Vania Dantas Leite Música: Rodolfo Caesar / Vania D.Leite Imagem: Paulo Garcez (Exemplo 1) Imagem: Milton Machado (Exemplo 2) Som e imagem sobre suporte - DVD Suporte sonoro, piano (partitura com (versão digital com edição de imagens de escrita tradicional) e projeção de uma Rara Dias, 2002) imagem/desenho-partitura durante a execução em concerto. (versão de 2002) Categoria tape music ou música de suporte Categoria da música mista Nota explicativa: Dos exemplos que se seguem, o Exemplo 1 é uma das dezesseis páginas dos desenhos/partitura do artista plástico Paulo Garcez que originaram a música. 6 Exemplo 1 - Di-Stances - desenho/partitura de Paulo Garcez 7 O Exemplo 2, de M. Machado, surgiu em aquarela sobre papel em 1978, sendo re-desenhado com lápis hidrográfico em 1982 e digitalizado em 2002, versão aqui utilizada. O desenho se constitui de 45 compassos dispostos em 5 linhas de 9 colunas. Cada compasso acrescenta mais um (+ 1) evento sonoro ao anterior (I + 1). Assim, por acúmulo, no último compasso deve-se ouvir 45 eventos de cada instrumentista. Outro parâmetro ditado pela partitura é a escolha de 12 sons ou 12 eventos sonoros que correspondem às 12 cores utilizadas por Machado. Exemplo 2 - Dueto 1+I - partitura de Milton Machado 2ª MODALIDADE Quando o som é concebido para a imagem já concluída ou vice-versa Modelo III Modelo IV O compositor interpreta imagens O artista plástico acrescenta à música concluída sobre suporte sua sequenciadas e finalizadas em suporte concepção visual Ranap-Gaô (2002) Música: Rodolfo Caesar Imagem: Simone Michelin Som e imagem sobre suporte - DVD + & - (1999) Música: Vania Dantas Leite Imagem: Anna Maria Maiolino Som e imagem sobre suporte - DVD Categoria tape music oumúsica de suporte Categoria tape music ou música de suporte 8 3ª MODALIDADE Quando o som real da imagem é tomado como fonte sonora (instrumento) para a construção da música. Modelo V Modelo VI O som real da imagem, enquanto material O som da imagem constrói o sonoro a mimético ou processado, gera a música. partir da mimese tímbrica e sintática, utilizando-se também de aspectos culturais da sonoridade e estruturações formais. Obra (2002) Som e imagem sobre suporte - DVD Paisagem Sonora para a Paisagem Carioca (2000) Música: Tim Rescala Imagem: Marcello Dantas / Gustavo Moura Som e imagem sobre suporte DVD Categoria música de suporte Categoria música de suporte Música: Vania Dantas Leite Imagem: Valéria Costa Pinto 4ª MODALIDADE Quando imagem e música, juntas, interagem na concepção e estruturação do processo criativo. É necessária a interação dos artistas (visual e sonoro). Um não interpreta o outro mas, trabalham numa ação conjunta, podendo também um só artista manipular as duas linguagens. Modelo VII Modelo VIII Os dois elementos são concebidos Uma constante troca de idéias entre o simultaneamente por um só artista, coreógrafo e o músico definem o processo conduzindo o processo composicional de interação entre música e dança, com imagens processadas em tempo real: esta interação de idéias e técnicas conduz o processo composicional. 1) Raga in the Amazon (1995) 2) O Rito da Repetição (2002) 1) Música e Imagem: Jocy de Oliveira 2) Música e Imagem: Tato Taborda Reflect (2002) Música: Elaine Thomazi Freitas Imagem: Christina Towle (coreografia) 1) Som e Imagem em DVD (o suporte Som e imagem sobre suporte DVD também é utilizado como projeção em cena da ópera “Inori” da autora equivalente a música mista). 2) Som e imagem sobre suporte - DVD 1) Categoria música mista 2)Categoria música de suporte 1ª versão na categoria música mista 2ª - Categoria música de suporte 9 (4ª MODALIDADE /cont.) Modelo IX Concepção conjunta de interações som/imagem entre os artistas criadores para a construção da obra e da ocupação do espaço no contexto do concerto. DesConcerto (2003) Música: Vania Dantas Leite Imagem: Simone Michelin / Elaine Thomazi Freitas (Processamento de Imagem em TR) Diversos suportes de audiovisual, interfaces de processamento de som e imagem em TR Versão original: grande instalação em forma de concerto ou vice-versa. Categoria música mista e live electronics 5ª MODALIDADE Quando a imagem é utilizada como ilustração da música. Neste caso, a imagem possui um sentido - real ou simbólico - que ilustra e reforça a concepção do sonoro. Nada mimético como no caso de corpos sonoros emissores do som mas, algo que contenha o simbólico, o metafórico da linguagem musical. O gesto é de grande importância nesta modalidade e é através da gestualidade que a relação som/imagem se concretiza aqui. Modelo X Modelo XI A imagem que simboliza o sonoro é Uma situação real de concerto é filmada projetada enquanto cenário virtual no com a finalidade de, não apenas palco de concerto. documentar mas, criar um suporte audiovisual que ganhe uma independência, uma nova forma de associar e apreciar movimentos e gestos gerados pela música executada em tempo real.. Obalúayé (1998) Curva (Duplos) (1997) Sound (1995) Música:Vania Dantas Leite Música: Luis Carlos Csekö Imagem: Antonio Dias Imagem: Simone Michelin Edição de imagem em DVD: Rara Dias (Versões digitais de ambos os trabalhos (versão digital - 2002) em 2001) Som e Imagem em DVD (o suporte Som e imagem sobre suporte DVD também é utilizado como projeção em cena de “Fantasia de Brasil”, da autora. Categoria música de suporte Categoria música de suporte (5ª MODALIDADE /cont.) Modelo XII A dança coreografada no palco é transportada para o suporte. Sforzato/piano (1994) Música: Vania Dantas Leite Imagem: Vera Lopes (coreografia) e Joana Correa (bailarina). Som e imagem em suporte DVD Categoria música de suporte 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS: O gênero musical para o qual apontamos é apenas mais uma das manifestações artísticas de nossos dias, recém-nascido da explosão tecnológica que coloca a disposição do artista não somente novas ferramentas mas, a possibilidade real de justapor diferentes linguagens – a multimídia. Nossa tarefa foi nomear e comprovar a existência da MúsicaVídeo, gênero que, na verdade, já vem sendo há muito tempo praticado por muitos compositores, principalmente entre os de nossa comunidade, no Rio de Janeiro. Existem certamente muito mais modelos do que os que foram aqui examinados. De um videoclipe a uma instalação sonora, as modalidades vem se desdobrando e, a cada dia, descortinam-se novos horizontes na mistura das linguagens.Até maio de 2004, data da defesa desta tese, não encontramos nenhuma bibliografia ou referência ao assunto, com as intenções específicas que foram aqui adotadas. Acreditamos ter dado um primeiro passo para atender a uma necessidade de pensar o gênero, de criar bases teóricas e analíticas não só para fundamentá-lo como também, contribuir para que futuras obras possam ser construídas de maneira mais consciente. O domínio dos meios tecnológicos e da manipulação de programas que permitem misturar as linguagens visual e sonora não é suficiente para a criação de uma obra de arte. A facilidade tecnológica que cada vez mais se encontra ao alcance de qualquer pessoa, tanto para rapidamente criar quanto difundir um produto audiovisual na mídia, é uma faca de dois gumes. Se por um lado, ela propicia ao artista ferramentas mais eficientes que abrem a cada dia mais caminhos e melhor qualidade material para seu produto, por outro, esta mesma facilidade pode distanciá-lo de um processo mais elaborado e profundo na construção do conteúdo e do significado de sua criação. Trabalhar com imagens somadas a composição musical não é uma tarefa fácil. Como vimos, historicamente, o ponto de partida da maioria das músicas foi vocal/instrumental. Esta origem é ainda tão atávica ao ser humano que mesmo a música tecnológica de hoje continua a se apoiar no mesmo antigo modelo. Como diz Chion, quando se fala de um som de computador, continua-se a ligar o som à sua fonte de origem, ao instrumento que o produz - mesmo que a técnica de gravação tenha disponibilizado para o músico, há 50 anos atrás, um modelo diferente de realizar e conceber a música, um modelo não instrumental, porque propicia usar o som desvinculado de sua fonte causal. Assim, vemos que a maneira de falar da música e de seus meios condiciona a maneira de pensar a música e de praticá-la (Chion: 1994). Foi principalmente com este objetivo, o de repensar a relação entre a música, os meios e a tecnologia que mergulhamos neste trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CHION, M. Músicas, Medias e Tecnologia. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. ____________. L’Audio-Vision - Son et image au cinéma. Paris: Nathan, coll. “Nathan cinéma”, 2ème édition, 2002. ____________. Le Son. Paris: Nathan, coll. “Fac”, 1998. ____________. L”Art des Sons Fixés ou la Musique Concrètement. Fontaine: Éditions Metamkine, 1991. 11 COOK, N. Analysing Musical Multimedia. New York: Oxford University Press Inc., 2ª ed.., 2000. DANTAS LEITE, V. Relação Som/Imagem. 2004. Tese (Doutorado em Música) CLA-PPGM, UNIRIO, Rio de Janeiro. EMMERSON, S. The Relation of Language to Materials. In: EMMERSON, S. (ed.). The Language of Electroacoustic Music. London: The Macmillan Press, 1986. 12