Termodinâmica dos Burados Negros Diego S. de Oliveira, Vilson T. Zanchin Centro de Ciências Naturais e Humanas, Universidade Federal do ABC Santo André, São Paulo, Brazil Resumo A análise termodinâmica de buracos negros é feita através da analogia das variáveis termodinâmicas e das variáveis mecânicas do buraco negro. O precursor da Termodinâmica de Buracos Negros foi Bekenstein [1], e após os trabalhos de Hawking [2] ficou mostrado que o modelo é mais que uma analogia, as váriaveis se intercambiam de fato. Assim podemos analisar termodinamicamente um buraco negro com a segurança de estar realmente descrevendo algo de realidade física e não apenas um modelo análogo. Para entender melhor essa mecânica, primeiramente foram utilizados como exemplos os modelos de Kerr-Neumman e de Schwarztschild. Em seguida tratamos do caso de um buraco negro de Schwarzschild anti-de Sitter e da constante cosmológica como uma variável termodinâmica. I. INTRODUÇÃO A análise termodinâmica de sistemas físicos é de grande utilidade, já que se trata de uma teoria muito bem estruturada e estudada. Tais atributos a tornam uma poderosa ferramenta para o entendimento de novos sistemas que ainda não são compreendidos. O emprego da termodinâmica em buracos negros (BN) decorre de uma série de semelhanças que incluem, p.e., a analogia entre área de um buraco negro e a entropia termodinâmica [1], ambas aumentam de forma irreversível. Posteriormente, com os trabalhos de Hawking [2], ficou demonstrado que relação entre área e gravidade superficial do buraco negro, respectivamente, com a entropia e a temperatura de um sistema termodinâmico é mais do que uma analogia são de fato proporcionais e o modelo desenvolvido inicialmente como uma analogia passou a ser a um modelo teórico fisicamente bem fundamentado, constituindo a Termodinâmica dos Buracos Negros. Assim, pode-se usar a já conhecida teoria termodinâmica para investigar um novo sistema, um buraco negro. II. OS PRINCÍPIOS DA TERMODIMÂMICA Para a Termodinâmica dos Buracos Negros é necessário um profundo conhecimento de termodinâmica. Aqui vamos destacar os princípios fundamentais [3]. Anteprimeira Lei da Termodinâmica: “ Se dois corpos estão em equilíbrio té rmico com um terceiro, então eles estão em equilíbrio térmico entre si. É o princípio da Termodinâmica que introduz o conceito e temperatura T : T é a mesma para sistemas em equilíbrio térmico. (1) Primeira Lei da Termodinâmica: Para um sistema termodinâmico isolado que percorre um ciclo completo, temos que o calor transferido é igual ao trabalho realizado, de acordo com o princípio da conservação da energia. Para processos infinitesimais teremos: n X dU = δQ − δW + µk Nk . (2) k U é a energia interna do sistema, Q os calores envolvidos no processo, W o trabalho envolvido, µ o potencial químico, e N o número de moles das substâncias. Segunda Lei da Termodinâmica: É impossível construir um dispositivo que opere num ciclo termodinâmico e que não produza outros efeitos além de trabalho e troca de calor com um único reservatório térmico (Kelvin). É possível demonstrar através da desigualdade de Clausius [3] que: δQ dS = ≥ 0. (3) T Rev S é a propriedade termodinâmica conhecida como entropia, e o fato de ∆S ≥ 0 é denominado princípio do aumento de entropia. Terceira Lei da Termodinâmica: O postulado de NernstPlanck ou terceira lei da termodinâmica nos diz o seguinte: S(T ) → 0, T → 0, quando (4) para qualquer substância em equilíbrio termodinâmico, ou seja, a entropia tende a zero quando a temperatura tende a zero. Potenciais Termodinâmicos: O uso dos potenciais termodinâmicos é motivado pelo fato de que experimentalmente é mais fácil medir e controlar parâmetros intensivos do que extensivos. Por exemplo, encontramos em labotatórios termômetros e termostatos, que facilmente podem ser usados para medir a temperatura, ao invés de instrumentos para medir e controlar a entropia. Dentre os potenciais interessantes podemos citar o potencial de Helmholtz F = F (T, V, N ) e o de Gibbs G = G(T, P, N ). Para estes potenciais, valem as seguintes relações [3]: n X dF = −SdT − P dV + µk Nk , (5) dG = −SdT + V dP + k n X k µk Nk , (6) Calores Específicos: O calor específico molar a pressão constante , cp , pode ser definido como o fluxo de calor quaseestático por mol requerido para que se aumente uma unidade de temperatura de um sistema mantido a pressão constante. Como cP não depende de P , deve haver uma relação entre ele e o potencial de Helmholtz F [T ]. Essa relação é dada por: 1 ∂F cP = . (7) N ∂T P,N O calor específico molar a volume constante, cV , é definido como o fluxo quase-estático de calor requerido por mol para produzir o acréssimo de uma unidade temperatura a volume constante. Como cV não tem dependência com V , deve haver uma relação entre cV e a energia livre de Gibbs G[T, P ]. Essa relação é dada por: 1 ∂G cV = . (8) N ∂T V III. ANALOGIA ENTRE A MECÂNICA DOS BURACOS NEGROS E TERMODINÂMICA A energia associada à massa irredutível, que não pode ser extraída, é interpretada como degradação de energia, o que lembra a entropia, pois esta é vinculada a degradação de energia em um sistema termodinâmico. A relação massa irredutível-área (A) e área racionalizada (α) de um buraco negro é dada por [4], A 2 = 4Mir . (9) 4π Considerando o BN de Kerr-Newman [5], onde o raio do horizonte de eventos, que determina a área é dado por: α= α= 2 r+ 2 2 + a = 2M r+ − Q . (10) Diferenciando (10) em função da massa temos: dM = Θdα + φdQ + ΩdL, (11) onde fizemos as seguintes definições: 1 r+ − r− ∂M Θ= , (12) ∂α L,Q = 4 α a ∂M Ω= , (13) ∂L α,Q = α Qr+ ∂M φ= . (14) ∂Q α,L = α As quantidades Θ, Ω, φ e são respectivamente a gravidade superficial, a velocidade angular de rotacão e o potencial elétrico do buraco negro. Sabendo que α é o análogo da entropia, temos na Eq. (11) que Θ é o análogo da temperatura. A quantidade Θ dα é análoga do calor reversível dQ = T dS. A parte ΩdL + φdQ expressa o trabalho realizado pelo buraco negro, logo é o análogo de −P dV + µdN . Por fim, o lado esquerdo da equação (11) tem apenas a massa M , então M , que é de fato a energia total do buraco negro, é o analogo da energia interna U . Assim, a expressão, dM = Θdα + φdQ + ΩdL, é análoga a Primeira Lei da Termodinâmica. Agora através dos análogos do potenciais de Helmholtz F Gibbs G, temos dF = −αdΘ − ΩdL + φdQ, (15) dG = −αdΘ + LdΩ + φdQ, (16) e podemos calcular os respectivos calores específicos: ∂F ∂G , CΩ,Q = . CL,Q = ∂Θ L,Q ∂Θ Ω,Q (17) Para calcular as derivadas, temos de escrever Θ explicitamente em função das respectivas varáveis. Fazendo isso, encontramos CL,Q = M Θ α3 . L2 + Q4 /4 − Θ2 α3 (18) Podemos obter CΩ através de uma relação conhecida entre os calores específicos a pressão e a volume constantes [3], mas os detalhes não serão apresentado aqui. O caso do BN de Kerr-Newman foi apresentado primeiro por ter mais parâmetros livres e assim permitir uma comparação mais completa com um sistema termodinâmico padrão. Por outro lado, o buraco negro de Schwarzschild, que é dotado exclusivamente de massa (M ), torna mais fácil a interpretação dos resultados e, portanto, é um caso interessante para compreensão da natureza dos BN’s. A área racionalizada para um buraco negro de Schwarzschild é da da por α = 4M 2 . Diferenciando esta relação e resolvendo para a massa M , resulta dM = 4√1 α dα. Assim,temos que a temperatura do buraco negro de Schwarzschild será: 1 dM 1 =Θ= √ = , dα 8M 4 α (19) indicando que quanto menor a massa do buraco negro maior será sua temperatura. Além disso, temos que o potencial de Gibbs e de Helmholtz serão iguais e são tais que dF = dG = −αdΘ. Logo, há um único calor específico, dado por, 1 = −4M 2 . (20) 16Θ2 Desta forma, vemos que calor específico do buraco negro de Schwarzschild é sempre negativo, de onde chega-se á conclusão que a temperatura Θ sempre diminui. Se expressarmos a área em função da temperatura, temos A = πΘ−2 /4. O fato da área nunca diminuir é conhecida como Lei das Áreas dos buraco negro ou teorema de Hawking [6]. A conclusão que chegamos não vale como prova do teorema, já que consideramos apenas a variação de área em relação à temperatura. De fato, o teorema é mais geral e pode ser enunciado na seguinte forma: Teorema 3.1: Lei das Áreas A área da superfície de um buraco negro nunca diminui em qualquer processo físico, C = −α = − δA ≥ 0. (21) Além disso, uma vez que a temperatura Θ é proporcional à gravidade superficial do buraco negro, pode-se anunciar o análgo a Lei Zero da Mecânica dos Buracos Negros: Anteprimeira Lei da Mecânica dos BN: “A gravidade superficial de um buraco negro estacionário é a mesma em toda a superfície do mesmo”. IV. BURACO NEGRO SCHWARZCHILD-ANTI DE SITTER Vamos considerar aqui o caso do BN de Schwarzschildanti de Sitter, o qual é caracterizado pela sua massa M e por uma constante adicional, que chamaremos de β, a qual está relacionada com a constante cosmológica Λ por β 2 = Λ/3. Para tal BN, o raio do horizonte de eventos r, a massa M e constante β estão relacionados por: 2 r = 2M β2 23 = A = α, 4π (22) a qual, diferenciada e resolvida em função de M , produz ! 3 1 3 β2α 2 = β 2 α 2 dα dM = d (23) 2 4 Como a equação da Primeira Lei da Termodinâmica é linear, 3 pode definir um parametro φ = βα 2 , e escrever a equação da Primeira Lei na forma dM = Θ dα + φ dβ. A quantidade φ faz a função de potencial químico ∂M φ= . ∂β M V. A CONSTANTE COSMOLÓGICA COMO VARIÁVEL TERMODINÂMICA Nesse caso temos as mesmas condições do anterior, a única diferença é β ser uma variável. Assim, temos ainda que a entropia racionalizada é dada pela Eq. (22). Resolvendo para M e diferenciando resulta em dM = 3 3 2 1 β α 2 dα + βα 2 dβ, 4 (24) que é a Primeira Lei da Termodinm̂ica para este BN. Nela identificamos imediatamente a temperatura: Θ= 1 3 ∂M = β2α 2 , ∂α 4 que é idêntica ao caso da seção anterior. (25) (27) O significado termodinâmico de β pode ser investigado considerando processos em que a energia permaneça constante. Essa hipótese juntamente coma a relação de Gibbs-Duhem [3], α dΘ + β dφ = 0, produzem, entre outras possibilidades, α Θ + β φ = constante, de onde percebe-se que o termo β φ realiza trabalho oposto ao termo P V num sistema usual. Por outro lado, dado que M é constante, pode-se escrever β como 3 3 β = (α0 ) 4 β0 α− 4 , onde α0 é a área inicial do BN e β0 é o valor inicial de β. Vê-se então que a variação de β diminui com a área (entropia) e que β0 é o maior valor que 3 β pode assumir. Pela análise termodinâmica, o termo βα 2 dβ corresponde a um trabalho −dW , e neste caso, a variação de trabalho é dada por 3 Esta é a primeira Lei da Termodinâmica para o buraco negro de Schwarzschild-anti de Sitter (SAdS). Podemos assim calcular 3 2 12 a temperatura do BN SAdS Θ = dM dα = 4 β α . Portanto, podemos escrever diretamente os potenciais e obter sua forma diferencial dF = dG = −αdΘ. Neste caso o calor específico é C = dM dΘ = +2α. Pelos resultados vemos que a constante β age no sentido de alterar o valor da temperatura. Também vemos que não há alteração co calor específico C com a variação de β. Isso deve-se ao fato que aumentar ou diminuir a temperatura não altera as propriedades intrínsecas do buraco negro, da mesma forma como numa sistema termodinâmico usual. Além disso, a diferente relação entre energia e temperatura faz com que o calor específico C seja positivo, de modo que este buraco negro tenha propriedades termodinâmicas semelhantes ao um sistema termodinâmico usual, no sentido que um aumento de energia acarreta um aumento de temperatura, e vice-versa. (26) 4W = −β02 (α0 ) 2 ln( β ). β0 (28) Como temos que ln ββ0 é sempre negativo, o trabalho é realizado pelo sistema (4W > 0). A interpretação mais plausível é a de que φ seja uma espécie de potencial químico ou potencial elétrico e, portanto, β seja o análogo a número de partículas, ou á carga elétrica. VI. CONCLUSÃO Através da analogia entre a Termodinâmica e a Dinâmica dos Buracos foi possível interpretar conceitos que são característicos da física dos buracos negros, como seu calor específico negativo e a "Lei das Áreas". A partir desses estudos consegue-se explorar novos modelos de buracos negros. Em particular, investigamos buracos negros dependentes de um novo parâmetro β, relacionado com a constante cosmológica. No caso onde β é considerado uma variável termodinâmica, surge um termo de trabalho que pode fazer com que a energia interna (U ) se mantenha constante em certos processos. Assim, obteve-se alguns resultados interessantes, ainda que a maioria conhecidos, mas a termodinâmica do buraco negro de Schwarzschild-anti de Sitter onde a constante cosmolíogica é tratada como uma variável termodinâmica é um estudo inédito. R EFERÊNCIAS [1] J. D. Berkenstein, Phys. Rev. D 7, 8 (1973). [2] S. W. Hawking, Nature 248, 30 (1974); Comm. Math. Phys. 43, 199 (1975). [3] H. B. Callen, Thermodynamics and an Introduction to Thermostatistics (Wiley, New York, 1985). [4] D. Christodoulou, Phys. Rev. Lett. 25, 1596 (1970). [5] Veja-se, e.g., C. W. Misner, K. S. Thorne e J. A. Wheeler, Gravitation (Freeman & Co., New York, 1973). [6] V. T. Zanchin, "Sobre a Termodinâmica dos ’Buracos Negros Fortes’ e suas possíveis aplicações", Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, 1987.