82 Termodinâmica dos Burados Negros

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Termodinâmica dos Burados Negros
Diego S. de Oliveira, Vilson T. Zanchin
Centro de Ciências Naturais e Humanas, Universidade Federal do ABC
Santo André, São Paulo, Brazil
Resumo
A análise termodinâmica de buracos negros é feita através da analogia das variáveis termodinâmicas e das variáveis
mecânicas do buraco negro. O precursor da Termodinâmica de Buracos Negros foi Bekenstein [1], e após os trabalhos de
Hawking [2] ficou mostrado que o modelo é mais que uma analogia, as váriaveis se intercambiam de fato. Assim podemos
analisar termodinamicamente um buraco negro com a segurança de estar realmente descrevendo algo de realidade física e
não apenas um modelo análogo. Para entender melhor essa mecânica, primeiramente foram utilizados como exemplos os
modelos de Kerr-Neumman e de Schwarztschild. Em seguida tratamos do caso de um buraco negro de Schwarzschild anti-de
Sitter e da constante cosmológica como uma variável termodinâmica.
I. INTRODUÇÃO
A análise termodinâmica de sistemas físicos é de grande
utilidade, já que se trata de uma teoria muito bem estruturada e estudada. Tais atributos a tornam uma poderosa
ferramenta para o entendimento de novos sistemas que ainda
não são compreendidos. O emprego da termodinâmica em
buracos negros (BN) decorre de uma série de semelhanças
que incluem, p.e., a analogia entre área de um buraco negro
e a entropia termodinâmica [1], ambas aumentam de forma
irreversível. Posteriormente, com os trabalhos de Hawking
[2], ficou demonstrado que relação entre área e gravidade
superficial do buraco negro, respectivamente, com a entropia
e a temperatura de um sistema termodinâmico é mais do que
uma analogia são de fato proporcionais e o modelo desenvolvido inicialmente como uma analogia passou a ser a um
modelo teórico fisicamente bem fundamentado, constituindo
a Termodinâmica dos Buracos Negros. Assim, pode-se usar
a já conhecida teoria termodinâmica para investigar um novo
sistema, um buraco negro.
II. OS PRINCÍPIOS DA TERMODIMÂMICA
Para a Termodinâmica dos Buracos Negros é necessário
um profundo conhecimento de termodinâmica. Aqui vamos
destacar os princípios fundamentais [3].
Anteprimeira Lei da Termodinâmica: “ Se dois corpos
estão em equilíbrio té rmico com um terceiro, então eles estão
em equilíbrio térmico entre si. É o princípio da Termodinâmica
que introduz o conceito e temperatura T :
T é a mesma para sistemas em equilíbrio térmico.
(1)
Primeira Lei da Termodinâmica: Para um sistema termodinâmico isolado que percorre um ciclo completo, temos que
o calor transferido é igual ao trabalho realizado, de acordo
com o princípio da conservação da energia. Para processos
infinitesimais teremos:
n
X
dU = δQ − δW +
µk Nk .
(2)
k
U é a energia interna do sistema, Q os calores envolvidos no
processo, W o trabalho envolvido, µ o potencial químico, e
N o número de moles das substâncias.
Segunda Lei da Termodinâmica: É impossível construir
um dispositivo que opere num ciclo termodinâmico e que não
produza outros efeitos além de trabalho e troca de calor com
um único reservatório térmico (Kelvin). É possível demonstrar
através da desigualdade de Clausius [3] que:
δQ
dS =
≥ 0.
(3)
T Rev
S é a propriedade termodinâmica conhecida como entropia,
e o fato de ∆S ≥ 0 é denominado princípio do aumento de
entropia.
Terceira Lei da Termodinâmica: O postulado de NernstPlanck ou terceira lei da termodinâmica nos diz o seguinte:
S(T ) → 0,
T → 0,
quando
(4)
para qualquer substância em equilíbrio termodinâmico, ou
seja, a entropia tende a zero quando a temperatura tende a zero.
Potenciais Termodinâmicos: O uso dos potenciais termodinâmicos é motivado pelo fato de que experimentalmente
é mais fácil medir e controlar parâmetros intensivos do que
extensivos. Por exemplo, encontramos em labotatórios termômetros e termostatos, que facilmente podem ser usados para
medir a temperatura, ao invés de instrumentos para medir
e controlar a entropia. Dentre os potenciais interessantes
podemos citar o potencial de Helmholtz F = F (T, V, N ) e
o de Gibbs G = G(T, P, N ). Para estes potenciais, valem as
seguintes relações [3]:
n
X
dF = −SdT − P dV +
µk Nk ,
(5)
dG = −SdT + V dP +
k
n
X
k
µk Nk ,
(6)
Calores Específicos: O calor específico molar a pressão
constante , cp , pode ser definido como o fluxo de calor quaseestático por mol requerido para que se aumente uma unidade
de temperatura de um sistema mantido a pressão constante.
Como cP não depende de P , deve haver uma relação entre
ele e o potencial de Helmholtz F [T ]. Essa relação é dada por:
1 ∂F
cP =
.
(7)
N ∂T P,N
O calor específico molar a volume constante, cV , é definido
como o fluxo quase-estático de calor requerido por mol para
produzir o acréssimo de uma unidade temperatura a volume
constante. Como cV não tem dependência com V , deve haver
uma relação entre cV e a energia livre de Gibbs G[T, P ]. Essa
relação é dada por:
1 ∂G
cV =
.
(8)
N ∂T V
III. ANALOGIA ENTRE A MECÂNICA DOS
BURACOS NEGROS E TERMODINÂMICA
A energia associada à massa irredutível, que não pode
ser extraída, é interpretada como degradação de energia, o
que lembra a entropia, pois esta é vinculada a degradação
de energia em um sistema termodinâmico. A relação massa
irredutível-área (A) e área racionalizada (α) de um buraco
negro é dada por [4],
A
2
= 4Mir
.
(9)
4π
Considerando o BN de Kerr-Newman [5], onde o raio do
horizonte de eventos, que determina a área é dado por:
α=
α=
2
r+
2
2
+ a = 2M r+ − Q .
(10)
Diferenciando (10) em função da massa temos:
dM = Θdα + φdQ + ΩdL,
(11)
onde fizemos as seguintes definições:
1 r+ − r−
∂M
Θ=
,
(12)
∂α L,Q =
4
α
a
∂M
Ω=
,
(13)
∂L α,Q =
α
Qr+
∂M
φ=
.
(14)
∂Q α,L =
α
As quantidades Θ, Ω, φ e são respectivamente a gravidade
superficial, a velocidade angular de rotacão e o potencial
elétrico do buraco negro.
Sabendo que α é o análogo da entropia, temos na Eq. (11)
que Θ é o análogo da temperatura. A quantidade Θ dα é
análoga do calor reversível dQ = T dS. A parte ΩdL + φdQ
expressa o trabalho realizado pelo buraco negro, logo é o
análogo de −P dV + µdN . Por fim, o lado esquerdo da
equação (11) tem apenas a massa M , então M , que é de
fato a energia total do buraco negro, é o analogo da energia
interna U . Assim, a expressão, dM = Θdα + φdQ + ΩdL, é
análoga a Primeira Lei da Termodinâmica.
Agora através dos análogos do potenciais de Helmholtz F
Gibbs G, temos
dF = −αdΘ − ΩdL + φdQ,
(15)
dG = −αdΘ + LdΩ + φdQ,
(16)
e podemos calcular os respectivos calores específicos:
∂F
∂G
,
CΩ,Q =
.
CL,Q =
∂Θ L,Q
∂Θ Ω,Q
(17)
Para calcular as derivadas, temos de escrever Θ explicitamente
em função das respectivas varáveis. Fazendo isso, encontramos
CL,Q =
M Θ α3
.
L2 + Q4 /4 − Θ2 α3
(18)
Podemos obter CΩ através de uma relação conhecida entre os
calores específicos a pressão e a volume constantes [3], mas
os detalhes não serão apresentado aqui.
O caso do BN de Kerr-Newman foi apresentado primeiro
por ter mais parâmetros livres e assim permitir uma comparação mais completa com um sistema termodinâmico padrão.
Por outro lado, o buraco negro de Schwarzschild, que é
dotado exclusivamente de massa (M ), torna mais fácil a
interpretação dos resultados e, portanto, é um caso interessante
para compreensão da natureza dos BN’s.
A área racionalizada para um buraco negro de Schwarzschild é da da por α = 4M 2 . Diferenciando esta relação e resolvendo para a massa M , resulta dM = 4√1 α dα. Assim,temos
que a temperatura do buraco negro de Schwarzschild será:
1
dM
1
=Θ= √ =
,
dα
8M
4 α
(19)
indicando que quanto menor a massa do buraco negro maior
será sua temperatura. Além disso, temos que o potencial de
Gibbs e de Helmholtz serão iguais e são tais que dF = dG =
−αdΘ. Logo, há um único calor específico, dado por,
1
= −4M 2 .
(20)
16Θ2
Desta forma, vemos que calor específico do buraco negro de
Schwarzschild é sempre negativo, de onde chega-se á conclusão que a temperatura Θ sempre diminui. Se expressarmos
a área em função da temperatura, temos A = πΘ−2 /4.
O fato da área nunca diminuir é conhecida como Lei das
Áreas dos buraco negro ou teorema de Hawking [6]. A
conclusão que chegamos não vale como prova do teorema,
já que consideramos apenas a variação de área em relação
à temperatura. De fato, o teorema é mais geral e pode ser
enunciado na seguinte forma:
Teorema 3.1: Lei das Áreas A área da superfície de um
buraco negro nunca diminui em qualquer processo físico,
C = −α = −
δA ≥ 0.
(21)
Além disso, uma vez que a temperatura Θ é proporcional
à gravidade superficial do buraco negro, pode-se anunciar o
análgo a Lei Zero da Mecânica dos Buracos Negros:
Anteprimeira Lei da Mecânica dos BN: “A gravidade superficial de um buraco negro estacionário é a mesma em toda
a superfície do mesmo”.
IV. BURACO NEGRO SCHWARZCHILD-ANTI DE
SITTER
Vamos considerar aqui o caso do BN de Schwarzschildanti de Sitter, o qual é caracterizado pela sua massa M e por
uma constante adicional, que chamaremos de β, a qual está
relacionada com a constante cosmológica Λ por β 2 = Λ/3.
Para tal BN, o raio do horizonte de eventos r, a massa M e
constante β estão relacionados por:
2
r =
2M
β2
23
=
A
= α,
4π
(22)
a qual, diferenciada e resolvida em função de M , produz
!
3
1
3
β2α 2
= β 2 α 2 dα
dM = d
(23)
2
4
Como a equação da Primeira Lei da Termodinâmica é linear,
3
pode definir um parametro φ = βα 2 , e escrever a equação da
Primeira Lei na forma
dM = Θ dα + φ dβ.
A quantidade φ faz a função de potencial químico
∂M
φ=
.
∂β M
V. A CONSTANTE COSMOLÓGICA COMO
VARIÁVEL TERMODINÂMICA
Nesse caso temos as mesmas condições do anterior, a única
diferença é β ser uma variável. Assim, temos ainda que a
entropia racionalizada é dada pela Eq. (22). Resolvendo para
M e diferenciando resulta em
dM =
3
3 2 1
β α 2 dα + βα 2 dβ,
4
(24)
que é a Primeira Lei da Termodinm̂ica para este BN. Nela
identificamos imediatamente a temperatura:
Θ=
1
3
∂M
= β2α 2 ,
∂α
4
que é idêntica ao caso da seção anterior.
(25)
(27)
O significado termodinâmico de β pode ser investigado considerando processos em que a energia permaneça constante.
Essa hipótese juntamente coma a relação de Gibbs-Duhem
[3], α dΘ + β dφ = 0, produzem, entre outras possibilidades,
α Θ + β φ = constante, de onde percebe-se que o termo β φ
realiza trabalho oposto ao termo P V num sistema usual. Por
outro lado, dado que M é constante, pode-se escrever β como
3
3
β = (α0 ) 4 β0 α− 4 , onde α0 é a área inicial do BN e β0
é o valor inicial de β. Vê-se então que a variação de β
diminui com a área (entropia) e que β0 é o maior valor que
3
β pode assumir. Pela análise termodinâmica, o termo βα 2 dβ
corresponde a um trabalho −dW , e neste caso, a variação de
trabalho é dada por
3
Esta é a primeira Lei da Termodinâmica para o buraco negro de
Schwarzschild-anti de Sitter (SAdS). Podemos assim calcular
3 2 12
a temperatura do BN SAdS Θ = dM
dα = 4 β α . Portanto,
podemos escrever diretamente os potenciais e obter sua forma
diferencial dF = dG = −αdΘ. Neste caso o calor específico
é C = dM
dΘ = +2α.
Pelos resultados vemos que a constante β age no sentido
de alterar o valor da temperatura. Também vemos que não
há alteração co calor específico C com a variação de β. Isso
deve-se ao fato que aumentar ou diminuir a temperatura não
altera as propriedades intrínsecas do buraco negro, da mesma
forma como numa sistema termodinâmico usual. Além disso,
a diferente relação entre energia e temperatura faz com que
o calor específico C seja positivo, de modo que este buraco
negro tenha propriedades termodinâmicas semelhantes ao um
sistema termodinâmico usual, no sentido que um aumento de
energia acarreta um aumento de temperatura, e vice-versa.
(26)
4W = −β02 (α0 ) 2 ln(
β
).
β0
(28)
Como temos que ln ββ0 é sempre negativo, o trabalho é
realizado pelo sistema (4W > 0). A interpretação mais
plausível é a de que φ seja uma espécie de potencial químico
ou potencial elétrico e, portanto, β seja o análogo a número
de partículas, ou á carga elétrica.
VI. CONCLUSÃO
Através da analogia entre a Termodinâmica e a Dinâmica
dos Buracos foi possível interpretar conceitos que são característicos da física dos buracos negros, como seu calor
específico negativo e a "Lei das Áreas". A partir desses estudos
consegue-se explorar novos modelos de buracos negros. Em
particular, investigamos buracos negros dependentes de um
novo parâmetro β, relacionado com a constante cosmológica.
No caso onde β é considerado uma variável termodinâmica,
surge um termo de trabalho que pode fazer com que a energia interna (U ) se mantenha constante em certos processos.
Assim, obteve-se alguns resultados interessantes, ainda que a
maioria conhecidos, mas a termodinâmica do buraco negro de
Schwarzschild-anti de Sitter onde a constante cosmolíogica é
tratada como uma variável termodinâmica é um estudo inédito.
R EFERÊNCIAS
[1] J. D. Berkenstein, Phys. Rev. D 7, 8 (1973).
[2] S. W. Hawking, Nature 248, 30 (1974); Comm. Math. Phys. 43, 199
(1975).
[3] H. B. Callen, Thermodynamics and an Introduction to Thermostatistics
(Wiley, New York, 1985).
[4] D. Christodoulou, Phys. Rev. Lett. 25, 1596 (1970).
[5] Veja-se, e.g., C. W. Misner, K. S. Thorne e J. A. Wheeler, Gravitation
(Freeman & Co., New York, 1973).
[6] V. T. Zanchin, "Sobre a Termodinâmica dos ’Buracos Negros Fortes’
e suas possíveis aplicações", Dissertação de Mestrado, Universidade
Estadual de Campinas, 1987.
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