Entrevista com Dr. Joel Cláudio da Rosa Martins

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Entrevista
“A circunstância que nos transforma academicamente, em professor universitário, implica em
diversas conotações. A primeira é o peso da responsabilidade na tarefa quase que diária, de interferirmos em mentes e condutas humanas.
É-nos dado descobrir então, que os alunos que se adentram num departamento em nossa área
de trabalho, serão apenas lançados na frente pelo arco que retesamos. A mensagem que a genética
providenciou, é onipresente, explicando aptidões negativas ou caráteres adamantinos, a plasmar
vocações.
A introdução acima é imprescindível na intenção de ressaltar inicialmente, o valor do ex-aluno
Joel Cláudio. No Curso de Pós-Graduação da USP, em São Paulo, onde nos conhecemos, não houve
apresentações pessoais ou mesmo, imperiosas cartas de recomendação. A conduta do aluno, aos
poucos, nos tranqüilizou, dando-nos a certeza para o futuro, do mais alto progresso profissional. Os
trabalhos intelectuais envolvidos, nos acenaram com a possibilidade de melhores qualificações pósgraduadas. E as atividades didáticas e científicas que se seguiram ornaram qual dossel de cores
vivas a identificar o intelecto privilegiado do atual Prof. Joel Cláudio da Rosa Martins.”(Dr. Interlandi)
01 - Quais as qualidades a serem detectadas num candidato à pós-graduação em Ortodontia de forma a poder almejar um Ortodontista de alta
qualificação no futuro? Dr.
Interlandi
Professor, que bom tê-lo como
entrevistador. Entendo que a seleção de candidatos à pós-graduação
é uma das tarefas mais críticas entre aquelas que o professor universitário se envolve, porque implica julgamento de valores para o que nem
sempre estamos preparados. Decidir o futuro de jovens empreendedores é um privilégio e, ao mesmo
tempo, uma tarefa que qualquer indivíduo, com um mínimo de autocrítica, sente-se desconfortável para
desempenhar. Eu não conheço um
protocolo objetivo que atenda a esta
tarefa e, confesso que se conhecesse, provavelmente, não o seguiria
porque a intuição é uma ferramenta
que eu não estou disposto a soltar
no momento do julgamento. Habilidade manual que era uma condição
imprescindível no passado, hoje tem
um valor bem reduzido, em função
do grande aperfeiçoamento do material pré-fabricado e do desenvolvimento de técnicas modernas de ensino mas, mesmo assim, continua
na relação dos requisitos. Características de personalidade como a comunicação fácil, a empatia, a orga-
Joel Cláudio da Rosa Martins
nização e o raciocínio rápido e criativo são fundamentais. Espírito de
liderança e entusiasmo (avaliado
pelo curriculum), visto por participações em grupos profissionais, sociais, esportivos, de estudo ou, qualquer outra organização que visam ao
bem comum, são fatores importantes na análise. Habilidade de comunicação oral e escrita, em Português
e Inglês, são requisitos que se somam
aos fundamentos de computação eletrônica para comporem um conjunto
de bons requisitos. A impressão dada
pelo candidato na entrevista, com
respostas claras e objetivas, poderá
beneficiá-lo, porque sempre se buscam pessoas que tomem decisões
rápidas e saibam o que querem bem
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cedo. Aqui há que se estabelecer que
alguns requisitos para a pós-graduação são diferentes dos da especialização. Como o objetivo de um curso de Mestrado é o de formar docentes acima de tudo, depois pesquisadores e clínicos, seria muito importante observarem-se indicadores
de habilidades com a leitura, de síntese na redação ou no discurso, de
compaixão com o semelhante no
atendimento clínico e, muito entusiasmo com a educação como ofício.
Na especialização estas exigências
não têm o mesmo peso, mas muitas
delas ainda são válidas na minha
maneira de ver as coisas. Tenho certeza de que o professor tem uma relação de requisitos mais precisa que
a minha, em função da sua experiência e da sua inteligência, e eu agora estou curioso para saber.
02 - É consenso absoluto que
uma das dificuldades enfrentadas pela Odontologia nesta
virada de século fundamentase na saturação de profissionais em áreas específicas do
País. Na Ortodontia parece que
o acotovelamento entre praticantes é ainda maior. Você teria na condição de professor
universitário plenamente sintonizado com a responsabilidade deste ofício alguma sugestão de como as Faculda1
des de Odontologia poderiam
contribuir no assunto? Dr. Ricardo
Lombardi de Farias.
Ricardo, meu colega de turma,
acho que o equilíbrio a ser buscado
entre os profissionais envolve fatores
geográficos, éticos, econômicos etc.,
mas é uma responsabilidade da própria classe. É uma missão que deve
ser abraçada pela própria classe que,
na minha opinião, em sua grande
maioria, está se omitindo hoje. Ouvese muito comentário, muita gente reclamando, mas iniciativa para a busca de solução poucos têm tomado. Os
Ortodontistas devem se reunir e indicar a direção das mudanças necessárias, através das suas associações,
conselhos, etc. As faculdades devem
se ocupar de levar o conhecimento científico mais além, fazendo mais pesquisas e ensinando melhor para que
a especialidade avance cientificamente. O que ela pode fazer é oferecer os
dados de pesquisas eventualmente ligados à solução de qualquer problema específico. Pode estar acontecendo, em alguns lugares deste nosso país,
uma inversão interessante com as associações ensinando no lugar das faculdades e, por isso, não é pouco provável que os Ortodontistas, como classe, já estejam esperando, ou mesmo
cobrando que as faculdades ofereçam
soluções para organizar a turbulência
no interior da classe profissional. Os
docentes têm muito a colaborar, porque geralmente têm uma melhor formação intelectual, mas o fórum de
iniciativas e decisões, ao meu ver, têm
que vir de associação de Classe,
APCD, ABOs, os conselhos, grupos
de estudo, etc.
03 - Faz parte do seu brilhante
currículo um período recentemente vivido como aluno visitante dentro de uma instituição
de Ensino Superior nos EUA.
Que recomendações você daria
a um ex-aluno caso o mesmo tivesse a intensão de seguir caminho semelhante? Dr. Ricardo
Lombardi de Farias.
A condição que eu fui e que os
meus colegas de disciplina estão indo
é muito especial, porque é um programa de Professor Visitante em que você
define seus objetivos e o Departamento americano aceita ou nega. O Professor Visitante é um programa que já
existe em algumas escolas americanas em função da demanda, mas não
pode ser confundido com o “Sabatical”
que é um programa para receber, por
seis meses ou um ano, um acadêmico
de outra instituição que tem direito a
este tempo, como se fosse uma licença prêmio na sua instituição, e poderá
fazer com este tempo pesquisas, visitas, ou outra tarefa qualquer, como a
de escrever um livro.
Na mesma condição que eu fui,
um ex-aluno deverá ter o Doutorado, alguma experiência com o ensino (ninguém deve ir nestas condições para aprender a Ortodontia convencional), um bom projeto de pesquisa, já com financiamento garantido e, o que é muito importante, um
bom relacionamento prévio com o departamento visitado. Recomendo que
seja escolhida uma universidade pelas suas próprias características e não
que o ex-aluno aceite qualquer programa, desde que o aceitem como visitante. É necessário que tenha um
projeto definido para propor ao departamento a ser visitado e escolha
com quem ele quer trabalhar lá.
Indefinições como: “posso fazer qualquer projeto” e “não sei bem o que
eu quero fazer” podem ser embaraçosos numa entrevista e, de repente
até o motivo para não o aceitarem.
Recomendo que o colega tenha uma
boa reserva financeira para poder arcar com as despesas, caso a bolsa
não seja renovada, e apresente o seu
“olerite” e o comprovante da bolsa,
porque o Chefe do departamento que
vai recebê-lo, certamente, exigirá uma
carta de seu diretor ou, do próprio
governo, dizendo que você terá subsídios, além das suas próprias economias, enquanto estiver lá.
Recomendo que o colega desenvolva este projeto de ir como Professor
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Visitante numa fase de estabilidade
emocional e familiar, para não se
estressar além do limite. Boa fluência
em Inglês é fundamental. Espere mais
um ano, estudando bastante o idioma
e, se for possível, aprenda a escrever
também. Sem apoio dos colegas da sua
própria disciplina não viaje, porque na
volta os problemas poderão se tornar
muito maiores. O seu chefe pode se
sentir ameaçado pela sua reciclagem.
O ideal é que você faça parte de um
grupo onde já estejam bem definidas
as posições da cada um e, até melhor,
que um acordo seja feito com este grupo, inclusive na parte financeira.
04 - No Universo existentes atualmente relacionadas à Ortodontia quais os temas que você
julga como merecedores de maior atenção? Dr. Ricardo Lombardi
de Farias.
Fazer boas perguntas é fundamental e, talvez, um dos pontos
mais crítico nas ciências. O dia-adia do Ortodontista e do professor,
principalmente, agrega sempre muitas perguntas que poderão ser respondidas pelos projetos de pesquisa. Uma pulverização de temas não
constrói. Já se foi o tempo em que
se apresentavam projetos desenvolvidos em inúmeras áreas como um
indicador de competência do departamento, ou mesmo de um pesquisador. Hoje sabemos que quem tem
muitas pesquisas em diversas áreas, na verdade, está gastando seu
tempo, como o Sísifo da mitologia
grega, que empurrava uma pedra
para o alto da montanha e fazia isto
muito freqüente, porque a pedra rolava de volta, e assim ele passou a
vida toda trabalhando sem que isto
resultasse em alguma coisa. Isto que
é passar o tempo ocupado. Hoje é
mais forte o argumento de que as
pesquisas estão coordenadas umas
com as outras e levam, cada uma
delas, o conhecimento mais adiante,
verticalmente. Uma maior profundidade, mesmo que seja um pouquinho
além, é mais útil. O grande trunfo do
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pesquisador na nossa área e na nossa sociedade hoje, provavelmente,
seja a facilidade de realizar pesquisas clínicas. Existe um potencial
muito grande neste sentido e é, talvez, por aí que um dia poderemos
ser respeitados internacionalmente.
05 - Técnica e Tecnologia parecem estar na atualidade com
velocidades bastantes distintal.
Qual o seu comentário crítico
sobre o assunto? Dr. Ricardo
Lombardi de Farias.
Os fabricantes querem vender
seus produtos e criam uma pressão
de oferta que o profissional com formação não vai ceder, mas que muitos inexperientes cedem. Cautela com
as técnicas emergentes e a tecnologia
de ponta é fundamental, mas também não vamos esperar tanto até
sermos os últimos a aderir aos avanços em técnicas ou/e em tecnologia,
porque os nossos pacientes e os nossos alunos devem se beneficiar dos
avanços científicos.
É impressionante, e já está acontecendo, que os clínicos estejam mais
atualizados e trabalhando com uma
tecnologia muito mais avançada do
que os professores universitários. Um
professor, se estiver mesmo só voltado para a Universidade, vai ter dificuldade para freqüentar bons cursos,
de ir aos congressos ou utilizar alta
tecnologia nas clínicas universitárias.
Isto explica porque muitos professores estão indo para a clínica privada,
e explica também por que os cursos
de especialização estão saindo das
faculdades para as associações. A universidade é lenta para absorver os
avanços tecnológicos no Brasil. O que
o ínfimo recurso financeiro não impede de comprar, a gorda e sonolenta
burocracia atrasa até que a coisa comprada torne-se obsoleta. É uma graça, mas acontece em algumas faculdades deste nosso país, aquelas que
assumiram mesmo o atraso, que um
professor peça um computador pelas
vias oficiais e quando ele chega mesmo na mesa do professor já chega
como sucata e não pode ser mais utilizado, porque os programas exigem
uma configuração mais arrojada.
06 - Com base na sua enorme
experiência didático - pedagógica quais as sugestões você
gostaria de transmitir aos seus
colegas de docência no sentido
de buscarem “melhor performance”. Dr. Ricardo Lombardi de
Farias.
A melhor performance, como professor, significa evolução com a pedagogia, filosofia, história das ciências,
matemática, bioestatística, artes, e etc.
Tornar-se um bom comunicador pode
ser um objetivo, hoje, tão importante
como tornar-se um bom pesquisador
ou um bom clínico, com uma grande
diferença, ou até incompatibilidade,
por assim dizer: O pesquisador tem que
se fechar num laboratório e só ouvir a
sua própria mente, enquanto o comunicador tem que sair para a rua e entender como o povo pensa e age. Para
ensinarmos melhor, é necessário o
contato humano e a aproximação com
o cotidiano para adquirirmos a habilidade de explicar o complexo, com palavras simples e populares, o que é
mais arte que ciência. Para pesquisarmos melhor, por outro lado, é necessário o isolamento, a leitura, a concentração e a objetividade, mas por
outro lado, escrever, publicar ou comunicar, significa uma perda de tempo para o pesquisador. Esta é uma
função do professor, porque o verdadeiro pesquisador, após ter o resultado da pesquisa, não tem a menor vontade de publicá-la.
Agora, tornar-se um clínico melhor
pode significar ganhar mais dinheiro
e o sucesso pode não ter muito a ver
com a Ortodontia, por mais paradoxal que pareça. Pode ter mais a ver
com o Marketing, com a economia,
etc. ser simpático e alegre entre outras características que fazem alguém
vender mais do que os outros. Assim,
ter um alto coeficiente emocional (QE)
pode ser mais importante do que ser
um cientista na busca da melhor
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performance como clínico. Perceba que
uma melhor performance tem que ser
especificada: como clínico, como professor ou como pesquisador? Nas três
é difícil, para não aceitar totalmente a
premissa de incompatibidade das duas
funções: ensino e pesquisa, como foi
tão bem apontado por Kurganoff em
“A face oculta da Universidade”.
Um bom profissional na nossa
área, em todos os sentidos, (docente-pesquisador-clínico) é como pássaro raro e, é por isso que em países
mais desenvolvidos existe hoje uma
demanda muito grande de professores, principalmente, de professores
com dedicação integral e espírito de
liderança para ser acadêmico. Os alunos hoje em dia são muito bem preparados e exigem muito dos professores, de maneira que a performance
do professor está ligada a uma pressão que exige a sua constante atualização. Ser um bom clínico, um bom
pesquisador, um bom docente, e estar melhorando a sua performance a
cada dia nestas três áreas é um verdadeiro desafio. Mas para um Ortodontista como nós, hoje, isto não
passa de um sonho. Quem anda atrás
deste sonho sente uma pressão insuportável, e até poderá chegar perto após 20 ou 30 anos de atividade.
São poucos os que conseguem e
quando chegam lá, se têm energia,
as funções políticas ou administrativas na universidade se encarregam de tomar muito do seu tempo.
Se a energia diminui, a aposentadoria está próxima ou ninguém
mais quer ouvir as tantas coisas
que você quer falar.
07 - Qual a sua opinião sobre a
tendência não extracionista que
se verifica na Ortodontia atual?
Dr. Marco Antônio Lopes Feres
Marco, quando sairá o seu livro?
Este debate, que se percebe na literatura, iniciou-se com Angle e Case no
início do século e mantém-se até os
nossos dias, mas precisa ser bem entendido. A dúvida que o clínico tem ao
definir um novo plano de tratamen3
to dos casos limítrofes é que mantém
acesa em nossa mente o velho debate. Uma coisa é o debate na literatura
e outra é a dúvida de extrair ou não
extrair, no dia-a-dia de consultório.
Quando se lê a respeito do debate e
constata-se que Angle era sistematicamente contra as extrações e que
Case só extraia em 10% dos seus casos, ficamos um pouco decepcionados
com a importância do debate registrado na literatura. Na verdade, parece indubitável que Case tinha razão e
que Angle era muito radical e dogmático. Dificilmente hoje, algum profissional que se identifica como não extracionista extrai menos do que 10%.
Então o debate começou como uma
farsa ou um equívoco de interpretação. Mas como se entende que o debate continue vivo ainda hoje? Até a
metade do século, o debate ficou vivo,
porque o prestígio de Angle era muito
grande no seio da especialidade e seus
seguidores, escolhidos por ele mesmo
entre os melhores, mantiveram o princípio conservador do mestre, denunciando as extrações como um procedimento mutilador. O primeiro seguidor de Angle a se rebelar e, por isso,
ser considerado um traidor foi Tweed.
A ele atribui-se a responsabilidade por
manter o debate vivo a partir da metade século. Tweed, inconformado
com o insucesso de 70% de seus casos sem extração, tratados conforme
o princípio do mestre, estudou, aplicou e publicou os resultados que se
tornaram nas bases científicas do tratamento com extrações. Na verdade,
Angle não tinha um princípio, era mais
um dogma, uma crença, e Tweed foi
levado a radicalizar em reação, provavelmente, pela sua profunda frustração com o tratamento conservador
de Angle. Seus resultados com extração eram espetaculares para a época
e o mundo inteiro trocou o Guru Angle
por um Guru mais moderno e “científico” e a partir desta época os “ares se
encheram de pré-molares”. Nesta época, o medo pela recidiva de apinhamentos levou muitos profissionais a
negligenciar a importância de um perfil
mais cheio. Mesmo o padrão de beleza para o perfil era mais reto. Muitos
resultados com boa oclusão e perfil
côncavo fizeram com que o tratamento sem extrações voltasse a ter a preferência dos Ortodontistas num momento seguinte. A recidiva começou
a aparecer também nos casos com
extrações e o debate voltou com força
total à literatura especializada. Muitas
pesquisas foram feitas e, hoje, sabese que o tratamento com extração não
assegura a estabilidade. Sabe-se, por
outro lado, que expandir a dimensão
intercaninos é um sinal de recidiva no
futuro e que o perfil só se altera significantemente com extrações. Assim,
extrair pode ser a melhor alternativa
para atingir o objetivo de alinhar os
dentes sem expandir o arco e obter
um perfil harmonioso nos casos com
apinhamento e/ou perfil convexo.
Entretanto vieram os desgastes interproximais indicados para os apinhamentos menores, os bráquetes colados, os aparelhos “Straight Wire” e
os fios de superelasticidade para facilitar o alinhamento dos dentes com
apinhamento leve ou moderado, e veio
também uma certa tolerância para a
biprotrusão, o que fez com que muito
dos casos “limítrofes” fossem tratados de forma conservadora hoje. Nada
de errado nisto. A contenção no arco
inferior “pra sempre” retirou do ar a
questão da recidiva do apinhamento
de incisivos inferiores e assim se consolidou a tendência não extracionista
que vivemos hoje.
É preciso entender corretamente a
tendência no meio da classe especializada e não confundi-la com o modismo, a incompetência de muitos que
não tiveram um bom treinamento profissional, ou mesmo a pressão conservadora dos clínicos gerais: Extrair ou
não, no caso limítrofe, ainda é uma
preferência profissional, uma intuição,
embasada em conhecimento empírico,
experiência e sensibilidade artística. Por
isso o paciente deve participar da decisão depois que ele ou os seus responsáveis forem bem esclarecidos das vantagens e desvantagens. Sistematizar a
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decisão e extrair quando necessário e
não nos casos em que o tratamento
pode ser bem realizado sem extrações.
Extrair nestes casos é tão errado como
insistir em tratar sem extrações os casos onde a extração está indicada para
manter os dentes com bom suporte ósseo e obter-se um perfil agradável e um
alinhamento razoavelmente estável.
Acima do debate, vão continuar existindo os casos onde a extração é necessária e casos onde a extração está
contra-indicada. O desafio vai continuar sendo: “como saber o que vai ser
melhor para o meu paciente, este que
eu vou começar a tratar hoje”. Sempre
vai existir um fator que se pode chamar “intuição” que vem da experiência
pessoal, da percepção clínica, ou da sensibilidade humana, que nunca vai ser
sistematizado, e que influirá na decisão porque um paciente é sempre único e diferente de qualquer número ou
média que a ele se queira atribuir. Não
extrair, porque o guru ordenou, não é
inteligente também.
Talvez o exagero conservador
possa ser atribuído, não ao debate
em si, mas a um conjunto de fatores
contemporâneos que não tem nada
de ciência: falta de tempo para fazer
um bom diagnóstico e, então, é melhor generalizar “todos sem extração”; falta de treinamento em biomecânica e, então, é melhor generalizar “todos com expansão”; falta de
leitura dos clássicos da Ortodontia e,
então, é melhor generalizar “todos
como todos hoje fazem”; falta de
profissionalismo e, então, é melhor
considerar “todos iguais” no início
sem extração e depois “vamos ver
como é que fica”, se não der a gente
extrai; falta de segurança e então é
melhor “todos com o Guru”. Definir
os objetivos de tratamento é o ponto
fundamental, atingí-los sem um bom
treinamento é improvável. O melhor
resultado para o nosso paciente só
pode ser obtido, se, ao definir o plano de tratamento, não permitirmos
que nenhum Guru resida na nossa
mente e que nenhuma “tendência”
influencie a nossa decisão. O nosso
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paciente é único e para ele a única
regra válida é a da individualidade,
inerente às formas da face humana.
próximos anos? Em quais direções poderão ocorrer mudanças
significativas? Dr. Marco Antônio
Lopes Feres
08 - Você prefere trabalhar com
aparelhos que apresentam
“SLOT” (ranhura) “0.018” ou
“0.022”? Porque? Dr.Marco Antônio Lopes Feres
Prever corretamente o futuro é uma
virtude que eu gostaria muito de ter.
Não tendo, sou obrigado a dar margem a minha imaginação e raciocínio
para detectar correntes e projetar as
idéias associadas que se articulem bem
com uma probabilidade razoável de
acontecer no futuro. O esforço de uma
corrente que denomino de purista (Romântica), envolvida pela maioria
elitizada da comunidade científica,
leva-me a acreditar que o futuro está
apontando para a individualização dos
tratamentos. Outra, social e econômica (Realista) pressionada pela demanda cada vez maior por um tratamento
ortodôntico acessível, exige baixos
custos, sistematização e aceita objetivos mais genéricos.
Na corrente purista cada paciente vai ser melhor analisado e um aparelho específico vai ser desenhado a
partir destes dados. Andrews teve esta
idéia há muito anos atrás e acho que
não estávamos preparados para
viabilizá-la. Era muito caro manter
estoques de muitas prescrições no
consultório. Assim, a corrente realista influenciou e passou-se a utilizar valores médios de torques inclinações e in-out, no que se caracterizou uma prescrição para cada filosofia. Hoje com a facilidade de transmissão de dados, e até de imagem
via computador, com a competição
maior entre as indústrias, talvez seja
possível enviar os dados via Internet
para o fabricante, que vai mandar de
volta um aparelho com prescrição
bem específica e individualizada, que
só servirá para aquele paciente.
Se a corrente purista ficar mais
forte no futuro, os tratamentos terão
objetivos específicos bem desenhados,
de forma que uma descrição completa
da geometria da má oclusão, inicialmente, vai ditar que tipo de movimento
será realizado em cada dente. Isto resultará que um sistema de força, especialmente planejado para cada dente
Trabalhei a maior parte da vida
profissional com slot 0.022”, interrompida por um período curto de tempo (3 anos) em que utilizei os princípios de Ricketts com slots 0.018”,
simultaneamente, com casos que
eram tratados com slot 0.022”. É
claro que, nesta época, o meu consultório virou uma confusão com diferentes bráquetes e, às vezes, num
mesmo paciente, o que é pior. Muitos colegas me relataram que estiveram nesta situação, pelo menos uma
vez na vida. Duas vezes ninguém me
relatou, porque quem esteve nesta
situação nunca esquecerá o dia em
que quis colocar um arco de retração
com um fio de 0.021’ x 0.025” e um
dos tubos era 0.018”.
Hoje, trabalhando com o aparelho de “Wick” continuo, por conveniência, a utilizar os slots 0.022”. Confesso que gostaria de voltar ao slot
0.018” para ter fios de menor calibre
que liberam forças mais leves, menor
número de arcos no tratamento e, ainda ter um maior controle de torques.
A diferença de um fio 0.017’x 0.025”
num slot 0.018’x 0.025” que é de
0.001”, corresponde a uma perda de
controle de torque de 4 graus, enquanto de um fio 0.019’x0.025”, que é
0.003” corresponde a 12 graus. Um
descontrole de 12 graus descaracteriza
o “Edgewise” como um aparelho que
controla o dente em três dimensões.
Reduzir o tempo de cadeira com uma
seqüência menor de arcos, como é
o caso da mecânica com o slot
0.018”, fascina-me e estou num
momento de tomar a decisão da troca pela segunda vez.
09 - Como você vê os aparelhos
e a mecânica ortodôntica nos
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fora de posição, exigirá muito trabalho profissional. A conseqüência disto é que um determinado aparelho seja
escolhido para executar o que for necessário para atingir cada um dos
objetivos definidos. Pelo lado da mecânica, a escola de Burstone é a melhor representante desta corrente. Pelo
lado da biologia (cefalometria), talvez
a escola de Ricketts seja a melhor representante. A grande maioria dos Ortodontistas hoje não é influenciada
pelos puristas, falo da grande maioria.
O que se faz hoje, de um modo geral,
é classificar a oclusão num método
muito simplista e tratá-la com um determinado aparelho que já foi muito
estudado, mas que é sempre o mesmo, e os pacientes terão resultados limitados de diferentes maneiras. Aqui,
o Ortodontista tem um bom aparelho
e todos os pacientes têm que ser tratados por um mesmo dispositivo. A
idéia é inconcebível, porque não existe um aparelho que trate todos, como
não existe um remédio que cure todas
as doenças.
A descrição acima mostra que
estamos vivendo sob a influência da
corrente Realista. As técnicas sob a
égide do Realismo sistematizaram os
tratamentos, tratam vários pacientes
ao mesmo tempo, têm uma exata dimensão de lucro e se preparam para
enfrentar a grande concorrência do
futuro. A escola purista, que está em
desvantagem hoje, influencia um grupo reduzido da elite acadêmica, cresce lentamente, levanta uma bandeira científica, mas poderá se extinguir
no futuro, como pássaro raro, sobretudo se a crise econômica persistir.
Tratar cada paciente com a maior
competência é o único objetivo desta
corrente purista. Ela ignora completamente a concorrência e não aceita
que qualquer outro fator que não venha do paciente possa influenciar um
plano de tratamento.
É possível ver que o algoritmo nesta corrente é bem detalhado, longo e
definido sob a influência da ciência da
biomecânica. Para entender esta escola Romântica pode se tentar uma ana5
logia com outras profissões. Por
exemplo: numa casa da elite, a geometria do terreno precisa ser estudada antes de construir a casa; o arquiteto vem e faz o desenho; o calculista vem e calcula as forças; o engenheiro vem e diz como deve ser feita;
o pedreiro vem e faz a casa. Entretanto o dono da casa tem que ser
ouvido antes, ele participa de muitas
decisões. Sob a influência da corrente Realista muitas casas serão, sistematicamente, construídas ao mesmo
tempo por baixo custo, mas os interesses do proprietário não serão
atendidos, individualmente. Entretanto um perfil do proprietário médio será
considerado no algoritmo. E você, é
um romântico ou um realista?
10 - Sabemos que você se envolveu com as mecânicas de
Tweed, de Burstone e a dos Préajustados. Atualmente qual (ou
quais) você ministra em seus
cursos de pós-graduação e utiliza em seu consultório? Dr. Décio Rodrigues Martins
Dr. Décio, meu orientador, que bom
estarmos em contato mais uma vez.
É verdade que eu me envolvi com as
mecânicas de Tweed convencional,
Tweed contemporâneo, Ricketts,
Andrews e Burstone nesta seqüência,
além da ortopedia com muito Bionator, pouco Bimler e alguns tratamentos com Frankel. Fiz isto, porque eu
acreditava que, como professor, eu
deveria ter alguma experiência com as
diferentes mecânicas e aparelhos antes de fazer uma avaliação crítica e
escolher a melhor delas para ensinar
aos alunos. Eu não entendia como
poderia falar delas sem um conhecimento prévio, uma experiência clínica. Gastei muito tempo com isto, mas
não me arrependo porque pude aplicar este conhecimento em diversas
oportunidades. Fui trabalhando na
clínica de Especialização e Pós-graduação e também na clínica privada com
a minha esposa Lídia, que também é
Ortodontista, trabalhando por quase
dez anos, em meio período na Facul-
dade. Por algum tempo, achei que era
importante o aparelho, conhecer bem
a sua construção e saber manejá-lo,
conforme as orientações de quem o
criou. Num determinado momento, eu
percebi que estava errado andando
atrás dos aparelhos milagrosos. Eles
não existem. Descobri que a clínica privada, a da Especialização ou mesmo
da Pós-graduação não poderiam ser
orientadas pelo aparelho, não importa se ele tem o nome deste ou daquele
Guru. Um aparelho vai ser sempre
secundário, a clínica tem que ser orientada por princípios, paradigmas,
idéias e hipóteses que a experimentação científica já comprovou. Quando
freqüentei a Baylor, como Professor
Visitante por dois anos, e os congressos americanos, tive oportunidade de
conversar com professores e clínicos
de grande prestígio e inteligência reconhecida, percebi como eles consideram quem se orienta por princípios
e menosprezam quem apresenta seu
aparelho como cartão de visita. A valorização do aparelho tem que ter a
sua conotação exata. O que é realmente maior não é o aparelho são o conhecimento e os princípios que sustentam o seu uso adequado. Os princípios Biomecânicos por exemplo,
aqueles que se apoiam nas leis de
Newton, são aplicados com qualquer
filosofia. Algumas, como as de Tweed,
Ricketts, Andrews, Rooth, Burstone,
“Wick”, são mais do que um aparelho. É uma forma completa de tratamento que vai do diagnóstico à contenção, passando pela biomecânica,
às vezes, é até uma maneira crítica de
ver todas as coisas pela mesma ótica.
O que nós utilizamos hoje é uma
mistura organizada que nós mesmos
chamamos de “experta” porque pega
o que tem de bom de cada um. Para
ensinar e satisfazer o nosso lado de
cientista, tratar adultos ou casos de
assimetria, a mecânica de Burstone é
muito apropriada. Da mesma forma, o
diagnóstico na visão de Burstone ou
de Marcotte vem com muitos detalhes
que se caracterizam por um dialeto próprio, muitas vezes desconhecido pelo
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Ortodontista que não leu ou teve contato com a escola de Connecticut. Muitos se referem a esta visão como uma
complicação muito grande no que deveria ser simples. Entretanto, se pensarmos em profundidade, mexer nos
dentes, no sorriso ou na face das pessoas, muitas vezes, crianças ou adolescentes, não pode nunca ser uma tarefa fácil. Tanto o diagnóstico quanto a
mecânica a serem aplicadas a cada indivíduo tem que ser definidos após muito estudo. Tenho me perguntado constantemente: será que aquele Ortodontista que atende 20 ou 30 por dia realmente dá o tempo necessário para um
bom diagnóstico ou plano mecânico?
A noite será que ele se dedica ao planejamento? Porque durante o dia não dá
tempo. O que ajuda é que muitos casos
seguem o padrão e estes casos podem
ser tratados numa rotina. O problema
maior é como identificá-los, se o Ortodontista não é experiente. Também
atrás da experiência muitos se escondem e o que resulta são tratamentos
com resultados limitados. Para tratar
casos de rotina no consultório, de uma
forma menos complicada e mais sistemática, utilizamos o aparelho do
“Wick” e as idéias de Alexander; para
o Typodont e início de treinamento, o
Tweed convencional e, às vezes, até o
contemporâneo. Fazemos com freqüência o tratamento interceptador e
ortopédico, porque se encaixam bem
com a nossa cultura, nossa economia,
assim como o trabalho institucional que
é oferecido na Faculdade. As clínicas
de Especialização e Pós-graduação da
Faculdade de Odontologia de Araraquara, utilizam o aparelho de “Wick”
Alexander mas com tubos triplos superior e duplo inferior para serem também aplicados os dispositivos biomecânicos de Burstone. Este aparelho
eu considero como um carro importado: ele é elegante, macio, sofisticado e muito bem bolado. Quando trabalho com ele, me sinto muito bem,
e lembro quando eu fazia bandas e
soldava acessórios com saudosismo,
mas como se diz: Deus que me livre
voltar a estes tempos. Hoje, to6
dos os casos são montados com bandas pré-fabricadas e pré-soldadas,
aquelas em que os tubos e bráquetes
já vêm soldados na banda. Utilizamos
as bandas, inclusive, nos segundos
premolares, sendo que os primeiros
molares superior e inferior já vêm com
tubos palatinos e linguais soldados,
porque todos os alunos devem ser treinados a trabalhar com a barra palatina e o arco lingual, como preconizado por Burstone. É um luxo hoje em
Araraquara. Eu adoro estar podendo
aplicar as minhas idéias e o Prof.
Tatsuko tem um grande mérito nisto,
porque permitiu que eu colocasse um
pouco da minha visão no departamento
e nas clínicas. Logo que eu cheguei dos
Estados Unidos, disse a ele que eu gostaria de ver nossas clínicas trabalhando com a melhor tecnologia do mundo
e ele imediatamente concordou, baseado na idéia de oferecer um tratamento de altíssima qualidade ao paciente, e
oferecer aos alunos o que de melhor
existe em Ortodontia. Ter toda a tecnologia de bandas e de fios com superelasticidade e memória de forma, contar
com o aparelho de “Wick” na clínica,
com os conceitos de Burstone em Araraquara é muito significativo para nós,
e é isto que nós estamos oferecemos
aqui aos nossos alunos.
11 - Qual a importância da linha média apical no tratamento dos casos ortodônticos assimétricos? Dr. Décio Rodrigues
Martins
Que bom que o Senhor me fez esta
pergunta. Eu sei que foi mais visando
à estética da entrevista. De um modo
genérico, o conceito de linha mediana apical é importante na medida em
que se pode usá-lo como uma “chama” (quem já caçou sabe que é aquela ave de borracha que atrai as verdadeiras aves que serão caçadas) para
chamar a atenção para um conjunto
de definições que não fazem parte do
dia-a-dia de muitos Ortodontistas no
mundo inteiro, mas que são fundamentais para muitos outros. A linha
mediana apical (LMA), como a linha
mediana geométrica, a linha mediana facial, e a linha mediana de tratamento envolvem definições, como a
própria linha mediana dentária, que
todo estudante de Ortodontia está bem
familiarizado. Entretanto não estão
completamente esclarecidos das denominações feitas na técnica do Arco
Segmentado. Por exemplo muitos deles ainda não sabem o que é o Plano
Natural da Oclusão (PNO). Podem deduzir mas não vão descobrir sozinhos
o que tem atrás deste nome. Existe
uma maneira de ver as coisas diferente com este dialeto. Eu, às vezes,
acho que o pessoal de Connecticut se
isolou como se eles estivessem numa
ilha, longe de qualquer coisa e tivessem desenvolvido a sua própria linguagem e a sua própria filosofia de
trabalho. Voltando ao assunto, estas
são definições imprescindíveis da filosofia de Burstone, mas que só se tornam importantes se nós admitirmos
“a priori” que ainda estamos aprendendo, senão é mais uma palavra para
confundir a nossa mente. Vou responder com três exemplos a seguir: o primeiro, é um cenário onde identificase uma linha mediana dentária desviada para a esquerda 2mm, mas os
dentes estão verticalizados na sua
base óssea, e assim a linha mediana
apical que é definida como a linha
vertical que passa por um ponto mediano entre os centros de resistências
dos incisivos centrais superiores, também está desviada 2mm à esquerda
da linha mediana facial; outro cenário é o que mostra um desvio da linha
mediana dentária igual ao anterior,
mas os dentes estão inclinados com
as suas raízes para a direita, de maneira que a linha mediana apical fica
coincidente com linha mediana da
face; e o terceiro mostra a linha mediana dentária da mesma forma desviada 2mm à esquerda da linha mediana facial, e os incisivos estão inclinados com as suas raízes para a esquerda de forma que a linha mediana apical fica desviada 3mm à esquerda da
linha mediana facial. O primeiro caso
exige um movimento de corpo dos in-
Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial - V.3, Nº 6 - NOV./DEZ. 1998
cisivos para a correção, o que não é
fácil. O segundo caso pode ser menos
complicado para corrigir, mas o terceiro é um problema; um arco contínuo vai desviar mais ainda a linha
mediana dentária para a esquerda.
Como tratá-los corretamente sem entender cada definição, sem o diagnóstico diferencial?
12 - Diante da criação indiscriminada de cursos de Odontologia em nosso país, qual a perspectiva que se apresenta para a
Ortodontia em relação ao mercado de trabalho? Dr. Orlando
Ayrton de Toledo
Meu professor, conselheiro e amigo, que saudade de você. Eu penso
muito sobre isto, porque a concorrência está realmente aumentando muito
e muitos novos dentistas, por volta de
8000, que se formam ao ano, automaticamente exercem uma pressão de
demanda para novos cursos de especialização e, se o ritmo de criação de
novos cursos for mantido assim, logo,
logo, não teremos mais pacientes.
Digo pacientes, porque criança, adolescente e adultos necessitando de tratamento ortodôntico nunca vai faltar,
o problema é só que eles não podem
pagar o que custava um tratamento
ortodôntico há alguns anos atrás. Esta
loucura de novos cursos de Odontologia e de novos cursos de Especialização trouxe muitos problemas, mas
num ponto foi benéfico. Muitas crianças, adolescentes e até adultos que
não tinham a mínima chance de tratamento, hoje estão sendo beneficiados com um tratamento mais barato
e nem por isto sem qualidade. A qualidade está custando menos também,
porque o bom Ortodontista teve que
baixar o seu preço sob pena de ver a
sua clínica quebrar. Hoje tem que ter
qualidade e não pode cobrar mais
caro, por isto, não só pela concorrência, mas porque o preço sempre esteve super dimensionado na Ortodontia. Em dois anos que morei no Estados Unidos me ensinaram muito. Por
exemplo: Um tratamento ortodôn7
tico em Araraquara, que tem um preço considerado baixo pelos colegas, é
igual ou maior do que a média de custo de um tratamento ortodôntico em
Dallas? No Sul do país, considerado o
último reduto da Ortodontia de elite, e
nas capitais do Nordeste Brasileiro,
ainda se cobra o dobro do custo de
um tratamento em Dallas. Como educador nesta área, sinto-me muito bem
quando ando na periferia da minha
cidade e vejo as crianças de famílias
menos privilegiadas, que moram em
casas populares, usando aparelho ortodôntico. Por aqui já popularizou e
muitas crianças estão sendo beneficiadas. Vamos pensar no pior cenário:
os convênios tomam conta, como a
medicina e nós vamos sofrer nas mão
deles. Como os médicos, podemos nos
organizar e manter a nossa própria
“Uniortodôntica”. Quanto ganha um
professor Universitário com Mestrado,
Doutorado e Pós-Doutorado e Livre Docência etc.? Muito menos do que o pior
cálculo que se possa fazer desta condição
do convênio. É claro que, como Ortodontista, acho que o convênio é uma fria, mas
pintar uma desgraça para o futuro? Não
acho que vai acontecer. Acontecerão ajustes, adaptações, mas do jeito que era
elitizada a Ortodontia nunca mais. Todos
nós vamos ter que buscar alternativas e
elas virão, tenho certeza disto.
13 - Qual o balanço que você faz
hoje da sua ida ao Estados Unidos e o que você aconselha aos
jovens que pretendem ir estudar no exterior? Dr. Tatsuko
Sakima
Meu chefe, vamos lá. O meu balanço é muito positivo. Qualquer um
que vá nas condições em que eu fui
tem dois aspectos importantes a considerar: o primeiro compreende as
vantagens que a pessoa e sua família tiram disto, e o segundo aspecto é
o que o Professor aprendeu como
educador e o que ele dará de retorno
à sociedade. O meu saldo destas duas
situações é altamente positivo. Meus
filhos tiveram a oportunidade de freqüentar a escola americana em ida-
des muito adequadas para aprender
outro idioma, e realmente aprenderam. Hoje eles falam e entendem sem
problema nenhum, e para o resto da
vida tirarão proveito disto. Eles conheceram um povo e uma cultura
desenvolvida e sabem se virar melhor do que qualquer criança ou adolescente da mesma idade. O Renato
jogou basquete e futebol americano
no time da escola e a Isabela tocou
violoncelo na orquestra da escola.
Enfim eles tiveram uma boa experiência. A minha esposa, teve oportunidade de estagiar em duas das maiores clínicas de Ortodontia de Dallas,
e muitas coisas ela já aplicou na clínica. Eu pude sentir de perto como é
a educação ortodôntica norteamericana num dos grandes departamentos de Ortodontia dos Estados Unidos. Pude acompanhar três turmas
de alunos e, inclusive ensiná-los no
curso de Typodont, ministrar-lhes
seminário e assistí-los como professor nas clínicas. Além disso, participei como co-orientador de um dos
cinco alunos da primeira turma, e
acabei participando da Banca examinadora do Mestrado dele. Numa outra oportunidade participei da congregação, como representante da disciplina de Ortodontia, no lugar do
“Chairman” que havia viajado e me
nomeou. Durante 1 ano participei,
semanalmente, das reuniões de avaliação do departamento para definição de metas educacionais, o que me
deu uma visão muito definida sobre
como funcionam as coisas num departamento de Ortodontia. Interagi
com muitos colegas de outros países
e senti as dificuldades deles nos Estados Unidos e hoje tenho uma idéia
completa, não só da educação ortodôntica norteamericana como entendo bem porque as coisas são como
são por lá. Em termos de ensino fui
muito feliz por ter sido exposto a muitas situações educacionais interessantes, inclusive algumas delas já estou
aplicando na Faculdade de Odontologia de Araraquara. Ter recebido uma
homenagem como “Professor do ano
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de 1995” do departamento de Ortodontia lá na Baylor, escolhido pelos
alunos da Pós-graduação entre outros
21 professores, foi alguma coisa de
sensacional para mim, como professor. Como qualquer brasileiro senti-me
muito bem, porque a gente sabe como
eles competem entre eles mesmo, e
para aceitar alguém de fora é uma luta.
Eu pensava, no máximo, em ser aceito como professor sem discriminação,
mas ser homenageado nunca me passou pela cabeça. Foi muito além das
minhas pretensões e eu nunca pensei
que um dia teria meu nome numa placa
dentro da clínica de Pós-graduação da
Baylor, junto com os Professores
“Wick” Alexander, Peter Bushang,
Rohit Sachdeva e outros grandes que
foram agraciados com o mesmo prêmio Robert Gaylord, o fundador do departamento. Até hoje eu acho que foi
demais pra mim, acho que foi mais
um ato de grandeza e extrema sensibilidade dos alunos daquela turma. Eu
trouxe, como Ortodontista, as novidades americanas do momento, um
pouco dos conceitos e da mecânica de
arco segmentado, mas, principalmente, a filosofia do Dr. Alexander que aplicamos na clínica hoje, e mais todo um
enfoque de pesquisa clínica que o Professor P. Bushang passa aos seus alunos todo ano no seu curso. Além do
Dr. Bushang também assisti o curso
do Dr. David Carlson que é um grande cientista na área de biologia craniofacial. Do trabalho com o Dr.
Buschang já vieram muitos frutos,
inclusive já foi publicado no “Angle
Orthodontist” do mês de maio deste
ano uma das três pesquisas desenvolvidas enquanto estive lá. Esta foi muito importante, porque foi realizada e
publicada em co-autoria com o Dr.
Bushang um dos maiores cientistas na
área de crescimento e desenvolvimento facial do mundo inteiro, e foi o único
artigo que recebeu os comentários críticos (muito favoráveis) do Dr. Isaacson
na edição no.3 do volume 68 da
“Angle”. Este trabalho fornece informações que embasam o tratamento
ortodôntico/ortopédico mais cedo.
8
Uma outra pesquisa desenvolvida lá é
parte do que virou a minha tese de
docência, e uma terceira pesquisa foi
realizada com o Dr. Willian Bell sobre
distração osteogênica na maxila de
cachorros que eu apresentei no congresso americano, mas que não foi
ainda publicada. Entre as coisas boas
que me aconteceram com a ida à
Baylor, eu destaco o fato de ter ensinado a metodologia que permitiu que
os meus colegas de disciplina Luis
Gandini e Maurício Sakima desenvolvessem as suas teses de Doutoramento
e ainda a colega Márcia, o seu Mestrado. Ver logo em seguida estes frutos da minha ida aos Estados Unidos
foi muito importante, porque eu ajudei
os meus colegas numa etapa que é
muito estressante, se não temos uma
boa metodologia para fazer a investigação. Hoje todos eles, os meus colegas, são Doutores e eu tive uma participação no sucesso deles. Outro aspecto que posso destacar é que também pelo meu desempenho na Baylor,
acabei conseguindo colocar um outro
colega meu de disciplina lá na Baylor
que é o Ary dos Santos Pinto. Ele esteve lá por dois anos e já está de volta, dando aula na Faculdade de Odontologia de Araraquara. Não só ele, mas
também a esposa dele, que é a nossa
colega Maria de Lourdes, foi Professora Visitante no Departamento de
Odontopediatria. Assim eles tiveram
a mesma experiência que eu tive.
Quando eu voltei para o Brasil, ele já
tinha uma carta de aceitação da Baylor
e até um plano de pesquisa esboçado.
Como Professor Visitante hoje está na
Baylor o nosso colega de disciplina Luis
Gandini, que também foi aceito nas
mesmas condições e vai permanecer
por dois anos. Quando o Luis voltar,
o Dirceu, outro colega nosso, vai provavelmente para o Canadá, e depois
será a vez do Maurício Sakima. Temos um acordo entre nós que todos
irão para o exterior no Pós-doutorado
para trazer experiências novas para
o Departamento. Em breve todos os
professores do Departamento terão
experiência no Exterior e estarão com-
pletamente preparados para ministrar
o que de melhor existe no mundo em
termos de Ortodontia e bem aqui, em
Araraquara. Muito disto se deve à sua
visão, Professor Tatsuko. Com o seu
entusiasmo pela Ortodontia e o ensino as coisas foram se definido para a
equipe que também têm uma harmonia muito grande. Os nossos colegas
são pessoas muito especiais que têm
tudo para o sucesso na vida particular e profissional.
Outros que queiram ir para o exterior devem estar bem preparados e
saberem objetivamente o que eles querem. Para o Mestrado o aluno deve
estar bem preparado em Inglês, ter
alguma noção prévia de Ortodontia,
de computação, de redação em Inglês
e, principalmente, que tenha salvo
umas economias, porque os cursos lá
são tão caros como as Especializações
aqui. Acho muito bom que o candidato tenha algumas experiências em períodos curtos, no mesmo departamento para conhecer as pessoas antes de
ir de malas e bagagens. Muitas surpresas poderá ter alguém que vai direto sem conhecer ninguém do departamento. Caso alguém deseje ir para
um programa de bolsa “sanduwiche”,
deve conhecer muito melhor todas as
condições do que o Mestrando, porque o seu período será mais curto (1
ano) para desenvolver o projeto. Eu
desaconselho este programa, a não
ser que exista um grande conhecimento do departamento e do orientador
de lá, a pessoa já esteja falando e escrevendo fluentemente o Inglês, saiba muito bem bioestatística, tenha um
bom conhecimento científico da sua
matéria e um bom protocolo de pesquisa, escrito e aprovado. Para a situação de Doutorado ou Pós-doutorado
aconselho que a pessoa também já
tenha um projeto de pesquisa e que
seja numa área em que o Departamento americano tenha pesquisas, tenha
boa fluência em Inglês e, que esteja
preparado para, no caso de doutorado, ficar por lá não menos que três
anos, talvez 5 anos que é o período
compatível com o PhD, que obrigato-
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riamente, deverá ser numa área básica e, é claro, muita fluência na fala e
na escrita de Inglês, muita biestatística, bioquímica, biologia molecular e
outras tantas, porque você vai ser um
cientista no final. Para o mesmo programa que nós fomos eu já dei meus
conselhos, quando respondi a pergunta do Dr. Ricardo Lombardi.
14 - Com a globalização e as dificuldades econômicas, qual a
sua opinião sobre o trabalho em
grupo? Dr. Tatsuko Sakima
Acho o trabalho em grupo uma
forma muito inteligente de enfrentar
as dificuldades que advêm do processo de globalização. As informações
estão chegando muito rápido e a
conscientização para os problemas
ortodônticos, como qualquer outro na
área médica, pode ser formada por
consultas via internet. O mundo está
menor e as pessoas, mais próximas
uma das outras. Um departamento
de Ortodontia, hoje, para crescer e
arranjar um lugar ao sol, deve ter um
projeto, um programa que descreva
com clareza a direção em que todos
os seus integrantes se afinem com a
filosofia do grupo. Antigamente, um
docente novo entrava num Departamento e falavam para ele: olha está
é a tua sala, aí está a tua mesa e vai
ficando por aí, dê algumas aulas e vê
se faz alguma pesquisa. Departamentos existem muitos, mas com um projeto, um plano definido para o futuro
existem poucos. O docente hoje, quer
saber qual a direção, que filosofia
adota, antes de entrar. Muitos professores de Ortodontia ficam dando
suas velhas aulas, e achando chato
ir para o laboratório ensinar os alunos de graduação a fazer um grampo de Adams ou um arco vestibular.
Muitos acham que jamais devem ter
uma clínica na graduação, porque a
Ortodontia é muito difícil e criar meio
ou um quarto de Ortodontista não
está certo, e não está mesmo. Assim, só sobra a função de fazer pesquisa. Sem curso de Pós-graduação,
quem faz? O grupo de Araraquara
9
está trabalhando para fazer o departamento se projetar no país. Há poucos anos atrás não era conhecido, não
existia, e hoje muitos estudantes procuram a Faculdade de Odontologia de
Araraquara para fazer o curso de Ortodontia. O departamento tem um projeto, pode merecer uma crítica qualquer, mas tem um projeto que no momento define uma filosofia de diagnóstico e uma base mecânica para a utilização dos aparelhos ortodônticos. Ao
mesmo tempo, se ocupa com o processo de construção de uma identidade. Tem um projeto de desenvolvimento no qual todos os docentes terão que
passar por uma experiência no exterior. Pode merecer crítica, mas tem um
projeto. O que se faz em Araraquara?
Tem um grupo trabalhando em
Biomecância buscando entender e
aplicar os princípios do Dr. Burstone e
do departamento de Connecticut. Burstone, Marcotte, Sachdeva e Birte
Melsen estão entre os muitos docentes e pesquisadores desta corrente que
visitaram Araraquara nos últimos 5
anos. O grupo também trabalha no
sentido de definir o alcance e a
efetividade da mecânica do Dr. “Wick”
Alexander, aplicando não só seu método de tratamento, mas também os
conceitos de organização da clínica
como uma empresa. Até que ponto o
“Straight Wire” é uma solução para
oferecer um tratamento mais barato e
acessível a outras camadas sociais?
Quando se tem uma estrutura de clínica como empresa, os gastos podem
ser reduzidos com a sistematização de
tarefas e uso de metodologia nova que
atende à delegação de certas funções
repetitivas. Aqui a habilidade pode ser
substituída por tecnologia, permitindo
um atendimento a um maior número
de pacientes e, conseqüentemente, o
tratamento será mais acessível à população da classe média e classe média-baixa. Gostaríamos de ter, no futuro, muitos alunos de outros países
da América do Sul e Central buscando
nossos curso de Pós-graduação e a
nossa forma de tratar ortodonticamente o paciente. Hoje a procura já é
significante mas deve crescer mais
ainda. No último congresso da SPO,
os nossos alunos apresentaram mais
de uma dezena de trabalhos, no congresso americano foi muito parecido.
Nossos alunos trabalham em uma clínica nova, com material completamente importado, com computadores na
clínica e na sala de alunos, com CD
das três melhores revistas de Ortodontia, com multimídia à disposição deles, programa de cefalometria, de estatística, etc. muito seminário e discussão de casos. Os alunos de Araraquara não perdem tempo recortando
modelos ou traçando manualmente
dezenas de telerradiografias. Suas pesquisas incluem tudo que existe em
qualquer biblioteca do mundo via Internet e estão completamente ligados
a tudo que de mais moderno acontece
no mundo. O paciente do aluno de
Pós-graduação ou Especialização está
recebendo o mesmo tratamento que o
paciente de Dallas ou de Connecticut
recebe no momento. Nosso aluno usa
uma linguagem que só os alunos dos
melhores departamentos dos Estados
Unidos ou da Europa entendem, e isto
é uma glória para um grupo de nova
geração que foi formado pelo Senhor
mesmo e do qual eu me orgulho de
pertencer.
15 - Como orientar o cirurgião
dentista que deseja começar a
especialidade de Ortodontia
quanto à qualidade dos cursos
que existem nas várias entidades? Dr. Tatsuko Sakima
Este é um dos problemas que
veio com o aumento da oferta de
cursos nas APCDs, ABOs e nas Faculdades que já são mais de noventa hoje. Acho que os CD têm que
pedir o programa do curso, o curriculum dos professores e têm que se
informar com colegas que já fizeram
o curso. Fora disto fica difícil mesmo, conhecer as instalações, visitando o Departamento, quando ele
promove outros cursos curtos é outra forma de errar menos na escolha do lugar certo.
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16 - A Ortodontia de Araraquara é conhecida como “Grupo de
Araraquara”. Quais as suas características? A filosofia que o
norteia pode ser aplicada a outros grupos? Dr. Tatsuko Sakima
A filosofia de tratamento é baseada numa forma de diagnosticar analisando o paciente num sistemático
modelo de exame clínico, análise do
modelo por oclusal através do oclusograma, análise das telerradiografias e
a previsão dos movimentos dentários
e dos lábios, no traçado preditivo. As
radiografias em 45 graus para avaliação dos longos eixos de cada dente
e avaliação dos planos naturais da
oclusão e, enfim, após ter a geometria
da má-oclusão desenhada para os diversos segmentos, é só desenhar os
sistemas de força que deverão ser aplicados, e a identificação dos tipos de
aparelhos que forneçam estas forças
e momentos necessários à correção.
Vários dispositivos já desenhados e
estudados servirão para as correções.
Estão entre eles cantilevers, arco lingual, barra palatina, alças em caixa e
outros segmentos de fios para a correção. No caso de geometrias simétricas o “Straightwire” poderá ser utilizado logo no começo, mas qualquer
caso vai ser finalizado com o conceito
de arco contínuo para um correto
engrenamento oclusal dos dentes. O
uso de fios superelásticos e de memória de forma são utilizados diminuindo as trocas de arcos, favorecendo
um movimento mais regular dos dentes. Para estabelecer esta filosofia o grupo se envolveu e estudou durante os
últimos dez anos com tudo que pode,
porque tudo que se conhecia vinha de
um único centro que é Connecticut onde
está o Dr. Burstone, ou de Arhus onde
está a Dra. Birte Melsen. Muitos inconvenientes de tradução e incompreensões foram contornadas neste
anos que se passaram. Muitas variações técnicas nos confundiram neste
período e hoje estamos num ponto
de poder aplicar a mecânica como um
grupo, embora alguns de nós mesmos estejam mais envolvidos com
10
ela do que outros. O que se faz aqui
hoje é um modelo bem nosso, que foi
montado ao longo dos anos, e que
está mais próximo do que o Dr.
Marcote pratica no seu consultório e
ensina nos seus cursos. Para um outro grupo chegar no mesmo estágio,
acredito, que vai ser mais fácil se eles
caminharem com o auxílio do grupo
de Araraquara. Fora disto, vão perder muito tempo para chegar num
ponto que permita fazer o que estamos já fazendo há algum tempo. Eu
preciso dizer que o mérito maior é
seu, por tudo que tem acontecido de
bom no grupo de Araraquara.
17 - Sei que o senhor tem idéias bastante claras a respeito do
futuro da nossa especialidade.
Como é que o senhor vê a Clínica Ortodôntica do futuro? Dr.
Régis Deon Rizatto
Meu parceiro de bocha como vai?
Eu já me referi a isto na pergunta
do Dr. Marco, mas gostaria de estender um pouquinho mais para imaginar como vai ser esta clínica do futuro. Será que não vamos ser completamente envolvidos pela comunicação
via Internet? Imagino o paciente na
sua casa, acessando a sua homepage, lendo o seu currículum e vendo
alguns daqueles bonitos casos que o
Senhor tratou no passado. Vendo ou
lendo também os depoimentos de alguns dos seus ex-pacientes na telinha
do computador e, então, depois de ter
acessado outras home-pages de outros colegas menos interessantes, resolve consultar com o brilhante Doutor. Ele pega a câmara de filmar ou a
máquina fotográfica e manda para o
seu consultório imagens dele mesmo
e um número do cartão de crédito para
cobrança da primeira consulta. Com
as imagens no seu consultório a atendente faz uma série de medidas, o Dr.
dá uma olhada e manda para a casa
do paciente o plano de tratamento presumido, os custos, um set-up do resultado do tratamento e o agendamento para os próximos dois anos. Isto
porque existe um software que facilita
tudo, e nem radiografias se usa mais.
É uma espécie de digitalizador de superfícies que permite analisar tridimensionalmente qualquer imagem. Assim
o paciente vai no consultório pela primeira vez, e a atendente monta o aparelho, enquanto o Dr. acompanha por
um circuito interno da sua sala, o que
está sendo feito na boca. No final, um
cumprimento umas palavrinhas e
pronto, o retorno fica para dali 2 meses, porque os fios são de CuNiTi e não
será necessário trocá-los antes disso.
Entretanto toda semana o paciente
senta no sofá, liga a sua câmera e lhe
manda as imagens do que está acontecendo na sua boca. Uma vista de
frente, de perfil e intrabucal, lateral,
frontal e oclusal com um espelhinho
que tem uma chamada assim: Rizato
e Cia. Onde o sorriso é sempre o seu
melhor close. Três ou quatro consultas, no máximo 6 visitas e o tratamento está pronto.
Não sei , não sei mesmo. Imaginar não é prever o futuro, é sonhar
acordado. Seria muito bom se a gente pudesse ver isto acontecendo. A
única coisa que eu sei é que como
era no passado, nunca mais vai ser.
Comprar um rolo de lâmina e ajustar, soldar e desgastar e soldar novamente, porque a máquina é ruim,
e ainda fazer um par de bandas por
consulta, bandas estas que soltarão
a cada mês e que, muitas vezes, soltavam as peças na primeira mordida
do paciente. Não, nunca mais. Um
rolo de um quilo de fio cada diâmetro
(0.014”; 0.016”; 0.018”, 0.020”)
de aço inoxidável do Brás, para ir trocando a cada consulta, não sem antes pôr um par de arcos de cada fio
trançado do mercado 0.015”;
0.0175”? Tudo isto para depois fazer um final de nivelamento com um
0.018’x0.025” e só então começar
a retração. Não, não é uma crítica à
forma com que as coisas eram no
passado. É uma crítica à forma com
que alguns ainda estão trabalhando
hoje. Tudo bem, mas desgastar modelos, traçar teles, fazer contenções,
discutir o orçamento com os pais e
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outras tantas coisas que se fazia, nunca mais. Por isso, tenho boas perspectivas para a clínica no futuro.
18 - Quais são as perspectivas
que os futuros alunos de Ortodontia podem esperar da sua
profissão? Dr. Régis Deon Rizatto
Os futuros alunos, aqui do Brasil,
podem esperar muitas coisas boas.
Algumas delas já estão acontecendo
agora: 1) maior facilidade de acesso
aos cursos; 2) menores custos na formação profissional; 3) maior possibilidade de escolha de cursos; 4) mais
facilidade na procura da informação;
5) professores mais competentes e
cursos melhores; 6) menor tempo
para a formação profissional; 7) melhores materiais e maior facilidade na
compra(via Internet); 8) amplas possibilidades de educação continuada
após o curso; e 7) muitas ofertas de
empregos em clínicas de Ortodontia,
o que hoje não existe ainda.
É verdade que os futuros alunos
terão que ser muito competentes, não
só no diagnóstico e na mecânica, mas
também na forma de estruturarem os
seus consultórios. Os ambientes terão
de ser muito atrativos e organizados,
de forma a oferecer um atendimento
mais agradável para os adultos e interessantes para os adolescentes. Eu
olho essa moçada que está surgindo
e a vejo com muito mais conhecimento e objetividade. A grande maioria dos
jovens que está saindo da graduação
hoje, entende muito bem de computação, matemática e pesquisa bibliográfica. Eles não perdem o tempo que nós
perdíamos para fazer um relatório que
envolve uma busca da literatura com
informações em inglês ou espanhol,
ou ainda, que incluam cálculos estatísticos. Eles sabem fazer o computador trabalhar para eles, usando a internet, as planilhas de cálculo. A globalização e a internet estão pressionando os jovens para o estudo de inglês. Quem não sabe inglês amigo, está
por baixo. Mais do nunca, esta
moçada conversa com o mundo numa
velocidade muitas vezes maior do que
11
nós fazíamos no passado. Eles vão
pegar um mercado competitivo, isto é
verdade, onde cada cliente é disputado palmo a palmo. Eu acho que numa
situação de desafio, eles estão mais
preparados para criar os meios que
condicionam o sucesso profissional do
que a nossa geração. Aprender Ortodontia e oferecê-la de boa qualidade é
muito mais fácil hoje do que ontem, e
será muito mais ainda amanhã. Esta
moçada vai trabalhar de uma forma
mais sistemática, mais objetiva,
dispendendo menos horas por semana. Eles atenderão mais pacientes por
um menor custo e, sabe o que mais?
Vão ganhar mais dinheiro que nós
estamos ganhando agora, também.
Pelo menos aqui na redondeza.
19 - Com a diversidade de técnicas existentes, quais seriam as
técnicas mais preconizadas? Dr.
Régis Deon Rizatto
Decididamente, não é o Edgewise
convencional, nem a ortopedia. A ortopedia, de certa forma, pode até ser
considerada como a mais preconizada para tipos específicos de más oclusões. A melhor técnica, acredito fortemente nisto, é uma composição
onde podemos escolher o que é mais
indicado para o paciente, como a que
estamos utilizando hoje em Araraquara. Veja como são interessantes alguns
detalhes da diversidade de aparelhos,
por exemplo: o bráquete geminado
largo é ótimo para corrigir as rotações
e as inclinações (2ª ordem) de caninos e pré-molares, mas uma vez
corrigidas estas más posições, (o que
acontece logo no início) temos que
carregar por todo o resto do tratamento as desvantagens de uma peça enorme que aumenta a rigidez do fio, rouba espaço da distância interbráquetes,
aumenta o atrito num deslizamento e
é inconveniente porque proporciona
vários contatos prematuras, o que é
válido só para as peças inferiores. Por
outro lado, um bráquete simples que
tem grandes vantagens por aumentar a distância interbráquetes, tornando o arco mais flexível e proporcio-
nando menor atrito, não controla bem
a rotação ou a inclinação dos dentes
logo no início do tratamento. Por isso,
o bráquete simples com asas laterais
do “Wick” representa uma escolha inteligente, porque reúne as vantagens
do bráquete largo e geminado no início do tratamento, uma vez que o próprio arco aciona uma das asas laterais (mesial ou distal) no primeiro arco
com as vantagens do bráquete simples, oferecendo menor atrito nos deslizamentos e tornando os segmentos
de fio interbráquetes mais flexíveis e
forças mais leves. No caso do tubo triplo do primeiro molar superior e do
tubo lingual para barra palatina, veja
que mistura “experta”. Se for canino
estiver irrompendo com inclinação
distal, poderemos usar o tubo auxiliar
introduzindo aí um segmento de fio
TMA para que uma mola de verticalização radicular corrija o canino com
reduzido efeito secundário e, ainda sem
tirar o arco que está finalizando o
nivelamento dos outros dentes. Se é
necessária uma rotação do molar, fica
fácil para uma barra palatina fazer o
trabalho. Veja que trabalho limpo. Que
mecânica objetiva. Acerta os dentes
que estão fora de posição, sem alterar
as posições dos dentes vizinhos. Se
formos trabalhar pela forma antiga
com um arco contínuo, nestas duas
circunstâncias, o fio contínuo ou arco
que trabalha para corrigir o canino ou
o molar provoca uma reação em todo
o segmento de arco, e isto movimenta os dentes vizinhos para posições
indesejáveis, o que aumenta o tempo
de tratamento para corrigir o estrago.
Assim, misturamos as técnicas ou os
bráquetes de segundo pré a segundo
pré do “Wick” Alexander, com os tubos triplos e duplos dos primeiros
molares de Burstone. Um caso pode
ser tratado com a técnica simplificada
e sistematizada do Alexander, tirando
vantagem da maior distância entre os
bráquetes, ou então fica mais versátil e
individualizado, com a mecânica lógica e racional do Dr. Burstone.
Cantilevers, segmentos de TMA, molas retangulares, três peças de intrusão
Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial - V.3, Nº 6 - NOV./DEZ. 1998
ou, molas em “T”, e molas de correção
radicular que são utilizadas para liberar momentos e forças num sistema
seletivo que foi testado previamente e
no qual é possível predizer os movimentos que ocorrerão em cada segmento. A relação momento força é utlizada
nas molas de retração para preservar
ancoragem e minimizar o uso de aparelhos extrabucais, o que é muito adequando aos adultos. Hoje, os adultos
são grande parte da nossa clientela.
Ainda, os fios com baixo módulo de
elasticidade são utilizados para termos
maior amplitude de ativações na liberação de forças mais constantes e de
menor intensidade, por parte das molas. Atender o paciente em consultas
mais espaçadas, porque os fios trabalham por mais tempo, representa tirar
a vantagem do avanço tecnológico
para nos ajustarmos a uma necessidade circunstancial que é atender mais
pacientes, sem trabalhar mais do que
o costume e manter, ou mesmo aumentar, ainda o rendimento do consultório. Conceitos de trabalhar o que está
errado com o mínimo de efeito secundário faz parte do dia-a-dia desta composição experta. Este conceito estabelece que nem todos os dentes participam do aparelho e o fio pode ser desviado de um dente ou grupo de dentes
e ter, às vezes, até dois fios dentro do
mesmo slot: um rígido para manter a
ancoragem do segmento, e um outro
flexível para fazer a movimentação de
um dente ou segmento. Desta forma,
para mim, a melhor técnica hoje é um
conjunto que se pode chamar de
“experto” porque mistura o que há de
melhor de duas ou três técnicas de aparelho fixo, entre as mais modernas.
Também utilizamos aparelhos ortopédicos, basicamente o Bionator e o
Klammt, assim como o Aparelhos auxiliares Extrabucal, Herbst e
“Pendulum”, e ainda a cirurgia ortognática para correção de grandes
displasias. Acho que estamos no caminho, pelo menos a impressão que temos é que o tempo de trabalho no consultório está se tornando menor e é
menos estressante tratar os pacientes.
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O Conselho Editorial da Revista
Dental Press agradece aos
eméritos Doutores pela participação na Seção Fórum, e pela
colaboração à ciência ortodôntica
com o engrandecimento da
qualidade da informação para
nossos leitores.
Dr. Ricardo
Lombardi de
Farias
- Formado em Odontologia
pela Universidade Federal da
Paraíba (UFPB) - 1975
- Mestre em Ortodontia pela
USP - São Paulo (1976-79)
- Professor Adjunto IV da disciplina de Ortodontia
da UFPB
- Presidente da ABO-PB (1993-95; 1995-97; 1997-99)
- Presidente do Conselho Deliberativo Nacional da
ABO (1997-98; 1998-99)
- Auditor do CFO
- Fundador e 1º Presidente da Sociedade Paraibana
de Ortodontia (SPBO)
- Membro da WFO
Dr. Décio Rodrigues Martins
Dr. Marco Antonio
L. Feres
- Curso de Pós-Graduação em
Ortodontia pela University
Oregon Dental School - U.S.A.,
(Setembro/1968 - Junho/1970)
- Professor da USP de Bauru
desde 1983.
- Coordenador do Curso de Pós-Graduação em
Ortodontia, ao nível de Mestrado da Faculdade de
Odontologia de Bauru/USP, de 1973 a 1984.
- Coordenador do Curso de Especialização em
Ortodontia promovido pela Sociedade de Promoção
Social do Fissurado Lábio-Palatal, de 1979 a 1987.
- Coordenador do Curso de Pós-Graduação em
Ortodontia, ao nível de Doutorado, da Faculdade
de Odontologia de Bauru/USP, desde 1983.
- Especialista em Ortodontia.
- Professor Adjunto, Disciplina
de Ortodontia (Graduação e
Pós-Graduação, Universidade
Federal do Paraná).
- Professor Adjunto, responsável pela disciplina de
Oclusão da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná.
- Ex-presidente da Sociedade Paranaense de
Ortodontia.
- Curso de Ortodontia pela Foundation For
Orthodontic Research, Califórnia, EUA.
- Membro da American Association of
Orthodontists.
- Vários Cursos e Conferências ministrados no
Brasil e Exterior.
Dr. Orlando
Ayrton de Toledo
Dr. Régis Deon
Rizatto
- Professor Titular de
Odontologia da Universidade
de Brasília.
- Ex-Titular de Odontopediatria
da Faculdade de Odontologia
de Araraquara - SP.
- Doutor e Livre Docente em Odontopediatria pela
Faculdade de Odontologia de Araçatuba - UNESP.
- Coordenador da Comissão de Especialistas de
Ensino de Odontologia da Secretaria de Educação
Superior, do MEC.
- Presidente do Conselho Regional de Odontologia
do Distrito Federal.
- Livro Publicado: Odontopediatria - Fundamentos
para a Prática Clínica, 2ª Ed., São Paulo, Premier,
1996.
Trabalhos Publicados em periódicos nacionais e
estrangeiros: 72
- Mestre em Ortodontia pela
Universidade de São Paulo;
- Professor Regente da
Disciplina de Ortodontia I da
Faculdade de Odontologia/
PUCRS;
- Professor do Curso de Mestrado em Ortodontia da
Faculdade de Odontologia PUCRS;
- Professor do Curso de Especialização em
Ortodontia da Associação Brasileira de Odontologia/RS;
Dr. Sebastião
Interlandi
Dr. Tatsuko Sakima
- Professor Titular da Faculdade de
Odontologia da Universidade de
São Paulo /USP
- “Master of Science in Dentistry,
pela University of Saint Louis U.S.A.
- Primeiro presidente eleito (Lima-Peru) da “Associacion
Latino Americana de Ortodóncia”.
- Primeiro ex-aluno estrangeiro a receber o “Orthodontic
Alumni Merit Award” da University of Saint Louis (USA)
-DiretordoCentrodeEstudoeEnsinoOrtodônticos,emBragança
Paulista.
-PrimeirolugasobtidonoúltimoconcursodeOdontoloteratura,do
Rio de Janeiro (poesia).
Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial - V.3, Nº 6 - NOV./DEZ. 1998
- Professor Titular Aposentado
da Disciplina de Ortodontia, do
Departamento de Clínica
Infantil, da Faculdade de
Odontologia de Araraquara UNESP.
- Professor Coordenador do
Curso de Especialização da Associação Paulista de
Cirurgiões-Dentistas (Regional de Araraquara).
- Professor do Curso de Pós-Graduação em
Ortodontia, da Faculdade de Odontologia de
Araraquara - UNESP.
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