a percepção dos elementos de uma paisagem cultural excluída

PERCEPÇÃO DE ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO DE MINAS GERAIS
(CAPITAL E INTERIOR) SOBRE UMA PAISAGEM CULTURAL ALTERNATIVA NO
CENÁRIO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO: O SEGMENTO
AFRODESCENDENTE DA POPULAÇÃO
José Antônio Souza de Deus
AGB - Belo Horizonte
IGC/UFMG
[email protected]
Thaís Almeida Rodrigues
AGB - Belo Horizonte
IGC/UFMG
[email protected]
RESUMO
A conduta dos atores presentes na escola reflete, em grande medida, traços do
comportamento da sociedade na qual aqueles estão inseridos, fato que torna o ambiente
escolar um importante objeto de investimento e investigação. Discussões em relação à
paisagem cultural afrodescendente, no que se refere à visibilidade do continente africano e à
ressignificação do conceito de quilombos e quilombolas, por exemplo, serão empreendidas a
partir da percepção de alunos do 3º Ano do Ensino Médio. No imaginário da sociedade
brasileira, os afrodescendentes são geralmente percebidos de maneira estereotipada,
guardadas as representações e o preconceito herdados do passado escravista no Brasil.
Desponta como necessidade a ressignificação da imagem que a sociedade brasileira tem não
só
dos
afrodescendentes,
superando
conceitos
estereotipados
que
contribuíram
negativamente com a elaboração de representações.
Palavras-chave: Percepção; Geografia Escolar; Afrodescendentes.
Introdução
Este trabalho explicita aspectos da percepção que possibilitam o conhecimento sobre
o imaginário e as representações da população de Minas Gerais em relação ao
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afrodescendente no estado. O tema investigado pode ser contextualizado no âmbito de
discussões hoje em curso na Geografia Cultural/Etnogeografia – campo do conhecimento que
no final do século XX passou por grandes transformações, ressurgindo com novas influências
e relações baseadas no entendimento das representações e experiências do homem no
espaço, através da cultura e do estudo das paisagens. No Brasil, a Geografia Cultural se
desenvolveu após 1990, embora as preocupações culturais já fossem incluídas nas pesquisas
da Geografia desde 1930 (CLAVAL apud DEUS, 2005). Corrêa (1995) aponta, a
propósito, que a organização espacial resultante da globalização tornou visíveis as diferenças
de natureza cultural, o que pode explicar a retomada recente das pesquisas na Geografia
Cultural, tendo em vista a relevância atribuída às diferenças étnicas e à questão dos valores.
Ao renovar-se, a Geografia Cultural adota linhas interpretativas que visualizam a paisagem
como um texto “a ser lido e interpretado como documento social” (COSGROVE;
JACKSON apud DEUS, 2005, p.48), cuja análise se desenvolve através da percepção dos
sujeitos em relação ao seu espaço. Segundo Cosgrove (1998), o espaço é vivenciado e
percebido de diferentes modos pelos grupos sociais que integram a paisagem, enquanto que
para Corrêa (1995, p.7) o ambiente geográfico é constituído pela natureza e pelo espaço
socialmente produzido, do qual o homem é parte integrante, sendo que a paisagem é a porção
visível desse espaço.
A articulação das práticas humanas permite compreender as expressões culturais na
paisagem, pois a cultura é “capaz de ser trazida ao nível da reflexão consciente (...) e ao
mesmo tempo determinada por e determinante da consciência e das práticas humanas”
(COSGROVE, 1998, p.102). Desse modo, é também possível perceber a relação de poder
nas paisagens culturais, visto que “o grupo dominante vai impor sua experiência de mundo,
suas próprias suposições tomadas como verdadeiras, como objetiva e válida como cultura.
(...) O poder é assim expresso e mantido na expressão da cultura” (COSGROVE, 1998,
p.104). Ainda segundo Cosgrove (1998), a partir das relações de poder delimitam-se
diferentes paisagens culturais presentes no espaço geográfico, a saber: paisagens da cultura
dominante, em que um grupo exerce poder sobre os demais, e paisagens alternativas que são
menos visíveis culturalmente. As paisagens alternativas se subdividem em três grupos: culturas
residuais (que são relíquias do passado), culturas emergentes (que se antecipam ao futuro) e
culturas excluídas (que são ativas ou passivamente suprimidas). Cosgrove (1998) defende que
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as culturas alternativas possuem menor visibilidade do que a paisagem cultural dominante, mas
as mudanças de escala podem revelar maior expressão de uma cultura subordinada ou
alternativa. Já Corrêa (1995, p.7) destaca que as culturas excluídas possuem “paisagens
próprias, muitas vezes imperceptíveis aos olhos da cultura dominante, mas ricas de símbolos e
significados” e relevantes para a paisagem como um todo. Postula-se aqui que as paisagens
culturais vinculadas ao universo dos afrodescendentes no Brasil podem ser inseridas nessa
categoria, tendo em vista a riqueza simbólica e a matriz cultural africana que nem sempre é
percebida pela cultura dominante.
A proposta deste trabalho se justifica pela necessidade de compreensão da paisagem
através da percepção e do entendimento da influência do imaginário social nas relações
desdobradas no espaço geográfico, pois reconhecer a diversidade de outros sujeitos e suas
ações na paisagem cultural pode ser um caminho para a superação de preconceitos que
interferem na posição social e condições de vida de atores marginalizados. Nessa perspectiva,
investigou-se a percepção de alunos do 3º ano do Ensino Médio sobre uma paisagem cultural
excluída – o segmento afrodescendente no Brasil. A fim de atender a proposta metodológica
da pesquisa, questionários foram aplicados em escolas das redes privada e público-estadual
nos municípios mineiros de Belo Horizonte, Campos Gerais e Corinto. Em cada município,
duas instituições foram respectivamente selecionadas, a saber: Colégio Padre Eustáquio e
Escola Estadual Maria Carolina Campos, em Belo Horizonte; Colégio Santa Luzia e Escola
Estadual Professor Eduardo Daniel Ferreira Dias, em Campos Gerais; e Colégio Dom
Serafim -COOPENCOR e Escola Estadual José Brígido Pereira Pedras, em Corinto. A
amostra constitui-se de um total de 147 alunos, com idades situadas entre 16 e 21 anos.
Os resultados da pesquisa, realizada em setembro/ 2009, para a integralização de
créditos de monografia, possibilitaram a identificação de elementos que conduziu a discussões
sobre a visibilidade do continente africano na ótica dos discentes; o reconhecimento das
influências africanas nas unidades federativas e as contribuições dos afrodescendentes para a
formação cultural do Brasil; a ressignificação dos conceitos de quilombo e quilombolas; e
considerações sobre a existência e os tipos de preconceito manifestos e seus desdobramentos
na sociedade brasileira a partir da percepção dos alunos.
Percepção e visibilidade do continente africano
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A estreita relação entre o Brasil e África, em certa medida, deveria estimular a busca
por informações sobre as nações africanas no contexto histórico e atual. Contudo, a pesquisa
revelou, sob os olhares dos discentes, uma visão fragmentária do continente que tanto
contribuiu com a formação sociocultural e econômica da nação brasileira. A indicação de
nomes de países africanos pelos alunos possibilitou inclusive a elaboração de uma
representação cartográfica, mostrando a visibilidade das nações do continente nas
percepções desses estudantes. Nessa perspectiva, foi possível identificar três áreas distintas
da África, que podem ser visualizadas no Mapa 1.
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Escala 1: 5.000.000
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Legenda – unidades territoriais africanas
(em percentual)
61% - Hinterland africano invisível
24,5% - Hinterland africano na semi-obscuridade
14,5% - Extremidades africanas percebidas/visíveis
Mapa 1 – Visibilidade da África na ótica dos estudantes do Ensino Médio de municípios de Belo
Horizonte, Campos Gerais e Corinto/MG.
Fonte: Dados da pesquisa.
A parcela mais visível da África na ótica dos discentes totaliza 14,5% do território
desse continente. A porção que se encontra na semi-obscuridade representa 24,5% da área
do continente. E, por fim, 61% do território africano não possuem visibilidade para os
discentes
que
participaram
da
pesquisa,
tendo
em
vista
seu
desconhecimento/desconsideração na percepção dos estudantes.
O predomínio de países como Angola, África do Sul e Egito como “visíveis” na
percepção dos discentes – 16,5%, 14,3% e 9,1% das citações respectivamente – pode ser
evidentemente explicado pela importância dessas nações no cenário mundial, seja pela sua
relevância histórica, por sua presença frequente no noticiário da mídia, ou ainda pelas relações
econômicas estabelecidas por essas nações com o exterior. Já o Sudão e a Etiópia, duas
nações que têm grande importância no contexto da história clássica africana, não apresentam
visibilidade na ótica dos discentes.
Entre os países africanos que integram a Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa, apenas Angola tem maior visibilidade na percepção dos discentes, com 16,5%
do total de citações, enquanto Moçambique obteve apenas 4,8%, e Guiné-Bissau 1%. Esses
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países partilham características históricas semelhantes, como a colonização portuguesa e o
conflituoso processo de independência, além do português como língua oficial. Mas, o que
torna Angola mais visível à percepção dos alunos se comparado a Moçambique e
Guiné-Bissau, já que mantêm relações similares com o Brasil?
A percepção dos elementos da paisagem cultural alternativa
A relação dos seres humanos com os lugares faz com que a paisagem seja
transformada através de ações reflexivas, não reflexivas e reproduzidas na vida cotidiana,
evidenciando a cultura (COSGROVE, 1998). Cosgrove aponta que “revelar os sentimentos
na paisagem cultural exige habilidade imaginativa de entrar no mundo dos outros de maneira
autoconsciente e, então, re-presentar essa paisagem num nível no qual seus significados
possam ser expostos e refletidos” (COSGROVE, 1998, p.103). Muitos desses significados
são compreendidos à medida que se percebem os seres humanos como parte da paisagem
cultural e sua experiência com o mundo, que passa a ser o ponto inicial da análise do espaço.
Entre os objetivos dessa pesquisa, encontra-se a investigação da percepção da
influência da matriz africana na paisagem cultural brasileira. Para 44,2% da amostra, a Bahia é
o estado onde a cultura afrodescendente ou afrobrasileira é mais expressiva. O Rio de Janeiro
figura como o segundo estado cuja influência afrodescendente é mais significativa, conforme a
percepção dos discentes, seguido dos estados de Pernambuco, Minas Gerais e São Paulo.
Tal percepção pode ter sido influenciada pelas características da população dos estados
brasileiros apresentadas na mídia, ou, pelo percentual de afrodescendentes residentes em
cada unidade federativa, ou ainda pela formação territorial do país, que se iniciou pelo estado
baiano, além do forte apelo do turismo que promove o estado. Elementos como o samba no
Rio de Janeiro e as festividades e tradições religiosas em Minas Gerais também podem ter
influenciado os discentes na identificação dos estados cuja paisagem cultural é resultante de
ações africanas. Contudo, a expressividade das manifestações afroculturais na Bahia foi
determinante para a escolha do estado.
Ainda em relação aos aspectos culturais, foi solicitado aos alunos que indicassem as
contribuições africanas observadas na cultura brasileira. Os apontamentos dos discentes
envolveram aspectos como artesanato, culinária, dança, música, religiosidade, entre outros. A
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culinária obteve o maior reconhecimento como herança da cultura africana, seguida da
capoeira e da dança. Entre os estudantes entrevistados houve a associação da influência nos
hábitos alimentares a um prato típico brasileiro – a feijoada – cuja origem, na explicação
popular difundida, remete ao cozimento de feijão com carnes de porcos que não eram
consumidos pelos senhores das fazendas. É sabido que a culinária brasileira sofreu
adaptações em torno de três matrizes – africana, europeia e indígena – e o resultado denota,
em maior ou menor grau, a influência das técnicas e hábitos destas.
É importante destacar também a percepção dos discentes a respeito da capoeira, que
representa um movimento de resistência dos escravos frente ao sistema compulsório de
trabalho adotado no Brasil entre os séculos XVI e XIX. Diferentes categorias – dança,
esporte e luta – foram atribuídas à capoeira, sugerindo a confusão ou desconhecimento deles
em torno da origem/significado do recurso utilizado pelos escravos como meio de resistência
e sobrevivência nas senzalas.
A influência dos afrodescendentes na religião foi reconhecida pelos alunos nos três
munícipios, sendo relacionada sobretudo a seu papel na gestão/desenvolvimento dos cultos
afrobrasileiros, como o candomblé e a umbanda. Não houve menção da contribuição dos
afrodescendentes nos ritos católicos ou de festejos como o congado, ainda que em Minas
Gerais, sobretudo no interior do estado, tais manifestações religiosas e culturais sejam
comuns. Além disso, os discentes não estabeleceram uma relação entre a influência africana e
os santos católicos negros como Santa Efigênia, São Benedito, Nossa Senhora do Rosário e
Nossa Senhora Aparecida (considerada a padroeira do Brasil pela Igreja). Possivelmente os
participantes da pesquisa não perceberam tais contribuições na paisagem cultural por não ter
ela significado no seu aspecto vivido. É importante lembrar que o segmento afrodescendente
compõe uma paisagem cultural excluída e, nesse sentido, seus elementos não são percebidos
integralmente.
Sabe-se que grande parte da herança cultural afrodescendente é mais expressiva em
locais onde havia maior concentração da população negra no Brasil. Além das regiões onde
se empregava a mão-de-obra escrava africana, os quilombos reuniam grandes contingentes
de negros e escravos fugitivos e mantinham vivo o ideal de liberdade associado ao caráter
sociopolítico e cultural no torno do processo de resistência, luta e organização dos africanos.
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No contexto deste trabalho, embora as populações afrodescendentes possam ser
visualizadas como paisagem cultural excluída, aos quilombos atribui-se o conceito de
paisagem cultural emergente. Tal classificação se dá em função da mobilidade e das mudanças
que ocorreram nos territórios negros desde a desagregação abolicionista que estabelecia
fronteira social, política e militar frente ao sistema que oprimia os escravos africanos, até os
anos mais recentes, onde houve o reconhecimento cultural e a concessão da propriedade da
terra aos quilombolas.
Os quilombos constituíam uma “forma de resistência mais representativa, devido a sua
quantidade e continuidade histórica. Ali se estabelecia uma fronteira social, cultural e militar
contra um sistema que os oprimia” (GOMES, 2009, p. 104). Tratava-se, portanto, de
comunidades pautadas por hierarquia e integração entre indivíduos através de “laços de
sangue, etnia, território, religião ou projeto consensual” (SODRÉ apud GOMES, 2009, p.
135). Os quilombos ou mocambos surgiram no século XIX e sobreviveram durante muitos
anos, alguns em áreas isoladas, e outros em contato com índios e brancos pobres, cujos
habitantes, chamados de quilombolas ou mocambeiros, disseminavam o desejo de viver em
uma sociedade livre (MUNANGA; GOMES, 2006). Para Fiabani (2005, p. 412) trata-se de
um “fenômeno social e histórico objetivo” que foi “alvo de diferentes interpretações ao longo
do tempo”. Os quilombos representaram uma das mais completas e complexas formas de
reação à escravidão, participando da dinâmica social, e está adjunto às políticas de
reconhecimento da população afrobrasileira.
Para a percepção dos estudantes sobre tais fenômenos/processos foi apresentada aos
alunos uma questão que visava a identificar sua percepção sobre a ressemantização dos
quilombos na sociedade brasileira. E a pesquisa revelou que os quilombos ainda não foram
reconhecidos pelos discentes como uma paisagem cultural emergente que vem ganhando
visibilidade nos últimos anos em função do contexto histórico atual, dos movimentos
reivindicatórios e dos direitos concedidos às populações quilombolas reconhecidas pelos
aspectos culturais e sua autoidentificação/autoreconhecimento como grupos étnico-culturais
diferenciados. O resgate cultural nos quilombos, associado à concessão do direito a terra,
concede-lhe o caráter de paisagem cultural emergente, que destaca e reforça as contribuições
da matriz africana.
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Tais considerações são resultantes das respostas apresentadas pelos alunos, visto que
92,5% desses afirmaram conhecer o significado da palavra quilombo, mas apenas 3,7% os
identificaram como forma de resistência contra a dominação colonial e rejeição ao sistema
escravista enquanto que a ideia de habitação que servia de refúgio aos escravos fugitivos
esteve presente nas respostas de 48% dos alunos.
Em outro momento, foi apresentada uma sequência de questões que envolvia a
identificação da existência do preconceito e seus desdobramentos, bem como seu aumento ou
redução nos últimos anos. Do total de participantes, 92,5% acreditam que existe preconceito
no país. Cerca de 65% apontaram a cor da pele como alegação para a manifestação do
preconceito, enquanto 23,8% acreditam que os estereótipos e características depreciativas
atribuídas aos negros revelam o preconceito presente na sociedade brasileira, além da
discriminação social citada por 12,5% da amostra.
É relevante assinalar que parte da amostra não apontou diretamente os diferentes
tipos de preconceitos manifestos na sociedade, mas situações e aspectos que traduzem o
posicionamento da paisagem cultural dominante frente a uma minoria excluída. A limitação das
possibilidades de ascensão social e educacional e a dificuldade de acesso ao mercado de
trabalho foram indicadas como circunstâncias às quais os afrodescendentes são submetidos
cotidianamente, sendo o preconceito percebido de maneira incisiva. Alguns discentes
pontuaram, ainda, a discriminação que os alunos inseridos nas universidades através do
sistema de cotas raciais podem sofrer, sendo potenciais vítimas do preconceito.
Considerações Finais
O entendimento dos aspectos da percepção e do imaginário traz possibilidades de
previsibilidade das ações dos sujeitos, como se relacionam o sistema de representações em
suas ações concretas na paisagem, sua solidariedade e o direcionamento de seus desejos. É a
percepção em interação com o imaginário que inicia uma tomada de consciência sobre a
alteridade do outro e, portanto, possibilita a mudança da sensibilidade e das impressões,
reelaborando as experiências concretas e intersubjetivas. Abordagens sobre a realidade
vivenciada pelas comunidades afrodescendentes brasileiras (incluindo a questão “ressurgente”
da identidade quilombola em reconstrução/ “reinvenção”) constituem, por sua vez, campo
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fértil de análise e interpretação/reinterpretação para as investigações e práticas geográficas na
atualidade, sobretudo no campo da Etnogeografia (e utilizando-se eventualmente como
instrumental de trabalho, a cartografia temática – como foi esboçado neste trabalho).
Etnogeografia e Percepção Ambiental confluem, portanto, para a explicitação/decodificação
dessa vertente particular do substrato cultural do Brasil contemporâneo.
No imaginário da sociedade brasileira, o negro e os afrodescendentes são geralmente
percebidos, vale ressaltar, de maneira estereotipada, guardadas as representações e o
preconceito herdados do passado escravista vigente no Brasil até 1888. De certo modo,
essas visões deturpadas exercem influência na realidade do segmento afrodescendente e na
visibilidade de suas contribuições socioculturais, visto que tais contribuições são pouco
percebidas no embate/confrontação com a força desproporcional da hegemonia
historicamente construída da paisagem cultural dominante, marcada pelo elitismo e
eurocentrismo latentes. Percebem-se, é fato, sentimentos de resistências e/ou perpetuação do
preconceito em relação aos afrodescendentes, dificuldades na aceitação das diferenças
étnico-culturais e ausência de identidade quanto ao “afrodescendente”, mesmo sendo o Brasil
um país multicultural. Pode-se considerar que a sociedade brasileira não assume a herança
cultural africana na formação de sua identidade e não se percebe afrodescendente, mesmo
que a população seja fruto da miscigenação entre os povos africanos, indígenas e europeus.
Não se pretendeu aqui discutir questões sobre identidade, mas ficou evidente que os
participantes responderam às perguntas se isentando do processo, como se estivessem
analisando algo externo a eles, distante do espaço vivido. Talvez tal sentimento seja resultante
da dificuldade, até mesmo, de se reconhecer quem de fato é afrodescendente no Brasil, que
pode passar pela identidade individual ou do grupo.
Desponta como necessidade a ressignificação da imagem que a sociedade brasileira
tem não só dos afrodescendentes como também dos colonizadores, superando conceitos
estereotipados que contribuíram negativamente com a elaboração de representações,
consideradas, aqui, equivocadas dos povos africanos e seus descendentes, fazendo com que
suas ações se mostrem pouco visíveis na paisagem cultural. Evidentemente, a mudança do
imaginário vigente é um processo demorado que pressupõe, segundo Suess (1995, p. 9),
“novas avaliações, motivações e comportamentos”. Também é necessária a reformulação e a
continuidade de práticas que proporcionem a inserção dos afrodescendentes no mercado de
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trabalho, nas universidades e nos diferentes setores da sociedade, partindo do princípio do
reconhecimento das diferenças étnicas e também da igualdade e do cumprimento dos direitos
civis independentemente das características físicas e sociais.
Este trabalho teve caráter introdutório e pode possibilitar desdobramentos de
pesquisas nas quais se enfatizem aspectos como a incidência da discriminação em termos de
gênero; problematizações sobre o mecanismo da autodeclaração como instrumento de
definição dos beneficiários de direitos advindos de programas de discriminação positiva das
comunidades afrodescendentes pelo poder público; questões sobre a identidade
afrodescendente
etc
–
que
são
conceitos/temas
que
merecem
maior
aprofundamento/detalhamento em futuras investigações a serem desenvolvidas na perspectiva
adotada nesta monografia de graduação.
Referências Bibliográficas
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GOMES, Angela Maria da Silva. Rotas e diálogos de saberes da etnobotânica transatlântica
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SUESS, Paulo. Ensaio: O imaginário, o simbólico e o ético-político são essenciais à luta
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