Paisagens vitícolas brasileiras

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X Congresso Brasileiro de Viticultura e Enologia 133
Paisagens vitícolas brasileiras
Ivanira Falcade1
1. Introdução
Desde tempos remotos, a paisagem tem sido objeto de representação e de estudos de diversas áreas do conhecimento.
Nas pinturas renascentistas começa a aparecer como ponto de fuga, depois ela própria é o tema central da representação.
Na Geografia, por vezes, foi tomada como o próprio objeto da ciência. Embora no senso comum espaço e paisagem
sejam tomados como sinônimos, são conceitos diferentes.
A paisagem pode ser vista como o visível de um recorte do espaço, tudo aquilo que o olhar abarca desde um certo
ponto até o horizonte. Essa apreensão, essa percepção está impregnada da experiência cultural do indivíduo e da
coletividade a que pertence. Essa observação está impregnada de subjetividade, mas pode ser objetivada, considerando
critérios determinados.
Os elementos que compõem uma paisagem podem ser identificados e explicados sócio-historicamente. Se considerados
desta forma, estão continuamente em transformação. Na avaliação, na qualificação de uma paisagem incidem
concepções políticas, econômicas e sociais, bem como a evolução das técnicas e das artes. A maneira como cada
sociedade, em cada tempo e no cotidiano, se relaciona com a natureza reflete o imaginário social e seus padrões
culturais e estéticos. Essas condições influenciarão as transformações de formas antigas e a construção de novas
formas.
A paisagem vitícola é original, não só pela forma escultural de construir o espaço rural, por permanecer longo tempo,
mas pela produção “dos deuses” que o homem extrai dela. É, assim, resultado de trabalho e pode ser preservada
como patrimônio da identidade cultural da sociedade que a produz, do mesmo modo que se preserva a arquitetura
e o meio ambiente.
2. Tipologia de Paisagens Vitícolas
Fabienne Joliet (ITV, 2002), criou uma tipologia para classificação das paisagens vitícolas francesas em que considera
como critérios principais a densidade dos vinhedos e o relevo, que influencia na visibilidade desses vinhedos, além
de outras características secundárias.
Considerando os critérios densidade e relevo, a viticultura pode ser: monocultura em encosta, monocultura em planos
e policultura em encostas e planos, resultando em 5 tipos diferentes. Essa tipologia de paisagens vitícolas está na
Figura 1 e apresenta as seguintes características:
A. Monocultura em encosta
1. Terraços de vinhedos: com ou sem murros, obras de engenharia humana que marcam acentuadamente a paisagem,
caracteriza-se por vinhedos em linhas horizontais ou curvas, acompanhando as curvas de nível;
2. Marchetaria de vinhedos: caracteriza-se por apresentar os vinhedos em diversos planos seguindo as linhas de
orientação da declividade, resultando em uma paisagem variada na forma, porém homogênea na cultura;
3. Ondas de vinhedos: os vinhedos seguem linhas verticais no sentido da declividade, criando uma perspectiva para
o olhar.
B. Monocultura em planos
4. Mar de vinhas: independente da altitude, o relevo plano leva o olhar à linha do horizonte, pois se caracteriza por
vinhedos a perder de vista, criando sentimentos variados, do êxtase à monotonia.
C. Policultura em encosta ou planos
5. Mosaico de vinhedos: a viticultura encontra-se misturada a outros usos, o que cria texturas e cores diferentes,
provocando a ilusão de um jogo de abertura ou fechamento da paisagem, especialmente pela presença de bosques
residuais.
1
Universidade de Caxias do Sul. E-mail: [email protected]
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Figura 1. Uma tipologia das paisagens vitícolas, segundo Fabienne Joliet (2002).
3. Paisagens Vitícolas Brasileiras
A vitivinicultura brasileira inicia com a colonização portuguesa no século XVI, mas é com a imigração italiana, a partir
da segunda metade do século XIX, que se configuram muitas das tradicionais regiões vitivinícolas atuais, como a
Serra Gaúcha, o Alto Vale do Rio do Peixe, em Caldas/Andradas, entre outras. Nas últimas três décadas, porém, a
vitivinicultura para vinhos finos expande-se em outras áreas, em novas condições, formando paisagens diferentes,
como na Campanha e na Serra do Sudeste, do Rio Grande do Sul, e no Vale do Submédio Vale do São Francisco,
em Pernambuco/Bahia.
A viticultura na tradicional Região da Serra Gaúcha encontra-se, em geral, em pequenas propriedades de trabalho
familiar e é desenvolvida em terrenos de topografia acidentada, sendo a videira conduzida, sobretudo na forma de
latada e cultivada nas encostas tendo, em algumas áreas, o plátano como seu sustentáculo periférico, configurando
paisagens de inspiração etrusca ou como as bocages francesas. Os vinhedos são de pequena extensão aparecendo
na paisagem em conjunto com a mata, nas áreas de maior declividade, e outros usos, como a horta e o potreiro.
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Relacionado ao processo de colonização as estradas são como fitas em movimento pelas encostas. Construídas nas
cabeceiras dos lotes serviam, ao mesmo tempo, para as duas linhas. Ao longo dessas vias a cada 200 m aproximadamente,
encontra-se a residência, que passou por diferentes formas arquitetônicas e materiais em pouco mais de um século.
A viticultura tem incorporado, nas últimas décadas, tecnologia para a qualificação da produção, como a condução
na forma de latada aberta ou a espaldeira, o que altera a paisagem vitivinícola. Além disso, na Serra Gaúcha, as
mudanças na paisagem vitícola estão relacionadas diretamente a instalação de cantinas comerciais no meio rural,
ao surgimento de novas atividades econômicas, à pavimentação das principais estradas vicinais e ao desenvolvimento
do enoturismo.
Entre as outras regiões tradicionais, a Região do Alto Vale do Rio do Peixe, no centro-oeste catarinense, resultado da
migração de descendentes de italianos e alemães, tem uma paisagem fisicamente e culturalmente semelhante a da
Serra Gaúcha, embora sua produção esteja concentrada em vinhos de mesa, oriundos de uvas americanas e híbridas.
A partir da década de 1970, ocorre a implantação e, nos últimos anos, um crescimento importante da viticultura na
Campanha e na Serra do Sudeste. Essas novas regiões vitivinícolas situam-se em áreas definidas por critérios geralmente
técnicos e por outros fatores sociais, de modo geral empresários nacionais, mas também estrangeiros, não necessariamente
ligados ao setor vitivinícola tradicional. A viticultura moderna instala-se em propriedades de maior extensão, desenvolvida
com mão-de-obra assalariada, administrada pelo proprietário/empresário à distância.
O relevo plano e suave ondulado da região da Campanha e da Serra do Sudeste imprime à paisagem vitícola formas
diferentes das regiões tradicionais. Os vinhedos são mais extensos e a videira, em geral, conduzida na forma de
espaldeira em áreas de pouca declividade, onde é possível a mecanização.
Na paisagem plana de campos limpos de produção pecuária tradicional da Campanha, onde morros de um relevo
residual destacam-se no horizonte homogêneo, os grandes vinhedos formam uma ruptura escultural. Já na paisagem
de colinas suave-arredondadas com mares de matacões que cobre a superfície cristalina da Serra do Sudeste os
vinhedos estão sendo instalados nas áreas mais planas.
Os projetos governamentais para a região do semi-árido nordestino promoveram, a partir dos anos 1960, a implantação
de agricultura irrigada na Região do Sub-médio Vale do Rio São Francisco. A viticultura para vinhos ali implementada
teve um período de crescimento em meados dos anos 80, mas é nos últimos anos que ela se expande de forma
significativa. De modo geral, é desenvolvida por empresários, com mão-de-obra assalariada.
Na paisagem da planície sedimentar que forma a depressão do Vale do Rio São Francisco o cinza esbranquiçado do
solo e o verde, geralmente esmaecido, da vegetação xerofítica do semi-árido se transforma drasticamente com a
implantação de extensos vinhedos irrigados com a água do Rio São Francisco, onde sempre há parcelas em produção.
Na paisagem, o vinhedo forma um paralelo com a planura do solo, vez ou outra rompida por um inselberg que o olhar
abarca no horizonte, assim como alguma vila de trabalhadores das grandes fazendas.
Entre as regiões tradicionais e as novas há trocas. Por exemplo, vitivinicultores das regiões tradicionais cultivam nas
regiões novas e empresários das regiões novas buscam a experiência das regiões tradicionais. Nos dois casos, a
vitivinicultura é expressão da identidade da sociedade que a produz: a tradicional, ligada aos valores culturais da
imigração italiana, enquanto a viticultura nova é bem expressão da sociedade técnico-científica-informacional dos dias
atuais.
4. Considerações Finais
A caracterização dessas regiões, embora breve, permite classificar as paisagens vitícolas brasileiras, segundo a tipologia
de Fabianne Joliet, da seguinte forma:
1. Serra Gaúcha e Alto Vale do Rio do Peixe: de modo geral em mosaico de vinhedos, como se os vinhedos fossem
selos colados à paisagem; porém é possível identificar paisagens de marchetaria nas áreas de maior concentração/extensão,
como nas encostas do Vale Aurora;
2. Campanha, Serra do Sudeste e Vale do Rio São Francisco: embora cada área apresente um contexto regional
diferente, guardadas as proporções, identificam-se nessas 3 regiões paisagens de mar de vinhedos.
3. Caldas/Andradas: mesmo sendo de pouca extensão a viticultura dessa região é conduzida no sentido da declividade,
formando uma onda de vinhedos.
Estas paisagens são testemunho de uma cultura, de um tempo. Embora não sejam imutáveis, estão fixas num espaço.
Conhecê-las e preservá-las, na sua essência, é pensar um desenvolvimento sustentável.
A vitivinicultura brasileira, quando comparada à européia, é recente. No entanto, há elementos nas paisagens vitícolas
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brasileiras que devem ser preservados, pois são partes da identidade cultural dessa sociedade. Por exemplo, na Serra
Gaúcha, entre esses elementos, destacam-se as cantinas e casas feitas em basalto e o uso dos plátanos como
sustentação na periferia dos vinhedos.
Assim como apreciar um vinho, observar uma paisagem vitícola pode ser a expressão conjugada do prazer dos
sentidos!
4. Bibliografia
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63-64.
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