A ICONOGRAFIA DA GEOGRAFIA NOS LIVROS-DIDÁTICOS E A CONSTRUÇÃO DA NACIONALIDADE BRASILEIRA. Ariclê Vechia Universidade Tuiuti do Paraná. [email protected] Antonio Gomes Ferreira Universidade de Coimbra. [email protected] Palavras-chave: nacionalismo, geografia, livro-didático, iconografia. Introdução. A política cultural nacionalista, adotada pelo Estado Novo (1930-1945), passava por um projeto de construção da "identidade nacional" que envolvia a homogeneização da cultura e da ideologia, bem como, a valorização do território como elemento constitutivo desta identidade. A consecução deste projeto significava a eliminação de todos os elementos que fossem estranhos à política adotada. Buscava-se apagar o passado da primeira República; nacionalizar significava unificar o que estava decomposto por uma política considerada regionalista e fragmentada. A nova política pretendia construir a idéia da existência de uma simbiose entre o povo e o território brasileiro. Para colocar em prática essa política cultural, o governo criou órgãos estratégicos e procurou atrair intelectuais das mais diversas formações e correntes de pensamento, nomeando-os para conduzi-los. Para, além disso, os artistas e intelectuais foram também estimulados a produzir obras que tratassem das questões sociais do país, sem deixar de estarem sintonizados com o debate político ideológico mundial. A participação dos intelectuais na vida nacional respaldava-se na crença de que eles eram uma elite capaz de “salvar" o país por serem detentores do conhecimento em voga em nível internacional e capazes de interpretar as diferentes manifestações da cultura popular. Neste contexto, em 1938 foi fundado o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE) que tinha como meta auxiliar na formação da idéia de nação pelo " reforço do espírito nacional" materializado na unidade do território. A partir de 1939, o IBGE passou a publicar na Revista Brasileira de Geografia uma coluna intitulada Tipos e Aspectos do Brasil que consistia em desenhos acompanhados de textos que buscavam construir "figuras identitárias" do homem brasileiro. Este estudo tem por objetivo analisar o significado e a utilização destes desenhos e textos nos livros didáticos do ensino primário brasileiro nas décadas de 1940 a 1970, do século XX. As fontes utilizadas são duas coleções de livros didáticos de autoria de Theobaldo Miranda Santos, - Vamos Estudar e A Criança Brasileira, adotadas no período em questão e destinadas ao ensino de 1ª a 5ª série do ensino primário. Este estudo se insere teórica e metodologicamente nos estudos de História Cultural na vertente da História da Cultura Material Escolar. 1 A política de homogeneização da cultura. Durante o chamado Estado Novo, -- regime ditatorial instaurado por Vargas em 1937 e que perdurou até 1945 --, o projeto nacionalista, gestado na Primeira República, recebeu matizes mais acentuados. Já, em 1931, havia sido criado o Departamento Oficial de publicidade que em 1934 passou a denominar-se Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC). No início de 1938, transformou-se no Departamento Nacional de Propaganda (DNP), sendo que, em 1939, foi criado, por Decreto presidencial, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), com atribuições ainda maiores do que os órgãos que o precederam. Sob a liderança de Lourival Fortes e da equipe, o DIP traçou as linhas mestras da política cultural do governo. Uma das metas era garantir a homogeneidade cultural pelo controle dos meios de comunicação. De acordo com o Decreto de sua criação, tinha por objetivo coordenar a propaganda nacional interna e externa. Isto significava que todos os serviços de propaganda e publicidade dos Ministérios, departamentos da administração pública e entidades autárquicas passariam a ser executadas por esse órgão. Cabia ao DIP evitar a divulgação, na imprensa estrangeira, de informações consideradas nocivas ao país e censurar a imprensa escrita e falada, bem como “implantar” notícias de exaltação do regime e da figura do presidente; organizar os serviços de turismo, fazer a censura do teatro, do cinema, das funções recreativas e esportivas, da literatura social e política. Por outro lado, era de sua competência estimular a produção de filmes com motivos genuinamente brasileiros, concedendo-lhes prêmios e favores; patrocinar manifestações cívicas e festas populares com o intuito patriótico, educativo ou de propaganda turística. Transformado em um “super ministério”, o DIP promoveu concursos de monografias, garantindo às obras premiadas de caráter apologético, a publicação e sua divulgação; patrocinou concursos de música popular, sendo que uma das músicas premiadas foi a Aquarela do Brasil, de Ari Barroso, que exaltava as qualidades do país e tornou-se um símbolo da nação. Tendo como alicerces o Ministério da Educação na figura de seu titular e o Departamento de Imprensa e Propaganda, o governo do Estado Novo traçou uma estratégia de controle da área cultural voltada, quer para a elite intelectual, quer para as camadas populares. Desde o início da década de 1930, o governo expandia a indústria editorial. Para construir uma “consciência nacional” era necessário criar um “tipo” de homem brasileiro. Já, durante a Primeira República, a literatura expressava o embate entre os intelectuais: o homem brasileiro era degenerado em decorrência da mistura racial ou esta mistura poderia ser o fator diferencial da população? Porém, durante a década de 1930, esta visão “racial" foi abrandada. Os livros publicados na década de 1930 elegiam como tema a cultura negra, a indígena e a caipira ou ainda, optaram por exaltar a mestiçagem. Ao publicar Casa Grande & Senzala, em 1933, Gilberto Freyre mudava o enfoque da questão das raças formadoras do país, fazendo a exaltação do mestiço como o tipo brasileiro e fazia a defesa da colonização portuguesa expressa na idéia da democracia racial. Por outro lado, Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, (1936) ressaltava a necessidade de o país superar as raízes culturais portuguesas para poder modernizar-se. O Instituto Nacional do Livro, criado em dezembro de 1937, por iniciativa do Ministro Gustavo Capanema, previa a edição de obras literárias que tratassem da formação cultural da população brasileira. Foi criado, também, o Serviço de Patrimônio Artístico Nacional que visava a proteção e a preservação dos bens culturais do país. 2 A compreensão da importância do território como elemento constitutivo da identidade nacional norteou a política de ocupação de novos territórios, principalmente os do Oeste do país ainda pouco habitados. Mas, além da ocupação de novos espaços, de integrar o interior ao litoral, era necessário conhecer este território e suas riquezas naturais, bem como o homem brasileiro e sua condição de vida; enfim, fazia-se necessário integrar homem e território. Para que este ideário político se efetivasse era urgente conhecer o Brasil. Somente com dados precisos sobre o território e o homem era possível traçar políticas de integração nacional. Para realizar este “mapeamento cultural" do país, em janeiro de 1938, foi fundado o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que tinha por finalidade auxiliar na formação da idéia de nação pelo “reforço do espírito nacional” materializado na unidade do território, em que os geógrafos e a Geografia assumiam um papel de destaque (SALGUEIRO, 2005.p21). O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e a construção da identidade nacional. O Estado Novo pretendia interferir em todos os setores da vida nacional, porém, carecia de dados exatos sobre a nação. Os únicos dados disponíveis eram resultado do Censo de 1920, uma vez que, por conta da Revolução de 1930, não foi realizado o Censo daquele ano. Por isso mesmo, à medida que se dilataram as funções do Estado Brasileiro, adaptando-se eles às contingências dos nossos dias e ajustando-se melhor às próprias realidades do país, mais se acentuou a compreensão do valor dos índices numéricos, como instrumentos indispensáveis a toda obra do governo que pretenda não apenas ser fruto do empirismo e da improvisação, mas objetivar, acima de tudo, o rumo certo das aspirações coletivas e do bem comum, através de duradouras e eficazes realizações. (SCHWARZTZMAN, 2000, p.163). Segundo o governo, o Censo Demográfico, realizado pelo IBGE em 1940, visava apresentar um retrato exato do Brasil. Na realidade, se constituiu em um mecanismo de “exaltação nacional”; ajudou a construir um tipo de imagem do país de acordo com os referenciais ideológicos do Estado Novo. Visando combater o federalismo, buscou neutralizar a autonomia dos Estados e o regionalismo existentes durante 1ª República. Nesse sentido, o IBGE aprovou em 1941 uma nova divisão territorial embasada no conceito de Região Natural. (GAMA LIMA Fº, 1953. p16). Este momento coincidia com o de grande renovação teórico-metodológica pela qual passavam os estudos de Geografia na Europa. As proposições de Ratzel (18441904) de que o homem é um produto do meio, em outras palavras: de que a natureza condiciona ou até mesmo determina o comportamento humano, que foi amplamente utilizada no Brasil, começou a ceder lugar às novas concepções, principalmente à do geógrafo francês Vidal de La Blanche que se contrapunha à idéia de Ratzel. Para La Blanche, a natureza não determina o comportamento do homem, apenas lhe oferece oportunidades; o homem é quem faz as escolhas. Por rejeitar o determinismo ambientalista e mencionar as “possibilidades ambientais”, sua teoria ficou conhecida como “possibilismo”. (BROEK,1967, p.38). La Blanche, no entanto, defendia que a escolhas do homem são limitadas pelo sistema de valores de sua sociedade, sua organização, tecnologia, em suma, pelo que designou “genne de vie". (BROEK, 1967 3 p.38). Nesta concepção da escola francesa, gênero de vida, entendido como fator de diversificação dos espaços culturais, buscava caracterizar as especificidades do meio e de seus habitantes, de classificar as atividades produtivas e o habitat, e o “horizonte de trabalho” onde o tipo “evolui” numa cooperação da natureza e do homem. ( SALGUEIRO, 2005, p33) . No Brasil, os estudos de Geografia tomaram força com a criação da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo e do Departamento de Geografia, que na sua composição contou com inúmeros professores e pesquisadores franceses, entre eles, Pierre Deffontaines e Pierre Monbeig que criaram a Associação dos Geógrafos Brasileiros que, juntamente com intelectuais de várias especialidades, se empenham em redescobrir o Brasil, a partir de um conhecimento vívido, baseado em excursões com fins de pesquisar e fazer o registro fotográfico das características fisiográficas dos homens de diferentes regiões do país. (SALGUEIRO, 2005.p.34) Desde o século XIX, a Geografia e a Etnologia, caminhavam pela busca do conhecimento da “cor local”, das especificidades regionais para a construção da imagem de cada nação. Nesta vertente, os estudos geográficos estavam sempre acompanhados do uso de imagens em séries. As coleções fotográficas, os desenhos e as gravuras faziam parte dos projetos de registro dos costumes locais e da representação das identidades nacionais. Estes estudos foram convocados pelos governos que adotavam políticas culturais nacionalista. (SALGUEIRO, 2005, p.22). A iconografia da Geografia e a construção da identidade nacional. O conhecimento dos estudos Geográficos franceses foi apropriado pelo Governo Vargas na estratégia de buscar a integração nacional. Os desenhos que passaram a compor a coluna Tipos e Aspectos do Brasil, na Revista Brasileira de Geografia, publicada pelo Conselho Nacional de Geografia do IBGE, a partir de 1939, eram acompanhados de pequenos textos versando sobre a imagem desenhada. Estas imagens buscavam construir figuras identitárias do homem brasileiro -traços físicos e psicológicos que tipificavam a “raça” do povo- em sua relação com o meio físico e cultural. As imagens foram, em grande parte, desenhadas a bico de pena, por Percy Lau, um peruano que fez carreira como desenhista e ilustrador no Brasil. A partir de 1939, como funcionário do IBGE, passou a produzir uma série de desenhos que ilustravam os tipos de homem brasileiro. Seus desenhos fazem parte de uma visão iconográfica do Brasil de tipos e cenas emblemáticas, na vertente de uma “imagerie” regionalista ancorada na paisagem. Como ilustrador do IBGE, Percy Lau viajou pelo País observando cenas que seriam por ele representadas. As representações das "identidades territorializadas" se transformaram em emblemas ou ícones nacionais. Estas representações foram elaboradas de acordo com a teoria geográfica em voga, de que se um país não era homogêneo, era necessário estudar suas partes para formar o todo. No entanto, toda representação é construída pelo olhar do autor, na seleção da cena, na perspectiva, no enquadramento, no tratamento dado ao tema. No caso de Percy Lau, sua ótica coincidia com a ótica dos membros do IBGE que produziam os textos que acompanhavam seus desenhos e refletiam a visão do regime político vigente. (RUBSTEIN, 2007.). Estes desenhos e os textos que os acompanhavam, que eram publicados na Revista Brasileira de Geografia, posteriormente foram reunidos na obra Tipos e Aspectos do Brasil que foi publicada pelo IBGE. As novas concepções da geografia e as imagens desenhadas por Percy Lau foram amplamente difundidas em livros-didáticos do ensino secundário. A partir de 4 1942, a disciplina Geografia Regional do Brasil foi incluída como disciplina do curso secundário, sendo que os Programas de Ensino expedidos pela Portaria Ministerial nº 170 daquele ano, estavam embasados no conceito de região natural (VECHIA; LORENZ, 1998, p.354). Muitos dos livros-didáticos, organizados em conformidade com os novos programas de ensino, difundiam a noção da Geografia regional com todas as suas peculiaridades - o meio e os recursos naturais, seus habitantes, seus habitats e suas ocupações. Os textos que os compunham eram, via de regra, ilustrados com os desenhos de Percy Lau. Merecem destaque as obras de autores como Aroldo de Azevedo e Francisco da Gama Lima Filho, publicados pela Companhia Editora Nacional que passaram a ser adotados a partir da década de 1940 até o limiar da década de 1970. Esta nova noção de Geografia permeou também os conteúdos dos livrosdidáticos do ensino primário. Neste cenário, duas coleções de livros-didáticos que abrangiam os conteúdos da 1ª à 5ª série deste nível de ensino se destacam. A primeira delas, sob o titulo - Vamos Estudar --, e a segunda, intitulada -Criança Brasileira, ambas de autoria de Theobaldo de Miranda Santos. Os livros que compunham as coleções começaram a ser publicados na década de 1940 e tiveram seu uso autorizado pelo Ministério da Educação até a década de 1970. Cada livro abrangia todos os conteúdos da série do ensino primário à qual se destinava, porém, sempre tinha como eixo central, para a organização dos estudos, a Geografia Regional com todas as suas implicações. Desta forma, cada coleção estava organizada de maneira que o aluno estudasse, de forma gradual, o seu meio: a casa, a escola, o bairro e a cidade, passando pelas características de seu Estado até chegar ao estudo do país. As lições apresentavam textos muitas vezes embasados na obra Tipos e Aspectos do Brasil, sempre eram ilustrados com gravuras e desenhos, sendo que os de Percy Lau estavam entre os mais utilizados. Assim, o livro para a 1ª série da coleção Vamos Estudar, de Santos (1963, 148ª Ed) abrangia as primeiras noções de Linguagem, de História do Brasil, de Geografia do Brasil, Ciências Naturais e Higiene e de Matemática. Estes conteúdos foram organizados em 3 blocos: Linguagem, Conhecimentos Gerais e Matemática. Conforme orientações metodológicas do próprio autor, os conteúdos eram desenvolvidos de modo suave e gradativo. Para se adequar ao interesse das crianças, as leituras eram entremeadas com histórias relacionadas com a vida diária da criança, com poesias, fábulas e contos de fada. O livro para o 2º ano primário tinha edição especial para cada Estado do Brasil. A referente ao Estado do Paraná (SANTOS, 1956, 2ª Ed.), tinha como tema geral – A vida na cidade e na roça no Estado do Paraná e era composta por lições que englobavam leitura, gramática, redação, estudo da sociedade e da natureza, além da matemática. A título de exemplo, ao tratar da “vida na roça”, as Leituras abordavam as atividades econômicas do homem do interior do Estado, sempre fazendo uma associação dos tipos humanos com a paisagem regional. O texto sob o título – “Visita aos Ervais”, (SANTOS, 1962, p.88,89) explica que a erva-mate é uma das riquezas naturais do Estado do Paraná. A erva-mate ou Ilex paraguariensis é uma árvore típica da região sul do Brasil. De suas folhas, depois de colhidas e beneficiadas, se faz uma bebida muito apreciada na região - o chá-mate. O texto explicitava o modo de vida dos ervateiros: Os ervateiros vivem em ranchos ou tendas, durante a época da colheita. Quando chega a verão, voltam ao campo, onde cuidam de suas plantações [...] O ervateiro constitui, assim, um tipo regional do Paraná. Honesto, corajoso e trabalhador. (SANTOS, 1962, p.47) 5 Logo a seguir, é apresentado um texto que narra a “Lenda do Mate” ou do Ilex Paraguariensis que destaca as “propriedades maravilhosas” da bebida resultante da infusão das folhas dessa planta, na reconstituição das forças dos antigos habitantes da região. O texto é acompanhado de um desenho de Percy Lau - As Florestas dos Ervais – que auxilia a explicar o que o texto escrito tenta transmitir (Fig.01). (SANTOS, 1962, p.51). Outro desenho de Percy Lau, Os Ervateiros (fig.02.), ilustra com traços da paisagem da região, o processo de colheita das folhas e ramos da planta e dá vida ao texto aqui reproduzido: “Homens e mulheres cortam as folhas da erva com facões e tesouras. Em seguida, as folhas eram submetidas ao calor de uma fogueira, para secar. Depois de seca, a erva era reduzida a pequenos pedaços por meio de bastões de madeira” (SANTOS, 1962 p.88,.89) No livro para a 3ª série (SANTOS, 1962), o tema de estudo é as Riquezas Naturais e os Tipos Regionais do Paraná, que trata dos homens e suas atividades laborais e econômicas. Assim, o desenho sob o título: Extratores de Pinho (Fig. 03), ilustra o texto sobre o trabalho dos lenhadores em uma floresta de Pinheiros ou de Araucária Augustifolia, fazendo o corte das árvores com machados e serras. O texto destaca uma das riquezas naturais do Paraná: “a araucária brasiliana representa para o povo paranaense a casa, o alimento e o próprio agasalho. Suas habitações são, em geral, feitas de pinho. Muitas famílias, na época do pinhão, têm nele o seu único alimento. Durante o inverno, é à beira do fogo que o caboclo se aquece, enquanto o nó do pinho se queima. Enfim, o pinho figura entre as madeiras que fornecem a celulose, substancia empregada no fabrico do papel” ( SANTOS, 1962,p54,55). A figura 04 -Pinhal- ilustra as florestas de pinheiros existentes no interior do Paraná até meados do século XX e a carroça típica da região. O texto que se segue à figura conta a lenda da gralha-azul; como esta ave guarda pinhões na floresta, esqueceos, e daí crescem grandes florestas de pinheiros. O livro continua descrevendo as riquezas da região. As figuras --colheita do café e Campos de Guarapuava -- (fig.05 e 06) ilustram a colheita do café nas fazendas do norte e a criação de gado no Oeste do Estado do Paraná. O Livro da série Criança Brasileira - um livro de leituras destinado para a 5ª série do ensino primário e para o exame de Admissão ao curso Ginasial, reúne os conteúdos trabalhados nos livros da 4ª e 5ª séries da coleção anteriormente analisada. Tendo como tema o Brasil, estava dividido em 6 Unidades: O Brasil, A Terra, O Homem, As Riquezas, As Tradições e a Forma de Governo, incluindo Noções de Moral e Civismo, sem deixar de destacar as características regionais em cada um desses temas estudados. Na primeira unidade são apresentados textos de autores renomados, tais como Morel Marcondes Reis, Rocha Pombo, Jônatas Serrano e Afrânio Peixoto. Todos, os textos apresentam um cunho ufanista a iniciar pela apresentação do país: Meus meninos, eu sou o Brasil. Sou um grande país, cortado pelo maior rio do mundo, que tem os maiores cafezais do mundo, que tem as maiores minas de ferro do mundo, o melhor clima e as terras mais férteis do universo. "Meus meninos, eu sou um grande país, mas não sou ainda tudo o que devo ser" (SANTOS, 1952, p15). 6 A segunda unidade sob o tema - A Terra - é apresentada com um mapa do Brasil, que apresenta a divisão dos Estados, a distribuição das Riquezas Naturais e Atividades dos homens. Os textos são de renomados autores: Waldomiro Potsch, Afonso Celso, Eduardo Prado e José de Alencar todos eles ilustrados com desenhos de Percy Lau. No texto A Terra do Brasil, o autor depois de afirmar que “a natureza nos deu campos feracíssimos, pastagens opulentas e climas, incomparáveis”, argumenta que esta terra ainda era em grande parte inculta e pouco povoada, mas que acenava ao homem com a fartura e a riqueza, com uma vida sadia e feliz. A seguir, comentava que alguns triunfavam muito cedo, mas outros, “só alcançavam vitorias depois de longos anos de peleja titânica, que lhes consumiu a saúde e os deixou à beira do tumulo”. Porém, exaltava as qualidades da vida do campo, afirmando que aqueles que buscaram a vida nas cidades “amargaram uma existência de sofrimentos contínuos e privações" (SANTOS, 1952.p 25-27). O texto é ilustrado com o desenho sob o titulo “Bois de Sela” (fig.07) de Percy Lau. Mesmo que o texto não faça alusão direta ao representado no desenho, ambos são exaustivamente trabalhados. Os exercícios propostos aos alunos, incluem Vocabulário, Questionário, Gramática, além de exercícios de descrição do desenho e Questionário sobre o que estava ali representado: a paisagem, o modo de vida, a vestimenta além de outras particularidades. A Unidade III- O Homem explora os vários tipos do homem brasileiro e seu gênero de vida.. Assim eram explorados nos textos: o índio, o vaqueiro, o garimpeiro, o seringueiro e o gaucho. No texto - O Vaqueiro - o autor Ariosto Espinheira o descreve como sendo um homem simples e bom que cuida dos rebanhos, que leva uma vida muito simples, vivendo em cabanas de madeira ou barro, cobertas de palmas de coqueiro, ou de sapé. Usa pederneiras, calças largas, guarda peito, gibão (casaco curto), chapéu de couro curtido, monta cavalos pequenos e fortes. O desenho, (fig.08) representa homem e cavalo parados ambos com olhar perdido, vaqueiro e cavalo de pequeno porte, magros, tendo ao fundo uma paisagem ressequida da caatinga nordestina. Este olhar é também apresentado pela autora do texto de “Tipos e Aspectos do Brasil”: Na paisagem inconfundível do sertão nordestino, domínio da caatinga ressequida e espinhenta, vive um tipo humano, cujas características somáticas e psicológicas são um espelho fiel do meio em que habita. Pequeno no porte, magro e sóbrio de músculos; taciturno e desajeitado em descanso, intrépido e vibrátil quando solicitado para a ação. [...] O seu tipo étnico provém do contato do branco colonizador com o gentio. A predominância de sangue índio acentua-lhe o espírito aventureiro e o sentimento de liberdade de ação, pelo que não se adaptou ao sedentarismo e disciplinado labor agrícola” ( IBGE, 1975,267,8). Observe-se que a autora faz menção à descrição do sertanejo feita por Euclides da Cunha e ao tomar esta posição, ainda mantém um olhar comprometido com as concepções de Ratzke de que o homem é um produto do meio.. O desenho que ilustra o gaucho (fig.09) apresenta homem e animal em movimento, tentando representar um “tipo" valente, empreendedor, destemido, ativo, altivo aguerrido, livre, amante da liberdade.. Um tipo mestiço que “herdou dos espanhóis o exagero e os rompantes do luso -o aventurismo e gosto da saudade; do charrua, a amizade aos cavalos velozes e o amor à sua liberdade”. (SANTOS, 1952, p.51). Este “tipo” brasileiro é caracterizado em Tipos e Aspectos do Brasil, como: “Habilíssimo cavalheiro e ótimo manejador do laço, o gaucho, percorrendo as extensas campinas, dá maior movimento ao ambiente. Para dominar o novilho ou touro rebelde, atira, na carreira, o laço ou a ‘boleadeira’, quando não se emparelha, com o animal e, de 7 perto, segurando-o pela cauda, destramente o derruba”.( IBGE, 1975). Este homem tem um tipo diferenciado dos mais tipos do Brasil, veste chapéu de couro ou feltro de abas largas, sobre os ombros um poncho amplo, ao pescoço, um lenço, geralmente de cores vivas, uma camisa de lã e as bombachas - caças largas e apertadas no tornozelo, as botas com “chilenas". (p. 425). O texto do livro didático, em forma de verso, procura ser mais adequado ao nível de ensino, mas em síntese ressalta os mesmos aspectos deste homem do extremo Sul do Brasil. A Autora do texto - Vaqueiro do Nordeste - em Tipos e Aspectos do Brasil, apresenta uma análise comparativa entre ambos: “Estes dois tipos tão diferentes, que se agitam em duas paisagens tão desiguais, ambos tem no cavalo um colaborador precioso [...] O gaucho é combativo, impulsivo, exuberante; seu irmão nordestino não é combativo, mas combatente; não é impulsivo e sim calculista; não tem a palavra e gestos largos; é lacônico e retraído”(IBGE, 1975,268). Um outro tipo retratado é o seringueiro ( fig.10) que é descrito como: “Os heróis que vivem da extração da goma elástica são homens que se afeiçoaram ao perigo e que, de sol a sol, num dinamismo a toda a prova, trabalham, infatigavelmente. Antes de dealbar já eles abandonam suas redes e, com o rifle numa mão e o lampião na outra, caminham léguas e léguas por tortuosas veredas, a fim de iniciar a faina do corte e a colocação das “tigelinhas”.(SANTOS,1962. p.49). José Veríssimo da Costa Pereira, autor do texto que acompanha o desenho – O seringueiro -- de Percy Lau, além de abordar o seu gênero de vida, como resultado de uma mutua relação entre homem e meio, atribuiu a ele a expansão do Brasil a Oeste , o desenvolvimento da Amazônia, bem como, a incorporação do Acre ao Brasil. ( (IBGE, 1975, 56). O outro tipo brasileiro representado é o Garimpeiro (Fig.11); o texto, que acompanha o desenho, descreve o trabalho do garimpeiro como excessivamente duro e exaustivo. Até a metade do corpo, os garimpeiros estão mergulhados na água fria do córrego, enquanto o sol em brasa lhes castiga, sem piedade, as costas nuas, até rebentar a pele, em sangue. As mãos musculosas rodam a bateia incessantemente, enchendo-as, umas após outras, duzentas vezes ao dia. E as horas correm sobre os dorsos curvados. E assim eles trabalham horas após horas, dias após dias, semanas após semana, meses e meses, até o momento feliz em que, no fundo da bateia, cintila um diamante de certo valor (SANTOS, 1952, p.48). Desenho e texto se complementam; porém o desenho apresenta uma riqueza de detalhes muito grande e ao representar vários garimpeiros, cada um usando a bateia em determinado momento, ele acaba por dar movimento ao desenho, quase seria desnecessário o texto que o acompanha. O garimpeiro é um tipo de trabalhador do Brasil que tem um gênero de vida singular, ele pode estar presente em varias regiões do Brasil, ele desbrava o sertão abre clareiras nas florestas, estabelece novos povoados; é antes de tudo um otimista, acredita que poderá encontrar uma pedra preciosa de grande valor (SANTOS 1952,38). Pela imprevidência e gênero de vida que leva, o garimpeiro é um personagem análogo ao seringueiro da região amazônica. Enquanto não é favorecido pela sorte, na roleta imensa do garimpo, vive endividado com o dono do garimpo. Porém, a vida nos garimpos é regulada por um código não escrito, mas conhecido por todos e respeitado. Estes são os principais tipos do Brasil, apresentados nos livros. 8 Na Unidade IV—As Riquezas e na VI, sob o tema - A Democracia-- são apresentados textos ufanistas sobre o Brasil acompanhados de desenhos de Percy Lau. Assim, a titulo de exemplo, destacamos o texto de Ronald de Carvalho, Brasileiro, onde está a tua pátria? -“Tua pátria não esta somente no torrão em que nasceste! tua Pátria não se levanta num simples relevo geográfico. {...} Tua Pátria não é um acidente geográfico! Brasileiro se te perguntarem: onde é tua Pátria? Responde: - minha pátria esta na geografia ideal que meus grandes Mortos me gravaram no meu coração. [...] Minha Pátria está em ti, minha Mãe! No orgulho comovido com que arrancaste das entranhas do meu ser a mais bela das palavras, o nome supremo: ---BRASIL. ( SANTOS, 1952.p.90) Estes versos são acompanhados de uma ilustração de Percy Lau, sobre o tema: As Baianas, que representa as atividades típicas da mulher baiana, com suas vestimentas características e vendendo acarajé. Sem dúvida, este desenho ilustra um tipo emblemático do Brasil integrado na paisagem urbana. Considerações O projeto de construção da identidade nacional, que contou com inúmeros intelectuais e ideólogos do regime, parece ter conseguido produzir na população brasileira um senso de unidade nacional. A tão sonhada elaboração dos tipos nacionais, na tentativa de superar a imagem do Jeca Tatu, criada por Monteiro Lobato, um sertanejo pobre, indolente, inicialmente considerado um preguiçoso, depois um doente, parece ter sido alcançada. O Estado Novo teve como projeto político mudar a imagem do Brasil e do homem brasileiro. Queria criar um homem novo -- um tipo mestiço forte e trabalhador que vivia em harmonia com o seu meio geográfico O projeto de ocupação do interior, principalmente do Oeste do país , a interligação entre litoral e interior e a criação dos tipos nacionais fizeram parte de um mesmo processo. Os tipos nacionais representados nos desenhos de Percy Lau buscavam uma simbiose entre tipo humano e aspecto geográfico; a integração do povo ao território com vistas à construção da idéia de unidade nacional. Os desenhos e os textos que o acompanham, depois de publicados na Revista Brasileira de Geografia, conforme já mencionado, foram organizados em um livro sob o titulo: Tipos e Aspectos do Brasil que foi publicado pelo IBGE e traduzido em várias línguas. No Brasil, foram várias as edições, sendo que 10ª, revista e ampliada, data de 1975. O número de edições dos livros didáticos de Aroldo de Azevedo e de Theobaldo de Miranda Santos, por si só atestam o alcance do Projeto nacionalizador e da obra do ilustrador. Em 1963, o livro da Coleção Vamos Estudar para a 4ª série do ensino primário estava em sua 72ª edição, sendo que em 1962, o livro para 1ª série estava em sua 148ª edição. As ilustrações de Percy Lau, sem dúvida, povoaram as mentes das crianças brasileiras e criaram um imaginário a respeito do homem brasileiro e de seus gêneros de vida. Segundo Angiotti Salgueiro (2005), se tomarmos a época como de construção das imagens da nação, há nessa série um gesto de mapear os tipos sociais no trabalho, na sua maneira de viver, trabalhar, se alimentar e transformar as paisagens. O conhecimento do território humanizado, da etnologia, da natureza psicológica dos tipos, da mistura de raças, da ligação tipo e lugar, enfim da territorialização das identidades que compõem o conjunto de regiões da nação, explica a série, dentro da linha de pensamento de Vidal de La Blanche: “solo-cultura-ocupação dos lugares-habitações- 9 traços-psicologicos”. As figuras paisagísticas de cada região correspondem a uma territorialidade marcada pela alteridade de seus elementos naturais e por seus habitantes que os modificam ou se adaptam a eles. Referencia Bibliográficas ANGIOTTI SALGUEIRO, Heliana. A construção de representações nacionais: os desenhos de Percy Lau na Revista Brasileira de Geografia e outras visões iconográficas "do Brasil moderno. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. serie. v.13.n.2.juldez.2005. AZEVEDO, Aroldo de - Geografia Regional do Brasil- 4ª serie Ginasial. São Paulo, Companhia Editora nacional., 1943. BROECK, Jan.O.M. Iniciação ao Estudo da Geografia. Rio de janeiro. Zahar editora, 1967. IBGE.Departamento de Documentação e Divulgação Geográfica e Cartográfica.Tipos e Aspectos do Brasil. 10ª Ed. Rio de janeiro, 1975. GAMA LIMA Fº, Francisco. Noções de Geografia Regional do Brasil. 4ed. São Paulo Companhia Editora nacional, 1953. OLIVEIRA, Lucia Lippi.Estado Novo e a Conquista de Espaços Simbólicos. Política e Sociedade. Rio de janeiro, nº 12 - abril, 2008. RUBINSTEIN, Lucia. O Censo vai contar para você: design gráfico e propaganda política do Estado Novo. Dissertação de Mestrado, PUC RIO, Rio de Janeiro, 2007. SANTOS, Theobaldo Miranda. Criança Brasileira-Quinto livro de Leitura. 4ª Ed.Rio de Janeiro, Agir Editora,1952. SANTOS, Theobaldo Miranda. Paraná: A vida na cidade e na Roça. 2ª Ed.Rio de Janeiro, Agir Editora, 1956. SANTOS, Theobaldo Miranda. Vamos Estudar?- 3ª serie primaria. 11ª Ed. Edição especial para o Estado do Paraná. Rio de Janeiro, Agir Editora, 1962. SANTOS, Theobaldo Miranda. Vamos Estudar?-1ª serie primaria. 148ª Ed. autorizada pelo MEC, Rio de Janeiro, Agir Editora, 1963. SANTOS, Theobaldo Miranda. Vamos Estudar?- 4ª serie primaria 72ª Ed. Rio de Janeiro, Agir Editora, 1963. SCHWARTZMAN, S.; BOMENY, H. COSTA, V. Tempos de Capanema. FGV/Paz e Terra. 2000. VECHIA, Ariclê, LORENZ, K.M. Programa de Ensino da Escola Secundaria Brasileira. Curitiba, Ed. do Autor, 1998. 10 Figuras. Fig. 01- As Florestas dos Ervais. Fig. 03- Extratores de Pinho. Fig. 02 – Os Ervateiros. Fig. 04 – Pinhal (Floresta) 11 Fig. 05 - Colheita do Café. Fig.07- Bois de Sela. Fig.06- Campos de Guarapuava. Fig. 08 – O Vaqueiro do Nordeste. 12 Fig. 09 – O Gaucho. Fig. 10 - O seringueiro. Fig. 11. O Garimpeiro. 13