Senhor Presidente, Senhoras Deputadas, Senhores Deputados, Nesta semana um grupo de parlamentares brasileiros convidados pelos governos dos EUA e do México estarão visitando o Congresso daqueles dois países para manter contato com setores envolvidos na discussão sobre a Alca e melhor conhecer as legislações vigentes que regem as relações comerciais entre eles. Esta visita reveste-se da maior importância já que no dia 2 de fevereiro o Brasil estará participando, em Puebla, no México, da reunião do Comitê de Negociações Comerciais (CNC), como parte das negociações para implementação da Alca e deve reafirmar a mesma posição adotada na Cúpula de Miami, em novembro de 2003. No acordo de Miami foram acertadas regras comuns entre os 34 países que participam das discussões e a possibilidade de excluir setores considerados sensíveis. O Brasil, por exemplo, não aceita abrir os setores de compras governamentais, propriedade intelectual e investimentos. A firmeza dos representantes do governo Lula colocaram o Brasil numa posição de liderança nas negociações frente à ofensiva dos EUA em fechar acordos bilaterais que inviabilizariam o Mercosul. Ao contrário do que assistimos no governo anterior, onde os negociadores foram comedidos abrindo espaço para que os EUA firmassem acordos bilaterais com o Chile, Peru e Colômbia, nossa posição tem sido de atrair esses países para o Mercosul. Na “Declaração de Nuevo Leon”, assinada pelos chefes de estado que participaram da Cúpula Extraordinária das Américas, em Monterrey, no dia 13 deste mês, ficou evidenciado em seu preâmbulo o novo rumo das negociações, no âmbito das discussões da Alca. “Nosso propósito é avançar na implementação de medidas para combater a pobreza, promover o desenvolvimento social, alcançar um crescimento econômico com eqüidade e reforçar a governabilidade de nossas democracias. Com uma visão renovada e fortalecida de cooperação, da solidariedade e da integração, enfrentaremos os contínuos e crescentes desafios do Hemisfério”, diz o documento. Em Monterrey os EUA ficaram isolados em suas pretensões em relação à Alca e prevaleceu a posição do Brasil de colocar em primeiro lugar o compromisso de todos os países em buscar solução para a divida social. Essa mudança de paradigma decorre da eleição de 14 novos chefes de estado na América Latina, entre eles o presidente Lula, que tem feito um extraordinário esforço no sentido de pautar o combate à fome e a inclusão social em todos os fóruns internacionais onde participamos. Hoje, cerca de 220 milhões de latino-americanos vivem na miséria. A necessidade de redução da pobreza e de promoção do desenvolvimento social foi o tema da maioria dos discursos dos chefes de Governo na abertura da Cúpula Extraordinária das Américas. O presidente Lula, em seu discurso em favor do desenvolvimento social pediu aos colegas do hemisfério para assumirem pactos de combate a pobreza e a corrupção. O Brasil e os demais países do Mercosul têm atuado de forma coesa e defendido posições comuns. Ao Brasil, e a seus parceiros no Cone Sul, interessa que os entendimentos em torno da ALCA avancem por consenso, de forma gradual, simultânea e equilibrada, porém sem prejudicar a atual fase de consolidação e aprofundamento do Mercosul. Entendemos o comércio internacional como uma necessidade de integração dos povos e distribuição de benefícios a todos, de forma horizontal e igualitária. Não podemos aceitar a verticalização, a subordinação das nações em desenvolvimento às nações ricas, na forma expressa do capitalismo vigente. Nesse sentido trago à reflexão dos colegas o que diz o mestre Florestan Fernandes em seu livro “Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento”, quando ele analisa as relações entre nações consideradas centrais e periféricas: “No plano internacional, o capitalismo gera uma luta permanente e implacável pelas posições de controle da economia mundial, que permitem dirigir os processos de formação e de crescimento das economias dependentes, bem como monopolizar os excedentes econômicos que podem, assim, ser captados e drenados dessas economias para as economias hegemônicas. Por isso, a superação do capitalismo dependente e a implantação do capitalismo auto-suficiente, numa sociedade subdesenvolvida, repousam, primariamente, na forma de integração nacional alcançada pela ordem social competitiva, através da absorção dos padrões e princípios de organização capitalista do sistema econômico. Se ou enquanto a sociedade subdesenvolvida não possuir requisitos estruturais e dinâmicos para engendrar processos de automatização econômica, sociocultural e política, ao nível do padrão de integração, funcionamento e desenvolvimento da ordem social competitiva, ela ficará condenada ao destino histórico inerente ao capitalismo dependente (qualquer que seja a fórmula empregada para disfarçar esse destino) ou terá de procurar no socialismo (qualquer que seja a via pela qual ele se desencadeie historicamente) as soluções para os seus dilemas econômicos, sociais e políticos”. Este livro, escrito em 1968, nos oferece a referência da evolução dos problemas de nações periféricas e colonizadas como o Brasil, na fase atual do capitalismo mundial e nos propõe pensar, que tipo de nação queremos. Se uma nação subalterna e dependente ou se autônoma, capaz de se organizar institucionalmente e estabelecer suas relações comerciais, políticas e culturais com soberania. Muito antes de se estabelecer o debate sobre a Alca este problema já estava colocado para nós como inevitável, pois a elite que vive aqui camuflou seu desenraizamento, ainda mantém os olhos voltados para o hemisfério norte e para além do Atlântico. Os interesses das elites brasileiras e das nações centrais se completam no aspecto econômico-financeiro e comercial. A idéia de implantação da Alca começou a ganhar corpo em 1990, quando o ex-presidente George Bush anunciou sua “Iniciativa para as Américas” (Enterprise for the Américas Initiative). Naquela época estava em curso a estratégia de expansão comercial das nações centrais, os blocos econômicos se consolidavam na Europa, na Ásia e na América do Norte. Depois de assinar o acordo para formação do Nafta, em 1994, os EUA iniciaram a ofensiva para agregar a América Latina e com isso liderar comercialmente todo o continente. O objetivo dos EUA é a liberação total do comércio, do Alasca à “Terra do Fogo”, com a remoção das barreiras que ainda inibem os interesses das corporações norte-americanas. Produtos e serviços fluíram pelo continente sem restrições nem impostos, provocando a queda dos preços internos e levando as economias locais à quebra de suas cadeias produtivas. Nessa primeira fase da expansão comercial, absorvida pelas nações periféricas, as economias se desorganizariam e o desemprego estrutural passaria a fazer parte dos "tempos modernos". Os EUA, os maiores interessados em fechar esse acordo, participam de vários blocos comerciais e mesmo assim registrou, em 2002, um déficit comercial de US$ 480,04 bilhões. Precisam, portanto, exportar mais para gerar saldo comercial. Com a área livre de impostos de importação, os norte-americanos poderiam suprir as demais nações da América com suas mercadorias. Mas, os interesses dos EUA vão muito mais além. Através da Alca pretendem impor ao hemisfério todas as regras em negociação na Organização Mundial do Comércio, onde agem em aliança com as demais nações ricas da Comunidade Européia, abertamente, em defesa dos interesses das corporações transnacionais impondo aos países em desenvolvimento restrições tarifárias e sanitárias aos seus produtos. O economista e senador Aloízio Mercadante, companheiro de partido, nos alerta: “A Alca faz parte da estratégia neocolonialista do império norteamericano, é uma medida para a anexação das economias latinoamericanas”. Diante das políticas das políticas de “ajuste estrutural” dos grandes organismos internacionais (FMI e Banco Mundial) e também dos relatórios confidenciais dos negociadores da Alca, vazados para a imprensa, fica evidente que os povos latinoamericanos nada têm a ganhar com esse livre mercado, na forma desejada pelos EUA. A formação da Alca constitui um bloco com Produto Interno Bruto da ordem de US$ 12,5 trilhões; maior que o da União Européia e representaria na prática, salvo melhor juízo, uma pá de cal aos projetos de expansão do Mercosul. A professora Maria da Conceição Tavares comenta: “O problema é que a principal economia desta região, a brasileira, ocupa precisamente o espaço que interessa aos norte-americanos, cujo perfil produtivo e vantagens competitivas em muito se superpõe, sobretudo nas commodities agrícolas e industriais. Do ponto de vista americano, nossa inserção no comércio da região se dá por meio do Mercosul que, mais do que uma simples área de livre-câmbio, é uma união aduaneira que pressupõe tarifas externas comuns para os produtos de outros países e ainda uma estreita coordenação de políticas que promova a convergência dos ciclos macroeconômicos e das práticas comerciais. Daí a insistência americana, prontamente rechaçada pelos membros do grupo, no esvaziamento do Mercosul em prol da Alça e na adoção de medidas que garantam o deslocamento da competição brasileira na região”. Os EUA têm pressa, querem a assinatura do acordo em 2005, mas no grupo de negociadores deles começa a ganhar corpo o entendimento de que a economia latino-americana é muito complexa, que os países do Mercosul estão muito unidos e que sem o Brasil e Argentina, apesar da situação econômica do momento, não conseguirão o acordo em curto prazo. Precisamos dedicar mais atenção à movimentação das negociações da Alca, está em jogo o futuro da nossa nação. Devemos observar o que ocorre com o Nafta e verificar o que acontece quando países em situações econômicas, sociais e tecnológicas muito diferentes organizam um bloco de livre circulação de investimentos e mercadorias. A experiência do México no Nafta precisa ser melhor acompanhada por esta Casa. Desde sua vigência, as multinacionais que lá se estabeleceram sufocam a economia local, gerando um desemprego estrutural sem precedentes na história do país. Hoje a dependência comercial do México aos EUA é preocupante. De lá provêem 74% das importações e para lá se dirigem 89% das suas exportações. Segundo o jornal Financial Times, a situação dos trabalhadores mexicanos se deteriorou com o acordo do Nafta. Utilizando-se das estatísticas oficiais o periódico inglês comenta que antes do Nafta existiam 11 milhões de pobres no país, cerca de 16% da população. Hoje, mais da metade da população mexicana vive na pobreza e 19% na indigência. Nos 9 anos de vigência do Nafta, a cesta básica de alimentos aumentou em 560% o seu valor, enquanto que os salários cresceram apenas 136%. O modelo do Nafta é semelhante ao que os EUA querem para a Alca, um acordo de livre comércio que estabelece uma eliminação tarifária progressiva e regras protecionistas às economias às economias dos países envolvidos. Em avaliações feitas por instituições especializadas em livre comércio, como o Economic Policy Institute, os resultados foram piores para o México, mas também trouxeram derrotas para os trabalhadores norte-americanos. Empresas dos EUA fecharam e foram instalar-se no México, onde a mão-de-obra é mais barata e as leis trabalhistas mais flexíveis. Nos EUA, estima-se que pelo menos 766 mil postos de trabalho foram eliminados na indústria. Segundo o referido instituto, as chamadas “maquiladoras”, empresas imunes a leis trabalhistas, são as que mais empregam mão-de-obra infantil no planeta – 5 milhões de crianças menores de 14 anos estão trabalhando. De 1999 à 2000, essas empresas cresceram 13,4% e ocupam 1,3 milhão de pessoas. Essa indústria é hoje responsável por 47% do total das exportações mexicanas. Os salários, porém, encolheram após o Nafta. Em 1994, era em média US$ 2,10 por hora na indústria manufatureira, caindo para US$ 1,90 por hora em 1999. Apesar do trabalho informal ter aumentado, a renda individual caiu 40% em média, já que não é possível haver espaço nem mercado para tantos trabalhadores demitidos do trabalho formal. O economista Osvaldo Martinez, diretor do Centro de Investigações da Economia Mundial afirma que o problema do desemprego deve se agravar em razão do quadro recessivo da economia norte-americana. "O atrelamento à economia dos EUA trouxe mais prejuízos do que benefícios para o México, gerando um quadro de deterioração da economia nacional e de retrocesso social, com agravamento do problema do desemprego". Nos anos 70, sem o Nafta, a economia mexicana cresceu em média 6,6% ao ano, enquanto que nos anos 90, com o Nafta, seu crescimento foi de 3,1% ao ano. Examinando esse crescimento por habitante, nos anos 70 o produto per capita mexicano cresceu 3,4% em média por ano, enquanto que, nos anos 90, esse crescimento foi de apenas 1,3% ao ano. Estima-se que, neste período, o trabalho informal abrange cerca de 50% do total dos trabalhadores mexicanos em atividade. Esses trabalhadores não têm qualquer direito trabalhista, recebem baixos salários, não têm direito à sindicalização, aposentadoria, férias ou licença por motivo de doença. Numa população perto de 100 milhões de habitantes, cerca de 20 milhões sobrevivem em precárias condições de trabalho. Outro argumento utilizado pelos defensores do Nafta é que o acordo provocou um grande fluxo de investimentos internacionais para o México. De fato, entre 1998 e 2000, o México assistiu ao ingresso de US$ 36,4 bilhões de investimentos estrangeiros. No entanto, no mesmo período, o déficit em conta corrente do país chegou a US$ 48,7 bilhões. Em 2000, a dívida externa mexicana alcançava os US$ 163,2 bilhões, mais do que o dobro da registrada em 1982, quando estourou a crise da dívida na América Latina. A desnacionalização da economia mexicana atingiu níveis sem precedentes. No setor têxtil, 71% das empresas são norteamericanas, que se instalaram no país depois de aniquilar a concorrência mexicana. Segundo estudo feito por economistas mexicanos, para cada dólar de exportação industrial do México para os EUA, há apenas 18% de componentes nacionais. No caso das “maquiladoras”, para cada dólar exportado a participação de componentes mexicanos é de apenas 2 centavos. Em janeiro deste ano, milhares de agricultores reuniram-se na capital do país para uma enorme manifestação contra a entrada do México no Nafta. Os manifestantes exigiram a saída imediata do México da Nafta. Uma cláusula do pacto que entrou em vigor em janeiro permitiu a entrada de produtos agropecuários livres de taxação. Isso terá um efeito devastador sobre a agricultura mexicana. Segundo dados da Câmara Comercial Brasil-México, atualmente 90% do intercâmbio comercial mexicano é feito com os Estados Unidos. Os produtores mexicanos, especialmente os pequenos e médios, não tiveram condições de resistir o poderoso sistema de subsídios que sustenta a agricultura norte-americana e a superioridade tecnológica dos seus vizinhos. Esses camponeses passaram a engrossar as fileiras dos mexicanos que tentam atravessar o muro que os EUA construíram na fronteira com o México. Muito deles acabam morrendo ou sendo presos pela polícia de imigração norte-americana. Os EUA, como potência hegemônica, controlam quase 80% do PIB do continente. Brasil e Canadá, cada um, 5%. México e Argentina em torno de 3%. A partir daí, todos os demais países da região respondem individualmente por 1% ou menos do PIB continental. Diante de tamanha assimetria, a tendência natural é de que os EUA incorporem de vez a economia latino-americana, causando falências de empresas e demissões em massa. Além disso, os EUA reforçam a sua política protecionista no mundo impondo, particularmente, aos países endividados e de economia dependente o abandono de qualquer proteção às suas economias, enquanto utilizam mecanismos de proteção aos seus mercados. A escalada da ofensiva dos EUA teve como um dos seus pontos mais altos, em maio de 2002, quando o Congresso aprovou a lei do fast-track, que concede poderes ao presidente para negociar acordos comerciais - o instrumento que faltava para acelerarem a formatação da Alca. Antes de sua aprovação os demais países da América resistiam a negociar acordos, sob a alegação de que estes poderiam ser futuramente desfigurados pelo Congresso norteamericano. Isso serviu como mecanismo de defesa durante certo tempo para muitas nações latino-americanas. Além desta Lei, os EUA aprovaram uma outra, polêmica, que destinou cerca de US$ 40 bilhões em incentivos aos agricultores locais para os próximos dez anos e na mesma época impôs barreiras tarifárias ao aço brasileiro. Enquanto o governo Lula buscava rearticular o Mercosul, o governo dos EUA, apoiado na lei do Fast Track, assinava acordos bilaterais com a Colômbia, Chile e Peru, se aproveitando da crise econômica e da vulnerabilidade externa vivida pelo Brasil, uma forma de tentar minar as resistências à Alca. No final do governo Fernando Henrique Cardoso estávamos com um défcit de US$ 30 bilhões nas transações correntes, tivemos de procurar alternativas comerciais com a China, Índia, União Européia e países árabes. Levamos o contencioso com os EUA para a Organização Mundial do Comércio e lá foi recebida com destaque. Na última reunião da OMC, pela primeira vez, uniram-se os objetivos de justiça social e livre-comércio. Nossa diplomacia está conseguindo mudar os referenciais de negociação comercial de forma equilibrada em defesa dos nossos interesses. A sociedade brasileira aos poucos está se dando conta dos perigos decorrentes da proposta dos EUA para a assinatura do tratado de implementação da Alca, prevista para entrar em vigor, em 2005, apresentada como irreversível pelos norte-americanos. Felizmente, estamos vendo no governo Lula, firmeza e serenidade necessárias, para enfrentar esse desafio. Saímos da posição defensiva, que historicamente nos colocamos nas relações internacionais, para uma posição de igualdade. Nossos negociadores colocaram o Brasil na dimensão correta de sua importância no cenário mundial e conquistaram o devido respeito nas mesas de negociação. Em relação à Alca, em particular, o governo brasileiro está adotando uma posição sensata, que demonstra altivez e soberania no trato das relações e interesses comerciais do nosso país.