abelardo e hugo de saint-victor: um estudo da educação

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ABELARDO E HUGO DE SAINT-VICTOR: UM ESTUDO DA
EDUCAÇÃO CITADINA NO SÉCULO XII
VIANA, Ana Paula dos Santos-UEM∗
[email protected]
OLIVEIRA, Terezinha-UEM∗
[email protected]
Eixo temático: História da Educação
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
RESUMO
O objetivo deste texto é analisar a educação citadina do século XII. Este estudo será
realizado a partir de escritos de Pedro Abelardo, em sua obra Lógica para principiantes e
Hugo de Saint-Victor, na obra Didascálion: Da arte de ler. A originalidade desta obra
incide em expor pela leitura as diferentes artes, as diferentes pessoas, a leitura é o caminho
para se definir um novo agir para as pessoas, pois o ambiente citadino do século XII o
exige. O intuito do texto é explicitar que as transformações sociais ocorridas no Ocidente, a
partir do século XII, interferiram no agir de dois importantes segmentos da sociedade: a
aristocracia e os homens citadinos. Este período foi marcado por intensas mudanças, tanto
na ambiência da educação quanto da cultura. O ocidente viveu transformações que
originaram novas estruturas econômicas, culturais e sociais. O processo de urbanização
intensificou e com isso novas demandas sociais surgiram e modificaram a o modo de
produção feudal. A nova ordem social, em germe, os habitantes dos burgos, por seu turno,
precisava aprender a conviver em comunidades mais complexas que o feudo. É em virtude,
pois, desta nova realidade que estudaremos obras destes dois autores do século XII, além de
abordarmos a contribuição dos mesmos no contexto educacional medievo e seus princípios
pedagógicos, educativos e filosóficos, no qual, o primeiro autor nos levará a refletir sobre o
método centrado no princípio da dialética e o segundo autor, mencionado, nos alertará
∗
Acadêmica no curso de graduação de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá.
Professora Doutora do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Estadual de Maringá.
∗
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quanto a importância do conhecimento, da leitura, da reflexão sobre determinados escritos.
Ao discutirmos esses autores medievais, procuraremos conduzi-los para questões atuais.
Palavras-chave: Conhecimento citadino. História da Educação Medieval. Leitura.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste texto é analisar o conhecimento citadino do século XII, priorizando
o método de ensino medieval com base em autores deste período.
Para desenvolver nossas considerações, estudaremos as formulações de Hugo de
Saint-Victor e Pedro Abelardo. O primeiro, com base em uma reflexão centralizada na
sabedoria vinculada aos estudos filosóficos e a leitura. O segundo, contribuiu com seu
método dialético, inaugurando um conhecimento escolástico. Ao inserir no ambiente da
educação, possibilitou uma nova visão pedagógica no contexto medieval.
Esta análise pode ser considerada a luz da atualidade, uma vez que, Hugo de SaintVictor nos alerta quanto a importância da leitura (livro) bem direcionada, e isso nos dias
atuais principia a não ser tão presente em nossa formação e, muitas vezes, passa a ser
substituído por outros meios de comunicação (tecnológico), por isso, ao fazermos
atentamente a leitura em Didascálion, percebemos que as idéias do mestre vitorino
transcendem sua época, tornando um elemento importante para novas questões. O mestre
Vitorino nos ensina muito sobre o homem e a sociedade e ao lê-lo podemos compreender
nossas origens (referimos a nós ocidentais). De acordo com Hugo de Saint-Victor a
sabedoria nos proporciona o bem estar, nos permite entender a nossa natureza e,
conseqüentemente, pressupõe compreender o homem, as coisas da natureza e, em suma,
chegar à sabedoria, que para ele ainda é divina. Para compreender melhor esta análise e
também identificar o conceito do que seja bom vamos voltar ao que o mestre Vitorino
determina de primeira instância, a Sapiência.
Hugo de Saint-Victor designa a Sapiência à Mente divina, sendo que o “termo
sabedoria, mais usual [...] não traduziria a pregnância do latim Sapientia [...] usado [...] na
esteira da tradição patrística [...] (HUGO DE SAINT-VICTOR, Introdução). Ele nos mostra
que tudo que almejamos saber sobre nós (homens) está em nossa origem, pois conhecer-se
significa saber sua origem, o lugar divino de onde viemos, ou melhor dizendo, para o
mestre Vitorino a Sapiência deve ser, antes de tudo, procurada por nós (homens), pois ele
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explica que ela é a origem e princípio do homem, então, conhecendo-a, possibilita-nos
compreender um pouco mais sobre o que somos. Podemos complementar com base no
“escrito na trípode de Apolo: gnoti seauton, ou seja, “conhece-te a ti mesmo” (HUGO DE
SAINT-VICTOR, Livro I, cap.1). Desse modo, a Sapiência é a forma do bem perfeito, isto
é, primeiramente a forma do próprio Deus e em segundo lugar, também é a forma do
universo, pois para o mestre Vitorino o mundo e o homem foram moldados pela Sapiência.
E para tanto ele defende que esta forma transmite a bondade para o mundo, então, ambos
são, originariamente, bons.
Portanto, para os sábios citadinos do século XII, chegar a Deus não se trata do
conhecimento concebido pelos homens modernos, mas sim, de chegar ao Ser supremo pelo
saber, pois os homens na modernidade tratam do conhecimento em si e para os citadinos o
saber advém da sabedoria divina, do método correto a seguir, começando pelo ato de ler,
depois o ato de refletir para, enfim, chegar à meditação.
Considerando que o conhecimento ao qual o mestre Vitorino se refere é o que nos
proporciona sermos capazes de conviver socialmente e ressaltando que o conhecimento
anterior (o conhecimento passado) torna-se condição importante para a formação da nossa
identidade social, pode-se julgar que alguns conceitos presentes em Didascálion não
podem estar ausentes ao se tratar da formação, principalmente, no ensino superior. Dentre
estes conceitos, podemos citar a principal questão: a sabedoria, que para o mestre deve ser
buscada por todos; a leitura, que permite o conhecimento de todas as coisas escritas (livro),
a reflexão que nos leva a aprendizagem, entre outros.
A obra de Hugo Saint Victor – Didascálion, Da arte de Ler, discute a construção
do pensamento Vitorino no século XII. Ao analisá-la pode se notar que devemos conhecer
tudo e todos, para sabermos distinguir o que é bom do que é ruim, isto é, a capacidade de
discernimento, chegando assim a um pensamento reflexivo. O mestre vitorino nos explica
que existem duas coisas no homem, o bem e o mal, sendo o primeiro a natureza original e o
segundo, a sua depravação, que seria a corrupção, o vício. E Hugo de Saint-Victor ainda
nos alerta que se houver depravação, é necessário que haja um empenho pessoal, seja pelo
conhecimento ou pela virtude para se recuperar e voltar a sua origem, a bondade.
Em suma, podemos resumidamente informar que a melhor forma de chegar ao
pensamento reflexivo inicia pela leitura, pois esta significa o princípio do saber, afinal, é o
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que Hugo de Saint-Victor nos mostrou em sua obra. Aquele que ouve com atenção e
satisfação lê tudo sem desprezar ou ignorar alguém ou o que está escrito, com certeza será
um bom aluno, pois sempre se deve aproveitar e retirar a essência daquilo que é bom do
texto lido. Para obter uma boa leitura é importante reservar um tempo e se dedicar aos
estudos, isto é, ir da leitura à meditação/reflexão.
Para Hugo de Saint-Victor, ler é um modo de viver, um elo de amizade,
conseqüentemente é um ato moral e social é o começo da aprendizagem. O primeiro passo
para adquirir informação é a leitura, seguida da reflexão, para, então, chegar ao
discernimento crítico (p.53).
O mestre Vitorino nos diz que a ética é o pressuposto para o conhecimento do bem,
no qual ele descreve três tópicos necessários ao estudante: 1) o talento natural para
compreender e memorizar rapidamente os ensinamentos, 2) o exercício para educar o
talento, 3) a disciplina moral, para harmonizar a conduta com o saber, pois o conhecimento
e a ética iluminam-se. Ele também adverte que, ao procurar o conhecimento, não se pode
negligenciar a conduta moral que está entrelaçada nas atitudes de humildade, de zelo e da
sensibilidade ao ser discreto.
Refletir sobre os escritos (livros, pensamentos, idéias) dos autores medievais nos
leva à compreensão das nossas origens, possibilitando, de forma cuidadosa, construir nossa
identidade, pois estes nos remetem a procurar nossa origem e nossa história, à medida que
nos dias atuais os homens (sociedade) principiam a não preservarem certos valores como
cultura, educação. Hugo de Saint Victor é um dos autores mais importantes da história e
filosofia medievais. Nota-se sua preocupação com o conhecimento e a sistematização do
ensino. Para o mestre Vitorino o conhecimento deve ser geral, de todas as coisas, com
método, ordenação e bem fundamentado.
É o intelecto que leva o homem a Deus e toda a sua formulação se dedica à
filosofia. Então, devemos usar o intelecto para tomar decisões, quando necessárias, agir e
viver com o outro. E não há em sua obra separação entre sabedoria e filosofia.
A filosofia é o amor a Sapiência que, não carecendo de nada é mente viva e única
razão primordial das coisas (HUGO DE SAINT-VICTOR, Livro II, cap. 1).
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A filosofia é a disciplina que investiga com provas plausíveis as razões de todas
as coisas divinas e humanas. E assim, a razão teórica de todas as atividades
humanas é de competência da filosofia. Mas nem toda atividade pratica é
filosófica, e por isso dizemos que a filosofia diz respeito a todas as coisas sob
certo aspecto (HUGO DE SAINT-VICTOR, Livro II, cap. 2).
Nessas passagens notamos que não há separação entre as atividades espirituais e
práticas, mais adiante daremos exemplos sobre essas atividades, no livro o mestre aborda
sete, contudo, apresentaremos duas, a navegação e a ciência da lã.
O homem volta-se para a Sapiência e vê sua semelhança n’Ela. Assim, a Sapiência
ilumina o homem e recupera a integridade divina que estava nele, chamando-o para si. Sem
o conhecimento não tem como ensinar o homem. Ambos ganham, o homem e a Sapiência,
pois a filosofia é um exercício de amizade entre a mente humana e a Sapiência.
O ponto de partida de Hugo de Saint-Victor é o conhecimento, indicando caminhos
para serem percorridos na leitura para que proporcione o conhecimento. As discussões
sobre a sabedoria e o método estão entrelaçadas pelas do intelecto. É este que conduz a
aproximação do homem a Deus. Entretanto, estes não são os únicos caminhos ditos por
Hugo de Saint-Victor.
Há, também, ao longo de sua obra a abordagem sobre a filosofia, história e as artes
mecânicas. Neste momento do estudo, em especial, mencionaremos a navegação, pois esta
é apresentada pelo mestre como algo que faz parte das atividades dos homens ao longo da
história e corresponde a determinadas preocupações e exigência da comunidade. E ele não
considera esta arte como algo de ruim, mas sim como uma profissão necessária para alguns
indivíduos e também para favorecer a comunidade, afinal traz benefícios. Portanto
abordamos a navegação por revelar o quanto o comercio está influenciando a vida dos
homens do século XII. Afinal, esta atividade produzia a circulação de produtos e também
de pessoas em regiões afastadas, a navegação proporcionou uma universalização e não um
isolamento, como acontecia nos feudos.
A navegação abrange todo o comércio de compra, venda e troca de mercadorias
domésticas ou estrangeiras. Com justa razão a navegação é considerada uma
retórica sui generis, uma vez que a eloqüência é absolutamente necessária a esta
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profissão. (HUGO DE SAINT-VICTOR, Livro II, cap. 23).
Hugo de Saint-Victor foi influenciado por filósofos como Santo Agostinho e
Boécio. Embora ele indicasse, com ênfase, a leitura de livros sagrados para encontrar a
sabedoria, ele também utiliza a filosofia para descrever as atividades espirituais e práticas.
Podemos citar como exemplo de uma formulação vitorina, a seguinte idéia: a ciência da lã é
coisa de filósofo, ela abrange todas as formas de tecer, costurar e são realizadas à mão com
agulha, para produzirem vestimenta, cobertor, lençol, tapete, entre outros, abordamos esta
ciência por estar relacionada ao comércio (artesanato).
Podemos contextualizar a citação acima do mestre Vitorino ao analisar a navegação
(comércio) com Henri Pirenne (1964, p. 109-110) quando afirma que em nenhuma
civilização a vida urbana se desenvolveu independente do comércio e da indústria. Um
aglomerado urbano só pode subsistir pela importação de gêneros alimentícios que traz de
fora. Estabelece-se entre a cidade e seus vizinhos uma relação de serviço. O comércio e a
indústria são indispensáveis para a manutenção desta recíproca dependência: sem a
importação que assegura o reabastecimento, sem a exportação que compense os objetos de
troca, a cidade morrerá. O mestre Vitorino aponta o quanto esta atividade, a do comércio,
realizado pela navegação, produz o bem comum para a sociedade. A navegação e o
comércio produziriam uma circulação de produtos e de pessoas. Outro conceito do mestre
Vitorino bastante importante para a formação humana é o método, que para o mestre é
sempre a necessidade da escolha de um caminho.
Deve-se saber em qualquer trabalho são necessárias duas coisas: a aplicação e o
método da aplicação, e estas duas coisas são tão conexas entre si que uma sem a
outra é inútil ou pouco eficiente. Com efeito, se diz que “a prudência é melhor
que a força” porque às vezes levantamos com a habilidade os pesos que podemos
mover com as forças físicas. O mesmo se dá em qualquer estudo. Aquele que
trabalha sem método, trabalho muito, sim, mas não avança e, como chicotear o ar,
espalha as forças ao vento. Repare em duas pessoas atravessando o bosque, uma
suando através de desvios, a outra escolhendo os atalhos de um traçado reto:
fazem o percurso com mesmo ritmo, mas não chegam no mesmo tempo. E o que
denominaria eu a Escritura senão a floresta, cujas frases colhemos na leitura
como se fossem frutos dulcíssimos e as ruminamos na reflexão? Aquele,
portanto, que em tão grande multidão de livros não mantém um método e uma
7414
ordem de leitura, este, como se vagueasse na densidade da floresta, perde o
caminho do percurso certo “sempre estudando – como se diz – nunca chegando
ao saber”. (HUGO DE SAINT-VICTOR, Livro V, cap. 5).
Esta passagem explicita que, para tudo que realizarmos, devemos sistematizar o
caminho a percorrer, ou seja, desenvolver um método. Afinal, não basta ler tudo que
encontrar sem definir em que ordem, como e o que ler. Por isso, faz-se necessário adotar
um método.
Após estas considerações sobre a obra de Hugo de Saint-Victor passaremos a tecer
algumas observações sobre Pedro Abelardo. Se para o mestre Vitorino, o método é
importante para o caminhar na vida do estudo, para Abelardo o método é a essência.
Ao tratar do método como fundamento do ensino, Pedro Abelardo contribuiu para
inovar os processos educativos. Nota-se, especificamente, no período de ascensão da
escolástica, a inquietação e a luta que Pedro Abelardo travou para defender uma filosofia
calcada no pensamento racional. A escolástica é segundo Oliveira (2005), a maneira dos
homens medievais pensarem sobre sua existência, suas questões humanas. Pode-se dizer
que ela surgiu do desenvolvimento da dialética. Abelardo foi um dos intelectuais de sua
época que desenvolveu os princípios da dialética. Ele ensinava em suas aulas os princípios
racionalistas que aprendera por meio da leitura de obras de Aristóteles e Boécio. Abelardo
(1973, p. 207) afirma em seu livro, Lógica para principiantes, que:
Para aqueles dentre nós que se iniciam no estudo da lógica digamos algumas
palavras sobre suas propriedades, e comecemos por tratar do gênero a que ela
pertence, ou seja, a filosofia. Boécio não denomina qualquer ciência filosofia,
mas só aquela que consiste no estudo das coisas mais elevadas.
Abelardo ressalta que a Filosofia é o estudo das coisas elevadas, do pensamento
reflexivo, das coisas intelectivas. Como professor de Filosofia, um dos temas abordados por
7415
Abelardo foi a questão dos Universais1.
Durante a Idade Média, a maior parte da população era ágrafa. A igreja era a
detentora do processo cultural, educacional e político. A alfabetização dos segmentos
dominantes era proporcionada pela igreja (episcopais) ou no castelo (palacianas).
Os conhecimentos, tanto religiosos quanto laico, eram mediados por escritos que
valorizavam o modelo cristão. Conforme Luzuriaga (1963, p. 89), na Idade Média
destacavam-se vários educadores. Estes educadores, em sua maioria, eram eclesiásticos,
que escreveram sobre a educação, no qual se distinguiam entre autores de enciclopédias
pedagógicas e filósofos escolásticos. O autor, Luzuriaga (1963), destaca entre os
pedagogistas Santo Anselmo (1033-1109), Abelardo (1079-1142), Alberto Magno (11931280), entre outros que aderiram ao ensino clássico, com obras sobre artes liberais (trívium)
para sistematizarem idéias filosóficas do cristianismo.
Segundo Cambi (1999), Abelardo enfatizava a questão da moralidade, salientando
que os atos bons ou maus eram definidos pela intenção, isto é, não era a ação física que se
constituía numa ofensa a Deus, mas a intenção de pecar. Assim, o mestre Abelardo
imprimiu na sua pedagogia um conteúdo baseado no respeito à formação do sujeito como
intelectual. E com base nessa observação de Cambi (1999), relacionar a questão da
moralidade abordada por Abelardo e fazermos um paralelo com o mestre Vitorino, uma vez
que, Hugo de Saint-Victor mostra em sua obra que a leitura e a moral são duas faces do ato
de ler. A leitura tende a ação (agir direcionado na essência da leitura) e a ética, ou a moral,
é o pressuposto para o conhecimento do bem. Para o mestre vitorino quem procura o
conhecimento não pode negligenciar a disciplina moral.
Pedro Abelardo humanizou, isto é, evidenciou as limitações do homem no
relacionamento com o mundo, as relações escolares, divulgando seus sentimentos tantos em
suas obras como em suas aulas. Segundo Cambi (1999, p. 187), comparando suas obras,
nota-se que em Historia calamitatum mearum narra seu sofrimento por amar Heloisa,
destacando uma identidade humana individual, racional, livre. Já em Epistolário retoma o
1
Na disputa sobre os universais na Idade Média, o nominalismo, posição nominalista ou via nominal consiste
em afirmar que um universal – como uma espécie ou gênero – não é nenhuma entidade real e tampouco está
nas entidades reais: é um som da voz [...] Os universais são simplesmente nomina, nomes, voces, vocábulos
ou termos. O nominalismo sustenta que só tem existência real os indivíduos ou as entidades particulares.
(Dicionário de Filosofia)
7416
Abelardo professor, homem repleto de dúvidas, de paixões, buscando a razão (a dialética)
como base para a formação humana.
A contribuição para a educação de Abelardo foi seu método, marcando uma
pedagogia própria no contexto medieval, ou seja, inaugurou no ambiente pedagógico a
dialética que, posteriormente, foi aprofundado por São Tomás de Aquino, que consistia em
por o estudante em situações que apresentassem caminhos opostos, para que este estudante
fundamentando-se no princípio da verdade e pudesse perante um mesmo problema
confrontar-se com soluções distintas, e com isso contribuísse para adquirir discernimento,
ou seja, conhecimento necessário para discutir determinados assuntos. Em suma, isto seria
seu método dialético, o de expor prós e contras de cada questão para chegar ao
conhecimento filosófico. Abelardo (1973, p. 209) no livro Lógica para principiantes,
afirma que:
O método seguido no tratamento do assunto consiste em examinar em separado,
primeiramente, cada uma das noções nos seus diferentes aspectos, passando-se,
depois, a um conhecimento maior delas por meio da consideração das
propriedades e dos seus caracteres comuns.
Pedro Abelardo parte da premissa de que primeiro devemos aprender as coisas do
singular para depois, então, conhecermos o todo, isto é, o universal. Por isso Abelardo é
chamado de nominalista2.
No âmbito das scholae, serão Pedro Abelardo (1079-1142) e Hugo Saint-Victor,
ambos parisienses e contemporâneos, que delinearão um primeiro quadro
inovador dos processos educativos. [...] Com o já lembrado Sic et nom,
Abelardo, porém consigna à Escolástica o método de ensino racional articulado
sobre a dialética dos vários assuntos (CAMBI, 1999, p. 187).
Os pensadores Pedro Abelardo e Hugo de Saint Victor influenciaram e contribuíram
2
Nominalismo: uma das correntes de filosofia na disputa a respeito da realidade dos “universais” ou
existência real de coisas com todos os atributos da perfeição do seu gênero, e de cuja perfeição participam em
maior ou menor grau, as coisas particulares do mesmo gênero. É uma doutrina segundo a qual as idéias gerais,
como gêneros ou espécies, não passam de simples nomes, sem realidade fora do espírito ou da mente. A única
realidade são os indivíduos e os objetos individualmente considerados (COBRA, 2001).
7417
para tornar a filosofia tão importante quanto à teologia e a história. Embora continuassem a
considerarem Deus o ser supremo, também sabiam o quanto era necessário a sabedoria
humana. O século XII (sendo este, o período dos intelectuais em questão) principia a
estabelecer um equilíbrio entre um pensamento teológico e um filosófico. A forma
medieval de pensar é a dialética. Este é o século da dialética, do nominalismo e da reflexão.
Hugo de Saint-Victor teve sua formação no mosteiro (é um monge). Em nenhum
momento abandonou sua ordem para ser laico. Pedro Abelardo, por seu turno, foi laico
grande parte de sua vida e, só tornou um homem da Igreja após a tragédia que abateu sua
vida, em virtude do funesto romance com Heloisa.
A princípio Abelardo defendeu a idéia de que o conhecimento estava acima da
teologia, pois para ele, o conhecimento dava origem ao próprio homem. Mais para o final
de sua vida continuou a usar a razão para explicar os mistérios da fé, sem, no entanto,
duvidar das raízes teológicas católica.
Portanto, podemos relacionar os dois pensadores estudados, pois ambos são mestres
e brilharam na primeira metade do século XII com seus ensinamentos e interpretaram um
importante papel da razão no estudo do mundo. Hugo de Saint-Victor manteve-se
vinculado ao seu tempo e acompanhou a história, ensinado aos homens os caminhos a
serem percorridos. E para o mestre Vitorino este caminho passou pelo conhecimento e pela
leitura. Pedro Abelardo, mestre escolástico, foi um dos mestres que contribuiu com as
escolas de Paris, colaborou para a implantação do studium generale e também na criação
da Universidade de Paris. Além de questionar a filosofia de seu tempo, visava à formação
do ser humano. Ambos transmitem-nos metodologias para estudarmos com mais afinco e
chegar à sabedoria, e também discernimento de como aprender, pois o ato de ler e estudar
são atos políticos, morais e culturais, e assim como os estudos levam-nos à aprendizagem,
devemos passá-los para a comunidade, assim como foi passado pelos sábios citadinos em
questão,
que
com
seus
conhecimento/sabedoria
ensinavam
com
clareza.
7418
REFERÊNCIAS
ABELARDO, P. Lógica para principiantes. São Paulo: Abril, 1973.
BLOCH, M. Apologia da história, ou, O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2001.
CAMBI, F. História da pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999.
LE GOFF, J. Mercadores e banqueiros da Idade Média. São Paulo: Martins Fontes,
1991.
LUZURIAGA, L. História da Educação e da Pedagogia. São Paulo: Nacional, 1963.
OLIVEIRA, T. Escolástica. São Paulo: Mandruvá, 2005.
PIRENNE, H. As cidades da Idade Média. Lisboa: Publicações Europa-América, 1964.
RODRÍGUES, Margarita Victória. O pensamento filosófico medieval de Pedro Abelardo:
Educação e docência, Notandum, Jul – Dez, p. 81-93, São Paulo, 2008.
SAINT-VICTOR, H. Didascálion: Da arte de ler. Petrópolis: Vozes, 2001.
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