IC Henrique Chaves 2010

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RELATÓRIO DE IC
Orientando: Henrique Chaves
Nome do orientador: Márcia Cançado
Faculdade de Letras/UFMG
2010
OS VERBOS DE EXPRESSÃO DO PORTUGUÊS BRASILEIRO
1. Introdução
Esta pesquisa se insere nos estudos de interface sintaxe-semântica lexical. Nessa perspectiva
teórica são comuns questionamentos do tipo: É possível prever propriedades semânticas e sintáticas
de um verbo qualquer? Há algum tipo de relação entre tais propriedades? Caso exista, como
explicitar seus princípios gerais? O que faz um verbo pertencer a uma classe? A pesquisa que
desenvolveremos neste trabalho teve como um dos seus objetivos responder tais questionamentos.
Para isso, escolhemos para análise uma classe especial de verbos do português brasileiro, a fim de
investigar suas propriedades semânticas e, consequentemente sua repercussão na sintaxe.
Evidentemente que essa concepção trás uma série de implicações, sobretudo em qual direção seria a
relação entre a sintaxe e a semântica. Assumimos juntamente com vários autores Janckendoff
(1990), Levin (1993), Levin e Rappaport (2005), entre outros, que propriedades semânticas
específicas das classes verbais podem determinar o comportamento sintático dos verbos.
Levin e Rappaport (2005) e Levin (1993) afirmam que dentre os chamados verbos de
comunicação do inglês existe uma subclasse denominada Verbs of Manner of Speaking. Na
literatura, há alguns trabalhos que discorrem acerca dessa classe de verbos, podemos citar Zwicky
(1971), Mufwene (1978), Levin (1993), Pesetsky (1995) Levin e Rappaport (2005), entre outros,
todavia, para o Português Brasileiro (daqui para frente PB) não há trabalhos específicos que trate do
assunto.
Os Verbos de Maneira de Falar constituem uma classe coesa de verbos com propriedades
semântico-sintáticas muito bem definidas. O objetivo deste trabalho é explicitá-las e dar uma
configuração uniforme para tal classe. Na fase inicial deste trabalho fizemos um levantamento dos
Verbos de Comunicação para o PB e encontramos cerca de 200 verbos, dentre os quais elegemos
120 para a análise, por serem aqueles com os quais pudemos lidar com mais intuição. Subdividimos
os verbos em quatro grandes grupos: Verbos de Transferência de Mensagem, Verbos de
Advertência, Verbos de Maneira de Falar e Verbos de Conteúdo de Fala. Neste trabalho vamos
analisar os verbos de maneira de falar. A motivação para essa escolha deve-se a escassez de
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trabalhos acerca dessa classe de verbos para o PB e os inúmeros aspectos formais que fazem dela
uma classe. Tais verbos, geralmente se referem a atos praticados com a intenção comunicativa
através da voz e descrevem características físicas desse ato. Portanto, os verbos dessa subclasse
especificam o modo pelo qual o falante se expressa. Observe que esse modo não se refere ao
veículo de expressão ou sua origem, mas às características físicas desse som. Esses verbos podem
dar informação acerca das atitudes vocais, do tom, da velocidade, ritmo, entonação, altura da voz,
etc. Dessa forma, o rótulo Verbos de Maneira de Falar é bastante apropriado. Os exemplos abaixo
mostram alguns desses verbos:
(1)
a. O moribundo balbuciou algumas palavras.
b. Ele cochichou alguma coisa para a moça
c. O aluno sussurrou a resposta para o colega.
A fim de encontrarmos propriedades sintáticas e semânticas que caracterizassem os verbos
de maneira de falar como uma classe homogênea, aplicamos testes motivados pelas seguintes
perguntas: Quais são as propriedades semânticas desses verbos que podem predizer suas
propriedades sintáticas? Tais verbos podem introduzir discurso direto ou indireto? Tais verbos são
intransitivos, transitivos ou bitransitivos? Com que tipos de complementos (preposicionados ou
não) e adjuntos podem aparecer? Além disso, algumas outras propriedades sintáticas foram
examinadas como alternâncias ativo-passiva e construções clivadas.
Neste trabalho, mostraremos que os verbos de maneira de falar compartilham as seguintes
propriedades semântico-sintáticas: o argumento do verbo é sempre um agente animado e aceitam
objetos dos mais variados tipos; a forma intransitiva possui características bastante particulares que
mereceram uma investigação mais detalhada; aceitam a alternância ativo-passiva e construções
clivadas; não aceitam a construção reflexiva; as sentenças com esses verbos denotam apenas um
evento, uma atividade.
Os objetivos finais deste trabalho são descrever os Verbos de Maneira de Falar do PB,
explicar e caracterizar as propriedades semânticas destes verbos e seu reflexo na sintaxe e propor
uma representação lexical em metapredicados para esses verbos. Os procedimentos metodológicos a
serem seguidos são coleta de dados através do dicionário de Borba (1990) e dos trabalhos de Levin
(1993) e Zwicky (1971), aplicação de testes de aceitabilidade através de introspecção e
questionamento aos falantes acerca da gramaticalidade e agramaticalidade das sentenças. A base de
dados dessa pesquisa constitui de 19 verbos de maneira de falar em português brasileiro. Na
pesquisa incluímos outros itens relacionados, tais como outros verbos de comunicação, com
objetivo de demarcar diferenças. Porém, detivemos nossa análise nos verbos de maneira de falar
que constitui um grupo autônomo de verbos e carente de análise no PB. Um dos problemas
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metodológicos é que os julgamentos de aceitabilidade são muito sutis, e trabalhar apenas com
intuições pode não ser totalmente confiável. Dessa forma escolhemos somente aqueles verbos que
temos uma maior familiaridade e eliminamos da análise os seus usos metafóricos. Analisaremos os
dados coletados a partir de uma proposta de representação lexical proposta por Cançado e Godoy (a
sair).
Organizaremos o relatório da seguinte forma: na parte 2, faremos uma breve revisão de
literatura sobre os verbos de falar, discutindo aspectos que consideramos mais relevantes; na parte
3, apresentamos o quadro teórico adotado na pesquisa e, consequentemente a justificativa dessa
escolha; na parte 4, mostraremos a análise feita para os verbos de maneira do PB; e, finalmente,
concluímos o relatório na parte 5. A parte 6 contém as Referências Bibliográficas
.
2. Os verbos de Modo de Falar na literatura
2.1 Zwicky (1971)
O artigo de Zwicky é a principal referência na literatura acerca dos verbos de maneira de
falar. Trata-se de um trabalho de descrição sintático-semântico desta classe de verbos do inglês e é
amplamente citado pelos autores presentes em nossa revisão bibliográfica. O trabalho merece
destaque dado que é o único que fornece uma pesquisa sistemática acerca da classe dos verbos de
maneira de falar. Está organizado da seguinte forma: Em primeiro lugar o autor apresenta uma
definição para a classe dos verbos de maneira de falar do inglês e fornece uma lista contendo 15
verbos. No segundo momento são listados os princípios gerais que norteiam a classe, tais princípios
são apresentados em itens divididos de A até F. Cada item é composto por uma afirmação geral e
alguns exemplos com intuito de sustentar a afirmação. De acordo com Zwicky, tais propriedades
são compartilhadas por todos os verbos da classe. Para o português algumas propriedades
correspondem: A- São verbos de atividade;
B- O referente do sujeito desses verbos é tipicamente humano;
C- Podem introduzir discurso indireto.
Em relação à propriedade C, Zwicky afirma que o alvo da expressão deve ser marcado pela
proposição to e que o referente do objeto deve ser tipicamente humano. Sabemos que o mesmo não
ocorre com o português.
(2) A criança sussurrou/ murmurou/ cochichou/ “nhac, nhac”!
(3) O homem gritou/berrou/ para o cão: “rua”!
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O exemplo em (2), temos a introdução de um discurso indireto pelo verbo sem que seja marcado
pela preposição to. Da mesma forma, no exemplo (3) temos o alvo da expressão um objeto –
humano.
D- Possibilidade de inserção de discurso direto e de diferentes tipos de objeto
Para o português, vamos discutir detalhadamente cada uma dessas possibilidades. O inglês possui
restrições bem particulares, nessa unidade é apresentada a alternância dativa, como uma
característica particular desses verbos. Nas construções de dativo, a estrutura argumental do verbo
compreende, além do argumento externo sujeito, dois argumentos internos complementos para
expressar a transferência de algo. Para o inglês, a ordem OD-OI, pode ser invertida em OI-OD em
contextos específicos. Essa é a chamada alternância dativa:
(4) I gave the rose to the beautiful girl.
(5) I gave the beautiful girl the rose.
Há ainda outros itens que abordam aquelas propriedades mais específicas ou particulares,
que não são compartilhadas por todos os verbos dessa subclasse. Tais itens estão subdivididos de G
até T. Curiosamente, encontramos para o português um número maior de itens correspondentes.
G- Possibilidade de apagamento do objeto;
H- Interpretação não comunicativa dos verbos em contextos específicos;
J- Existência de um homófono nominal correspondente para tais verbos;
M- Aceitam alternância ativo passiva quando não usados não comunicativamente.
A restrição em M funciona apenas para o inglês, trata-se muito mais de uma questão semântica do
que sintática. No caso do português a não ocorrência de passivas quando o verbo é utilizado com
intenção comunicativa, deve-se a presença obrigatória da preposição a fim de marcar o alvo. Dessa
forma é um impedimento sintático, uma vez que sentenças com objeto indireto não podem ser
passivizadas.
Como podemos observar, muitas propriedades elencadas pelo autor para os verbos de
maneira de falar do Inglês são compartilhadas pelos verbos do PB. Sobretudo, no que se refere às
propriedades gerais da classe e de suas idiossincrasias. Apesar do seu grande valor, o artigo
apresenta alguns problemas importantes. O principal deles está relacionado à forma como essas
propriedades são testadas e esses dados são coletados. Zwicky não é claro nesse ponto, o autor
parece sugerir que todos os dados são coletados via introspecção e os testes feitos de forma
intuitiva. Esse é um problema metodológico que procuramos evitar nessa pesquisa explicitando
cada passo metodológico e com exemplos e testes em anexo.
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2.2 Levin (1993)
A hipótese da autora é a de que propriedades semânticas de um verbo influenciam o seu
comportamento sintático, dessa forma ao desenvolver uma análise detalhada da semântica dos
verbos do inglês poderemos construir uma ferramenta eficaz para estudar o léxico verbal de uma
língua qualquer. Ao longo do livro a autora apresenta estratégias de como identificar verbos com
comportamento sintático semelhante e fornece meios para distinguir as classes verbais
semanticamente coerentes. A autora isola as classes verbais com relação a uma variedade de
alternâncias sintáticas que refletem propriedades semânticas dos verbos envolvidos.
No que se refere aos verbos de comunicação (verbs of communication), a autora apresenta
uma categorização bem extensa subdividida nas seguintes classes: Verbs of Transfer of a Mensage,
Tell, Verbs of Manner of Speaking, Verbs of Instrument of Communication, Talk Verbs, Chitchat
Verbs, Say Verbs, Complain Verbs e Advice Verbs. Os verbos de maneira de falar do PB são
poucos, como previsto para uma língua românica. Talmy (1985) investiga a relação sistemática
encontrada nas línguas entre elementos semânticos e elementos sintáticos a fim de regras gerais de
lexicalização e observar seu comportamento em diferentes línguas. Para isso, Talmy elegeu a raiz
verbal como objeto de análise, buscando encontrar quais elementos semânticos são lexicalizados
nas raízes verbais, por exemplo, se Maneira, Trajetória, Movimento entre outros. O autor propõe
que existem três padrões de lexicalização nas línguas do mundo e cada uma delas elege um destes
padrões e isso será refletido na sua estrutura tipológica. Assim determinados padrões de informação
são incorporados nos itens lexicais. Os verbos de maneira do Inglês apresentam um núcleo verbal
somado a um componente adverbial que especificam o modo como se dá o evento em questão. Por
este motivo, há um número maior de verbos de comunicação do inglês se comparado ao português
que possui outro padrão de lexicalização. No português e nas línguas românicas em geral os verbos
geralmente especificam apenas o alvo da expressão e o conteúdo expresso pelo ato de fala.
Em nossa coleta de dados conseguimos discriminar quatro classes correspondentes: Verbos
de maneira de falar, verbos de transferência de mensagem, verbos de advertência e verbos de
conteúdo de fala. Especificamente sobre os verbos que estamos investigando, temos uma
importante lista de referências e de dados com 77 verbos de maneira de falar. Em relação ao
trabalho anterior de Zwicky (1971), o de Levin (1993) traz poucas novidades. As propriedades
elencadas neste trabalho (apagamento de objeto, possibilidade de alternância dativa, introdução de
objeto direto, entre outros) já foram destacadas por Zwicky em seu trabalho de 1971. O mérito deste
livro no que se refere aos verbos de maneira de falar, é o de fornecer uma primeira sistematização
para os verbos, incluindo um número maior de verbos do que aqueles apresentados por Zwicky e a
bibliografia presente no início da unidade.
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2.3 Pesetsky (1995)
O argumento que norteia o Zero Syntax é o de que a distribuição sintática e as posições
argumentais dos argumentos são determinadas pela estrutura das entradas lexicais e são sensíveis às
leis que regem suas próprias estruturas sintáticas. Ao longo do livro, Pesetsky analisa outras
questões relevantes para investigação linguística atual, sobretudo na área de sintaxe e semântica
lexical.
Pesetsky (1995: 14) traz um debate interessante acerca dos verbos de comunicação do
Inglês. A discussão sobre quais seriam as propriedades gramaticalmente relevantes de uma classe
verbal tem presença marcante nos textos de semântica lexical. O autor faz uma reflexão, motivado,
sobretudo pelas construções de duplo objeto, sobre os verbos de comunicação do Inglês. Ele
distingue duas subclasses em particular: verbs of communicated message e verbs communication of
propositions. O autor cita Gropen (1989) como responsável por essa classificação. Pesetsky nos fala
em verbos de "instantaneous causation of ballistic motion" e "continuous causation of accompanied
motion." Segundo Pesetsky (1995: 14) os verbos de “communicated message” envolvem um ato
inicial do comunicador que resulta em uma mensagem que está sendo recebida por um destinatário,
contudo outros aspectos da transmissão da mensagem estão fora do controle do comunicador. É por
isso que esses verbos, de uma forma ou de outra, caracterizam apenas a mensagem e não a
proposição transmitida pelo comunicador. O autor compara com um movimento balístico em que
temos uma fonte e um alvo. O atirador pode calcular preparar e atirar um projétil, porém ele perde o
controle sobre o projétil a partir do momento em que ele é lançado. Assim, se eu relatar que João
disse que p, há inúmeras possibilidades, João pode ter mostrado p, ensinado p, todavia não pode ter
dito literalmente p, por se tratar de uma proposição. O que está sendo expresso é um conjunto de
proposições, que desencadeia em uma cadeia de raciocínio em que o ouvinte que captou a
mensagem p. Essa segunda classe de verbos faz parte dos verbos que estamos estudando. Os verbos
de "comunicação de proposições", por outro lado, envolve um ato comunicativo, que é
supervisionado (ou acompanhada) pelo comunicador, de modo que a proposição compreendida pelo
referente é justamente a proposição proferida pelo comunicador. Se eu relatar que João disse que p
(ou alegou que p, ela deve ter dito "p"ou alguma paráfrase disso) o conteúdo do que foi dito é
exatamente o de p. Assim, o falante seria responsável por cada passo na comunicação de p para um
ouvinte. Os verbos de maneira de falar são, portanto verbos de comunicação de proposições, ao
invés de verbos de comunicação da mensagem. Dessa maneira, Se Maria sussurra uma resposta ao
João, o conteúdo de seus “sussurros” deve ser o conteúdo da resposta, e não alguma outra
proposição de que João pode-se inferir a resposta. O Sussurro assemelha-se ao dizer, e não ao
ensinar ou mostrar. Na verdade, ao contrário de dizer, esses verbos, sempre que aparecem com
intenção comunicativa, são incompatíveis com qualquer tipo de mensagem não literal.
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No que se refere aos verbos estudados nesse trabalho, Pesetsky (1995: 143) afirma que a
distinção entre os verbos de Intensidade do Som (verbs of loud speech) (por exemplo, berrar,
gritar) e verbos de fala suave (por exemplo, murmurar, sussurrar) não é relevantes para a sintaxe.
Essas observações não devem ser tomadas como uma negativa à importância destes elementos, eles
apenas não figuram em generalizações de ordem linguísticas. Em contrapartida, como Pesetsky
(1995: 143) aponta, a distinção entre os verbos da maneira de falar (verbs of manner of speaking),
como gritar, sussurrar, e os verbos de conteúdo de falar (verbs of content of speaking), como dizer,
propor, seriam gramaticalmente relevantes. Pesetsky apoia este ponto, fazendo referência às
propriedades gramaticais particulares dessas classes de verbos. Uma delas e que os verbos de
maneira de falar do inglês quando usados comunicativamente não permitem exclusão do seu
complemento e consequentemente de seu adjunto e possuem um sujeito agente.
Diferentemente dos demais autores citados na bibliografia, Pesetsky afirma tais verbos
desautorizam construções de duplo objeto. Ele apresenta dois argumentos: um empírico e um
teórico. O argumento empírico é o de que quando tomam dois objetos, esses verbos são claramente
verbos de comunicação de proposições, em vez de verbos de comunicação de mensagem. Dessa
maneira se Maria grita uma resposta a João, o conteúdo do seu grito deve ser o conteúdo da
resposta. Não há outra proposição que pode ser inferida por João a partir dessa resposta. Observe os
exemplos dados pelo autor:
(6) a. Sue told Bill, in effect, that she was hungry.
b. #Sue said to Bill, in effect, that she was hungry.
c. # Sue shouted to Bill, in effect, that she was hungry.
O argumento teórico é o de que pode haver uma razão morfológica para tal impossibilidade. A ideia
é de que há um complementizador foneticamente nulo governando tais verbos.
Trata-se de um texto interessante, mas que pouco contribuiu para o tipo de análise que
estamos fazendo neste trabalho. O texto motivou a existência de uma classe particular de verbos
denominada verbos de maneira de falar, contudo pouco acrescentou a nossa investigação.
2.4 Levin e Rappaport (2005)
A relação entre os verbos e seus argumentos é um tema amplamente debatido em linguística.
Neste livro as autoras fornecem uma visão geral desta importante área de investigação, explorando
as teorias de como a semântica de um verbo pode determinar a realização morfossintática dos seus
argumentos.
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As autoras apresentam uma pequena revisão de bibliografia, fazendo apontamentos acerca
dos verbos de maneira de falar. Autores mencionados nessa pesquisa são revisitados e discutidos
alguns pontos em particular.
Em um primeiro momento a autora discute as diferenças entre duas classes de verbos de
comunicação: (1) Verbos de maneira de falar; (2) Verbos de Conteúdo da Fala. Neste momento há
uma também uma discussão acerca do que constitui uma propriedade gramaticalmente relevante.
Argumentam que embora a noção de cor seja cognitivamente importante tal noção não é capaz de
fazer generalizações sobre a realização morfossintática dos seus argumentos. Da mesma forma,
Pesetsky (1995: 14) escreve que a distinção entre os verbos de Intensidade do Som (verbs of loud
speech) (por exemplo, berrar, gritar) e verbos de fala suave (por exemplo, murmurar, sussurrar) não
é relevantes para a sintaxe. As autoras continuam citando Pesetsky (1995) apresentam o seu
argumento sobre a distinção entre os verbos da maneira de falar e os verbos de conteúdo de fala.
Um ponto interessante do livro é quando as autoras abordam os verbos de emissão do inglês.
O Inglês tem uma grande classe de verbos de emissão, que pode ser subdividido de acordo com a
natureza do elemento emitido: luz, som, cheiro, ou substância (B. Levin 1993). Verbos de emissão
de som possuem uma variedade de formas de realização argumental, algumas das quais
aparentemente estão restritas a determinados subconjuntos de verbos. Todos recebem um
argumento que denota o emissor de som, contudo há alguns verbos, por exemplo, chocalhar, gemer,
que podem usar de uma causalidade com o emissor. Esses são os casos em que há uma entidade ou
força natural responsável pela emissão sonora.
A classe dos verbos de emissão de som engloba um número muito grande de verbos.
Inclusive os que estamos estudando. Mesmo assim o que interessa nessa classe e o que é relevante
gramaticalmente é o modo como se dá essa produção de som e não seu volume, ressonância, etc.
Levin e Rappaport (2005) afirmam que alguns sons são produzidos internamente pelo emissor do
som (balbuciar, murmurar, sussurrar, gritar, balbuciar), enquanto outros são produzidos
externamente a ele (por exemplo, chocalhar). Outros podem ainda ser produzidos de outra maneira,
dependendo do emissor (por exemplo, zumbir, chiar, assobiar, guinchar), por exemplo, um guincho
pode ser produzido internamente através do som de um trator, como quando um bebê grita, ou
externamente, devido ao atrito entre duas superfícies. Os verbos de som com usos causadores estão
associados com sons produzidos externamente. B. Levin, Song e Atkins, (1997); Song (1996)
argumentam ainda que, no entanto, não é o modo de produção de som que determina o
comportamento de um verbo, mas sim, se o verbo lexicalizam um evento interno causado ou um
evento externamente causado. Esses autores mostram que o modo de produção de som se
correlaciona com a distinção entre os eventos causados externamente e internamente. Verbos
usados para descrever ruídos que podem ser produzidos internamente ou externamente, de acordo
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com a escolha do emissor e estão abertos a qualquer uma classificação, dependendo do modo
produção desse som.
Embora ambos os tipos de verbos pudessem expressar o destinatário chefiado por preposição
do tipo para e com e possa ter um discurso indireto como complemento, como em (7), os verbos da
maneira de falar permitem ao destinatário a ser expresso através de um PP e ter seu conteúdo ser
expresso em um PP chefiado por uma preposição do tipo sobre. Por outro lado, os verbos de
conteúdo de falar não aceitam essa possibilidade, como mostrado em (8) e (9).
(7) a. Evelyn screamed (to Marilyn) to go.
b. Evelyn said (to Marilyn) to go.
(8) a. Evelyn screamed at Marilyn.
b. ∗Evelyn said at Marilyn.
(9) a. Claudia screamed about the new management.
b. ∗Claudia said about the new management.
Mufwene (1978) demonstra que muitas propriedades distintas dos verbos da maneira de
falar estabelecidas no Zwicky (1971) não são exclusivas para esses verbos, mas também se
manifestam por verbos de outros tipos de semântica. Por exemplo, Mufwene (1978: 282) observa
que, verbos como chat, complain, speak, and talk como verbos de maneira de falar permitem frases
como em (10):
(10) Claudia queixou / falou / cochichou sobre a gestão de novo.
Assim, esses verbos devem ter alguma propriedade semântica em comum com os verbos da
maneira de falar, o que dá origem ao seu comportamento parcialmente compartilhado. As
diferenças nas opções de realização argumental entre as duas classes ( verbos de modo de falar e de
verbos de conteúdo) surgem a partir de elementos de sentido que não estão associadas
exclusivamente com os membros destas duas classes individuais, mas eles são compartilhados com
outras classes. (É claro que mais estudos são necessários para identificar o conjunto de propriedades
semânticas que é a origem da constelação de propriedades comportamentais que primeiro levou
Zwicky para identificar uma classe de verbos de maneiras de Falar).
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3. Referencial Teórico
Neste trabalho utilizaremos a decomposição dos itens lexicais em predicados primitivos
como forma de representar, definir e explicitar as propriedades semântico-sintáticas relevantes da
classe dos Verbos de Modo de Falar. Na literatura há diversas abordagens nessa perspectiva. Para
este trabalho vamos adotar a proposta de representação lexical de Cançado e Godoy (2010).
Em seu artigo, Cançado e Godoy propõem dois níveis representacionais para os verbos do
PB: Um nível semântico-lexical e um nível sintático-lexical. O nível semântico-lexical tem a função
de organizar e caracterizar semanticamente as classes verbais e é dado em termos de
metapredicados semânticos. Por sua vez, o nível sintático-lexical é o nível que faz a
correspondência entre tais propriedades semânticas e sua realização na sintática sentencial. Esse
nível é dado em estruturas arbóreas propostas por Hale e Keyser (2002). O argumento central do
artigo é que ao vincular os dois níveis de representação lexical é possível tornar explícita a
correspondência entre os argumentos semânticos presentes nos metapredicados e as posições
sintáticas. Dessa forma a sintaxe lexical proposta por Hale e Keyser (2002) teria a função de
hierarquizar os argumentos semânticos, fazendo a interface da semântica lexical com a sintaxe
sentencial. Vale realçar que para os autores a sintaxe lexical é a própria estrutura argumental,
diferentemente do que é assumido por Cançado e Godoy (2010). Para compreendermos melhor
como as autoras associam hipóteses aparentemente dicotômicas, perspectivas Lexicalista e não
lexicalista, é necessário explicitar o que estamos chamando de raiz. A raiz é um elemento que
representa o sentido idiossincrático do verbo e pode ser classificada quanto a uma ontologia das
raízes. Nas estruturas sintático-lexicais, a raiz é um elemento pertencente a uma categoria
gramatical e compõe, através de operações de merge, a estrutura argumental do verbo. Cançado e
Godoy (2010) propõem que as raízes das estruturas semânticas serão projetadas nas estruturas
sintáticas de acordo com a categoria ontológica a que pertencem. Dessa forma, é papel das raízes
relacionar os dois níveis de representação lexical. Por ora, tudo pode parecer bastante abstrato,
contudo à medida que formos avançando a análise ficará mais palpável.
A decomposição de itens lexicais em predicados primitivos é uma ferramenta de análise que
nos permite explicitar propriedades semânticas de uma classe qualquer de verbos e isolar aquelas
propriedades relevantes para as alternâncias argumentais das quais participam os verbos. Inspirado
em modelos formais sua estruturação possui regras de boa formação (sintaxe) e funções
interpretativas (semântica) bem próprias. Portanto, é necessário mostrar como funciona esta
ferramenta. Os predicados primitivos são axiomas do sistema definidos a partir de aspectos
recorrentes dos sentidos dos Verbos. Essas unidades de sentido possuem possibilidades de
combinação bem delimitada e pode gerar inferências semânticas quando combinadas entre si. As
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representações são geralmente compostas por predicados primitivos (em caixa alta), argumentos
(indicados pelas variáveis X, Y, Z, etc.) e um elemento idiossincrático do verbo, a raiz, que o
diferencia dos outros verbos da mesma classe. Para ilustrar como ficaria tais representações
vejamos as estruturas semântico-lexicais propostas por Cançado e Godoy (2010) para os verbos
causativo/agentivos, como quebrar, abrir e clarear:
(11) v: [[X (ACT) ] CAUSE [Y BECOME <STATE> ]]
Na estrutura acima, X é espécie de força exterior, que pode ser um agente, um instrumento
ou ainda um evento qualquer. Os parênteses marcam o caráter opcional do predicado ACT
associado ao argumento X. O Y é a entidade afetada e STATE é a raiz. A raiz se caracteriza por
representar o sentido idiossincrático do verbo.
Cançado e Godoy (2010) não propõem uma representação em termos de decomposição em
predicados primitivos para os Verbos de Maneira de Falar. Portanto, um dos objetivos desse
trabalho é fornecer uma representação semântico-lexical e sintático-lexical para a classe de verbos
de maneira de Falar do PB. Dessa forma, assumiremos as propostas de Cançado e Godoy (2010)
para os verbos do PB e estenderemos a análise à classe de verbos de Maneira de Falar do PB.
Trata-se de uma de uma classe de verbos composto por um núcleo mais um componente
adverbial que descreve o tipo e a qualidade do som produzido pelo falante ao emitir seu discurso.
Quando usados comunicativamente descrevem um ato de fala somado ao tipo de som descrito,
entretanto o tipo de som aparece em primeiro plano, enquanto o ato de fala realizado depende da
situação e do seu contexto sintático. Para representar o sentido recorrente dessa classe de verbos,
postulamos a existência de um metapredicado EXPRESS. O metapredicado EXPRESS descreve
que existe um evento ou um subevento de atividade, contudo não um evento qualquer, mas uma
ação de expressão. Note que o predicado não especifica o tipo ou forma de se expressar. Há
evidentemente muitas formas de se fazer isso, seja com um olhar, com a fala, com uma ação
qualquer, etc. O predicado primitivo EXPRESS, portanto, é coerente com sentido idiossincrático
dos verbos de comunicação. Para os Verbos de maneira de falar sugerimos a seguinte
representação:
(12)
Na estrutura acima, X é um argumento do verbo, que é preenchido por um agente. A raiz
manner tem o papel de modificador do predicado EXPRESS, ou seja, a raiz manner especifica a
12
forma ou modo dessa expressão, ou seja, a parte idiossincrática de cada verbo. Esse componente
adverbial é precisamente o traço diferenciador e aparece como subscrito ao predicado que modifica.
Na literatura Fillmore (1971) utiliza-se do metapredicado SAY para descrever os Verbos de
Julgamento. Por se tratar de um metapredicado já consagrado na literatura a ideia inicial era utilizálo para representar o sentido idiossincrático dos verbos de comunicação. Contudo, podemos afirmar
que o predicado SAY não é suficientemente descritivo para todas as classes de verbos de
comunicação. Uma vez que é possível se expressar sem necessariamente falar. Observe os
exemplos:
(13) O técnico criticou seu atleta com um olhar.
(14) Durante a exposição, os ouvintes o censuravam balançando a cabeça.
Por outro lado, em relação aos verbos de maneira de falar, tendemos a aceitar o
metapredicado SAY como integrante da representação semântica destes verbos. Segundo Fillmore
(1971) o predicado primitivo SAY elucida a existência de determinados papéis: quem expressa
“Fonte Locucionária”, o quê expressa, sobre o quê aquilo é expresso. Inclusive é mais intuitivo
imaginarmos a construção com o predicado SAY. Assim, se nos utilizássemos do predicado
primitivo SAY teríamos a seguinte estrutura com a seguinte paráfrase:
(15)
(16)
Dizer aos Gritos = Gritar
- Dizer aos Murmúrios = Murmurar
Todavia, ao assumir esse tipo de representação perderíamos o poder descritivo
acrescentando um predicado adicional para representar apenas uma classe de verbos.
Dessa
maneira preferimos adicionar o metapredicado EXPRESS em nossas representações lexicais. A
escolha do metapredicado EXPRESS deve-se a especificidade conferida aos verbos dessa classe.
Trata-se de uma ação intencional, internamente causada ou motivada por uma força própria.
Segundo Rappaport e Levin (1998), as raízes são inseridas na estrutura de decomposição em
predicados primitivos de duas formas diferentes, ou como argumento de um predicado ou como
modificador de um predicado. A raiz que tem o papel de modificador de um predicado é a mais
apropriada para descrever o sentido idiossincrático dos verbos de maneira de falar. Dessa maneira, a
raiz ‘manner’ funciona como modificador do predicado. As autoras propõem a estrutura em (17)
como forma de representar tais verbos:
13
Em (17) temos o X como um agente ou uma força agentiva, ACT é um predicado de atividade, que
descreve que há um subevento motivado ou controlado por X e a raiz MANNER especifica a forma
ou modo desse evento de atividade. Assim teríamos as representações (9) e (10) para os verbos de
maneira de falar do PB:
Parafraseando as estruturas acima, teríamos que há um evento motivado ou controlado por X que é
o de sussurrar em (9) e de cochichar em (10). Note que é uma descrição bastante genérica do evento
é adequada a qualquer verbo de atividade. Descreve que uma ação foi desenvolvida de determinada
maneira, sem especificar as características particulares dessa ação. Nossa argumentação é a de que
apesar do argumento do predicado ACT ser um ser que age intencionalmente, não podemos adotar a
estrutura acima uma vez que ela não diferencia os verbos diferentes tipos de verbos de maneira. A
raiz MANNER especifica maneira e não maneira de expressão ou de movimento. Dessa forma
teríamos apenas uma estrutura para representar todos os verbos agentivos e perderíamos o poder
descritivo do metapredicado EXPRESS.
4. A nossa análise para os verbos de maneira de falar do PB
De acordo com Levin e Rappaport (2005), os Verbos de Maneira de Fala descrevem
características físicas da voz e geralmente são usados com intenção comunicativa. Portanto, os
verbos dessa subclasse especificam o modo pelo qual o falante se expressa. Esses verbos podem dar
informação acerca das atitudes vocais, do tom, da velocidade, ritmo, entonação, altura da voz, etc.
Em nossa pesquisa conseguimos encontrar 19 verbos com tais características. Como já descrevemos
anteriormente, esses dados foram escolhidos a partir de um conjunto maior de verbos coletados
através do dicionário Borba (1990). Excluímos do nosso corpus alguns verbos por já estarem em
desuso, por exemplo, parlengar e ribombar.
A fim de encontrarmos propriedades sintáticas e semânticas que os caracterizassem como
uma classe homogênea, aplicamos alguns teste motivados pelas seguintes perguntas: Quais são as
propriedades semânticas desses verbos que podem predizer suas propriedades sintáticas (ou viceversa)? Tais verbos podem introduzir discurso direto ou indireto? Tais verbos são intransitivos,
transitivos ou bitransitivos? Com que tipos de complementos (preposicionados ou não) e adjuntos
podem aparecer? Buscaremos enumerar os princípios gerais que definem a classe dos verbos de
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maneira de falar. Para isso vamos observar e propriedades semântico-sintáticas relevantes e
descrevê-las. A classe em questão é exemplificada pelos seguintes verbos:
(20) balbuciar, berrar, bradar, cantar (produzir sons harmoniosos ou cadenciados – dizer
reproduzindo ou ordenando), cantarolar (produzir sons com determinadas características),
cochichar, declamar, esbravejar, falar ganir, gaguejar, gemer, gritar, grunhir, murmurar,
sussurrar, suspirar, vociferar, resmungar, rugir.
Com esses verbos é possível descrever uma diversidade de eventos, todos de alguma forma
relacionados. Podemos falar do ato de produzir um som, com ou sem intenção comunicativa,
podemos nos dirigir para alguém e lhe fazer um pedido, podemos falar para uma determinada
pessoa sobre um fato qualquer e assim sucessivamente. Vejamos empiricamente como isso
funciona.
Primeiramente, além de descreverem ações de expressão, esses verbos podem ter seu objeto
apagado:
(21) a. Bertrand Russel sussurrou o paradoxo do Barbeiro pra Whitehead.
b. Bertrand Russell sussurrou.
(22) a. A menina cochichou algumas coisas para a mãe.
b. A menina cochichou.
Observe que o objeto do verbo está apagado nas sentenças em (22)b. Entretanto, o apagamento do
objeto motiva algumas mudanças importantes. Note que quando tais verbos ocorrem sem nenhum
objeto (direto ou indireto), o sentido do verbo não é necessariamente interpretado como uma
referência a um ato de comunicação através da fala, ele apenas vai descrever as características
físicas de um som. Assim, a sentença na forma intransitiva:
(23) a. A garota sussurrou/ murmurou/ balbuciou/ falou/ cantou/ berrou, etc.
Não implica que “a garota” tenha realizado algo com intenções comunicativas ou informativas, mas
apenas que fez um barulho ou um som de algum tipo.
Outro caso igualmente interessante, é que quando temos o verbo preenchido com duplo
objeto podemos apagar os dois objetos como (24)b ou apagar o alvo locucionário da expressão
como em (24)c, porém não é possível apagarmos o conteúdo expresso e mantermos o alvo da
expressão, como em (24)d, observe:
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(24) a. João sussurrou algo para Maria.
b. João Sussurrou.
c. João sussurrou algo.
d. * João sussurrou para Maria
A explicação por não ser possível apagarmos o conteúdo informativo e mantermos o alvo da
expressão em (24)b é que, ao delimitarmos um alvo para os verbos de maneira de falar eles passam,
imediatamente, a ter intenção comunicativa.
(25) Ele sussurrou/ cochichou/ murmurou/ berrou/ gritou para Menina... (Sempre Algo)
A observação acima pode servir de argumento base para a hipótese de que, lexicalmente, os
Verbos de Maneira de Falar possuem apenas uma posição argumental a ser preenchida. Apenas a
posição de argumento externo não pode ser apagada. E que quando inserimos uma adjunção
preposicionada o verbo assume um sentido comunicativo inerente.
Os verbos dessa subclasse podem ter diferentes tipos de objetos ou argumentos internos, seja
ele um objeto direto ou indireto. Observamos casos em que temos um referente nominal do ato de
expressar, outros um complemento sentencial (discurso indireto, ou a construção de infinitivo) ou,
ainda, uma citação direta. Em relação ao discurso direto, essa propriedade é compartilhada por
todos os VMF, ou seja, todos eles podem introduzir discurso direto:
(26) a. Maria sussurrou/ cochichou/ murmurou: Estou aqui.
A primeira impressão é que está seria uma informação trivial uma vez que a maioria dos
verbos aceita a introdução do discurso indireto. Porém, se contrastarmos com outro grupo
pertencente aos Verbos de Comunicação, nota-se que esta informação não pode ser trivial. Os
verbos que se referem a atividades interativas do discurso como conversar, debater, discutir, não
aceitam.
(27)a. #Ele discutiu/ conversou/ debateu: “te odeio”.
Uma possível explicação pode estar na própria estrutura argumental de tais verbos. Todos eles
exigem uma posição argumental, X conversou/ debateu/ discutiu com Y, que não está preenchida de
forma adequada. Em alguns casos tais construções podem ser interpretadas de forma não
comunicativa, como nos casos de citação direta:
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(28)a. Na hora do gol, os torcedores gritaram/ gemeram/ sussurraram/ murmuraram “aff”.
Encontramos também construções bem formadas em que tais verbos aparecem introduzindo
o discurso indireto. Nesta pesquisa estamos considerando discurso indireto todos aquelas sentenças
introduzidas por que, se e para. Os verbos de maneira de falar aceitam o discurso indireto. Observe
os exemplos:
(29)a. O rapaz sussurrou/ falou/ disse/ murmurou/ balbuciou/ para a garota buscar ajuda.
b. Henrique sussurrou/ falou/ disse/ murmurou/ balbuciou/ que gosta de nadar.
Há evidentemente outros casos em que os verbos de maneira de falar tem um objeto indireto
encabeçado por tipos variados de PPs (sobre, para, com. em, que, pelo, por). No anexo discutimos
os cada caso em particular, todavia a natureza da preposição neste caso não nos parece ser uma
informação relevante para análise. De qualquer forma essa informação pode ser vista com detalhes
nos dados analisados em anexo. Pode ser interessante investigar se há um comprometimento com a
verdade do conteúdo expresso dependendo da preposição envolvida.
Em casos que temos um referente nominal do ato de expressar como objeto do verbo, a
intenção comunicativa é mantida e a sentença é gramatical:
(30) a. Em sua formatura, o formando provavelmente vai sussurrar/ falar/ dizer/ murmurar/
um juramento.
b. O Homem sussurrou/ falou/ disse/ murmurou/ balbuciou/ cochichou duas ou três palavras.
c. Pelo visto, aquele cidadão vai sussurrar/ falar/ dizer/ murmurar/ balbuciar/ algo
ininteligível.
A partir dos dados analisados, notamos que cada um desses verbos possui um homófono nominal
que se refere ao ato de falar em si, independente de seu conteúdo comunicativo.
(31) a. Eu ouço um sussurrou/ um murmurio/ um grito/ um berro/ um balbucio/ um
cantarolar.
b. O gritou/ O berro/ O sussurro/ me assustou/ me acordou.
Sabemos, porém, que a relação entre verbo e sua contraparte nominal nem sempre é
semanticamente regular, de forma que essas exceções não trazem maior repercussão para análise.
Muitas vezes esses homófonos nominais aparecem como objetos cognatos de seus respectivos
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verbos. Já era esperado que tais verbos se comportassem dessa maneira, uma vez que se trata de
verbos de atividade:
(32) a. A torcida gritou um grito de guerra.
b. Ele sussurrou um sussurro quase inaudível.
Os objetos cognatos são derivados de seus verbos, então deve ser possível interpretar esses verbos
de forma não comunicativa, e de fato é possível:
(33) a. O Homem gritou um grito terrível (para nós), mas não estava nos comunicando/
informando nada.
Essas expressões nominais podem ainda aparecer em expressões como dar um ____.
(34) a.Um homem deu um grito/ gemido/ berro/ sussurro.
Curiosamente, as sentenças são menos naturais quando contem verbos de maneira de falar que
descrevem verbos de fala suave (Sussurro, murmurar, resmungar).
(35) a. Um homem deu um sussurro/ murmúrio/ resmungo.
Destacamos um caso especial de realização do argumento interno para os verbos de maneira de
falar. Notamos que tais verbos podem aparecer com certos advérbios direcionais. Alguns dos quais
se assemelham aos objetos indiretos e são mutuamente excludentes, i. e., estão em distribuição
complementar. Parece-nos que estes verbos são sempre interpretados comunicativamente se há um
objeto indireto como alvo da expressão, não importa a natureza desse objeto, observem os exemplos
abaixo:
(36) a. Aquele cara / gritou/ falou sussurrou para nos.
Acarretamentos:
b. Aquele cara sussurrou/ gritou/ falou para nós, não queria comunicar/ informar/ transmitir
algo pra nós.
Note que (b) parece ser contraditório. Uma vez que se alguém sussurrou/ gritou/ falou pra nós
necessariamente tem uma intenção comunicativa muito evidente. Por outro lado, observe que as
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expressões adverbiais não funcionam da mesma forma que os demais objetos indiretos (alvo da
expressão), nestes casos o verbo pode ser interpretado não comunicativamente:
(37) a. Ela / gritou/ falou em nossa direção.
b. Ela gritou algo em nossa direção, mas ela não quis comunicar/ informar nada (para nós).
Em (b) não temos nenhuma contradição.
Passemos agora a investigar a natureza de seu argumento externo. Quando estes verbos são
usados no sentido no sentido de expressão tem sempre como sujeito um argumento agentivo e
descrevem sons produzidos por humanos. Uma forma de se verificar a agentividade do argumento é
verificar se tais verbos podem ocorrer na construção: O que X fez foi ______
(38) a. Carlos gritou/ sussurrou/ murmurou/ cochichou para Maria.
b. O que Carlos fez foi gritar/ sussurrar/ murmurar/ cochichar para Maria.
Em relação ao aspecto lexical, observamos que se trata de verbos que denotam apenas um
evento, i. e., são verbos de atividade. Assim podem aparecer na forma progressiva:
(39) a. Os torcedores estavam gritando/ berrando palavrões aos jogadores.
b. O tarado estava sussurrando/ murmurando/ cochichando/ obscenidades para a garota.
Para tornar a classificação aspectual dos verbos de maneira de falar mais evidente,
aplicamos uma série de testes propostos por Dowty (1979). O teste do advérbio quase que
diferencia accomplishments de atividades através dos acarretamentos gerados pelas sentenças
modificadas pelo advérbio quase. O teste com sintagmas do tipo por (durante) x tempo que separam
eventos durativos de eventos não durativos. Dessa forma, sentenças que denotam eventos durativos
podem ocorrer com o sintagma por X tempo e ficam agramaticais com o sintagma em X tempo. O
teste de acarretamentos gerados com a introdução da expressão parou de; e finalmente, a aplicação
do paradoxo do imperfectivo. Observe os exemplos:
(40) a. A senhora esbravejou/ sussurrou/ murmurou por alguns instantes.
b. O João parou de esbravejar/ sussurrar/ murmurar/ logo ele esbravejou/ sussurrou/
murmurou.
c. O João estava esbravejando/ sussurrando/ murmurando, logo ele esbravejou / sussurrou/
murmurou.
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d. O rapaz quase esbravejou/ sussurrou/ murmurou, ele não esbravejou / sussurrou/
murmurou.
Mesmo em sentenças em que temos o alvo da expressão marcado por uma preposição, o aspecto do
verbo não é afetado:
(41) a. A senhora esbravejou/ sussurrou/ murmurou para a garota por alguns instantes.
b. O João parou de esbravejar/ sussurrar/ murmurar/ para a esposa, logo ele esbravejou/
sussurrou/ murmurou.
c. O João estava esbravejando/ sussurrando/ murmurando para os jogadores, logo ele
esbravejou / sussurrou/ murmurou.
d. O rapaz quase esbravejou/ sussurrou/ murmurou para a namorada, ele não esbravejou /
sussurrou/ murmurou.
Os testes aplicados aos verbos de maneira de falar mostram que tais verbos são de atividade, ou
seja, é um tipo de evento que desenvolve no tempo, sem ter um determinado ponto de conclusão.
Vale dizer que são agentivos e assim como os estados são homogêneas na medida em que quaisquer
de suas partes é da mesma natureza que o todo.
Em relação às alternâncias, observamos que tais verbos aceitam a construção passiva quando
são compreendidos não comunicativamente ou quando temos um objeto direto como argumento
interno, observe:
(42) a. Os torcedores gritaram/ berraram/ sussurraram/ murmuraram/ “Ladrão”.
b. “Ladrão” foi gritado/ berrado/ sussurrado/ murmurado (por eles) pelos torcedores.
a. O bêbado sussurrou/ murmurou/ gritou/ berrou palavrões a quem passava.
b. Palavrões foram sussurrados/ murmurados/ gritados/ berrados pelo bêbado a quem
passava.
(43)a. Ela sussurrou/ murmurou/ berrou/ palavrões.
b. Palavrões foram sussurrados/ murmurados/ berrados. (por...)
(44) a. Ela sussurrou/ cochichou/ murmurou/ seu ultimo desejo.
b. Seu ultimo desejo foi sussurrado.
Os verbos aceitam construções clivadas livremente:
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(45) a. O presidente cochichou/ sussurrou/ murmurou algo para o ministro.
b. Foi algo que o presidente cochichou/ sussurrou/ murmurou para o ministro.
Tais verbos também não aceitam a construção reflexiva, em que o agente age sobre ele mesmo,
marcado pela uma forma reflexiva com se. A explicação para isso é que a reflexiva tem que ter um
objeto animado, trata-se de uma restrição selecional e já era de se esperar que tais verbos se
comportassem dessa forma.
(46) a. Eduardo berrou/ gritou/ sussurrou/ murmurou.
b. # Eduardo se berrou/ gritou/ sussurrou/ murmurou.
Padrões sentenciais envolvendo Verbos de maneira de falar:
(47) a. Eduardo sussurrou. (Pode ser marcado por um tom enfático) - [[DP] VP]
b. ?? Eduardo sussurrou para Maria. – [[DP] VP [PP]]
c. Eduardo sussurrou ‘Papai’. - [[DP] VP [NP]]
d. Eduardo sussurrou algo/ um provérbio - [[DP] VP [NP]]
e. Eduardo Sussurrou algo para Maria. [[DP] VP [NP [PP]]]
Temos, portanto:
(48) a. Sujeito Verbo (Usado de forma não comunicativa)
b. Sujeito Verbo Objeto preposição (para) + destinatário (usado de forma comunicativa)
c. Sujeito Verbo (citação indireta)
d. Sujeito Verbo Objeto (NP)
e. Sujeito Verbo (Objeto) que para + COMP
5. Conclusões
O nosso objetivo nesta pesquisa foi descrever a classe de verbos de maneira de falar do PB,
explicar e caracterizar semanticamente tal classe e propor uma representação lexical. Os verbos
dessa subclasse no PB expressam uma maneira específica de expressão através da fala. Propomos
para os esse verbos subclasse a seguinte estrutura lexical
. Concluímos que
os verbos de maneira de falar do PB são uma classe uniforme com relação propriedades sintáticas e
semânticas.
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Fica para um trabalho futuro investigar os demais verbos de comunicação do PB. Tais
verbos também denotam uma expressão, contudo possuem várias propriedades sintáticas e
semânticas distintas dos verbos estudados neste trabalho.
6. Referências Bibliográficas
CANÇADO, M. Verbal Alternations in BP: a lexical semantic approach. Studies in Hispanic and
Lusophone Linguistics. v. 3, n. 1, p. 77-111, 2010.
CANÇADO, M.; GODOY, L. Representação lexical de classes verbais do PB. A sair, ALFA 56:1
DOWTY, D. Word Meaning and Montague Grammar. Dordrecht: D. Reidel, 1979.
LEVIN, B. English verb classes and alternations. Chicago: The University of Chicago Press, 1993.
LEVIN, B.; M. RAPPAPORT HOVAV, M.
Argument Realization.
Cambridge: Cambridge
University Press, 2005.
RAPPAPORT, M.; LEVIN, B. Building Verb Meanings. In: BUTT, M.; GEUDER, W. The
projection of arguments: Lexical and Syntactic Constraints. Stanford: CSLI Publications, 1998. p.
97-134.
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