SOCIOLOGIA AMBIENTAL: um campo de pesquisa em consolidação

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SOCIOLOGIA AMBIENTAL: um campo de pesquisa em
consolidação
Elena Steinhorst Damasceno1
RESUMO: este artigo tem por objetivo fazer uma breve revisão sobre as pesquisas
em Sociologia Ambiental. São utilizadas como referências principais Buttel (1978),
Hannigan (2009), Herculano (2000), Ferreira (2002, 2004), Mol e Spaargaren
(2005), Lenzi (2005, 2007), Guivant (2005) e Moraes (2005) dentre outras que
juntas formam o estado da arte sobre o tema. A Sociologia Ambiental como um
campo de pesquisa é uma área relativamente nova da Sociologia e se encontra em
fase de consolidação. Possuindo uma diversidade de orientações teóricometodológicas em disputa, enfrenta o desafio epistemológico da “transposição
disciplinar” e da “divisão homem-natureza”. Tendo em vista a emergência da crise
ambiental, observa-se, por meio desta revisão, o avanço monumental da
“subdisciplina” nas últimas décadas e a diversidade de abordagens que nela cabem.
INTRODUÇÃO
O objetivo inicial deste artigo é fazer uma breve revisão sobre as pesquisas em
Sociologia Ambiental. São utilizadas como referencias principais Buttel (1978),
Hannigan (2009), Herculano (2000), Ferreira (2002, 2004), Mol e Spaargaren (2005),
Lenzi (2005, 2007), Guivant (2005) e Moraes (2005) dentre outras que juntas formam o
estado da arte sobre o tema.
Primeiramente, a Sociologia Ambiental como um campo de pesquisa é uma área
relativamente nova da Sociologia, que se encontra em fase de consolidação, possuindo
uma diversidade de orientações teórico-metodológicas em disputa. Ferreira (2002, p. 1)
afirmava que o número de pesquisas científicas sobre a interrelação entre a sociedade e
o ambiente estava aumentando rapidamente em todo o mundo, o que era confirmado
pela crescente proliferação de contribuições das mais diversas áreas de especialização: o
que foi chamado, genericamente, de "problemas ambientais" tornou-se importante
preocupação, embora restrita a determinados grupos, segundo a autora. Para Herculano
1
Bacharela e licenciada em Ciências Biológicas (UnB), mestra em Saúde e Ambiente (UFMA),
doutoranda do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas (UFMA) e pesquisadora do Grupo de
Estudos Desenvolvimento Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA).
Contato: [email protected]
1
(2000) a Sociologia Ambiental seria uma subdisciplina integradora, que já nasceu
fecunda e resultante de múltiplas inspirações.
A sociologia ambiental em construção
Segundo Herculano (2000, p. 2), em referência a Buttel (1996), a Sociologia
Ambiental não seria “tão nova”, se tivermos por parâmetro um amálgama de áreas e
“subdisciplinas” já sedimentadas há décadas. Entre essas, que teriam contribuído para a
formação da sociologia ambiental contemporânea, estaria a Ecologia Humana, que
surgiu como estudo da mudança entre o rural e o urbano, porém, “nunca chegou a dar
importância aos fatores ambientais em sentido estrito”, “tratava de ver como o meio
físico da cidade atuava no comportamento das pessoas” e “criava uma cultura específica
e estava limitada ao foco da cooperação competitiva na organização espacial de
populações metropolitanas”. Outra subdisciplina contribuinte é a Sociologia Rural que,
segundo a autora, seria embasada na geografia e na antropologia econômicas, mas
estudaria as “comunidades diretamente dependentes de recursos naturais”, tais como
pescadores, extrativistas, agricultores, lavradores, etc. A Sociologia dos Recursos
Naturais seria mais uma que, “estudando a gestão do meio ambiente, este entendido
enquanto recursos naturais”, abarcaria os estudos sobre política de terras públicas,
planejamento de usos da terra, a gestão das unidades de conservação, incluídos parques
e áreas de lazer. Herculano (2000, p. 3) acrescenta à lista de subdisciplinas, sugerida por
Buttel, que teriam contribuído para a formação da Sociologia Ambiental, a Psicologia
Social e a Antropologia Cultural, “com estudos sobre atitudes e valores”; a Sociologia
dos Movimentos Sociais, “enfocando novos sujeitos coletivos, suas agendas de lutas e os
conflitos dos diversos agentes sociais”; a Sociologia do Desenvolvimento, “esta última
na sua vertente marxista, questionadora do mito do desenvolvimento”; e a Sociologia
Urbana, “sobre o meio ambiente construído”.
Hannigan (2009, p. 15), em seu livro Sociologia Ambiental, trata da “chamada
subdisciplina” em termos de uma retrospectiva quanto ao pensamento na área, assim
como da sociologia ambiental enquanto campo de pesquisa. O autor delimita o “Dia da
Terra”, manifestação ambientalista nos EUA que culmina com a criação da Agencia de
Proteção Ambiental, a primeira do país, como marco que inicia o que o autor chama de
“década ambiental”, nos anos 1970.
2
Herculano (2000, p.3-4) aponta que, no final da década de 1970, a seção sobre
Sociologia Ambiental da ASA (Associação Norte-Americana de Sociologia) já contava
com 321 membros. Após um breve declínio nos anos 1980, a Sociologia Ambiental
norte-americana e mundial se revitalizam, proporcionalmente ao aprofundamento em
relação à percepção dos problemas ambientais:
em lugar da degradação ambiental ser percebida como um problema estético,
passou a ser vista como ameaça à saúde e ao bem-estar e enquanto um risco
tecnológico (o lixo tóxico em Love Canal, os acidentes nucleares de Three
Mile Island, de Bhopal e de Chernobyl, a descoberta da destruição
progressiva da camada de ozônio, tudo isso passou a ser visto como indícios
de ameaças definitivas à sobrevivência humana e planetária). Nos anos 90,
finalmente, a questão ambiental passou a ganhar uma dimensão mais
complexa e uma institucionalidade global. A partir da realização da
Conferência da ONU para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, no Rio de
Janeiro, em 1992 (CNUMAD ou UNCED), foi criada a Comissão para o
Desenvolvimento Sustentável, na ONU, e um Fundo Geral para o Meio
Ambiente - GEF. As alterações climáticas causadas pela produção humana
passaram a ser definidas como a grande questão ambiental ("global
environmental change"- GEC). Comissões e grupos de estudos acadêmicos e
intergovernamentais têm sido formados desde então, aproximando cientistas
naturais e sociais, para se ganhar entendimento sobre as dimensões humanas
das alterações climáticas e do aquecimento global.
Guivant (2005, p.11) afirma que Catton e Dunlap foram pioneiros na Sociologia
Ambiental, tendo inclusive cunhado o termo:
Mas eles também abriram dentro da incipiente Sociologia Ambiental o debate
entre posições realistas e construtivistas sociais que, apesar de nem sempre
acontecer de forma explícita, atravessa a Sociologia Ambiental. Os realistas,
dentro dos quais Catton e Dunlap se situavam, defendem a existência objetiva
dos problemas ambientais, independentemente da forma em que os atores
sociais os percebem. A crítica construtivista foi realizada por Frederick Buttel
(1978), que passaria a ser um dos mais destacados sociólogos ambientais.
Hannigan (2009) entende que o “conflito construcionista-realista” teve mais
recentemente seu tom moderado entre os sociólogos ambientais, que foram à procura de
alguma síntese entre variadas perspectivas. Mas, Ferreira (2005, p.78), por outro lado,
afirma que:
A sociologia ambiental, enquanto produção científica e acadêmica, emergiu a
reboque dos movimentos de contestação social surgidos no início dos anos 60
e da constatação da situação emergencial de degradação dos recursos naturais
e do desenvolvimento do industrialismo. O nascimento do movimento na
década de 1960 surpreendeu os sociólogos, que naquele momento não
dispunham de um corpo teórico ou tradição empírica que os guiasse em
direção ao entendimento da relação entre sociedade e natureza. Os pioneiros
da sociologia clássica (Durkheim, Marx e Weber) tinham abordado a questão
de modo tangencial; além disso, apenas raramente surgiam trabalhos
isolados, sem, no entanto, promover uma acumulação considerável de
3
conhecimento que permitisse a criação de um campo teórico. Existem várias
hipóteses para o entendimento deste processo (grifo nosso).
Segundo HANNIGAN (2009), o que se tinha eram trabalhos isolados dentro da
subárea da sociologia rural, porém, para compreender a emergência da sociologia
ambiental, é necessário observar como as teorias geográficas e biológicas do
desenvolvimento social perderam força quando a sociologia surgiu, no início do século
XX, como disciplina distinta. O autor aponta, citando Buttel (1986), que a dimensão
ambiental já estava implícita desde os trabalhos clássicos de Durkheim, Marx e Weber,
contudo nunca foi evidenciada pelo fato da explicação da estrutura social ser favorecida
em detrimento às explicações físicas ou ambientais (HANNIGAN, 2009, p.15). Em
concordância com Hannigan, Ferreira (2004, p. 80) afirma:
(...) O que atualmente é identificado como preocupação ambiental seria visto
como atraso e obstáculo ao desenvolvimento, ao progresso. Certamente havia
críticos ao paradigma desenvolvimentista, como os sociólogos marxistas;
mas, estes tendiam a ver a problemática ambiental como um desvio das
questões cruciais do humanismo. Buttel (1992), por sua vez, assinala o
relacionamento ambíguo da sociologia, em sua fase de construção, com as
ciências naturais. Se, de um lado, o pensamento sociológico foi influenciado
por conceitos provenientes das ciências naturais, por outro lado, a própria
necessidade de legitimação das ciências sociais exigiu uma reação contra a
simplificação das explicações oriundas do determinismo biológico e
geográfico, conforme mencionado anteriormente.
Para Lenzi (2007, p.1) a proposta de criação de uma Sociologia Ambiental
nasceu de uma forte crítica às sociologias clássica e contemporânea:
Essa crítica emergiu ao final da década de 70, quando os cientistas sociais
americanos Catton e Dunlap (1978) criticaram justamente a ausência de
qualquer preocupação com as pré-condições ecológicas da sociedade nos
estudos sociológicos. Segundo estes autores, esta ausência não era apenas
casual, mas indicava a existência de um paradigma antropocêntrico existente
na Sociologia que teria emergido com o nascimento da Sociologia moderna.
A idéia de que os clássicos da Sociologia não nos legaram uma sensibilidade
ecológica não está restrita ao trabalho de Catton e Dunlap (1978), mas tende
a receber um apoio nas avaliações de cientistas sociais contemporâneos.
Lenzi (2007) retoma a discussão analisando algumas idéias de Durkheim, Weber
e Marx, buscando identificar os limites e possibilidades que as obras desses autores
podem oferecer para a Sociologia Ambiental. Argumenta que a herança deixada por
estes clássicos da Sociologia é marcada por uma ambivalência com relação à
problemática ambiental e que isso está relacionado com a forma pela qual a Sociologia
veio a ser definida em suas obras. Ele alega que problemas associados com a herança
sociológica clássica têm implicações para pensar a condição teórica da própria
Sociologia Ambiental.
4
Para Ferreira (2002, p. 1), as ciências sociais, a despeito de outras áreas do
conhecimento, em relação aos problemas ambientais, atribuem à sociedade o paradigma
dominante da fé no progresso e na racionalidade humana:
Marx (1980), bem como Durkheim (1995) vê a era moderna como turbulenta,
mas ambos acreditam que os possíveis benefícios fornecidos pela era
moderna superam seus aspectos negativos. Weber (1982) foi o mais
pessimista dos três, vendo o mundo moderno como um paradoxo onde o
progresso material foi obtido apenas à custa da expansão burocrática que
esmagou a criatividade e autonomia individual. No entanto, nem mesmo ele
antecipou completamente o quão extenso se tornaria o lado escuro da
modernidade.
Ambos os cientistas naturais e sociais construíram suas teorias em duas
premissas básicas: o modelo newtoniano e dualismo cartesiano, segundo a
Comissão Gulbenkian (1996). (FERREIRA, 2002, p. 1, tradução nossa).
Enfoques teóricos contemporâneos na Sociologia Ambiental
Hanningan (2009) faz um excelente apanhados sobre enfoques teóricos
contemporâneos na Sociologia Ambiental. O autor menciona “queda do determinismo
geográfico e biológico” e a “relação entre a teoria sociológica clássica e o meio
ambiente”, nas teorias de Durkheim e Weber, como sendo os primórdios das
diferenciações teóricas que acarretaram na consolidação da sociologia ambiental.
Segundo Hannigan, Marx é inocentado por Jonh Bellamy Foster, que reitera a visão
marxista na relação sociedade e ambiente.
Em direção a uma sociologia ambiental emergente (1970-2005) algumas
produções foram marcos históricos importantes na sociologia ambiental, como o livro A
Primavera silenciosa (CARSON, 1962), o relatório Os limites do crescimento
(MEADOWS, 1972) e o Movimento pela Justiça Ambiental (TAYLOR, 2000).
(HANNIGAN, 2009 p. 27).
Hannigan (2009 p. 29) destaca, em relação às “linhagens” contemporâneas da
Sociologia Ambiental, que Dunlap e colaboradores descrevem sobre riqueza e a
diversidade do trabalho sociológico relacionado ao meio ambiente físico, e afirma que
há ao menos nove paradigmas distintos em competição: a ecologia humana, a economia
política, o construcionismo social, o realismo crítico, a modernização ecológica, a teoria
da sociedade de risco, a justiça ambiental, a teoria ator-rede e a ecologia política.
HERCULANO (2000, p.5), baseada em Catton e Dunlap (1978), afirma que
quando a Sociologia Ambiental surgiu no contexto norte americano, tinha a ambição de
5
propor uma mudança paradigmática, não apenas para a Sociologia Ambiental, mas para
a Sociologia em geral. Segundo a autora, Catton e Dunlap (1978) “criticavam o
antropocentrismo do pensamento sociológico, que ter-se-ia descartado da variável
ambiental, ignorando que esta constrange e interage com as demais variáveis já
contempladas pela Sociologia”. A proposta apresentada sugeria a transição do
paradigma HEP ("Human Exemptionalim Paradigm"), traduzido por “paradigma da
excepcionalidade e da supremacia humanas”, que determinava o “descolamento e
independência da natureza”, para o paradigma NEP (“Nature Environmental
Paradigm”), no qual estaria incluído o ambiente físico como uma das variáveis do
sistema social, o que tornaria o enfoque mais adequado para estudos sobre: a escassez, o
declínio da qualidade de vida e o aumento dos custos ambientais. Dentre os sociólogos
chamados por Hannigan (2009, p. 18) de “propagandistas do desenvolvimento e
progresso”, são citados na corrente da Modernização ecológica Catton e Dunlap (1978);
e Inkeles e Smith (1974).
Hannigan (2009, p.35) aponta os Enfoques teóricos contemporâneos para a
sociologia ambiental, a partir de seu surgimento como discreta área disciplinar na
década de 1970. Segundo ele, são percebidos dois enfoques para o meio ambiente: as
“funções de competição ambiental”, Catton e Dunlap (1978) e a “dialética
socioambiental” e “cadeia de produção”, Alan Schnaiberg (1980), ambas enfocam a
estrutura e a mudança social. No correr do tempo estes enfoques teriam evoluído para
duas perspectivas contrastantes: a “modernização reflexiva” e a “modernização
ecológica”. Hannigan se propõem ir além do dualismo, discute a relevância do debate
sobre o realismo/construtivismo e aponta o “modelo coconstrucionista de sociedade”.
Para Hannigan (2009 p.48-49), Mol e Spaargaren oferecem uma versão
revisionista da modernização ecológica e consideram que o capitalismo tem “evoluído”
em uma direção “mais verde”, exemplificado pelos instrumentos baseados no mercado,
como exemplo os créditos negociáveis de poluição.2 Nesta direção, segundo May (2011,
p.170):
2
A chamada “economia verde” utiliza mecanismos de mercado, como os de compra e venda de créditos
de carbono, os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), Redução de Emissões oriundas do
Desmatamento e da Degradação de Florestas (REDD), inclusos no discurso do Desenvolvimento
Sustentável.
6
Para alcançar uma “economia verde” é necessário assegurar a redução da
utilização de materiais e energia no processo produtivo de modo a permitir
que a sociedade prospere sem necessariamente crescer (Daly, 1996, Jackson,
2009 e Victor, 2008). Por outro lado, atores sociais destituídos das benesses
do capitalismo moderno – devido à má distribuição de riquezas – podem
alcançar patamares de consumo mais elevados sem, no entanto, esgotar o
capital natural. Assim sendo, as metas, aparentemente contraditórias, de
decrescimento no Norte e “esverdeamento” do crescimento (com equidade)
no Sul representam a base para um diálogo propositivo em torno de um
futuro sustentável e, além disso, configuram a plataforma para debate na
Rio+20.
Hannigan (2009, p. 61) dá importante destaque ao “Discurso Ambiental”. Inicia
estudando o discurso ambiental para, em seguida, verificar “uma tipologia do discurso
ambientalista”, destacando os discursos de “ecossistema” e de “justiça ambiental”:
Recentemente a análise do discurso surgiu como um método de influencia
crescente para analisar a produção, recepção e uso estratégico de textos
ambientais, imagens e ideias. Apesar de identificada como próxima do
construcionismo social, a análise do discurso tem sido praticada com bons
resultados por seguidores de outras “escolas” da teoria e da pesquisa
ambiental, principalmente críticos teóricos, ecologistas políticos e analistas
de políticas internacionais.
Em Discurso, relações de poder e ecologia política, Hanningan (2009 p.85)
enfatiza que “É realmente difícil falar sobre o discurso atualmente sem entrar numa
discussão sobre poder” e cita Michael Foucault, na inevitável relação entre discurso e
ecologia política – a “nova ecologia política” ou “ecologia política contemporânea” são
postas em destaque. O autor exemplifica, por meio de um estudo de caso da privatização
da água, no qual os hidrômetros podem ser comparados a conta-gotas, demonstrando a
relação econômica para com a natureza: pagar para usar ou a água como fonte de lucro.
Para Mol e Spaargaren (2005, p. 28), existem diversos fatores que podem ajudar
a explicar a recente reaproximação entre a Sociologia Geral e a Sociologia Ambiental:
Esta convergência pode ser explicada primeiramente pelo interesse comum
no emergente debate sobre globalização e mudança (ambiental) global. Para a
Sociologia Geral, a mudança climática e os outros problemas ambientais
eram freqüentemente discutidos como exemplos ou mesmo lições ilustrativas
da nova dinâmica de mudanças em uma modernidade global e,
especialmente, dos novos papéis de instituições-chave como ciência e
tecnologia, e o Estado-nação (vide teoria da modernização reflexiva, teoria da
sociedade de risco, construtivismo social). Nas Ciências (sociais) ambientais,
a crescente atenção dada à poluição atmosférica (acidificação) que
ultrapassava fronteiras foi o principal fator a desencadear o desenvolvimento
da nova agenda dos anos 90, geralmente chamada de Mudança Ambiental
Global. Esta agenda – impulsionada pelo IPCC3 e, particularmente, por
3
IPCC é a sigla para Intergovernmental Panel on Climate Change, em português, Painel
Intergovenamental sobre Mudanças Climáticas. O IPCC é um é um corpo científico, sob os auspícios da
7
ONGs ambientais globais – enfatizava novamente o importante, porém
complicado, papel da ciência e tecnologia no gerenciamento da mudança
ambiental global, e ressaltava os novos papéis dos Estados-nações que
precisavam dar espaço para atores e negociações operando tanto na arena
internacional/global como na arena local. Assim, a partir dos anos 90, tanto a
Sociologia Geral como a Ambiental passam a se interessar pela compreensão
da dinâmica específica do global em relação ao local no direcionamento da
mudança (ambiental) global. (...) O segundo e mais recente importante fator a
contribuir para a convergência das Sociologias Geral e Ambiental é a
emergência, no interior da Sociologia Geral, de uma perspectiva teórica na
qual os sistemas sociais são abordados em termos de redes e fluxos.
Nessa perspectiva Hannigan (2009) e Mol e Spaargaren (2005) parecem
concordar sobre papel da mídia como fator essencial ao destaque do “problema
ambiental” nas agendas políticas no mundo todo. Ademais, sobre a Mídia e
comunicação ambiental, Hannigan (2009, p. 121) destaca a importância da mídia nas
questões ambientais, pois muitas vezes:
Para passar os problemas ambientais da condição de questão para uma
política pública, a visibilidade da mídia é crucial. Sem a cobertura da mídia,
as possibilidades que um problema prévio possa entrar numa arena do
discurso público ou se tornar parte do processo político, são bastante
reduzidas.
O autor destaca as “Rotinas e limites organizacionais”, “o discurso da mídia”, “a
mídia de massa e cobertura de notícias ambientais”, “a produção de notícias
ambientais”, “a construção de descrições ambientais “ganhadoras” na mídia” e
“discurso ambiental mediado pela massa” como fatores, relacionados à publicidade dos
fatos, importantes de serem observados na construção de um problema ambiental
(HANNIGAN, 2009, p.122-140).
Outras duas perspectivas são destacadas por Haningan (2009, p. 43), as
“normativas do modernismo” e a do “desenvolvimento ambiental”. O autor segue,
delimitando os enfoques teóricos, para a tese da sociedade de risco, de Ulrich Beck, e
para a “modernização ecológica” e aponta o que considera uma controvérsia maior: o
realismo versus o debate do construcionismo. O ponto alto da discussão está na
necessidade de transcendência da separação natureza/cultura, chamado por Hanningan
de coconstrucionismo e a análise da socionatureza. (HANNIGAN, 2009 p. 57)
Colocando em prática o construcionismo, outro enfoque teórico, em A
construção social das questões e problemas ambientais Hanningan enfatiza as
Organização das Nações Unidas (ONU) que analisa e avalia a informação científica, técnica e sócioeconômica mais recentemente produzida no mundo relevante para a compreensão das mudanças
climáticas. Ver: http://www.ipcc.ch/organization/organization.shtml#.UX9k67WA8Wk
8
diferenças e semelhanças entre os problemas sociais e ambientais e justifica o
construcionismo como uma ferramenta analítica. Cita, ainda, Malcolm Spector e Jonh
Kitsuse (1973) como autores cujo enfoque está na estrutura funcional e destaca os
processos e tarefas importantes na construção social dos problemas ambientais. A
“apresentação e contestação de argumentos ambientais” servem como uma espécie de
instrumento para determinado público para os argumentos ambientais. Hannigan indica
os “fatores necessários para uma construção bem-sucedida de um problema ambiental”
(HANNIGAN, 2009, p.117).
Outro relevante enfoque contemporâneo da Sociologia Ambiental é o enfoque
do Risco, inspirado na teoria da Sociedade de Risco de Ulrich Beck, porém relativizadas
pela postura cultural e “menos apocalíptica” de Mary Douglas (HANNINGAN, 2009, p.
161). Um tipo de análise de Risco pode ser exemplificada, através do caso do salmão
criado em cativeiro, nos EUA, no qual se constatou que o consumo do peixe excederia
em 100 vezes a quantidade da substância cancerígena suportável para o ser humano em
seu tempo de vida. Essa análise verifica basicamente os riscos para os seres humanos.
Hannigan (2009) avalia ainda outras “perspectivas sociológicas do risco”: o “risco e
cultura”, a “definição social do risco”, as “arenas de construção do risco”, o “poder e
construção social do risco ambiental” e a “construção do risco numa perspectiva
nacional”.
Hannigan (2009) aponta a “perda da biodiversidade” como temática que se
transformou em uma “carreira” de sucesso de um problema ambiental global. Fala do
problema da perda da biodiversidade em si, explica o conceito e aponta que este, junto
com o “aquecimento global”, é o tópico mais “quente”, relacionado aos problemas
ambientais atualmente, ou seja, um tema da moda em Sociologia Ambiental. A partir
dessa “carreira” o autor utiliza sua metodologia de construção de um problema
ambiental apresentando os fatores contextuais, reunindo argumentação, apresentando o
argumento e contestando o argumento (HANNIGAN, 2009, p. 182-190).
Hannigan (2009) destaca sua percepção (teórico/prática) acerca da questão
ambiental que seguiria em direção a um modelo “emergente” de meio ambiente e
sociedade. Primeiro ele alerta acerca de uma “zona sinistra”, exemplificada pelos os
efeitos ambientais e sociais do grande desastre Tsunami da Tailândia. A partir do
exemplo, o autor demonstra as “fundações sociológicas da emergência”, os “elementos
9
emergentes nos movimentos sociais e organizações de movimento social”; o
“aprendizado social como um processo emergente”; e uma fundamental dimensão da
questão ambiental na atualidade: “as incertezas emergentes” (HANNIGAN, 2009, p.
197-214).
Hannigan conclui que qualquer tentativa nova na perspectiva da sociologia
ambiental necessita confrontar a “divisão sociedade-natureza”. Destaca a emergência de
novos esforços para as relações de análise socioambiental e percebe o desafio de
reconciliar o macro com os dados mais particularizados de análise. O autor sugere a
“teoria da emergência” como moldura para as análises dos problemas ambientais
futuros (HANNIGAN, 2009, p. 216).
Epistemologia na sociologia ambiental
Moraes (2005, p. 46-47) alerta para a importância da epistemologia no trabalho
científico, principalmente devido ao fato da problemática ambiental “ser arredia aos
paradigmas tradicionais” e delimita três aspectos que devem ser observados para a
pesquisa na temática ambiental: a identificação clara e precisa do universo de análise,
ou seja, uma localização filosófica dos fenômenos e relações que buscamos na
investigação empírica; a delimitação metodológica, ou escolha do método mais
apropriado no universo das ciências sociais; e a procura de uma linguagem
comunicante, tendo em vista as diferentes áreas disciplinares que podem estar
contempladas na temática ambiental.
O autor refere-se ainda à necessária anterioridade da reflexão metodológica ante
a investigação empírica, tendo em vista que no trato da questão ambiental as barreiras
metodológicas podem ser um empecilho tão significativo como a transposição
disciplinar4. A problematização de cunho ético é colocada como situação limite do
campo epistemológico, tendo em vista a emergência das políticas ambientais e
conseqüente demanda direcionada as universidades brasileiras, no sentido de elaboração
de peças técnicas para os grandes projetos de desenvolvimento (MORAES, 2005).
Dentre algumas das posturas éticas possíveis, como o chamado naturalismo, tecnicismo
4
Como exemplo as diferentes atribuições ao sentido da palavra ecologia (MORAES, 2005 p. 71-72).
10
e romantismo5, observa-se a postura crítica6 em relação à pesquisa e diante da
problemática ambiental.
Segundo Hannigan (2009) a dicotomia homem-natureza deve ser superada e
qualquer tentativa nova na perspectiva da sociologia ambiental necessita confrontar a
“divisão sociedade-natureza”. Destaca a emergência de novos esforços para as relações
de análise socioambiental e percebe o desafio de reconciliar o macro com os dados mais
particularizados de análise. O autor sugere a “teoria da emergência” como moldura para
as análises dos problemas ambientais futuros (HANNIGAN, 2009, p. 216). Moraes
também dá destaque a isso e enfatiza “a natureza para o homem” em Marx, como opção
filosófica de romper tal dicotomia (MORAES, 2005, p. 72-73).
Hannigan (2009) relaciona a Ciência, cientistas e problemas ambientais e
mostra a ligação entre problema ambiental e pesquisa científica, problematizando o
papel dos pesquisadores na formulação de argumentos para a questão ambiental, porém,
por outro lado, afirma que há um grande campo de incertezas na ciência. O autor discute
esse tema e sua relevância para a construção de novos problemas ambientais e seu
anúncio para o mundo, exemplificando o problema da chuva-ácida e da perda de
biodiversidade, e a importância da ciência na formulação de políticas públicas
ambientais, afirmando que: “Finalmente, é a estrutura de apoio científico destes
problemas ambientais que os sustentam acima dos outros problemas sociais que são
mais dependentes de argumentos de bases morais” (HANNIGAN, 2009 p.141 apud
YAERLEY, 1992, p. 117).
Pesquisas atuais em Sociologia Ambiental
Segundo Herculano, no âmbito acadêmico, a Associação Internacional de
Sociologia (ISA) fundou, em 1990, um novo comitê de pesquisa, o RC/24 (Meio
Ambiente e Sociedade), constituído por egressos de estudos da Ecologia Humana, da
Sociologia Urbana, da Sociologia Rural, entre outras. No Brasil, a Associação Nacional
5
O naturalismo se refere à postura filosófica perante a relação homem-natureza na qual a interferência do
ser humano na natureza é resumida pelo termo “ação antrópica” neutralizando a dimensão social da
temática ambiental. O tecnicismo “dilui as implicações políticas de seu manejo como se a soluções
técnicas não envolvesse decisões políticas” e o romantismo que se manifesta pelo “preservacionismo
radical” e “perspectivas anti-humanísticas” (MORAES, 2005, p. 53-55).
6
A teoria crítica se refere à Escola de Frankfurt, representadas por Adorno, Horkheim e Habermas, mas
nos referimos, também, à crítica marxista feita ao modelo capitalista de produção e consumo, como sendo
principal responsável pela crise ambiental atual.
11
de Pesquisadores em Ciências Sociais (ANPOCS) criou, igualmente, um grupo
específico para a temática ambiental, o GT/04 (Ecologia e Sociedade). Assim, diversos
programas de pós-graduação no Brasil passaram a se dedicar à temática ambiental,
“alguns deles com uma ambição multi ou transdisciplinar” (HERCULANO, 2000, p.4).
No ano de 2002 foi criada a ANPPAS, Associação Nacional de Pós-graduação e
Pesquisa em Ambiente e Sociedade, com a participação de diversas instituições7
brasileiras de ensino e pesquisa, com formação strictu sensu de pessoal especializado
em nível de pós-graduação, de caráter interdisciplinar e que focalizam a interação
Ambiente e Sociedade em suas múltiplas dimensões. A ANPPAS promove reuniões
científicas, objetivando o intercâmbio de informações entre seus associados e de
associações similares brasileiras, estrangeiras ou internacionais, promovendo a
divulgação de estudos em Ambiente e Sociedade, publicações, concursos e premiações
(ANPPAS).
Percebemos, assim, o avanço monumental da Sociologia Ambiental de forma
geral e a diversidade de abordagens que nela cabem. Após a leitura dos autores citados
neste texto, percebe-se certa tendência “modernizadora” nos trabalhos em Sociologia
Ambiental no Brasil, por um lado, com inspiração nos grupos de pesquisa da Holanda,
Canadá e Estados Unidos, verificado principalmente os grupos de pesquisa em
Sociologia Ambiental da UFSC e Unicamp. De outro lado, nota-se que outros grupos
seguem perspectiva divergente, apoiando-se mais nos estudos de Conflitos Ambientais,
Movimentos Sociais e Ecologia Política, ainda com uma forte interface Antropológica,
como é o caso do GEDMMA (UFMA)8, que mantém afinidade com o IPPUR9 (UFRJ) e
GESTA10 (UFMG).
7
Participaram da criação, na sede do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade
de São Paulo - PROCAM/USP o Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Universidade Estadual de
Campinas - NEPAM/UNICAMP; o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos- Universidade Federal do Pará
- NAEA/UFPa; o Centro de Desenvolvimento Sustentável - Universidade de Brasília - CDS/UnB; o
CPDA/Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; o Programa de Pós - Graduação Interdisciplinar em
Ciências Humanas/Universidade Federal de Santa Catarina; o Doutorado em Meio Ambiente e
Desenvolvimento/Universidade Federal do Paraná; o Programa de Mestrado em Ciência Ambiental da
Universidade de São Paulo - PROCAM/USP e o Programa Regional de Pós Graduação em
Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA. (fonte: sítio ANPPAS na internet, ver ref.).
8
Grupo de Estudos Desenvolvimento Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA/UFMA). Sítio
eletrônico: http://www.gedmma.ufma.br/
9
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional (IPPUR/UFRJ)
10
Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (GESTA/UFMG)
12
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, a Sociologia Ambiental pode ser vista como um campo de pesquisa em
expansão, no qual a emergência da crise ambiental permite uma grande variedade de
abordagens teórico-metodológicas e um crescente volume em produção acadêmica11.
Porém, são observados muitos trabalhos recentes com a característica de simples junção
de dados biológicos com análises sociológicas, como tentativa de fazer uma Sociologia
Ambiental. Tal postura deveria ser revista, tendo em conta as análises sobre a “divisão
homem-natureza”, que são refletidas na “transposição disciplinar”. Ou seja, superar a
esta dicotomia não significaria “colar uma coisa na outra” e sim procurar um método
menos antropocêntrico possível. Sempre que necessário, a percepção biológica da
natureza deveria ser acionada, porém, participando do contexto da “entre ajuda”
transdisciplinar, tão cara à questão ambiental. i
REFERÊNCIAS
ANPPAS. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e
Sociedade.
http://www.anppas.org.br/novosite/index.php?p=oque
Acesso
dia
12/03/2013.
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13 1978: p. 252-256.
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sociologia ambiental e interdisciplinaridade. Desenvolvimento e Meio Ambiente, Nº
10, p. 77-89, jul./dez. 2004. Editora UFPR.
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comentários sobre modelos teóricos e linhas de pesquisa. Política e Sociedade Nº 7
outubro de 2005, p. 105-118.
11
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13
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Ambiental. Política e Sociedade Nº 7 outubro de 2005, p. 9-25.
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Horácio A.de Sant'ana Júnior (UFMA), Neide Esterci (UFRJ), Maria José da Silva
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VERDE: Desafios e oportunidades. Nº 8, Junho 2011. p. 170-178 Acessado em
25/04/2013.
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MCREYNOLDS, Samuel A. Guia para o Iniciante em Sociologia do Meio Ambiente:
definição, lista de jornais e bibliografia. Ambiente & Sociedade - Ano II – Nº 5 – 2º
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14
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YAERLEY, S. The green case: a sociology of environmental issues, arguments e
politics. London: Routledge, 1992.
i
Este artigo é referente ao trabalho final da disciplina Ambiente e Sociedade, ministrada pelo Professor.
Doutor. Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior, a qual cursei como aluna especial, no curso de doutorado
em Ciências Sociais (PPGSoc/ UFMA).
15
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