SOCIOLOGIA AMBIENTAL: um campo de pesquisa em consolidação Elena Steinhorst Damasceno1 RESUMO: este artigo tem por objetivo fazer uma breve revisão sobre as pesquisas em Sociologia Ambiental. São utilizadas como referências principais Buttel (1978), Hannigan (2009), Herculano (2000), Ferreira (2002, 2004), Mol e Spaargaren (2005), Lenzi (2005, 2007), Guivant (2005) e Moraes (2005) dentre outras que juntas formam o estado da arte sobre o tema. A Sociologia Ambiental como um campo de pesquisa é uma área relativamente nova da Sociologia e se encontra em fase de consolidação. Possuindo uma diversidade de orientações teóricometodológicas em disputa, enfrenta o desafio epistemológico da “transposição disciplinar” e da “divisão homem-natureza”. Tendo em vista a emergência da crise ambiental, observa-se, por meio desta revisão, o avanço monumental da “subdisciplina” nas últimas décadas e a diversidade de abordagens que nela cabem. INTRODUÇÃO O objetivo inicial deste artigo é fazer uma breve revisão sobre as pesquisas em Sociologia Ambiental. São utilizadas como referencias principais Buttel (1978), Hannigan (2009), Herculano (2000), Ferreira (2002, 2004), Mol e Spaargaren (2005), Lenzi (2005, 2007), Guivant (2005) e Moraes (2005) dentre outras que juntas formam o estado da arte sobre o tema. Primeiramente, a Sociologia Ambiental como um campo de pesquisa é uma área relativamente nova da Sociologia, que se encontra em fase de consolidação, possuindo uma diversidade de orientações teórico-metodológicas em disputa. Ferreira (2002, p. 1) afirmava que o número de pesquisas científicas sobre a interrelação entre a sociedade e o ambiente estava aumentando rapidamente em todo o mundo, o que era confirmado pela crescente proliferação de contribuições das mais diversas áreas de especialização: o que foi chamado, genericamente, de "problemas ambientais" tornou-se importante preocupação, embora restrita a determinados grupos, segundo a autora. Para Herculano 1 Bacharela e licenciada em Ciências Biológicas (UnB), mestra em Saúde e Ambiente (UFMA), doutoranda do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas (UFMA) e pesquisadora do Grupo de Estudos Desenvolvimento Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA). Contato: [email protected] 1 (2000) a Sociologia Ambiental seria uma subdisciplina integradora, que já nasceu fecunda e resultante de múltiplas inspirações. A sociologia ambiental em construção Segundo Herculano (2000, p. 2), em referência a Buttel (1996), a Sociologia Ambiental não seria “tão nova”, se tivermos por parâmetro um amálgama de áreas e “subdisciplinas” já sedimentadas há décadas. Entre essas, que teriam contribuído para a formação da sociologia ambiental contemporânea, estaria a Ecologia Humana, que surgiu como estudo da mudança entre o rural e o urbano, porém, “nunca chegou a dar importância aos fatores ambientais em sentido estrito”, “tratava de ver como o meio físico da cidade atuava no comportamento das pessoas” e “criava uma cultura específica e estava limitada ao foco da cooperação competitiva na organização espacial de populações metropolitanas”. Outra subdisciplina contribuinte é a Sociologia Rural que, segundo a autora, seria embasada na geografia e na antropologia econômicas, mas estudaria as “comunidades diretamente dependentes de recursos naturais”, tais como pescadores, extrativistas, agricultores, lavradores, etc. A Sociologia dos Recursos Naturais seria mais uma que, “estudando a gestão do meio ambiente, este entendido enquanto recursos naturais”, abarcaria os estudos sobre política de terras públicas, planejamento de usos da terra, a gestão das unidades de conservação, incluídos parques e áreas de lazer. Herculano (2000, p. 3) acrescenta à lista de subdisciplinas, sugerida por Buttel, que teriam contribuído para a formação da Sociologia Ambiental, a Psicologia Social e a Antropologia Cultural, “com estudos sobre atitudes e valores”; a Sociologia dos Movimentos Sociais, “enfocando novos sujeitos coletivos, suas agendas de lutas e os conflitos dos diversos agentes sociais”; a Sociologia do Desenvolvimento, “esta última na sua vertente marxista, questionadora do mito do desenvolvimento”; e a Sociologia Urbana, “sobre o meio ambiente construído”. Hannigan (2009, p. 15), em seu livro Sociologia Ambiental, trata da “chamada subdisciplina” em termos de uma retrospectiva quanto ao pensamento na área, assim como da sociologia ambiental enquanto campo de pesquisa. O autor delimita o “Dia da Terra”, manifestação ambientalista nos EUA que culmina com a criação da Agencia de Proteção Ambiental, a primeira do país, como marco que inicia o que o autor chama de “década ambiental”, nos anos 1970. 2 Herculano (2000, p.3-4) aponta que, no final da década de 1970, a seção sobre Sociologia Ambiental da ASA (Associação Norte-Americana de Sociologia) já contava com 321 membros. Após um breve declínio nos anos 1980, a Sociologia Ambiental norte-americana e mundial se revitalizam, proporcionalmente ao aprofundamento em relação à percepção dos problemas ambientais: em lugar da degradação ambiental ser percebida como um problema estético, passou a ser vista como ameaça à saúde e ao bem-estar e enquanto um risco tecnológico (o lixo tóxico em Love Canal, os acidentes nucleares de Three Mile Island, de Bhopal e de Chernobyl, a descoberta da destruição progressiva da camada de ozônio, tudo isso passou a ser visto como indícios de ameaças definitivas à sobrevivência humana e planetária). Nos anos 90, finalmente, a questão ambiental passou a ganhar uma dimensão mais complexa e uma institucionalidade global. A partir da realização da Conferência da ONU para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992 (CNUMAD ou UNCED), foi criada a Comissão para o Desenvolvimento Sustentável, na ONU, e um Fundo Geral para o Meio Ambiente - GEF. As alterações climáticas causadas pela produção humana passaram a ser definidas como a grande questão ambiental ("global environmental change"- GEC). Comissões e grupos de estudos acadêmicos e intergovernamentais têm sido formados desde então, aproximando cientistas naturais e sociais, para se ganhar entendimento sobre as dimensões humanas das alterações climáticas e do aquecimento global. Guivant (2005, p.11) afirma que Catton e Dunlap foram pioneiros na Sociologia Ambiental, tendo inclusive cunhado o termo: Mas eles também abriram dentro da incipiente Sociologia Ambiental o debate entre posições realistas e construtivistas sociais que, apesar de nem sempre acontecer de forma explícita, atravessa a Sociologia Ambiental. Os realistas, dentro dos quais Catton e Dunlap se situavam, defendem a existência objetiva dos problemas ambientais, independentemente da forma em que os atores sociais os percebem. A crítica construtivista foi realizada por Frederick Buttel (1978), que passaria a ser um dos mais destacados sociólogos ambientais. Hannigan (2009) entende que o “conflito construcionista-realista” teve mais recentemente seu tom moderado entre os sociólogos ambientais, que foram à procura de alguma síntese entre variadas perspectivas. Mas, Ferreira (2005, p.78), por outro lado, afirma que: A sociologia ambiental, enquanto produção científica e acadêmica, emergiu a reboque dos movimentos de contestação social surgidos no início dos anos 60 e da constatação da situação emergencial de degradação dos recursos naturais e do desenvolvimento do industrialismo. O nascimento do movimento na década de 1960 surpreendeu os sociólogos, que naquele momento não dispunham de um corpo teórico ou tradição empírica que os guiasse em direção ao entendimento da relação entre sociedade e natureza. Os pioneiros da sociologia clássica (Durkheim, Marx e Weber) tinham abordado a questão de modo tangencial; além disso, apenas raramente surgiam trabalhos isolados, sem, no entanto, promover uma acumulação considerável de 3 conhecimento que permitisse a criação de um campo teórico. Existem várias hipóteses para o entendimento deste processo (grifo nosso). Segundo HANNIGAN (2009), o que se tinha eram trabalhos isolados dentro da subárea da sociologia rural, porém, para compreender a emergência da sociologia ambiental, é necessário observar como as teorias geográficas e biológicas do desenvolvimento social perderam força quando a sociologia surgiu, no início do século XX, como disciplina distinta. O autor aponta, citando Buttel (1986), que a dimensão ambiental já estava implícita desde os trabalhos clássicos de Durkheim, Marx e Weber, contudo nunca foi evidenciada pelo fato da explicação da estrutura social ser favorecida em detrimento às explicações físicas ou ambientais (HANNIGAN, 2009, p.15). Em concordância com Hannigan, Ferreira (2004, p. 80) afirma: (...) O que atualmente é identificado como preocupação ambiental seria visto como atraso e obstáculo ao desenvolvimento, ao progresso. Certamente havia críticos ao paradigma desenvolvimentista, como os sociólogos marxistas; mas, estes tendiam a ver a problemática ambiental como um desvio das questões cruciais do humanismo. Buttel (1992), por sua vez, assinala o relacionamento ambíguo da sociologia, em sua fase de construção, com as ciências naturais. Se, de um lado, o pensamento sociológico foi influenciado por conceitos provenientes das ciências naturais, por outro lado, a própria necessidade de legitimação das ciências sociais exigiu uma reação contra a simplificação das explicações oriundas do determinismo biológico e geográfico, conforme mencionado anteriormente. Para Lenzi (2007, p.1) a proposta de criação de uma Sociologia Ambiental nasceu de uma forte crítica às sociologias clássica e contemporânea: Essa crítica emergiu ao final da década de 70, quando os cientistas sociais americanos Catton e Dunlap (1978) criticaram justamente a ausência de qualquer preocupação com as pré-condições ecológicas da sociedade nos estudos sociológicos. Segundo estes autores, esta ausência não era apenas casual, mas indicava a existência de um paradigma antropocêntrico existente na Sociologia que teria emergido com o nascimento da Sociologia moderna. A idéia de que os clássicos da Sociologia não nos legaram uma sensibilidade ecológica não está restrita ao trabalho de Catton e Dunlap (1978), mas tende a receber um apoio nas avaliações de cientistas sociais contemporâneos. Lenzi (2007) retoma a discussão analisando algumas idéias de Durkheim, Weber e Marx, buscando identificar os limites e possibilidades que as obras desses autores podem oferecer para a Sociologia Ambiental. Argumenta que a herança deixada por estes clássicos da Sociologia é marcada por uma ambivalência com relação à problemática ambiental e que isso está relacionado com a forma pela qual a Sociologia veio a ser definida em suas obras. Ele alega que problemas associados com a herança sociológica clássica têm implicações para pensar a condição teórica da própria Sociologia Ambiental. 4 Para Ferreira (2002, p. 1), as ciências sociais, a despeito de outras áreas do conhecimento, em relação aos problemas ambientais, atribuem à sociedade o paradigma dominante da fé no progresso e na racionalidade humana: Marx (1980), bem como Durkheim (1995) vê a era moderna como turbulenta, mas ambos acreditam que os possíveis benefícios fornecidos pela era moderna superam seus aspectos negativos. Weber (1982) foi o mais pessimista dos três, vendo o mundo moderno como um paradoxo onde o progresso material foi obtido apenas à custa da expansão burocrática que esmagou a criatividade e autonomia individual. No entanto, nem mesmo ele antecipou completamente o quão extenso se tornaria o lado escuro da modernidade. Ambos os cientistas naturais e sociais construíram suas teorias em duas premissas básicas: o modelo newtoniano e dualismo cartesiano, segundo a Comissão Gulbenkian (1996). (FERREIRA, 2002, p. 1, tradução nossa). Enfoques teóricos contemporâneos na Sociologia Ambiental Hanningan (2009) faz um excelente apanhados sobre enfoques teóricos contemporâneos na Sociologia Ambiental. O autor menciona “queda do determinismo geográfico e biológico” e a “relação entre a teoria sociológica clássica e o meio ambiente”, nas teorias de Durkheim e Weber, como sendo os primórdios das diferenciações teóricas que acarretaram na consolidação da sociologia ambiental. Segundo Hannigan, Marx é inocentado por Jonh Bellamy Foster, que reitera a visão marxista na relação sociedade e ambiente. Em direção a uma sociologia ambiental emergente (1970-2005) algumas produções foram marcos históricos importantes na sociologia ambiental, como o livro A Primavera silenciosa (CARSON, 1962), o relatório Os limites do crescimento (MEADOWS, 1972) e o Movimento pela Justiça Ambiental (TAYLOR, 2000). (HANNIGAN, 2009 p. 27). Hannigan (2009 p. 29) destaca, em relação às “linhagens” contemporâneas da Sociologia Ambiental, que Dunlap e colaboradores descrevem sobre riqueza e a diversidade do trabalho sociológico relacionado ao meio ambiente físico, e afirma que há ao menos nove paradigmas distintos em competição: a ecologia humana, a economia política, o construcionismo social, o realismo crítico, a modernização ecológica, a teoria da sociedade de risco, a justiça ambiental, a teoria ator-rede e a ecologia política. HERCULANO (2000, p.5), baseada em Catton e Dunlap (1978), afirma que quando a Sociologia Ambiental surgiu no contexto norte americano, tinha a ambição de 5 propor uma mudança paradigmática, não apenas para a Sociologia Ambiental, mas para a Sociologia em geral. Segundo a autora, Catton e Dunlap (1978) “criticavam o antropocentrismo do pensamento sociológico, que ter-se-ia descartado da variável ambiental, ignorando que esta constrange e interage com as demais variáveis já contempladas pela Sociologia”. A proposta apresentada sugeria a transição do paradigma HEP ("Human Exemptionalim Paradigm"), traduzido por “paradigma da excepcionalidade e da supremacia humanas”, que determinava o “descolamento e independência da natureza”, para o paradigma NEP (“Nature Environmental Paradigm”), no qual estaria incluído o ambiente físico como uma das variáveis do sistema social, o que tornaria o enfoque mais adequado para estudos sobre: a escassez, o declínio da qualidade de vida e o aumento dos custos ambientais. Dentre os sociólogos chamados por Hannigan (2009, p. 18) de “propagandistas do desenvolvimento e progresso”, são citados na corrente da Modernização ecológica Catton e Dunlap (1978); e Inkeles e Smith (1974). Hannigan (2009, p.35) aponta os Enfoques teóricos contemporâneos para a sociologia ambiental, a partir de seu surgimento como discreta área disciplinar na década de 1970. Segundo ele, são percebidos dois enfoques para o meio ambiente: as “funções de competição ambiental”, Catton e Dunlap (1978) e a “dialética socioambiental” e “cadeia de produção”, Alan Schnaiberg (1980), ambas enfocam a estrutura e a mudança social. No correr do tempo estes enfoques teriam evoluído para duas perspectivas contrastantes: a “modernização reflexiva” e a “modernização ecológica”. Hannigan se propõem ir além do dualismo, discute a relevância do debate sobre o realismo/construtivismo e aponta o “modelo coconstrucionista de sociedade”. Para Hannigan (2009 p.48-49), Mol e Spaargaren oferecem uma versão revisionista da modernização ecológica e consideram que o capitalismo tem “evoluído” em uma direção “mais verde”, exemplificado pelos instrumentos baseados no mercado, como exemplo os créditos negociáveis de poluição.2 Nesta direção, segundo May (2011, p.170): 2 A chamada “economia verde” utiliza mecanismos de mercado, como os de compra e venda de créditos de carbono, os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), Redução de Emissões oriundas do Desmatamento e da Degradação de Florestas (REDD), inclusos no discurso do Desenvolvimento Sustentável. 6 Para alcançar uma “economia verde” é necessário assegurar a redução da utilização de materiais e energia no processo produtivo de modo a permitir que a sociedade prospere sem necessariamente crescer (Daly, 1996, Jackson, 2009 e Victor, 2008). Por outro lado, atores sociais destituídos das benesses do capitalismo moderno – devido à má distribuição de riquezas – podem alcançar patamares de consumo mais elevados sem, no entanto, esgotar o capital natural. Assim sendo, as metas, aparentemente contraditórias, de decrescimento no Norte e “esverdeamento” do crescimento (com equidade) no Sul representam a base para um diálogo propositivo em torno de um futuro sustentável e, além disso, configuram a plataforma para debate na Rio+20. Hannigan (2009, p. 61) dá importante destaque ao “Discurso Ambiental”. Inicia estudando o discurso ambiental para, em seguida, verificar “uma tipologia do discurso ambientalista”, destacando os discursos de “ecossistema” e de “justiça ambiental”: Recentemente a análise do discurso surgiu como um método de influencia crescente para analisar a produção, recepção e uso estratégico de textos ambientais, imagens e ideias. Apesar de identificada como próxima do construcionismo social, a análise do discurso tem sido praticada com bons resultados por seguidores de outras “escolas” da teoria e da pesquisa ambiental, principalmente críticos teóricos, ecologistas políticos e analistas de políticas internacionais. Em Discurso, relações de poder e ecologia política, Hanningan (2009 p.85) enfatiza que “É realmente difícil falar sobre o discurso atualmente sem entrar numa discussão sobre poder” e cita Michael Foucault, na inevitável relação entre discurso e ecologia política – a “nova ecologia política” ou “ecologia política contemporânea” são postas em destaque. O autor exemplifica, por meio de um estudo de caso da privatização da água, no qual os hidrômetros podem ser comparados a conta-gotas, demonstrando a relação econômica para com a natureza: pagar para usar ou a água como fonte de lucro. Para Mol e Spaargaren (2005, p. 28), existem diversos fatores que podem ajudar a explicar a recente reaproximação entre a Sociologia Geral e a Sociologia Ambiental: Esta convergência pode ser explicada primeiramente pelo interesse comum no emergente debate sobre globalização e mudança (ambiental) global. Para a Sociologia Geral, a mudança climática e os outros problemas ambientais eram freqüentemente discutidos como exemplos ou mesmo lições ilustrativas da nova dinâmica de mudanças em uma modernidade global e, especialmente, dos novos papéis de instituições-chave como ciência e tecnologia, e o Estado-nação (vide teoria da modernização reflexiva, teoria da sociedade de risco, construtivismo social). Nas Ciências (sociais) ambientais, a crescente atenção dada à poluição atmosférica (acidificação) que ultrapassava fronteiras foi o principal fator a desencadear o desenvolvimento da nova agenda dos anos 90, geralmente chamada de Mudança Ambiental Global. Esta agenda – impulsionada pelo IPCC3 e, particularmente, por 3 IPCC é a sigla para Intergovernmental Panel on Climate Change, em português, Painel Intergovenamental sobre Mudanças Climáticas. O IPCC é um é um corpo científico, sob os auspícios da 7 ONGs ambientais globais – enfatizava novamente o importante, porém complicado, papel da ciência e tecnologia no gerenciamento da mudança ambiental global, e ressaltava os novos papéis dos Estados-nações que precisavam dar espaço para atores e negociações operando tanto na arena internacional/global como na arena local. Assim, a partir dos anos 90, tanto a Sociologia Geral como a Ambiental passam a se interessar pela compreensão da dinâmica específica do global em relação ao local no direcionamento da mudança (ambiental) global. (...) O segundo e mais recente importante fator a contribuir para a convergência das Sociologias Geral e Ambiental é a emergência, no interior da Sociologia Geral, de uma perspectiva teórica na qual os sistemas sociais são abordados em termos de redes e fluxos. Nessa perspectiva Hannigan (2009) e Mol e Spaargaren (2005) parecem concordar sobre papel da mídia como fator essencial ao destaque do “problema ambiental” nas agendas políticas no mundo todo. Ademais, sobre a Mídia e comunicação ambiental, Hannigan (2009, p. 121) destaca a importância da mídia nas questões ambientais, pois muitas vezes: Para passar os problemas ambientais da condição de questão para uma política pública, a visibilidade da mídia é crucial. Sem a cobertura da mídia, as possibilidades que um problema prévio possa entrar numa arena do discurso público ou se tornar parte do processo político, são bastante reduzidas. O autor destaca as “Rotinas e limites organizacionais”, “o discurso da mídia”, “a mídia de massa e cobertura de notícias ambientais”, “a produção de notícias ambientais”, “a construção de descrições ambientais “ganhadoras” na mídia” e “discurso ambiental mediado pela massa” como fatores, relacionados à publicidade dos fatos, importantes de serem observados na construção de um problema ambiental (HANNIGAN, 2009, p.122-140). Outras duas perspectivas são destacadas por Haningan (2009, p. 43), as “normativas do modernismo” e a do “desenvolvimento ambiental”. O autor segue, delimitando os enfoques teóricos, para a tese da sociedade de risco, de Ulrich Beck, e para a “modernização ecológica” e aponta o que considera uma controvérsia maior: o realismo versus o debate do construcionismo. O ponto alto da discussão está na necessidade de transcendência da separação natureza/cultura, chamado por Hanningan de coconstrucionismo e a análise da socionatureza. (HANNIGAN, 2009 p. 57) Colocando em prática o construcionismo, outro enfoque teórico, em A construção social das questões e problemas ambientais Hanningan enfatiza as Organização das Nações Unidas (ONU) que analisa e avalia a informação científica, técnica e sócioeconômica mais recentemente produzida no mundo relevante para a compreensão das mudanças climáticas. Ver: http://www.ipcc.ch/organization/organization.shtml#.UX9k67WA8Wk 8 diferenças e semelhanças entre os problemas sociais e ambientais e justifica o construcionismo como uma ferramenta analítica. Cita, ainda, Malcolm Spector e Jonh Kitsuse (1973) como autores cujo enfoque está na estrutura funcional e destaca os processos e tarefas importantes na construção social dos problemas ambientais. A “apresentação e contestação de argumentos ambientais” servem como uma espécie de instrumento para determinado público para os argumentos ambientais. Hannigan indica os “fatores necessários para uma construção bem-sucedida de um problema ambiental” (HANNIGAN, 2009, p.117). Outro relevante enfoque contemporâneo da Sociologia Ambiental é o enfoque do Risco, inspirado na teoria da Sociedade de Risco de Ulrich Beck, porém relativizadas pela postura cultural e “menos apocalíptica” de Mary Douglas (HANNINGAN, 2009, p. 161). Um tipo de análise de Risco pode ser exemplificada, através do caso do salmão criado em cativeiro, nos EUA, no qual se constatou que o consumo do peixe excederia em 100 vezes a quantidade da substância cancerígena suportável para o ser humano em seu tempo de vida. Essa análise verifica basicamente os riscos para os seres humanos. Hannigan (2009) avalia ainda outras “perspectivas sociológicas do risco”: o “risco e cultura”, a “definição social do risco”, as “arenas de construção do risco”, o “poder e construção social do risco ambiental” e a “construção do risco numa perspectiva nacional”. Hannigan (2009) aponta a “perda da biodiversidade” como temática que se transformou em uma “carreira” de sucesso de um problema ambiental global. Fala do problema da perda da biodiversidade em si, explica o conceito e aponta que este, junto com o “aquecimento global”, é o tópico mais “quente”, relacionado aos problemas ambientais atualmente, ou seja, um tema da moda em Sociologia Ambiental. A partir dessa “carreira” o autor utiliza sua metodologia de construção de um problema ambiental apresentando os fatores contextuais, reunindo argumentação, apresentando o argumento e contestando o argumento (HANNIGAN, 2009, p. 182-190). Hannigan (2009) destaca sua percepção (teórico/prática) acerca da questão ambiental que seguiria em direção a um modelo “emergente” de meio ambiente e sociedade. Primeiro ele alerta acerca de uma “zona sinistra”, exemplificada pelos os efeitos ambientais e sociais do grande desastre Tsunami da Tailândia. A partir do exemplo, o autor demonstra as “fundações sociológicas da emergência”, os “elementos 9 emergentes nos movimentos sociais e organizações de movimento social”; o “aprendizado social como um processo emergente”; e uma fundamental dimensão da questão ambiental na atualidade: “as incertezas emergentes” (HANNIGAN, 2009, p. 197-214). Hannigan conclui que qualquer tentativa nova na perspectiva da sociologia ambiental necessita confrontar a “divisão sociedade-natureza”. Destaca a emergência de novos esforços para as relações de análise socioambiental e percebe o desafio de reconciliar o macro com os dados mais particularizados de análise. O autor sugere a “teoria da emergência” como moldura para as análises dos problemas ambientais futuros (HANNIGAN, 2009, p. 216). Epistemologia na sociologia ambiental Moraes (2005, p. 46-47) alerta para a importância da epistemologia no trabalho científico, principalmente devido ao fato da problemática ambiental “ser arredia aos paradigmas tradicionais” e delimita três aspectos que devem ser observados para a pesquisa na temática ambiental: a identificação clara e precisa do universo de análise, ou seja, uma localização filosófica dos fenômenos e relações que buscamos na investigação empírica; a delimitação metodológica, ou escolha do método mais apropriado no universo das ciências sociais; e a procura de uma linguagem comunicante, tendo em vista as diferentes áreas disciplinares que podem estar contempladas na temática ambiental. O autor refere-se ainda à necessária anterioridade da reflexão metodológica ante a investigação empírica, tendo em vista que no trato da questão ambiental as barreiras metodológicas podem ser um empecilho tão significativo como a transposição disciplinar4. A problematização de cunho ético é colocada como situação limite do campo epistemológico, tendo em vista a emergência das políticas ambientais e conseqüente demanda direcionada as universidades brasileiras, no sentido de elaboração de peças técnicas para os grandes projetos de desenvolvimento (MORAES, 2005). Dentre algumas das posturas éticas possíveis, como o chamado naturalismo, tecnicismo 4 Como exemplo as diferentes atribuições ao sentido da palavra ecologia (MORAES, 2005 p. 71-72). 10 e romantismo5, observa-se a postura crítica6 em relação à pesquisa e diante da problemática ambiental. Segundo Hannigan (2009) a dicotomia homem-natureza deve ser superada e qualquer tentativa nova na perspectiva da sociologia ambiental necessita confrontar a “divisão sociedade-natureza”. Destaca a emergência de novos esforços para as relações de análise socioambiental e percebe o desafio de reconciliar o macro com os dados mais particularizados de análise. O autor sugere a “teoria da emergência” como moldura para as análises dos problemas ambientais futuros (HANNIGAN, 2009, p. 216). Moraes também dá destaque a isso e enfatiza “a natureza para o homem” em Marx, como opção filosófica de romper tal dicotomia (MORAES, 2005, p. 72-73). Hannigan (2009) relaciona a Ciência, cientistas e problemas ambientais e mostra a ligação entre problema ambiental e pesquisa científica, problematizando o papel dos pesquisadores na formulação de argumentos para a questão ambiental, porém, por outro lado, afirma que há um grande campo de incertezas na ciência. O autor discute esse tema e sua relevância para a construção de novos problemas ambientais e seu anúncio para o mundo, exemplificando o problema da chuva-ácida e da perda de biodiversidade, e a importância da ciência na formulação de políticas públicas ambientais, afirmando que: “Finalmente, é a estrutura de apoio científico destes problemas ambientais que os sustentam acima dos outros problemas sociais que são mais dependentes de argumentos de bases morais” (HANNIGAN, 2009 p.141 apud YAERLEY, 1992, p. 117). Pesquisas atuais em Sociologia Ambiental Segundo Herculano, no âmbito acadêmico, a Associação Internacional de Sociologia (ISA) fundou, em 1990, um novo comitê de pesquisa, o RC/24 (Meio Ambiente e Sociedade), constituído por egressos de estudos da Ecologia Humana, da Sociologia Urbana, da Sociologia Rural, entre outras. No Brasil, a Associação Nacional 5 O naturalismo se refere à postura filosófica perante a relação homem-natureza na qual a interferência do ser humano na natureza é resumida pelo termo “ação antrópica” neutralizando a dimensão social da temática ambiental. O tecnicismo “dilui as implicações políticas de seu manejo como se a soluções técnicas não envolvesse decisões políticas” e o romantismo que se manifesta pelo “preservacionismo radical” e “perspectivas anti-humanísticas” (MORAES, 2005, p. 53-55). 6 A teoria crítica se refere à Escola de Frankfurt, representadas por Adorno, Horkheim e Habermas, mas nos referimos, também, à crítica marxista feita ao modelo capitalista de produção e consumo, como sendo principal responsável pela crise ambiental atual. 11 de Pesquisadores em Ciências Sociais (ANPOCS) criou, igualmente, um grupo específico para a temática ambiental, o GT/04 (Ecologia e Sociedade). Assim, diversos programas de pós-graduação no Brasil passaram a se dedicar à temática ambiental, “alguns deles com uma ambição multi ou transdisciplinar” (HERCULANO, 2000, p.4). No ano de 2002 foi criada a ANPPAS, Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, com a participação de diversas instituições7 brasileiras de ensino e pesquisa, com formação strictu sensu de pessoal especializado em nível de pós-graduação, de caráter interdisciplinar e que focalizam a interação Ambiente e Sociedade em suas múltiplas dimensões. A ANPPAS promove reuniões científicas, objetivando o intercâmbio de informações entre seus associados e de associações similares brasileiras, estrangeiras ou internacionais, promovendo a divulgação de estudos em Ambiente e Sociedade, publicações, concursos e premiações (ANPPAS). Percebemos, assim, o avanço monumental da Sociologia Ambiental de forma geral e a diversidade de abordagens que nela cabem. Após a leitura dos autores citados neste texto, percebe-se certa tendência “modernizadora” nos trabalhos em Sociologia Ambiental no Brasil, por um lado, com inspiração nos grupos de pesquisa da Holanda, Canadá e Estados Unidos, verificado principalmente os grupos de pesquisa em Sociologia Ambiental da UFSC e Unicamp. De outro lado, nota-se que outros grupos seguem perspectiva divergente, apoiando-se mais nos estudos de Conflitos Ambientais, Movimentos Sociais e Ecologia Política, ainda com uma forte interface Antropológica, como é o caso do GEDMMA (UFMA)8, que mantém afinidade com o IPPUR9 (UFRJ) e GESTA10 (UFMG). 7 Participaram da criação, na sede do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo - PROCAM/USP o Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Universidade Estadual de Campinas - NEPAM/UNICAMP; o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos- Universidade Federal do Pará - NAEA/UFPa; o Centro de Desenvolvimento Sustentável - Universidade de Brasília - CDS/UnB; o CPDA/Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; o Programa de Pós - Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas/Universidade Federal de Santa Catarina; o Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento/Universidade Federal do Paraná; o Programa de Mestrado em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo - PROCAM/USP e o Programa Regional de Pós Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA. (fonte: sítio ANPPAS na internet, ver ref.). 8 Grupo de Estudos Desenvolvimento Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA/UFMA). Sítio eletrônico: http://www.gedmma.ufma.br/ 9 Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional (IPPUR/UFRJ) 10 Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (GESTA/UFMG) 12 CONSIDERAÇÕES FINAIS Por fim, a Sociologia Ambiental pode ser vista como um campo de pesquisa em expansão, no qual a emergência da crise ambiental permite uma grande variedade de abordagens teórico-metodológicas e um crescente volume em produção acadêmica11. Porém, são observados muitos trabalhos recentes com a característica de simples junção de dados biológicos com análises sociológicas, como tentativa de fazer uma Sociologia Ambiental. Tal postura deveria ser revista, tendo em conta as análises sobre a “divisão homem-natureza”, que são refletidas na “transposição disciplinar”. Ou seja, superar a esta dicotomia não significaria “colar uma coisa na outra” e sim procurar um método menos antropocêntrico possível. Sempre que necessário, a percepção biológica da natureza deveria ser acionada, porém, participando do contexto da “entre ajuda” transdisciplinar, tão cara à questão ambiental. i REFERÊNCIAS ANPPAS. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade. http://www.anppas.org.br/novosite/index.php?p=oque Acesso dia 12/03/2013. BUTTEL, F. Environmental Sociology: a new paradigm? The American Sociologist, 13 1978: p. 252-256. BUTTEL, F. H. Environmental and Resource Sociology: theoretical issues and opportunity for synthesis. Rural Sociology 61 (1), 1996, pp. 56 - 76. CARSON, R. Silent Spring. Boston, MA: Roughton Mifflin, 1962. CATTON, W. R. Jr.; Riley E. DUNLAP. Paradims, Theories and the Primacy of the HEP-NEO distinction. The American Sociologist 13, 1978, p. 256 - 259. FERREIRA, Leila. C. 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