INTRODUÇÃO

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INTRODUÇÃO
O défice de qualificações é, recorrentemente, apontado como um dos problemas estruturais do país, uma dificuldade para a inovação e o crescimento
socioeconómico, um problema que importa combater. Este livro, não sendo
um guia para responder a este problema, resulta de uma reflexão teórica e de
trabalhos de investigação realizados pelos autores sobre a temática da formação
profissional, designadamente através de um olhar sociológico sobre os problemas e as práticas, a qual pode conduzir a pistas para a ação coletiva dos atores
sociais que intervêm neste domínio. O caráter preliminar sobre a temática da
formação profissional e a sua sustentação com algumas investigações no âmbito
da sociologia, pretendem constituir um ensaio sobre uma sociologia da formação profissional que procuraremos situar numa linha ténue entre a sociologia
das profissões e a sociologia do trabalho.
Se é relativamente consensual a definição das fronteiras epistemológicas das
duas sociologias que referimos anteriormente. A reflexão em torno das fronteiras da sociologia da formação profissional é um processo complexo e demorado, mas que pretendemos concretizar com este livro e, com ele, contribuirmos
para a discussão académica e científica em torno de um «novo» objeto sociológico.
Parece ser consensual que a análise sociológica das profissões em geral se
apresenta como um instrumento importante, por ação dos seus modelos analíticos e resultados de investigações empíricas, para a leitura cientificamente fundamentada das lógicas sociais, económicas e culturais que atravessam o mundo
do trabalho nas atuais sociedades modernas e globalizadas, como é o caso
América do Norte e da Europa.
A formação profissional tem, nos últimos anos, e sobretudo após a adesão
de Portugal à União Europeia, beneficiado de uma dinâmica quantitativa bastante significativa, suportada pelos contributos de vários programas cofinanciados pelo Fundo Social Europeu. Se o esforço financeiro de mais de duas décadas de intervenções formativas ainda nos deixa numa situação frágil em termos
de qualificação da população ativa, importa perceber o que esteve por detrás
desta lógica quantitativa de organização de ações de formação quase avulso e,
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por outro lado, abrir um caminho para uma reflexão que aproxime a quantidade
da qualidade.
Também parece ser consensual que ao nível dos benefícios, áreas como a
formação profissional e o emprego, educação, as novas tecnologias e a sociedade da informação, a economia, a saúde, bem como o combate à pobreza e à
exclusão social têm, efetivamente, recebido um forte impulso financeiro para o
seu desenvolvimento.
No campo concreto da formação profissional, atendendo à massificação
que se tem verificado nas últimas décadas e, sobretudo, aos ainda baixos índices
de qualificação da população portuguesa, ganha fundamento a questão «porquê
formar?», como ponto de partida para uma discussão aberta sobre a qualificação de recursos humanos. Por mais elementar que possa ser a resposta a este
«porquê formar?», é para nós óbvio que o conteúdo da mesma estará, seguramente, distante de um consenso geral. Certamente que o processo de formar
pessoas nos nossos dias é totalmente diferente de há trinta anos a esta parte e,
radical e vertiginosamente diferente do tempo em que dirigentes políticos pensavam que «um povo culto, é um povo infeliz» (Fialho, 2003).
Efetivamente, estamos perante uma sociedade que é dinâmica e que necessita, progressivamente, de aprender e de se formar. É nesta relação entre a
necessidade de aprender para responder a necessidades constantes que procuraremos responder com clareza a estas questões: Porquê formar? Porquê validar e
reconhecer competências profissionais? Qual o trajeto das políticas públicas de
formação profissional? Que problemas e práticas tornam complexo o domínio
da formação profissional?
A necessidade de «formar» pessoas surge, nos nossos dias, como um imperativo do processo de globalização. Por outro lado, o paradigma das novas tecnologias ou das mutações tecnológicas, enquadrado sob o postulado das TIC –
Tecnologias da Informação e Comunicação –, fundamenta e suporta a necessidade de formar pessoas que, por sua vez, estejam capacitadas para dar respostas
eficazes e eficientes a essas constantes mutações.
Estamos, de facto, perante um enorme desafio para a qualificação dos
recursos humanos. Num contexto de incerteza social, desconhecemos o nosso
destino. Mas há uma certeza, «estamos, na verdade, diante de uma sociedade que não só
tem de aprender mais e melhor, mas tem de o fazer a um ritmo de aceleração estonteante e,
sobretudo, é necessário que o faça de uma maneira diferente se quer ser uma sociedade mais
educada e à altura dos seus novos destino» (Tavares, 1996; p. 22).
Tal como proferiu Luís Costa, num seminário desenvolvido pelo já extinto
Instituto para a Inovação na Formação, a «batalha da educação e da formação é um
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pressuposto primordial (...) é absolutamente vital, tendo em conta as fragilidades específicas da
população portuguesa que nos colocam atrás dos países europeus, e em situação desvantajosa»
(1999; p. 89). Posição semelhante foi partilhada por Luís Mira, que, no mesmo
seminário, reforçou que «a formação é uma peça fundamental na construção do indivíduo,
contribuindo para a sua valorização como pessoa, para a sua integração social e para a sua
qualificação profissional. A nível setorial, desempenha um papel indispensável no âmbito da
introdução de novas tecnologias, no incentivo à inovação e nos próprios investimentos» (1999;
p. 91).
Para além de um processo de construção social do indivíduo, a formação
profissional é simultaneamente um processo de aprendizagem focado na facilitação da integração socioprofissional no complexo mercado de trabalho. Mário
Ceitil, reportando-se a Kolb, advoga que «toda a prática de formação visa a operacionalização de um dispositivo facilitador da aprendizagem, esta ultima sendo entendida como
um processo ao longo do qual o conhecimento é gerado através da transformação da experiência» (2000; p. 329) e, reportando-se a Pereti, sublinha que a formação «responde
necessariamente às necessidades de desenvolvimento das pessoas e das empresas cumprindo a
dupla função de produzir satisfação profissional e elevados padrões de performance económica»
(2000; p. 327).
Este livro está dividido em quatro partes. Na primeira, procedemos a uma
clarificação de conceitos que se encontram repletos de sentidos e contra sentidos, como o próprio conceito de formação profissional, e a relação entre competências e qualificação.
Na segunda parte são traçadas algumas linhas orientadoras sobre o que têm
sido, nos últimos anos, os sistemas de educação e formação profissional em
Portugal, com destaque relativo para as medidas de reconhecimento e validação
de competências da população ativa que se desenvolveram de forma massiva no
Quadro Comunitário de Apoio que agora está a chegar ao fim.
A terceira parte constituiu o desafio dos autores. Partindo dos modelos e
princípios que sustentam a sociologia do trabalho e das profissões, procuramos
encetar um posicionamento da sociologia da formação profissional face a estas
duas sociologias especializadas.
Por fim, na quarta parte, são apresentados alguns resultados de trabalhos de
investigação em sociologia, nos quais a formação profissional se assumiu como
o tema central da análise e discussão sociológica.
Sendo certo que este livro é um ponto de partida sobre uma reflexão em
torno de uma sociologia da formação profissional, ancorada na discussão de
práticas organizacionais e nas políticas públicas, sublinhamos que o ponto de
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chegada é complexo e está distante, mas, cremos, fica mais perto com esta
reflexão.
Agradecemos a colaboração da colega Helena Arco, bem como de todas as
nossas ex-orientandas Ana Monteiro, Maria Eduarda Fernandes e Assunção
Cardoso, que nos facultaram textos e demais contributos para a concretização
deste livro.
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