Mecânica quântica numa perspectiva

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Mecânica quântica numa perspectiva
diferente
Mais um post convidado de Luís Alcácer.
A teoria quântica é a teoria mais exacta da história da
ciência. Explica o quadro periódico dos elementos e a razão pela
q ual as reacções química s aco ntecem. Dá pre visões exactas sobre a
operação dos lasers e dos microchips e explica a estabilidade do
ADN.
Para o cidadão comum, a te oria quântica é algo de miste rioso.
Os seus conceitos têm sido comparados à filosofia oriental e
usados para explorar os segredos da consciência, do livre arbítrio e
d o pa ran ormal. Cita-se o princípio de incerteza de Heisenbe rg,
como o arauto do fim do determinismo. Os pós-modernos rejubilam
pela subjectividade da realidade física. O adjectivo quântico tornase sinónimo de poder mágico, como por exemplo, na chamada
medicina quântica [i].
Embora de utilização rotineira por muitos químicos e físicos,
a mecânica quâ ntica é, de facto, uma teoria não intuitiva, difícil de
explica r e de e ntender sem recorre r ao formalismo matemá tico,
prestando-se a várias interpretações diferentes. A interpretação
mais comum é a interpretação da escola de Copenhaga, devida aos
seguidores de Bohr. Desde o início posta em causa por Einstein e
pelo próprio Schrödinger, acabou por prevalecer.
Que problemas tem ainda a mecânica quântica?
Um dos problemas consiste em pretender usar indevidamente
a teoria quântica no seu formalismo mais elementar, apenas
aplicá vel a sistemas isola dos e como um todo. Os sistemas reais,
como átomos ou moléculas, são sistemas de muitas partículas, cuja
ind ividua lida de é questioná vel. Os electrões num átomo ou nu ma
molécula não são partícula s individuais identificá veis. O seu
comportamento é, talvez, melhor descrito como ondas que
interferem umas com as outras.
O problema da dualidade onda-partícula está mal colocado.
Einstein tinha razão ao dizer que era um disparate considerar duas
descrições, um de onda e outra de partícula, para uma única
realidade. A de partíc ula nitidamente nã o serve, pois há muitos
fenómenos que contradizem essa hipótese.
É certo que actualmente se podem ter interpretações da teoria
quântica logicamente aceitáveis, baseadas na descoberta e
aceitação que ocorreu no período de 1975 a 1982, do efeito de
descoerência, que é responsável por destruir os efeitos quânticos
que, em geral, se perdem nos sistemas macroscópicos, apresentando
assim um comportamento clássico.
É claro que a mecânica quântica tem a forma que tem por
razões históricas. Foi assim que foi sendo criada, ao longo das três
primeiras décadas do século XX. Certamente que a evolução
p oderia te r sido diferente, provavelme nte che ga ndo a conclusões
coerentes com as actuais.
Quando foi descoberta a supercondutividade em 1911, por
Kamerling Onnes [ii] ninguém fazia a mínima ideia de que tipo de
fenómeno se tratava, e portanto ninguém iria descobrir que se
trata va de uma manifestação mac roscópica de u m efeito quântico.
Se tivesse sido medido, po r e xemplo, o flu xo magnético gerad o
num anel de material supercondutor por onde se fizesse passar uma
corrente eléctrica, que persiste, mesmo quando se deixa de aplicar
u ma te nsão, poderíamos obse rvar que o fluxo ma gné tico era
quantizado.
Robert Laughlin [iii], defende, no seu livro que algumas das
questões da mecânica quântica, difíceis de entender decorrem da
natureza
EMERGENTE
[iv]
dos
fenómenos
quânticos
macroscópicos.
Robert Laughlin não é o único a defender uma perspectiva
d ifere nte da actual pa ra a mecâ nica q uân tica. Carver Mead [v] é
ainda mais radical no seu livro " Colective Electrodynamics" [vi].
Motivado
pela
ideia
da
simplificação
e
unificação
do
conhecimento, parte da natureza quântica da matéria para deduzir
as
leis
da
electrodinâmica,
baseando-se
em
resultados
experimentais que mostram como os electrões interactuam entre si.
Carver Mead considera que é possível reformular os conceitos da
mecânica quântica de um modo claro e compreensivo, a partir dos
resultados de experiências relativamente simples.
As experiências de que Carver Mead fala são as mesmas que
Robert Laughlin considera como geradoras dos conceitos mais
f undamentais da mecânica quântica. São a s manifestaç ões quântica s
macroscópicas que têm nitidamente carácter emergente.
A percepção correcta da realidade física difere de outras
percepç ões e rrada s u ma vez em que se torna mais cla ra à medida
q ue a precisão das medidas aumenta. Atra vé s da precisão expõe-se
a falsidade. O que se mede exactamente, co mo funciona o aparelho,
como se a nalisam os erros, quais os factores incontroláveis que
determinam o limite da reprodutibilidade, são mais importantes do
que o conceito subjacente. A boa ciência tem de ser fundamentada
em boas experiências. Assim, por exemplo, quando se fala de
quantidades ou constantes universais devem realmente referir-se as
experiências que as medem com maior precisão.
Um conjunto de experiência s de eleva da p recisão tem na
ciência um grande significado. Há uma ou duas dezenas de
experiências desse tipo, dependendo de como se contam, e são
todas ve nera das [vii]. A maior pa rte d essa s experiências só são
conhecidas dos especialistas. Os va lores das constantes universais
actualmente recomendados são baseados nelas.
O quantum de fluxo magnético, Φ0=h/2e, pode ser medido
com gra nde precisão pelo efeito de Josephson [viii].
KJ = 2e/h = 4,83597891(12) x 1014 s-1 V-1
A constante de Joseph son [ix], KJ, (inve rso do quantum de
fluxo) relaciona a carga elementar e com a constante de Planck h, e
pode ser medida com a precisão de 1 em 108 (um em cem milhões).
O seu valor é independente do tamanho, da forma, ou composição
do anel, desde que seja de material supercondutor (do tipo II) e
esteja abaixo da temperatura crítica.
Quando combinada com a medição da constante de von Klitzing
(efeito de Hall quântico [x]),
RK = h/e² = 2,58128056(12) x 104 ohms
dá os valores mais precisos até agora, da constante de Planc k.
h = 6,62606896(33) x 10-34 J s
Isto é notá vel, uma ve z q ue a consta nte de Planck e stá
geralmente
associada
ao
comportamento
dos
sistemas
microscópicos, enquanto que o fluxo magnético num supercondutor
e o efeito de Hall quântico são fenómenos colectivos associados a
um grande número de partículas.
Outras grandezas igualmente fundamentais podem também ser
determina das a partir de ex periênc ias simple s. A c onstante de
Ridberg, que ca racteriza a qua ntização dos c omprimentos de onda
emitidos pelos gases atómicos rarefeitos, e que são a base dos
relógios atómicos, é conhecida com uma precisão de 1 em 1014 (um
em cem milhões de milhões).
R = 10 973 731,568 527 (73) m-1
A carga elementar pode ser determinada com uma experiência de
electroquímica:
e = 1,602 176 487(40) x 10-19 C
Estes valores mostram que se podem medir grande zas básicas
que descrevem a realidade física com uma precisão enorme, sem
lidar directamente com elas.
Se é assim, porque não partir destes fenómenos relativamente
fáceis de c omp reender para edificar a teoria quâ ntica, que le vanta
tantos problemas de compreensão e de interpretação, embora o seu
edifício formal seja extremamente robusto e coerente?
Algum leitor se habilita?
Luis Alcácer
[i] Basta fazer uma busca no Google para encontrar vários sites,
até em Po rtu gal. por ex.: h ttp://www.quanticamed.com/, O seguinte
é
um
site
que
denuncia
essa
fraude:
http://www.barrettdorko.com/articles/quantum.htm
[ ii] Kamerlingh Onne s, obse rvou, se m o espe rar, que à temperatura
de 4,2 K (-268,95 ºC) a resistência eléctrica, da amostra de
mercúrio que estava a estudar, desaparecia abruptamente. Nas
décadas que se seguiram, a supercondutividade foi observada em
muitos outros materiais, mas só foi cabalmente explicada em 1957,
por John Bardeen, Leon Cooper, e Robert Schrieffer que, pela sua
explicação, receberam o Prémio Nobel de Física em 1972.
[iii] Prémio Nobel de Física de 1998, juntamente com Horst
Störmer e Daniel Tsui por terem descoberto e explicado o efeito de
Hall quântico fraccionário.
[iv] O conceito de emergência surge associado à complexidade. Já
Aristóteles escrevia na Metafísica, que "o todo é algo de diferente
e acima das suas partes, e não apenas a soma de todas elas.
[ v] Professor eme ritus de Engenharia e Ciênc ia Ap licada no
Caltech.
[ vi] Carver Mead, " Colective Electrod ynamics" , The MIT Press
(2002)
[ vii] http://physics.nist. go v/c uu/Co nstants/index.html
[viii] O efeito de Josephson consiste no fluir de corrente eléctrica
em dois supercondutores acoplados, separados por uma película
muito fina de material isolador.
[ix] Os números entre parêntesis são a incerteza.
[x] Efeito de Hall quântico é a versão quantizada (com valores
discretos) do efeito de Hall, que consiste na observação de uma
diferença de potencial (voltagem) entre dois pontos de um material
se micondutor por onde flui uma co rrente eléctrica, ge rada p or um
campo magnético aplicado perpendicularmente á direcção da
corrente.
Fonte: Blog De Rerum Natura
Data: Março 2008
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