formação docente no curso de licenciatura em música da pucpr

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FORMAÇÃO DOCENTE NO CURSO DE LICENCIATURA EM
MÚSICA DA PUCPR - UMA EXPERIÊNCIA MUSICAL EM AMBIENTE
PRISIONAL
Cristina Lemos1 - PUCPR
Ana Caroline Barbosa Massambani2 - PUCPR
Rodrigo Ribas Pimentel3 - PUCPR
Willian Henrique Ramos4 - PUCPR
Grupo de Trabalho - Práticas e Estágios nas Licenciaturas.
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O presente trabalho relata o processo de implementação do Conservatório de Música na
Penitenciária Feminina do Paraná, com estagiários de Música atuando como orientadores das
atividades. O projeto em questão apresenta a proposta de ministrar, dentro da PFP, aulas de
iniciação musical às internas inseridas no programa de redução penal por meio do estudo e
profissionalização. O Curso de Licenciatura em Música da Pontifícia Universidade Católica
do Paraná, em parceria com o Programa Ciência e Transcendência: Educação,
Profissionalização e Inserção Social, gerido pela Diretoria de Identidade e Missão da PUCPR,
propôs a implementação do conservatório nesse contexto, oportunizando aos alunos da
disciplina de Estágio Supervisionado um espaço para ministrar aulas de música (prática
instrumental e canto coral) com o intuito de preparar as mulheres em situação de privação de
liberdade para a reinserção social. Considerando que o Estágio Supervisionado consiste no
momento no qual o estagiário é desafiado a unir teoria e prática, na elaboração de propostas
educativas contundentes e assertivas que contribuam para sua própria formação como
professor, pode-se afirmar que a prática docente neste contexto proporcionou uma rica
experiência aos estudantes envolvidos, promovendo a autoconfiança e o reconhecimento de
seu valor como indivíduo criativo, capaz de transformar sua realidade e seu entorno. Nesse
1
Mestre em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná, especialista em Fundamentos
Estéticos da Arte na Educação pela Faculdade de Artes do Paraná, Licenciada em Educação Artística –
Habilitação em Música. Professora do curso de Licenciatura em Música da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná. Cantora integrante do grupo vocal O Tao do Trio. Regente do grupo musical cênico infantil Coro
Cabeludo. E-mail: [email protected].
2
Graduada em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Paraná. Graduada em Licenciatura em Música
pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professora de violão na PFP. Integrante da banda The Sharons.
E-mail: [email protected].
3
Graduado em Licenciatura em Música pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor de violão e
de viola caipira. E-mail: [email protected]
4
Graduado em Licenciatura em Música Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor de violão e
contrabaixo. E-mail: [email protected].
ISSN 2176-1396
42873
sentido, a elaboração do projeto pedagógico que gerou os programas dos cursos ofertados,
resultou em uma prática educativa humanizadora, envolvendo, na formação do docente, os
aspectos de domínio técnico e histórico musical, bem como os aspectos metodológicos e as
estratégias adotadas em campo, contribuindo ainda mais para a ampliação do repertório
cultural individual do estudante da Licenciatura em Música e da coletividade atendida.
Palavras-chave: Educação musical. Penitenciária. Reinserção social.
Introdução
O Curso de Licenciatura em Música da Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
aberto no início do ano letivo de 2010, iniciou seus trabalhos na formação de docentes em
música, mediante amparo da Lei n°11.788/08, que designa em sua grade a obrigatoriedade da
realização do Estágio Supervisionado a carga horária nas séries finais do curso. À época da
implementação da disciplina de estágio supervisionado, cujas horas devem ser cumpridas em
campos educacionais diferenciados, como designa o proposto legal, abrangendo uma gama de
contextos e de públicos que permitam ao estudante uma experiência docente diversificada e
realmente significativa do ponto de vista das práticas pedagógicas.
Um dos grandes desafios que universitários enfrentam durante seu percurso acadêmico
consiste em unir prática e teoria em atividades de estágio, em especial os alunos de
licenciatura. Se esse problema não for solucionado ou pelo menos reduzido durante a vida
acadêmica, essa dificuldade se refletirá na sua prática como professor. “Não é só frequentando
um curso de graduação que um indivíduo se torna profissional. É, sobretudo,
comprometendo-se profundamente como construtor de uma práxis que o profissional se
forma” (FÁVERO, 1992, p.65).
O estágio supervisionado é a oportunidade de aplicar todo o conhecimento construído
durante o curso em um real contexto profissional e é nesse momento que o acadêmico da
licenciatura percebe como é a realidade e a complexidade no cotidiano de sua futura área
profissional. Segundo Roerch (1999), Tracz e Dias (2006 p. 1) “o estágio é uma chance que o
acadêmico tem para aprofundar conhecimentos e habilidades nas áreas de interesse do aluno”.
Se o estágio supervisionado for visto como uma atividade que pode trazer imensos
benefícios para a aprendizagem, para a melhoria do ensino e para o estagiário, no
que diz respeito a sua formação, certamente trará resultados positivos, além de estes
se tornarem mais importantes quando se tem consciência de que as maiores
beneficiadas serão a sociedade, em especial, a comunidade a quem se destinam os
profissionais egressos da universidade (TRACZ e DIAS< 2006, p.2).
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O estágio é também o meio que pode levar o acadêmico a identificar novas e variadas
estratégias para solucionar problemas que, muitas vezes, ele nem imaginava encontrar na sua
área profissional. É nesse momento que ele passa a desenvolver mais o raciocínio, a sua
capacidade criativa e o espírito crítico.
Propor atividades de estágio em contextos diferenciados do escolar consiste numa
estratégia da universidade para estimular nos estudantes uma vivência docente diversificada e
rica. Sempre supervisionadas, tais atividades promovem, ainda, a prática da cidadania e a
conscientização sobre as necessidades de populações específicas e ampliação da noção do
papel social do educador, e a prática dos valores apregoados pela missão institucional da
PUCPR.
A Penitenciária Feminina do Paraná é uma instituição de segurança máxima que
abriga cerca de 460 mulheres que ali estão cumprindo suas penas, em regime fechado.
Conforme dados apontados em pesquisas, a situação da mulher encarcerada no Brasil é de
extremo abandono por parte de seus familiares. Com o intuito de amenizar o sofrimento das
mulheres encarceradas, prover educação por meio de programas de desenvolvimento pessoal,
contribuir para seu retorno à sociedade e mercado de trabalho, foi celebrada uma parceria
entre a SEJU- Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Paraná com a Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, por intermédio do Programa Ciência e Transcendência:
Educação, Profissionalização e Inserção Social. Desde 2012, os gestores deste programa
institucional da PUCPR têm inserido professores e alunos da universidade nesse contexto,
procurando desenvolver projetos humanistas que minimizem as chances de retorno das
mulheres ao presídio. Pesquisas apontam que atualmente, a cada dez mulheres que conseguem
a liberdade, sete retornam ao ambiente prisional, dados da SEJU (2009).
Neste árido cenário, praticamente desconhecido e ignorado pela sociedade civil,
encontram-se pessoas ávidas por esperança. São mães e filhas que sofreram perdas e traumas
sociais, talvez irreparáveis aos olhos de uma sociedade que teme a violência, que alimenta
preconceitos, que perpetua seus valores, negando a existência de problemas tão sérios como a
miséria e a violência por ela gerada, considerando inviável a recuperação de pessoas que
cometeram crimes. O sistema prisional nacional tem sido um tema pouco abordado pela
mídia, os fatos que veiculam acerca deste contexto não dão conta de apresentar a realidade,
nem de apontar possíveis soluções ou alterações legais significativas. A verdade é que é uma
realidade desconhecida, uma casta da sociedade com a qual ninguém se importa,
simplesmente por considerar a prisão como o fim da trilha para o indivíduo criminoso.
42875
O alheamento em relação ao outro serve-se da atribuição de que o outro é um ser
não moral, ou seja, o outro não é semelhante a mim (não como uma ideia de moral
católica), e enquanto estranho não cabe a mim seu trato e consideração (e nem a
consideração dele sobre os meus atos de vergonha). (PLACHA SÁ, 2015)
Conservatório de Música em Ambiente Prisional: Professores e Estudantes em Contexto
Nas primeiras incursões da equipe no ambiente para a realização do diagnóstico e do
mapeamento pedagógico, o que se viu, de fato, era a presença de pessoas com histórias de
vida pregressa que se repetem à esmo, desde muito cedo, com raras exceções, a sujeição à
miséria, à violência, à drogadição são os caminhos trilhados pelas mulheres ali encarceradas.
Em palestra proferida pela Professora Cristiane Arns e pela Diretora da penitenciária, Dra
Rita de Cássia Costa Naumann, quando da formação dos professores e estudantes envolvidos
no programa, foram confirmados os dados mais recentes das estatísticas que apontam que
85% das mulheres presas no país, estão nessa condição por causa do envolvimento (muitas
vezes involuntário) em atividades criminais de seus filhos, maridos e pais com o tráfico de
drogas.
A parceria firmada entre o Programa Ciência e Transcendência (PUCPR) e a Escola de
Comunicação e Artes, que abriga o Curso de Licenciatura em Música, permitiu a elaboração
de uma proposta pedagógica para a criação e a implementação de um conservatório musical
dentro da Penitenciária Feminina de Paraná, como um braço das ações objetivadas e
implementadas pelo programa institucional.
Alunos dos últimos períodos do curso de Licenciatura em Música foram preparados
para a inserção naquele contexto por uma equipe multidisciplinar, composta por pedagogos,
professores, coordenadores de curso da PUCPR e gestores do Programa Ciência e
Transcendência, direção da penitenciária e equipe de agentes. Todos os estudantes participam
de palestras e seminários e são orientados em suas pesquisas em busca de estratégias
metodológicas adequadas às condições do ensino da música naquele ambiente.
O projeto piloto do Conservatório na PFP foi iniciado em Julho de 2014, com o
envolvimento de dois professores e cinco estudantes do sexto período do curso de Música,
engajados no projeto por meio da disciplina de Estágio Supervisionado Obrigatório. Aulas de
música foram planejadas e ofertadas a um grupo de mulheres previamente selecionado pela
direção e equipe técnica pedagógica da PFP, com critérios que levam em consideração,
comportamento, tempo de pena, entre outros fatores.
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É de senso comum que a prática musical proporciona a abertura de um canal de
expressividade que retrata traços da individualidade, traz à tona aspectos da cultura e das
identidades individual e coletiva. Desta expressividade manifesta, tem-se como resultado a
valorização da autoestima das pessoas. Em se tratando do perfil abordado, tem-se como
perspectiva, além do aprendizado da música, a ampliação do repertório das mulheres, bem
como o favorecimento da sua autoconfiança e o reconhecimento de seu valor como indivíduo
inteligente, criativo, capaz de transformar sua realidade e seu entorno. As práticas musicais
individuais e em grupo, ampliam não só as possibilidades de atuação profissional das
mulheres, dentro e fora do ambiente prisional, mas também contribuem para o aumento de
suas capacidades perceptivas e cognitivas.
A relação de nossos alunos com a música vai além dos chamados conteúdos
estritamente musicais. Quando vivenciamos música, não nos relacionamos somente
com a matéria musical em si e suas relações internas (altura, duração, intensidade,
timbre, estrutura, expressão etc). Logo que ouvimos os primeiros sons de qualquer
música, começamos a assimilá-los por uma rede de significados construídos no
mundo social. (HENTSCHKE, 2003, p. 180)
Para os estudantes, a experiência inusitada de sua inserção no contexto prisional, tem
se revelado bastante profícua e tem rendido excelentes resultados. Conforme regulamento de
estágio aprovado pelo CONSUN n° 202/2011, os licenciandos devem atuar em vários
contextos de ensino da Música, experimentando as situações de ensino-aprendizagem
musical.
Atuar em um ambiente no qual se encontram mulheres em situação de privação de
liberdade, de várias faixas etárias, desde os 18 aos 70 anos de idade, com o ensino tardio da
linguagem musical, consiste num desafio a toda equipe, especialmente aos estagiários que se
deparam com situações muito diversas dos contextos habituais. Muitas das participantes deste
projeto não são alfabetizadas e poucas passaram pela experiência da aprendizagem musical na
infância. Esta experiência suscitou a realização de pesquisas individuais sobre cognição
musical, revelando-se como uma necessidade fundamental nos estudos que pretendem
verificar os aspectos motivacionais para o aprendizado tardio da música e observar como
ocorre o processo cognitivo musical neste público específico.
Atualmente, cerca de cem mulheres são beneficiadas diretamente pelo projeto do
Conservatório de Música. O curso de Canto Coral conta com a participação média de
quarenta cinco participantes; os cursos de violão e de flauta-doce também já contam com
média de vinte alunas matriculadas em cada um.
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A Universidade na Prisão
Desde o início das sondagens, em meados de 2013, quando os alunos do curso de
Licenciatura Música foram alocados na Creche Cantinho Feliz, dentro da PFP, atuando com
mães e crianças em privação de liberdade, havia, sim, certo temor, mas este foi classificado
pelos estagiários em seus relatos, como temor ao ambiente desconhecido e não das pessoas.
Desde a primeira visita, esse sentimento de medo deu lugar a algo mais ameno que evocou
fortemente o sentido da responsabilidade do educador enquanto agente de transformação. À
época, o projeto do Conservatório consistia em um desejo dos gestores do Programa Ciência e
Transcendência (PUCPR) que estava apenas em fase inicial dos estudos para a elaboração de
uma proposta viável, sustentável.
A primeira chamada de estagiários de música para a criação do Conservatório de
Música na Penitenciária, ocorreu em março de 2014, quando as atividades migrariam da
Creche Cantinho Feliz para dentro do prédio central da instituição, impactando diretamente
mais de cem mulheres. Esta chamada envolveu sete discentes do 5º. Período do curso de
Música e três professores. Com essa equipe formada, novas vagas de estágio foram
preenchidas naquele contexto, possibilitando o atendimento mais individualizado das
integrantes dos cursos. Vale ressaltar que o grupo da Música fechou o primeiro semestre de
2015 com doze estudantes e dois professores envolvidos, tornando-se a maior equipe do
Programa Ciência e Transcendência, sendo considerada uma das atividades que mais impacta
quantitativa e qualitativamente, a vida das mulheres que ali se encontram aprisionadas.
Foram pesquisadas e colocadas em prática, metodologias e estratégias adequadas ao
ritmo de aprendizagem das participantes. Muitas reuniões, visitas e orientações ocorreram de
forma sistêmica nas formações promovidas pela equipe da Pastoral Universitária, formada por
gestores do Programa institucional da PUCPR e professores das várias áreas de conhecimento
envolvidas.
O tempo aguardado para a implementação do conservatório foi moroso, afeito ao
ritmo impresso àquela realidade, e, principalmente, pautado no quesito básico da segurança a
todas as pessoas ligadas ao processo. Os professores e alunos envolvidos foram apresentados
à essa temática e inseridos paulatinamente no contexto. Num primeiro momento, orientados
pelo supervisor de estágio e em seguida, por meio da participação coletiva em palestras e
reuniões para a formação pedagógica e discussão de temáticas relacionadas à privação de
liberdade e ao contexto prisional. Além disso, foi necessário verificar as estratégias
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metodológicas mais adequadas ao ensino dos instrumentos em grupos ecléticos que atendem
as internas alfabetizadas funcionais, com níveis de instrução díspares. Com isso, os modelos
pedagógicos adotados sofrem constantemente adaptações e ajustes metodológicos, fator este
que impõe rigor à elaboração e reelaboração dos planos de aula aplicados.
(...) embora o plano oriente a ação de ensinar, definindo um caminho para sua
realização, isso não significa que essa ação possa ser determinada previamente em
todos os seus detalhes. Isso ocorre porque o ensino é uma atividade complexa, que
envolve várias pessoas, várias coisas a fazer simultaneamente e, por isso, sempre
terá algum grau de imprevisibilidade, já que não é possível prever como os alunos,
individualmente ou em grupo, estarão interagindo com os acontecimentos da sala de
aula e com o contexto da prática. Por isso, o plano poderá (e, em alguns casos,
deverá) ser transformado, recriado e até mesmo abandonado e substituído durante a
sua implantação (DEL BEN e HENTSCHKE, 2003, p.178).
Além disso, durante a implementação desta proposta foram percebidos alguns fatores
que interferem diretamente no processo pedagógico de ensino e aprendizagem musical das
alunas. Um deles refere-se à impossibilidade de praticarem seu instrumento fora do horário da
aula. Não é permitido a elas leva-los para a cela, por questão de segurança. Também, ainda
não se estabeleceu o direito a pelo menos uma hora diária de estudo individual e, de fato, a
logística de retirada das mulheres de seus cubículos é uma situação delicada e sujeita a
intempéries do sistema prisional, por conta do número insuficiente de agentes penitenciários,
restritos a seus setores e funções, inviabilizando o trânsito das mulheres, por resultar numa
quebra da rotina dentro do presídio. Contudo, torna-se necessário discutir esse aspecto,
sustentando argumentos com as justificativas teórico-metodológicas estritas ao estudo da
música, pois, momentos de estudo individual, durante os dias da semana auxiliariam no
melhor desenvolvimento das habilidades musicais das internas.
É válido mencionar o fato de que desde o início, sabia-se que haveria uma grande
rotatividade entre as participantes das atividades pois, em virtude das variadas situações
jurídicas, algumas mulheres saem com alvará de liberdade, outras migram para outros regimes
ou são transferidas, o que ocasiona uma margem de 10% de rodízio nas vagas que sempre são
imediatamente preenchidas. Este fato requer um cuidado muito especial por parte dos
estagiários e professores orientadores para viabilizar o cumprimento dos objetivos propostos
nas ementas e primar por um atendimento personalizado às iniciantes, que as mantenha em
estado de motivação constante com a atividade musical.
As participantes do curso de violão, criativamente improvisaram com um frasco de
shampoo e alguns barbantes, um braço de violão para poderem, ao menos, praticar as trocas
de dedos nas mudanças dos acordes aprendidos em sala. Em virtude da impossibilidade do
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estudo individual diário, elas se adaptaram ao que se considerava ser a maior dificuldade do
aprendizado do instrumento.
O Projeto Pedagógico e a Composição da Equipe Universitária do Conservatório na PFP
Dois professores, um da área de práticas pedagógicas musicais (Estágio
Supervisionado/Práticas Profissionais) e outro da área Teoria Musical e de Flauta Doce,
coordenam e orientam os alunos do curso de Licenciatura em Música para a aplicação das
aulas, responsabilizando-se também pelo conselho pedagógico e pela coordenação do projeto.
Os estudantes da universidade que atuam no projeto são estagiários matriculados nas
disciplinas de Estágio Supervisionado I, II e III ou participam como voluntários.
Os gestores do Programa Ciência e Transcendência responsabilizam-se pelos trâmites
logístico-administrativos e missionários do Projeto, dando diretrizes no incentivo à pesquisa,
abrangendo as áreas prioritárias da universidade que consistem em envolver os alunos da
graduação em atividades de ensino, pesquisa e extensão, de modo a cumprir com sua missão
social de formar indivíduos conscientes, capazes de promover uma sociedade melhor.
Um professor coordena aspectos metodológicos da área e é responsável pelo trabalho
conjunto entre o curso de Música, o Programa Ciência e Transcendência, sendo este o
responsável pelo bom andamento das atividades, atuando diretamente como professor e
supervisor dos alunos. Os demais professores envolvidos são coordenadores de área (flauta
doce, canto coral e violão) que orientam e adequam os planejamentos de aula, supervisionam
as atividades dos estagiários e também atuam como decentes.
As aulas têm, em média, uma hora e trinta minutos de duração e são distribuídas em
aproximadamente 12 semanas letivas. Elas são ministradas de forma coletiva com um
professor orientador e três a quatro estagiários da Licenciatura em Música da PUCPR atuando
como monitores para auxílio pessoal às alunas de cada curso específico. Dessa forma, dentro
da coletividade, o atendimento didático-metodológico pode ser mais individualizado,
acompanhando a evolução de cada uma das alunas, respeitando o seu processo evolutivo. A
música é uma forma de expressão humana que por si só já traz aspectos interdisciplinares às
intervenções propostas, além disso, as ações pedagógicas são planejadas de modo a valorizar
a ampliação do repertório individual por meio da integração e da troca de experiências,
multidisciplinarmente.
A equipe de coordenação do Programa Ciência e Transcendência é responsável, entre
outras atribuições, pela coordenação geral do projeto, pela preparação em cursos de formação
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ofertados aos professores e alunos para inserção no ambiente prisional e, também, pela
administração de todas as ações da universidade dentro da penitenciária, realizando um
trabalho de excelência que envolve, também, os trâmites administrativos, burocráticos,
logísticos e metodológicos para a incursão do projeto dentro da PFP semanalmente.
O programa pedagógico completo do Conservatório contempla quatro semestres
divididos em dois módulos: M1- nível básico e M2 – nível intermediário. Com o curso
completo e com a certificação emitida pelo setor de extensão da PUCPR, elas podem atuar
como monitoras de grupos musicais e educacionais, regentes de coros, minimizando suas
chances de retorno ao ambiente prisional, após o cumprimento de sua pena.
As ações pedagógicas são planejadas de modo a valorizar a ampliação do repertório
individual
das
alunas,
por
meio
da
integração
e
da
troca
de
experiências,
multidisciplinarmente, levando em consideração metodologias e abordagens pedagógicas
adequadas ao contexto.
A opção por estratégicas metodológicas de ensino da música,
instituídas de forma teórico-prática é baseada nos pressupostos das pedagogias musicais
ativas, nas quais o aprendizado musical se dá por meio de atividades práticas, priorizando o
fazer, a vivência, antes de aprofundar-se em questões teóricas e técnicas relacionadas ao
curso/instrumento escolhido, experimentando sua própria musicalidade, entre aspectos
históricos e técnicos que resultarão em aprendizagem musical significativa.
Na ementa dos cursos constam o estudo da história e da anatomia do instrumento
estudado, postura do instrumentista, afinação, técnicas de digitação, leitura musical e
apreciação musical, no caso do violão, também leitura de cifras e, por fim, percepção rítmica
e melódicas. As mulheres são avaliadas processualmente e têm acompanhamento direto dos
estagiários que as atendem conforme sua evolução, também são avaliadas pela performance
na execução de peças musicais, por meio de apresentações ao final de cada módulo. A própria
PFP possui os violões e flautas utilizados nas aulas. São cerca de 25 instrumentos dispostos
por curso, violões modelo clássico, com cordas de nylon e flautas doces Barrocas.
Considerando os resultados do processo
Há tempos estudiosos buscam entender a base psicológica na educação musical,
procurando chegar ao entendimento de como a música afeta o comportamento humano e quais
são seus benefícios (PEDERIVA & TRISTÃO, 2006; BRÉSCIA, 2003; CAMPOS, 2006;
ILARI, 2006).
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Para Straliotto (2001), a inteligência pode ser desenvolvida por meio da audição, já
que cada código sonoro representaria um espaço ativado no cérebro, com a
finalidade de reter a informação. Os neurônios, que recebem as informações
codificadas, após serem ativados pelos códigos musicais, ficariam “abertos” para
receberem conhecimento de outros órgãos dos sentidos. (STRALIOTTO (2001)
apud PEDERIVA & TRISTÃO, 2006: Pág. 87).
Pensando dessa forma, a instituição carcerária solicita que seja escolhido um
repertório com cunho lúdico e reflexivo com o intuito que as mulheres sintam-se acolhidas e
valorizadas por sua capacidade de aprender algo novo e por seus saberes pregressos aplicados
nessa relação de ensino e aprendizagem a que estão submetidas por meio desse projeto.
[...] no campo da psicologia cognitiva, a música parece constituir um artefato
mnemônico que estabelece ligações entre as pessoas e os eventos, ajudando a
armazená-los na memória. Já quanto à evolução, a música parece dar sua
contribuição através da facilitação de atividades que promovem a aproximação de
indivíduos e da criação de cenários (I.E., ou os chamados “climas propícios”) para o
desabrochar das relações interpessoais [...] (ILARI, 2006. Pág.197).
Durante o primeiro período de trabalho já foi possível notar a mudança de atitude das
mulheres envolvidas. Elas estão apresentando bom comportamento, evitando envolver-se em
brigas e confusões, a melhora na autoestima delas é percebida, e comunicada pela vontade
que revelam de levar adiante os estudos musicais, uma vez que estejam livres, renovando a
esperança de um futuro melhor e mais digno. À época da implementação do projeto piloto do
conservatório, já havia sido percebido que as intervenções musicais naquele contexto
promoveram, de fato, uma melhora considerável no comportamento das mulheres, afetando
todos os envolvidos direta e indiretamente pelo projeto (tais como a equipe de agentes
penitenciários que atendem também aos professores, alunos e voluntários). Um fato que
reforça esta ideia é que quando houve rebeliões nas prisões do Estado do Paraná, em 2014, a
única instituição penal que manteve-se em ritmo normal foi a Penitenciária Feminina do
Paraná, há muitas pessoas, entre a equipe de agentes e direção do presídio que atribuem esse
fato à presença significativa da PUCPR nesse contexto. Evidencia-se nos estudantes
envolvidos neste projeto, muitos traços positivos em sua formação. Há muito ainda por ser
aprimorado, mas com esforço e dedicação de muitas mãos, as mulheres encarceradas podem
vislumbrar um futuro mais humano, compreendendo-se como pessoas capazes de produzir e
de adquirir novos conhecimentos, favorecendo sua evolução pessoal por meio da prática
musical.
Faz-se urgente a ampliação desse estudo no sentido de pesquisar mais aspectos
motivacionais dos estudantes de Música para o ensino da linguagem musical em contextos de
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vulnerabilidade e de exclusão social, como é o caso, pois os estagiários que passaram pela
experiência apresentaram um brilho diferente no olhar e são positivamente unânimes em seus
relatórios de Estágio Supervisionado. Seguem alguns trechos de depoimentos colhidos nas
partilhas realizadas ao final das atividades, sem citar nomes: “nos tornamos pessoas melhores,
depois de conhecê-las”; “eu não sabia que elas eram mulheres comuns e que ainda tinham
vontade de aprender, apesar de algumas serem muito mais velhas que meus alunos jovens, de
classe média”; “sou mais feliz como professor de música dentro do presídio do que no
conservatório em que atuo, num bairro classe alta de Curitiba, lá meus alunos aprendem mas,
não estudam e tem seu instrumento à disposição... aqui eu choro quando vejo que mesmo sem
poder estudar durante a semana, elas voltam sabendo tudo o que foi ensinado na semana
anterior e sempre querem novidade na aula do dia”; “ eu percebi que ao precisar reformular
minhas frases para um melhor entendimento delas, eu aprendia cada vez mais como me fazer
entender e me apropriava melhor dos conteúdos para ensinar bem o que elas deveriam
aprender.” A este fato ressaltado propositalmente apenas no fim desta exposição, será dada
forte atenção na continuidade deste estudo, ainda em franco desenvolvimento.
O estágio supervisionado em Música nesse contexto tem gerado forte propensão à
reflexão e, a pesquisa resultante das ações implementadas, necessita, ainda, de amplo
investimento. Acredita-se que o caminho trilhado até aqui possa gerar muita produção
científica e formar professores competentes e humanos conscientes de seu papel na sociedade.
REFERÊNCIAS
ARNS, Cristiane & NAUMANN, Rita de Cássia. PALESTRA para a Formação dos
voluntários, estagiários e estudantes da Pontifícia Universidade Católica do Paraná
participantes do Programa Ciência e Transcendência, Educação, Profissionalização e Inserção
Social em 13 de março de 2015.
BRÉSCIA, Vera Lúcia Pessagno. Educação Musical: bases psicológicas e ação preventiva.
São Paulo: Átomo, 2003.
DEL BEN, Luciana; HENTSCHKE, Liane. Orgs. Formação e Atuação em Educação
Musical. São Paulo, Ed. Moderna, 2003.
FÁVERO, Maria L.A. Universidade e estágio curricular: subsídios para discussão. In:
ALVES, Nilda (org.) Formação de professores: pensar e fazer. São Paulo: Cortez, 1992.
ILARI, B. Música, comportamento social e relações interpessoais. Psicologia em Estudo,
Maringá, v. 11, 2006.
42883
PEDERIVA, PATRÍCIA Lima Martins e Tristão, Rosana Maria. Música e Cognição.
Ciências & Cognição; Ano 03 Vol. 09. 2006.
PLACHA SÁ, P. Eles (não) são recicláveis. Revista da Faculdade de Direito - UFPR,
Curitiba, n.47, p.29-64, 2008. Disponível em
http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/direito/article/view/30765/19873. Acesso em 03/12/2015.
ROERCH, S.M.A, et al. Projetos de estágio e de pesquisa em administração: guia para
estágios, trabalhos de conclusão, dissertações e estudos de caso. – 2º ed. - São Paulo: Atlas,
1999.
TRACZ, M.; DIAS, A. N. A. Estágio Supervisionado: um estudo sobre a relação do estágio
e o meio produtivo. 2006.
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