sociedade de patologia do tocantins

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Rev Pat Tocantins
V. 3, n. 01, 2016
SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS
CASE REPORT
RELATO DE CASO: INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA DE LESÃO
ULCERADA NA REGIÃO NASAL*
Nilo Fernandes da Costa1; LuísOtávio Dornelles Claret 2; Natália de Melo Pereira3; Reginaldo Maia Júnior4; Virgílio
Ribeiro Guedes5; Danillo Alves Bastos6
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo apresentar as dificuldades de diagnóstico diferencial
entre o carcinoma espinocelular (CEC) e a Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) – doença
muito comum no Estado do Tocantins e que apresenta sintomas semelhantes à primeira – através de
um estudo de caso. Em primeiro lugar, descreve o carcinoma espinocelular, os fatores de risco para
a doença, suas características e diagnóstico. Em seguida, é apresentado o caso de uma paciente de
76 anos, inicialmente diagnosticada com LTA, mas que, posteriormente é diagnosticada com CEC,
já em estágio avançado. A seguir, é descrito o perfil da LTA e suas semelhanças como CEC, que
fazem com que o diagnóstico diferencial se torne um desafio, principalmente para o médico da
Atenção Primária no interior do Tocantins. Por fim, conclui-se que a falta de estrutura para
realização de exame anatomopatológicos no interior do Estado é um dos maiores desafios para este
profissional, já que este tipo de análise é fundamental para um diagnóstico preciso e confiável.
Palavras-chave: Carcinoma espinocelular; Leishmaniose Tegumentar Americana; Diagnóstico
diferencial.
*Trabalho realizado junto à Universidade Federal do Tocantins (UFT-TO) e Hospital Geral Público de Palmas (HGPP);
1 Médico, Dermatologista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia e Professor Assistente da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal do Tocantins (UFT-TO);
2,3,6 Graduandos do 12º período do curso de Medicina da Universidade Federal do Tocantins (UFT-TO);
4 Médico, Cirirgião de Cabeça e Pescoço do Hospital Geral Público de Palmas (HGPP);
5 Médico, Patologista Geral e Professor Auxiliar de Ensino da Universidade Federal do Tocantins (UFT-TO).
1
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SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS
CASE REPORT: DIAGNOSTIC INVESTIGATION OF ULCER LESION IN NASAL
REGION
ABSTRACT
This work aims to present, through a case study, the difficulties in the differential diagnosis
between squamous-cell carcinoma (SCC) and American cutaneous leishmaniasis (ACL) – a very
common disease in Tocantins and which presents similar symptoms to the first. At first, this article
describes the squamous-cell carcinoma, the risk factors for it, its characteristics and diagnosis. After
that, we present a case study about a female 76-year-old patient, initially diagnosed with ACL, but,
lastly, diagnosed with SCC in advanced stage. Then, this work presents the profile of ACL and its
similarities to SCC, which makes the differential diagnosis a challenge, especially for the primary
doctor in the countryside of Tocantins. Finally this article concludes thatthe lack of structure to the
realization of histopathological exams in the countryside of the state is one of the biggest challenges
for this professional, since this kind of analysis is essential for a precise and reliable diagnosis.
Keywords: Squanous-cell carcinoma; American cutaneous leishmaniasis; Differential diagnosis.
2
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SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS
com a taxa do Brasil, cuja incidência foi
INTRODUÇÃO
As
queixas
sobre
de 11,59/100.000 habitantes3.
lesões
ulcerosas em áreas expostas são muito
prevalentes
e
solar é o principal fator de risco
necessitam de um raciocínio clínico
relacionado ao CEC. Outros fatoressão:
para
provável
idade avançada; exposição ao arsênico e
diagnóstica e possíveis diagnósticos
hidrocarbonetos aromáticos; fenótipo
diferenciais, com intercalação de dados
suscetível (pele, olhos e cabelos claros);
epidemiológicos,
imunossupressão;
cicatrizes
queimaduras
úlceras;
a
na
prática
elucidação
histopatológicos.
médica
Sabe-se que a exposição à luz
do
clínicos
Dentre
as
e
várias
e
de
HPV;
causas, destacamos o câncer de pele
genodermatoses e tabagismo. O CEC
não-melanoma,
mais
pode ser localizado em diversas regiões
comum deneoplasia maligna no país
corporais, tais como cabeça, pescoço e
segundo o Instituto Nacional do Câncer.
membros
Em 2012 foramregistrados 134.170
podem ser desenvolvidas tanto em áreas
novos casos no país, sendo o risco
saudáveis quanto em áreas acometidas
estimado de 68 novos casosa cada100
por
que
éo
tipo
1
mil habitantes .
com
apresentando
sua alta prevalência, observa-se uma
se
suprabasais3,
aspecto
eritematoso,
com necessidade de biópsiaincisonal
ouexcisional da lesão. De todos os
Americana (LTA) é um dos principais,
incidência
de
diagnóstico é clínico e histopatológico,
Tocantins, a Leishmaniose Tegumentar
alta
atípica
verrucosos e até mesmo ulcerosos4. O
diagnósticos
diferenciais. Dentre eles, no Estado do
sua
Muitas
irregular e, ao evoluírem, tornam-se
subnotificação dos casos no país2, pois
numerosos
proliferação
queratinócitos
representa 25% da totalidade. Apesar da
à
lesões
queratina na camada basal da epiderme,
pele,o carcinoma espinocelular(CEC)
devido
ceratosesactínicas.
Suas
iniciam em áreas com aumento de
Dentre os tipos de câncer de
existem
superiores4.
cânceres de pele não-melanoma, 80%
e
são carcinoma basocelular (CBC) e
semelhança clínica ao CEC. Apenas em
20% são CEC, sendo este o mais
2010, a incidência de LTA foi de
invasivo e mais metastático, porém,
40,62/100.000 habitantes, contrastado
apresenta grande chances de cura com o
tratamento cirúrgico adequado3.
3
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O presente estudo de caso relata
16/06/2013 com resultado de CEC bem
a dificuldade diagnóstica em um estágio
diferenciado.
avançado de carcinoma espinocelular e
serviço de dermatologia do Hospital
suas
Geral Público de Palmas (HGPP).
consequências.
Dessa
forma,
chama atenção para a importância do
Foi
encaminhada
ao
Ao exame físico dermatológico
serviço de análise histopatológica, pois
conforme representado pela figura 1,
quanto mais precoce for o diagnóstico e
paciente apresentava lesão ulcerada,
tratamento, maior a chance de cura.
localizada
esquerda,
RELATO DO CASO
Paciente M.B.S, sexo feminino,
região
supra
labial
com
bordas
consistentes,infiltradas,
fundo
purulento,
76 anos, parda,residente em Povoado
em
fétida,
de
tamanho
aproximado de 3 cm em seu maior
Alto Lindo (TO) relata surgimento de
diâmetro. Região supralabial e de base
pápula eritematosa de diâmetro igual a
nasal eritematosa e infiltrada. Sem
0,5 cm em região supra-labial esquerda
adenomegalias e/ou visceromegalias.
de crescimento progressivo e ulceração
em período de dois anos (2011-2013).
Refere dor local, obstrução nasal,
cefaleia,
dor
retro
orbitária
e
à
mastigação, perda ponderal de 10 kg
nesses
dois
anos,
astenia.Durante
esse
associada
período,
à
filha
refere que mãe recebeu o diagnóstico de
LTA,
relatando
tratamento
medicamentoso sem informação sobre
medicação e tempo de tratamento.
Figura 1. Lesão ulcerada – pré-
Procurou serviço médico em
operatório
Araguaína (TO), onde a LTA foi
levantada como hipótese diagnóstica.
Foi
realizada
biópsiaincisonalem
A paciente foi submetida a
12/06/2013,com o resultado de lesão
exames laboratoriais, tendo sorologia
epitelial
não treponêmica (VDRL)negativa e
escamosas
a
proliferativa
bem
de
células
diferenciadas,
e
Teste de Imonoensaio-enzimático para
4
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LTA negativo. A tomografia evidenciou
comprometimento
superficial
e
profundo do lábio com invasão de
cartilagem, linfonodos medindo de 10 a
12 mm na porção anterior da glândula
mandibular direita e linfonodos de 7mm
submentoniano à esquerda. A paciente
foi internada pela cirurgia de cabeça e
pescoço, que realizou uma amputação
nasal
total
com
reconstrução
por
retalhomiocutâneo.Foi encaminhada à
radioterapia e, oportunamente, seria
feita a
reconstrução nasal. Foram
retirados três fragmentos para pesquisa
deLTA e fungos, ambos negativos. A
Figura 2. Histopatológico da lesão
biópsia da peça confirmou o diagnóstico
de
carcinoma
espinocelular
bem
diferenciado, conforme figura 2.
Após
Foram realizadas 33 sessões de
20
dias,
a
paciente
retornou para reconstrução labial. A
radioterapia com melhora do estado
biópsia evidenciou margens cirúrgicas
geral. Porém, houve recidiva das lesões
livres. A paciente recebeu alta e seguiu
em lábio inferior e cavidade nasal.
em acompanhamento para posterior
Levando-se em consideração a condição
realização da confecção de prótese
clínica e idade avançada a conduta foi
nasal.
conservadora e paliativa. A paciente
DISCUSSÃO
evoluiu com grande dificuldade para
deglutir, emagrecimento e desnutrição
No Tocantins, tanto a incidência
importante vindo a falecerem setembro
deCEC, quanto de LTAsão elevadas,
de 2014.
sendo a região Norte correspondente a
36% do total de casos registrados no
Brasil. Clinicamente,a LTA apresentase, em sua forma clássica, como pápulas
5
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que evoluem para úlceras com fundo
mantêm as células unidas), atribuindo
granuloso e bordas infiltradas em
um aspecto estriado ou espinhoso ao
moldura, já sua forma mucosa pode
contorno celular; daí o termo camada
infiltrar, ulcerar e destruir a cavidade
espinhosa. É comum a formação de
nasal5. O CEC inicia-se como um
queratina condensada no centro dos
espessamento da pele com posterior
agrupamentos celulares, constituindo
formação de placa endurecida, nódulo e
as pérolas córneas, o que indica um
ulceração, podendo apresentar bordas
estágio bem diferenciado do carcinoma
firmes
elevadas,
Conforme
a
em
figura
2
molduras .
2,
epidermóide.
ambos
lâmina
Caso
do
existissem,
caso,áreas
na
menos
apresentam-se com lesão ulcerativa e,
diferenciadas, a
além do mais, possuem epidemiologia e
observada somente em células isoladas,
quadro
o
ou mesmo ausente, e um maior grau de
diagnóstico diferencial de ambos na
atipias, e o índice mitótico seria maior,
macroscopia é muito difícil, sendo
notando-se mitoses atípicas. Na lâmina
obrigatório o exame histopatológico.
que está documentada no caso, a placa
clínicos
semelhantes,
corneificaçãoseria
metafásica é irregular, dispondo-se em
Na lâmina do caso clínico, a
mais de um plano, apresentando-se um
partir de um exame histopatológico, é
possível
tipo bem diferenciado.
confirmarcarcinoma
epidermóide, pois se observa uma
O grau
de
diferenciação
constituição característica, marcada por
histológica pode variar de uma área para
células semelhantes às da epiderme
outra do mesmo tumor. Habitualmente,
normal,
arquitetura
o grau histológico de um carcinoma
desorganizada, devido à presença de
epidermóide é dado pelo maior grau
atipias
pleomorfismoe
encontrado nas várias áreas examinadas
mitoses típicas e atípicas. Em áreas
(variando de I a IV, sendo o I para o
melhor diferenciadas, as células tentam
mais diferenciado e IV para o menos
imitar a epiderme normal, com poucas
diferenciado), porque a área de maior
atípias e presença de corneificação.
grau histológico provavelmente tem o
mas
com
nucleares,
maior
Na
camada
de
Malpighi
é
malignidade),
possível
observar desmossomos (organelas
potencial
extensão6.
que
6
agressivo
independente
(maior
de
sua
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O carcinoma epidermóideé um
resultaria em um tratamento curativo e
dos tumores mais comuns da pele. Sua
menos agressivo.
frequência aumenta a partir da meia
Dessa forma, tanto o CEC
idade e predomina em pessoas de pele
quanto a LTA representam um desafio
clara e em áreas da pele expostas ao sol,
diagnóstico ao médico atuante na
mas pode ocorrer em qualquer região
Atenção Primária do interior do Estado
cutânea. Ao contrário do carcinoma
pela não disponibilidade em tempo
basocelular, que quase nunca possui
hábil
metástases, o carcinoma epidermóide
possibilidade
para linfonodos próximos. Tumores
pulmão,
de
comprovação
Assim, conclui-se a importância
metástases hematogênicas a órgãos
e
complementares,
laboratorial e de imagem.
mais agressivos podem também dar
(fígado
exames
ficando a mercê da suspeita clínica, sem
tende a metastatizar por via linfática
distantes
de
no aperfeiçoamento e implementação de
por
exemplo)6.
ferramentas
diagnósticas,
histopatológico,
CONCLUSÃO
no
como
interior
o
do
Tocantins.
A dificuldade diagnóstica da
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
doença de base da paciente (CEC) tão
prevalente
na
prática
1. MINISTÉRIO DA SAÚDE, Instituto
clínicafoi
asemelhança clínica e epidemiológica
Nacional de Câncer José
coma LTA, além do atraso na realização
Gomes da Silva (INCA). Estimativa
do
demora
Nacional de Câncer 2012. Rio de
ocorreu devido à precariedade do
Janeiro, RJ, 2012. Disponível em:
serviço
http://portal.saude.sp.gov.br/resources/s
anatomopatológico.Tal
de
saúde
no
interior
do
Alencar
Tocantins, atrasando o diagnóstico e
es/perfil/gestor/homepage/estimativas-
favorecendo a progressão da doença e
de-incidencia-de-cancer-
sua infiltração e disseminação para
2012/estimativas_incidencia_cancer_20
estruturas
12.pdf. Acessado em 01 de dezembro de
nobres,
necessitando
de
cirurgias mutilantes, como a amputação
2015.
nasal total, devido ao comprometimento
2.
de
FIGUEIREDO,C.L.;
pele,
mucosa
e
septo
nasal.
Certamente, o diagnóstico mais precoce
CARVALHO,E.A.;
7
CARNEIRO, V.F.;
SOARES,P.G.;
FERREIRA,K.N.;
Rev Pat Tocantins
V. 3, n. 01, 2016
FLAVIO
JR,
SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS
W.F.
Espinocelular
Carcinoma
cutâneo
diferenciado:
bem
apresentação
atípica.
Revista da Universidade Vale do Rio
Verde, Três Corações, v. 10, n. 2, p. 5258, ago./dez. 2012.
3. MINISTÉRIO DA SAÚDE, Datasus.
Disponível
em:
:<http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.
exe?idb2011/d0204.def>. Acesso em:
24 de setembro de 2015.
4.
BARELLA,C.S.;
YAMANE,A.
Análise
epidemiológicos
carcinoma
BLANCO,L.F.;
dos
dos
dados
laudos
espinocelular.
de
Revista
Brasileira de Clínica Médica, São
Paulo, v.11, n. 1, p. 43-47, jan./mar.
2013.
5.
MINISTÉRIO
DA
SAÚDE,
Secretaria de Vigilância em Saúde.
Manual de vigilância da leishmaniose
tegumentar americana. Brasília, DF,
2010.
6. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE
CAMPINAS,
Anatomia.
Departamento
Patológica
da
de
FCM-
UNICAMP, Campinas - SP. Disponível
em: http://anatpat.unicamp.br. Acesso
em: 24 de setembro de 2015.
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