paisagem natural, paisagem cultural e fome: construçâo

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PAISAGEM NATURAL, PAISAGEM CULTURAL E FOME: CONSTRUÇÂO,
ENTENDIMENTO
E
SIGNIFICADO
DA
OBRA
“DOCUMENTÁRIO
DO
NORDESTE” DE JOSUÉ DE CASTRO.
Emanuel Barros Roma
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
[email protected]
Resumo
Entender a obra “Documentário do Nordeste” (1965) é buscar refletir a relação que
Josué de Castro constrói entre a ficção e a realidade para a formação do enredo dos textos
observados, em que o sustentáculo de toda essa reflexão está na paisagem natural e humana
que se tornam o ponto- chave no desenvolvimento desse trabalho, que busca mostrar a
Literatura como um instrumento importante para os estudos geográficos inserindo uma
diversidade de problemas do cotidiano de uma determinada sociedade formando, com isso,
todo esse processo de entendimento e construção dos textos na formação histórico- dialética
da sociedade no espaço natural e humano.
Palavras- chave: paisagem natural, paisagem cultural, fome, significado.
Introdução
O presente artigo realizou uma análise interpretativa da categoria paisagem na obra
“Documentário do Nordeste” (1965) do médico- geógrafo recifense Josué de Castro (19081973), dentro de uma perspectiva geográfica cultural a partir da relação do autor e das
personagens com a paisagem natural e a paisagem cultural da cidade do Recife e das
regiões do Sertão Nordestino, Zona da Mata e Litoral, especificamente dos mangues, e de
outras regiões afins a que estão diretamente e indiretamente envolvidos dentro de um
contexto social, político e econômico, em que o problema da fome, na construção da obra, é
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o principal fator modelador da paisagem (natural e cultural) através do dinamismo das
personagens em busca de uma condição de vida digna.
A partir desse estudo busca-se discutir a importância da relação Geografia/
Literatura, através de como são trabalhadas categorias geográficas em obras literárias,
mostrando o que Denis Cosgrove diz em um dos títulos de seus trabalhos: “A Geografia
Está em Toda Parte” (1988, p.92). Destacando a representação da cultura de um povo com
seus símbolos na construção de significados na paisagem humana, tendo por objeto de
estudo a obra de Josué de Castro citada anteriormente, este estudo busca o entendimento e o
significado da paisagem na construção do enredo da obra pela relação homem/ natureza
entre a paisagem e o modo de vida das personagens, sendo a fome mediadora, e a
caracterização resultante dessa relação.
Tendo por objetivo discutir a importância da contextualização entre Geografia/
Literatura para a formatação de análises com ênfase nas paisagens percebidas e
interpretadas de obras literárias que abordam o cotidiano de um determinado lugar através
da sua interpretação dentro do cotidiano social, político e econômico a que se passa no
período vigente, realiza-se uma análise teórica da categoria paisagem associada à
construção da análise da obra “Documentário do Nordeste” através da interpretação da
leitura que Josué de Castro fomentou nos seus textos ficcionais e científicos baseado na
paisagem natural e humana por ele vivida e percebida com um olhar sobre vários aspectos
que se mostram presentes, principalmente a situação de vida da população menos
favorecida, tendo o problema da fome como objeto de estudo, enveredado por outros
problemas de ordem social, política e econômica.
Através de uma análise das obras “Homens e Caranguejos” (1967), “Documentário
do Nordeste” (1965), “Ensaios de Geografia Humana” (1969) especificamente o capítulo
“A Geografia como ciência” (p. 11- 15) de Josué de Castro, a leitura do texto de D. A. de
Melo Filho (2002) que discute sobre a temática do mangue e dos homens em Josué de
Castro pelo estudo das três obras citadas anteriormente e trabalhos de autores (geógrafos)
que abordam a temática da paisagem cultural e humana, dentre eles, o geógrafo cultural
britânico Denis Cosgrove, foram feitas leituras, fichamentos, resumos e, por fim, a redação
final do artigo.
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Realidade e ficção no contexto de uma vida: a paisagem natural e humana e a fome na obra
“Documentário do Nordeste”.
Nossa tarefa é a de ultrapassar a paisagem como aspecto, para chegar ao
seu significado. A percepção não é ainda o conhecimento, que depende de
sua interpretação e esta será tanto mais válida quanto mais limitarmos o
risco de tomar por verdadeiro o que é só aparência (SANTOS, 1988, p.22).
A citação acima em forma de epígrafe revela um dos aspectos fundamentais para a
realização desse trabalho: a busca do significado que está retratado nos textos analisados
que compõe a obra “Documentário do Nordeste” (1965) na formação da paisagem natural e
cultural na visão de uma pessoa, com toda a complexidade sócio- espacial e natural que
rege o cotidiano de uma sociedade.
A vida de uma pessoa é construída pelo que ela vivencia no/do lugar em que vive e
dos fatos de lugares em que ela não esteve, mas tem conhecimento das suas realidades por
outras pessoas, tendo a imaginação e a percepção como fomentadores da sua realidade e do
seu caráter, muitas vezes, traduzidos em textos de ficção e científicos que concretizem todo
esse processo de formação.
Percebe-se em “Documentário do Nordeste” (1965) que Josué de Castro trás à tona
nos seus textos (contos, descrições e trabalhos científicos) a realidade de vida de uma
população que convive com vários problemas naturais e sociais, principalmente, dentre eles
o da fome, que se pode considerar o mais relevante na construção do que é a vida dos
habitantes dos mangues e de outras regiões ligadas ao seu meio de convívio.
A paisagem é reveladora da situação de vida dessa determinada população, através
da observação da forma de vida que essa população está submetida percebe-se toda uma
dinâmica complexa da estrutura social, política e econômica que proporciona a formatação
de uma configuração no espaço, tempo e lugar sendo constituída de elementos naturais e
humanos que se interpenetram numa dialética homem/ natureza resultando em uma
transformação que demonstra o que se passa na vida das pessoas que ali estão
(con)vivendo, (re)transformando a paisagem.
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A relação que se forma entre a paisagem humana e a paisagem natural se torna algo
presente a partir das diversas formas de interpretação que Josué de Castro observa da
formação da cidade do Recife, descrevendo a formação das construções em cada bairro,
caracterizando o tipo de construção com a condição social dos seus habitantes seguindo
numa ordem em que se subentende o seu ponto-chave em se tratar à questão do tipo de
habitação como forma de segregação ao se descrever como a cidade e o seu formato são
distribuídos no espaço, em que os menos favorecidos, os habitantes do mangue, na sua
maioria, pessoas vindas do Sertão pela seca, da Zona da Mata onde prevalece a
monocultura da cana e das pessoas que são da cidade, mas por terem uma renda
desfavorável a residir numa melhor habitação vão a busca da moradia dos mangues aonde
se pode construir sua própria habitação (mocambos) com o que se consegue no mangue
sem o pagamento de aluguel, mas com nenhuma condição básica de moradia e alimentação
que proporcione uma vida descente.
Essa situação, entre outras, do que a paisagem e os seus aspectos influenciam na
formação de uma personalidade, de um caráter estão relatadas nos contos e descrições que
mostram o cotidiano da “Paisagem viva do Nordeste” (CASTRO, 1965, p.11) e em três
textos científicos que integram a segunda parte do livro denominada “Estudos Sociais”
(CASTRO, 1965, p.52).
Em “A CIDADE” (CASTRO, 1965, p.13- 17) a paisagem natural e humana são
vistas e retratadas sob um olhar de uma sensibilidade imponente no sentido de descrição da
sua forma e conteúdo com um enfoque geográfico, histórico e crítico- humanista a que
Josué de Castro, pela sua capacidade de cientista e ser humano, constrói no que os aspectos
sociais, políticos e econômicos de uma sociedade capitalista fomentam numa cidade
mediana em escala regional com o aspecto diverso destacando cada local.
No início lê-se como a cidade do Recife, pela diversidade na formação da paisagem
humana que ela possui, sob influência holandesa, portuguesa e africana, torna a percepção
representativa algo diferenciado pelo significado novo de uma paisagem humana
transplantada, que no dizer de Josué de Castro:
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O Recife,[...], não é uma cidade duma só cor, nem dum só cheiro[...] Por
seu arranjo arquitetônico, pela tonalidade própria de cada uma de suas
ruas, o Recife é desconcertante, como unidade urbana, impossível mesmo
de caracterizar-se. Casas de todos os estilos. Contrastes violentos nas
côres(sic) gritantes das fachadas. Cidade feita de manchas locais
diferentes, não há por onde se possa apanhar na fisionomia das casas o
tom predominantemente da alma da cidade (1965, p.1).
Percebe-se a atmosfera de descrição realizada por Josué de Castro sobre a estrutura
urbana, com os seus diferenciadores de um lugar ao outro no aspecto humano, mostra a
clareza de como a segregação urbana se representa no espaço geográfico e natural
caracterizada pela paisagem humana construindo o significado através desse símbolo.
A natureza constrói a uniformidade a partir de uma paisagem natural que unifica o
“mosaico” (CASTRO, 1965, p.1) humano pelos caminhos do Capibaribe e Beberibe,
formadores dessa natureza única semeando o Sertão, a Zona da Mata e o Recife(litoral) que
resulta em uma semelhança com outras cidades do mundo dentro da história de ocupação e
desocupação do “elemento humano” (CASTRO, 1969, p.12) regido pelos rios que
influenciam e conectam regiões afins nessa paciente e dinâmica relação construtiva/
destrutiva da natureza e do homem em todos os seus aspectos, destacada no que Josué de
Castro diz ser “donde a cidade tira toda a sua vida” (1965, p. 1).
Em o “DESPERTAR DOS MOCAMBOS” (CASTRO, 1965, p.19- 21) a paisagem
dos mocambos revela a dinâmica de uma sociedade excluída que constrói uma relação com
a natureza de convivência mútua com as limitações impostas por ela, pela sua força e,
principalmente, pela imposição do próprio homem consigo mesmo, excluindo-a das
necessidades básicas de vida.
A visão de Josué de Castro se mostra em um período curto de tempo onde os
habitantes e os passageiros que estão passando pelos bairros dos mocambos, transformando
aquela paisagem em uma dinâmica que demonstra o ritmo de vida daquela população, com
todas as dificuldades que perpassam as suas vidas. No decorrer desse tempo os mocambos
ficam vazios com a saída dos seus moradores para exercerem diversas atividades nos outros
lugares da cidade, ressaltando o comparativo de uma paisagem com o espaço geográfico na
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construção de uma epistemologia das categorias geográficas (SANTOS, 1988, 2006) e que
também demonstra a exclusão socioespacial com políticas não favoráveis, a miséria e a
fome que refletem o cerne da relação de uma construção do problema da fome pela
concretização da paisagem no espaço humano e natural do Recife.
No “CICLO DO CARANGUEJO” (CASTRO, 1965, p.23- 25) destaca-se como se
formou a vida dos habitantes dos mangues, pelo exemplo da família Silva (Zé Luis da
Silva, Joaquina (Maria), João Paulo, Joaquim) que demonstra no contexto espacial e
temporal da época em questão, a situação de vida dos habitantes provenientes do Sertão
Nordestino enfrentando as dificuldades da seca, do monopólio agrário na Zona da Mata e
da miséria salarial e habitacional que a cidade do Recife revela aos olhos daquela família,
em outras palavras, a diversidade natural e humana da paisagem com as dificuldades de
convívio dos menos favorecidos com o descaso do homem e as dificuldades impostas pela
natureza resultando no problema da fome que, sem dúvida nenhuma, é a maior das misérias
humanas.
A paisagem humana é o reflexo dessa situação, que é controlada pela minoria
detentora do Capital que o guia dentro dos seus interesses, construindo uma “maisvalia”
imponente. Vê-se essa situação no trecho em que a família Silva (Zé Luis da Silva,
Joaquina (Maria), João Paulo, Joaquim) chega na Zona da Mata, mas pela situação de um
salário miserável e o monopólio da cana-de-açúcar demonstrando uma estruturação
capitalista agrária monopolizadora com uma “maisvalia” forte na formação de uma
paisagem humana que reflete o poder do Capital sobre o dinamismo humano.
A paisagem natural, com as suas tipologias de cada lugar, destacado no texto
reforça, pelas suas propriedades, a situação de vida da família Silva (Zé Luis da Silva,
Joaquina (Maria), João Paulo, Joaquim) no decorrer da sua passagem por esses lugares em
busca de uma vida digna com um ambiente que lhe favoreça.
No Recife, em busca de uma condição de vida melhor, a família se depara com o
problema do baixo salário pago pelos industriais e que, por isso, influencia na degradação
alimentar e habitacional, tendo essa família de ir morar nos mangues e se alimentar
basicamente e, às vezes, unicamente de caranguejo, dando ênfase ao que Josué de Castro
colocou como título desse texto “O CICLO DO CARANGUEJO” (1965, p.23), ciclo esse
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que cria a identidade da população que constrói sua vida nesse ambiente pelos restos dos
seus dias, fomentando um tipo de homem que mais tarde seria denominado “homemcaranguejo” (MELO FILHO, 2003, p.505).
No conto “JOÂO PAULO” (CASTRO, p.27- 29) a personagem da estória tem uma
vida no meio de um contexto maior de vidas no desacordo que os homens vivem, uns
privilegiados e os outros, a maioria, ao desamor da vida que carregam no seu percurso.
A paisagem é mostrada no entorno do que o menino João Paulo exerce no seu
cotidiano de morador do mangue, pertencente a uma família de retirantes da seca do Sertão
nordestino vindo para uma cidade que não oferece estrutura para a inclusão da sua família e
de outras, o que acarreta no grave problema da exclusão social e urbana da população
menos favorecida, tendo de ir morar em um lugar impróprio a vida humana, que é o
mangue, acabando por viver em condições subumanas de moradia e alimentação, tendo o
poder público só interesse em retirar essa população desse lugar sem nenhuma garantia de
moradia e emprego, em suma, uma melhor condição de vida, o que gera a revolta e o
conflito desses moradores com o poder repressivo do Estado acarretando na morte precoce
e desoladora de mais “uma vida Severina”.
Ressalto a liberdade que o menino tinha pela percepção e ligação dele com a
natureza, a paisagem local, um convívio intrínseco e mútuo que torna a paisagem humana
(o cotidiano do menino) uma extensão da paisagem natural que se constrói no significado
atribuído por Josué de Castro na liberdade de uma vida sofrida.
No texto “ILHA DO LEITE” (CASTRO, 1965, p.31- 35) vê-se como a cidade é um
lugar de contrastes, sendo concretizados na paisagem humana de uma sociedade classista
unificada pela paisagem natural no transcorrer dos tempos influenciando na formação,
consolidação e hierarquização presente nessa sociedade.
Nesta estória/ história vê-se, primeiro a localização do lugar, no caso a Ilha do Leite,
influenciado por fatores diversos dentre eles a segregação urbana que exclui os menos
favorecidos, mostrando os caracteres que esse lugar possui como o habitat (mocambos), a
formação natural (mangues) e as outras condições de vida, destacando a miserabilidade de
vida dessas pessoas.
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A partir da estória de Idalina, Josué de Castro vai construindo a realidade de vida
dos moradores da “Ilha do Leite” no contexto da cidade nos convívios e conflitos que
(trans)formam a dinâmica dessa personagem interagida com a paisagem humana e a
paisagem natural na construção de uma ficção ancorada numa realidade de degradação e
humilhação em paralelo com a convivência pacífica e respeitosa para/ com a personagem.
Em “ASSISTÊNCIA SOCIAL” (CASTRO, 1965, p.37- 39) a realidade de vida de
uma sociedade é regida pela condição econômica, política e social que possui, mostrando
com isso as condições alimentares e sociais na construção de uma paisagem humana
reveladora dos significados que essa sociedade carrega, tendo a paisagem natural como a
base e o sustentáculo de toda essa (trans)formação do espaço e do lugar habitado.
No decorrer do texto a paisagem é mostrada pela dinâmica do médico através das
paisagens que ele vive, convive e/ ou conhece por intermédio dos seus pacientes, que
percebe o condicionamento imposto por um sistema excludente, repressor e complexo na
formação conduzida pela economia, política e sociedade.
As diferenças de classes na construção da vida, na formação de uma sociedade
melhor e da realidade cruel de uma vida é retratada no cotidiano do médico representada
em um dia de trabalho em uma fábrica a partir do dilema da condição de saúde dos
trabalhadores, que ganham um salário miserável não podendo se alimentar direito e, por
isso, sofrendo consequências danosas a sua saúde, tendo o entrave do dono da fábrica na
imposição de diminuir os gastos e dispensas sem querer realmente melhorar a situação
salarial dos trabalhadores, tendo o médico buscando melhorar a saúde deles a consequência
da dispensa do trabalho e, com isso, sofrer as consequências da sua boa vontade.
Em “A SOLIDARIEDADE HUMANA” (CASTRO, 1965, p.41- 44) a vivência de
uma criança (Josué de Castro) com a realidade do lugar que habita, tendo uma paisagem
contrastante, diversa e desumana mostrada pela condição de vida da sua família e das
pessoas menos favorecidas que ele mantém um certo convívio, percebe-se como a
influencia de um lugar, em um determinado espaço, tendo uma paisagem humana
representativa da situação dessas pessoas e de uma paisagem natural homogênea formarem
uma consciência que transpõe o tempo, transformando por definitivo a personalidade de
Josué de Castro tendo essa “Paisagem viva” (1965, p.11) com todos os seus problemas
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influenciado por representações de situações que mostram uma humanidade, representada
pela relação de Chico e Cosme, em um ambiente desumano, destacado na situação de saúde
e financeira dessas personagens, aonde o único propósito dessa relação é uma amizade
verdadeira.
“A SECA” (CASTRO, 1965, p.45- 49) trás à tona a situação de vida do morador
carente do Sertão Nordestino com o fenômeno natural da seca, que se mostra neste texto em
uma relação desoladora entre a paisagem natural do lugar (o Sertão Nordestino) com os
aspectos de flora, geológicos, geomorfológicos, climáticos e temporais que formaram toda
essa paisagem e contribuem enaltecendo o drama que a seca trazia àquelas pessoas que
viviam no Sertão Nordestino, reforçado pela representação da paisagem humana do
sertanejo no drama de uma família em busca de sobreviver na terra que lhe pertence da
forma mais extrema possível sem nenhum apoio de órgãos governamentais ou de outro
vínculo externo, destacando o drama pela busca de água e comida por Juvêncio
(personagem principal do conto) para tentar aliviar o sofrimento da enfermidade do filho e
saciar a fome e sede da família.
O dinamismo da estória/ história se mostra na dinâmica transformadora da paisagem
que é percebida no decorrer da situação que Juvêncio (personagem principal do conto) se
encontra, de completo desespero, percorrendo toda uma região em busca de água e comida
destacando-se no momento em que ele para e relembra de como aquele lugar, em período
passado, tinha uma paisagem bem mais viva, com uma vegetação reluzente ao olhar do
sertanejo, tendo abundância de elementos naturais que refletia no comportamento seu e de
sua família, interagindo com a natureza reluzente ao retratar uma cena de sua família o que
mostra como a relação do homem com a natureza pela representação que a paisagem
natural exerce sobre o elemento humano que a (re)transforma é importante no entendimento
e significado do convívio harmônico entre o ser humano e a natureza.
Ressalto um importante argumento de que a importância da influência da paisagem
pode transpor a realidade chegando ao mítico no momento dramático de Juvêncio ao se
reportar a Deus ao saber da morte do filho.
“O PROBLEMA DOS MOCAMBOS” (CASTRO, 1965, p.61- 65), trabalho de
cunho científico, destaca o lugar e o habitat dentro de um espaço natural delimitado por
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condições impróprias de fixação humana, tendo sido construída uma paisagem humana
descomunal, que é reveladora das condições a que uma determinada população pode viver.
A questão política, social e econômica (que rege as outras duas) de uma sociedade
capitalista excludente são os principais meios que concretizam o espaço de formação da
sociedade dos mocambos, que habita os mangues e vivem do que esse meio oferece.
Em o “REGIONALISMO E A CULTURA BRASILEIRA” (CASTRO, 1965,
p.105- 108) a influência que a paisagem natural e cultural traz na formação de uma
identidade regional valoriza os aspectos naturais e humanos da região, sendo consolidada
através de trabalhos que mostrem a realidade local.
A formação de uma sociedade, em um determinado lugar, tem a natureza local
como meio de interação que, a partir de estudos, compreenda esse espaço e possa, assim, se
consolidar nesse ambiente não se limitando as condições naturais (físicas) inóspitas,
podendo superá-las pela capacidade técnica, científica e informacional que dispõe.
A percepção do indivíduo sobre o objeto (cidade), na sua perspectiva idealizada,
com o uso dos sentidos na representação aparente para entender o significado da sua
essência na paisagem natural e humana, com um olhar sob determinado ângulo em que
A paisagem toma escalas diferentes e assoma diversamente aos nossos
olhos, segundo onde estejamos, ampliando-se quanto mais se sobe em
altura, porque desse modo desaparecem ou se atenuam os obstáculos à
visão, e o horizonte vislumbrado não se rompe (SANTOS, 1988, p.22)
constrói o entendimento que esse objeto representa na vida de uma pessoa, aperfeiçoando
ainda mais o seu conhecimento do espaço e da paisagem relacionados.
O processo idealizado realiza-se através da formação da consciência, com a
representação construída pelos sentidos a partir da percepção que o indivíduo forma, tendo
as imagens como fomentadoras dessa ontologia 1, concretizada no espaço e refletida na
paisagem.
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Ontologia: termo filosófico em que se precede a organização da natureza a partir da visão do ser.
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Percebe-se no texto “A PERSPECTIVA IDEAL DE UMA CIDADE” (1965, p.125128) que Josué de Castro forma a sua ideia, sobre a argumentação relatada anteriormente, a
partir do olhar, sob o ângulo aéreo, na percepção comparativa da cidade do Recife com
outras cidades, destacando as paisagens naturais e humanas com os seus diferenciadores
vista sobre esse ângulo, com a complexidade na (trans)formação presente nessas paisagens
enaltecendo todo o entendimento na formação dos significados surgidos nesse perspectiva.
A argumentação sobre a cidade do Recife surge pela idealização que ele tem sobre a
representação da paisagem dessa cidade na sua vida, formando a sua personalidade em que
se busca “[...] revelar a descoberta da perspectiva ideal de uma cidade. Da cidade onde
nascemos: o Recife. A corrente de amor que nos liga à sua paisagem é tão intensa que a
revelação se processou num verdadeiro estado de transe emotivo” (CASTRO, 1965, p.126).
A partir de então se vê a questão do ângulo adequado para entender a construção e o
significado da formação da cidade com os contrastes que ela possui, sendo destacada a
comparação da representação perceptiva sob o ângulo de visão terrestre e aéreo, em que as
paisagens (natural e humana) sob a ótica do primeiro ângulo se mostram conflitantes na
dinâmica relacional e formacional no espaço geográfico, tornando-se algo único na
comparação com Amsterdã, que apesar de serem semelhantes diferenciam-se na
organização na organização do espaço urbano e, sob o segundo ângulo, ocorre à harmonia
da natureza e do homem no espaço geográfico, em que denota diferentes interpretações da
paisagem por uma mesma pessoa, de acordo com o ângulo de observação na formação
dialética entre a natureza/ homem, atribuindo significada a perspectiva que o indivíduo
constrói na formação da personalidade.
Josué de Castro destaca a importância da natureza mantida com os aspectos
originais na formação do Recife em relação a outras cidades que perderam essa
característica importante como Nova York, por exemplo, mostrando que a técnica é um
fator descaracterizador da natureza, artificializando-a sob o olhar aéreo, em que pela
exuberante e preservada paisagem natural acaba, por consequência, tornando-se um atrativo
a visita futura de pessoas que queiram conhecer o aspecto de tranquilidade transmitido pela
harmonia existente entre a natureza e o homem, com um ar mítico na representação
decorrente dessa característica exuberante do Recife.
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Considerações finais.
A paisagem natural e humana e a fome na construção, entendimento e significado de
uma realidade concretizada em textos ficcionais e científicos fez com que Josué de Castro
mostrasse uma forma de entender o que se passa no transcorrer de uma vida, influenciando
e formando o caráter de uma pessoa e, assim, tornando-a um instrumento importante na luta
pela busca constante de revelar a realidade cruel da sociedade nordestina, especialmente a
dos mangues, na busca pela melhoria da situação de miserabilidade desse povo.
A série de textos que Josué de Castro produziu e reuniu na obra denominada
“Documentário do Nordeste”, realizou-se durante um período de tempo que enfoca a sua
infância, adolescência e vida adulta vendo e ouvindo as histórias de vida do povo
nordestino com as suas dificuldades e dilemas, as formações sociais e políticas de uma
economia capitalista desigual e desumana, tendo toda a paisagem natural e humana como
construtora da realidade vivida e percebida através de uma segregação sócio- políticaespacial que se tornam lugar comum nos seus textos e que, por consequência, formaram o
ser humano que teve por objetivo revelar e melhorar a vida de todas as pessoas que sofrem
com a fome e as mazelas que a formam, principalmente os seus conterrâneos, moradores
dos mocambos e do mangue, “Homens e Caranguejos” (CASTRO, 1967).
Referências
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13
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10(2), , p. 505- 524, jul. 2003. Disponível em: < http://www.scielo.com.br> Acesso em: 15
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______. O Espaço geográfico, um Híbrido: Uma Necessidade Epistemológica: A distinção
entre Paisagem e Espaço. In: ______. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo. Razão e
Emoção. São Paulo: Edusp, 2006. p. 66- 71.
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