IV Domingo da Quaresma (Ano A) O texto – Jo 9,1-41 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 E ao passar viu um homem cego de NASCENÇA. E perguntaram-lhe os seus discípulos, dizendo: «Rabi, quem pecou, ele ou os seus pais para que NASCESSE cego?». Respondeu Jesus: «Nem ele pecou, nem os seus pais, mas para que nele se manifestem AS OBRAS DE DEUS. Nós devemos REALIZAR AS OBRAS daquele que me enviou enquanto é dia; vem a noite, em que ninguém pode AGIR. Enquanto estou no MUNDO, EU SOU A LUZ DO MUNDO!». Dito isto, cuspiu no chão, fez lama com a saliva, aplicou a lama sobre os olhos dele e disse-lhe: «Vai, lava-te na piscina de Siloé» - que quer dizer «Enviado». Ele foi, lavou-se e regressou a ver. Então, os vizinhos e os que o tinham visto antes porque era mendigo, diziam: «Não é ESTE o que estava por aí sentado e mendigava?». Alguns diziam: «É ELE!». Outros diziam: «Não, mas é parecido!». Ele dizia: «SOU EU!». Diziam-lhe, então: «Como foi que te foram abertos os teus olhos?». Ele respondeu: «O HOMEM chamado Jesus fez lama e aplicou nos olhos e disse-me: ‘Vai a Siloé e lava-te.’ Ora, eu fui, lavei-me e vejo!». E disseram-lhe: «ONDE ESTÁ ELE?». Disse: «NÃO SEI». Conduziram aos fariseus aquele que fora cego. Ora era sábado o dia em que Jesus fez a lama e abriu os olhos dele. Então, também os fariseus lhe perguntaram de novo como tinha recuperado a vista. Ele disse-lhes: 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 «Pôs lama sobre os meus olhos, lavei-me e vejo». Ora, alguns entre os fariseus diziam: «Esse homem NÃO VEM DE DEUS, porque não observa o sábado». Outros diziam: «Como pode um homem pecador tais SINAIS?». E havia divisão entre eles. Diziam, então, novamente ao cego: «Tu que dizes dele, pois abriu os teus olhos?» Ele respondeu: «É UM PROFETA!» Ora os judeus não acreditaram que ele era cego e via, pelo que chamaram OS PAIS daquele que tinha recuperado a vista e perguntaram-lhes, dizendo: «Este é o vosso filho, que vós dizeis ter nascido cego? COMO É QUE AGORA VÊ?». Responderam os seus pais, dizendo: «SABEMOS que este é o nosso filho e que nasceu cego; mas como agora vê, NÃO SABEMOS Ou quem abriu os seus olhos, NÃO SABEMOS. Perguntai-lhe a ele. Tem idade, ele falará de si». OS SEUS PAIS disseram estas coisas porque temiam os judeus, pois os judeus já tinham estabelecido que se alguém o confessasse como CRISTO fosse expulso da sinagoga Por isso OS SEUS PAIS disseram: ‘Tem idade, perguntai-lhe a ele’. Chamaram, então, segunda vez o homem que tinha sido cego, e disseram-lhe: «Dá glória a Deus! Nós SABEMOS que este homem é PECADOR!». Ora, ele respondeu: «Se é PECADOR, NÃO SEI. Uma coisa SEI: eu era cego e agora vejo!». Então eles disseram: «O que é que Ele te fez? Como é que abriu os teus olhos?». Respondeu-lhes: «Eu já vo-lo disse, e não escutastes. Porque quereis escutar de novo? Porventura TAMBÉM VÓS QUEREIS TORNAR-VOS DISCÍPULOS DELE?». E injuriaram-no e disseram: «TU ÉS DISCÍPULO DELE! Mas NÓS SOMOS DISCÍPULOS DE MOISÉS! Nós SABEMOS que a Moisés falou Deus; Mas este NÃO SABEMOS DONDE É!». Respondeu aquele homem e disse-lhes: «Precisamente isso é surpreendente: que vós NÃO SAIBAIS DONDE É e abriu os meus olhos! SABEMOS que Deus não escuta OS PECADORES, mas se alguém é religioso e faz a sua vontade, Ele escuta-o. Desde que o mundo é mundo não se ouviu que alguém tenha aberto os olhos dum cego de nascença. Se ele não VIESSE DE DEUS, não poderia fazer nada». 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 Responderam e disseram-lhe: «Tu nasceste nos pecados e ensinas-nos?». E expulsaram-no. Jesus ouviu dizer que o tinham expulsado e, encontrando-o, disse-lhe: «TU CRÊS NO FILHO DO HOMEM?». Ele respondeu e disse: «E QUEM É, Senhor, para eu CRER nele?». Disse-lhe Jesus: «JÁ O VISTE. QUEM FALA CONTIGO É ELE». Ele disse: «EU CREIO, SENHOR!». E prostrou-se diante dele. Disse Jesus : «Para um julgameno EU VIM a este mundo: para que aqueles que NÃO VÊEM, VEJAM, e aqueles que VÊEM SE TORNEM CEGOS». Alguns fariseus que estavam com Ele ouviram isto e disseram-lhe: «Porventura nós também somos cegos?». Jesus disse-lhes: «Se fôsseis CEGOS, não teríeis qualquer pecado; mas dizeis: VEMOS!, o vosso pecado permanece». Breve comentário O episódio da cura cego de nascença, inserido na primeira parte do Evangelho de S. João, o Livro dos Sinais, deve ser abordado não apenas como uma cura miraculosa mas como um «sinal» que aponta para uma realidade mais profunda. O contexto anterior traz alguma luz para entendermos este texto. O episódio está no prolongamento da festa das Tendas que, durante uma semana, se caracterizava pela liturgia da água e da luz. No segundo dia da festa, celebrava-se o rito da «alegria do poço», organizando-se uma solene procissão para ir buscar água à piscina de Siloé, o único reservatório da cidade. Jesus, de pé, proclamou: «Se alguém tem sede, venha a mim; e quem crê em mim sacie a sua sede» (Jo 7,37), o que faz recordar o diálogo com a samaritana. Durante a festa da luz proclama: «Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida» (Jo 8,12), frase que irá encontrar um eco no episódio deste domingo. Estamos perante o único diálogo do evangelho de S. João que é sustentado por uma pessoa diversa de Jesus com os seus interlocutores/acusadores, os fariseus/judeus; o texto tem um andamento judicial, como um processo que, ao estilo de João, põe em confronto ao longo do evangelho Jesus e os seus contemporâneos. O tema da luz sublinha como em Jesus chegou o momento do julgamento do mundo: à luz que é o próprio Cristo revelam-se os segredos dos corações e cada um deve declarar-se a favor ou contra Jesus. Ao longo da narração, o evangelista regista vários títulos, adjetivos e nomes que Jesus recebe das mais variadas pessoas. Este modo de descrever os factos da vida de Jesus faz parte da catequese da época. Era uma forma de ajudar as pessoas as aclarar as ideias a respeito de Jesus e a definir-se diante dele. O elenco apresentado indica o crescimento do cego na fé e como se esclarece a sua visão. Rabbi (mestre) (Jo 9,1): os discípulos Luz do mundo (Jo 9,5): Jesus Enviado (Jo 9,7): o Evangelista Homem (Jo 9,11): o cego curado Jesus: (Jo 9,11): o cego curado Não vem de Deus (Jo 9,16): alguns fariseus Profeta (Jo 9,17): o cego curado Cristo (Jo 9,22): o povo Pecador (Jo 9,24): alguns fariseus Não sabem donde é (Jo 9,31): alguns fariseus Religioso (Jo 9,31): o cego curado Faz a vontade de Deus (Jo 9,31): o cego curado Filho do Homem (Jo 9,35): Jesus Senhor (Jo 9,36): o cego curado Creio, Senhor! (Jo 9,38): o cego curado. O homem do relato é cego de nascença mas, para Jesus, a sua cegueira não provém do pecado. O seu estado simboliza outra escuridão, aquela em que todo o homem se encontra antes de ser iluminado. Por isso, ele não pede nada, pois não pode pedir aquilo que não conhece. Ele não vai recuperar algo que já teve: simplesmente vai nascer para uma nova existência. A cura do cego só se realiza depois de ele se ter ido lavar à piscina de Siloé (palavra que significa «Enviado»), com uma referência clara a Jesus, o enviado do Pai. Jesus é a água viva que cura a cegueira do homem, de todo o homem. Quem é iluminado por Jesus, quem recebe a sua luz, passando a ser uma pessoa nova, iluminada, o que naturalmente leva os outros a duvidarem se é o mesmo indivíduo. Ele tornou-se diferente! Da parte das autoridades religiosas, que estão convencidos de possuírem a verdade, de serem iluminados, há uma rejeição do sinal operado. Estão convencidos de que vêem e, por isso, negam-se a ver a Luz: «as trevas não o receberam», como anuncia o evangelista no início do evangelho. Porém, para aquele que foi cego, e agora começa a ver, existe todo um caminho a percorrer até chegar a «ver» plenamente. Um caminho em que é rejeitado, abandonado à sua sorte mesmo pelos mais próximos (os pais que se põem longe da situação), um caminho de procura da verdade, consciente da sua limitação e da sua ignorância: «Onde está, não sei»; «Se é pecador, não sei»; «Quem é?». Mas algo de novo se operou e, por isso, não tem medo de enfrentar aqueles que o querem aconselhar a continuar «cego», que o ameaçam. Torna-se corajoso, até um pouco atrevido e irónico perante aqueles que se recusam a ver a evidência, pelo que o insultam e expulsam do seu círculo. O que era cego estava proibido de entrar no templo; agora, que vê, é expulso da sinagoga… Este homem, apesar de ter sido iluminado, de ter recebido a Luz que o modificou e levou a tomar atitudes firmes face aos que permanecem nas trevas, julgando ver, ainda não conhece plenamente Jesus. Fez todo um percurso de fé. Falta-lhe o reconhecimento de Jesus e a confissão de fé. «Tu crês no Filho do Homem?». Ele respondeu e disse: «E quem é, Senhor, para eu crer nele?». Disse-lhe Jesus:«Já O viste. Quem fala contigo é Ele». Ele disse: «Eu creio, Senhor!». Aquele que era cego fisicamente, sem culpa da sua parte, agora vê plenamente, está agora completamente iluminado. Aqueles que não eram cegos fisicamente apresentam uma maior cegueira, permanecem nas trevas e recusam-se a ver. Por sua culpa são cegos! P. Franclim Pacheco Diocese de Aveiro