REFLEXÕES A PARTIR DAS CONTRIBUIÇÕES MARXISTAS DE EVGENI PACHUKANIS Gabriella Mariano Munhoz Zeneratti1 RESUMO: Inserida no contexto institucional do CENSE e a partir dessas inquietações e constatações, inicia-se uma pesquisa, nível mestrado, que centra a discussão entre os aspectos éticos presentes na construção de laudos e pareceres sociais. O presente trabalho materializa uma primeira aproximação com uma leitura que discute a função de Direito dentro da sociabilidade burguesa. Esse momento foi construído a partir das sistematizações e leituras realizadas durante a disciplina de Serviço Social no sistema sóciojurídico, ministrada no primeiro semestre 2013 no curso de Pós-graduação stricto sensu da Universidade Estadual de Londrina, e tem como objetivo evidenciar a reflexão teórica sobre a função do Direito nesta sociedade. É notório que a perspectiva burguesa mistifica o processo de ampliação positivada do Direito como uma ferramenta de superação desta ordem social, no entanto, fica evidente, a partir das contribuições teóricas de Pachukanis, de que a superação desta ordem social só se dá pelo viés revolucionário. PALAVRAS CHAVES: Direito; exercício profissional; medida socioeducativa; INTRODUÇÃO Nesses sete anos de atuação profissional no Centro de Socioeducação (CENSE), vários momentos concorreram para a relação de tese, antítese, síntese, no cotidiano institucional. Momentos em que fragmentos da realidade somam-se com expressões, manifestas ou não, da subjetividade do profissional. São momentos que marcados desde uma perspectiva romantizada até, em alguns momentos, um completo endurecimento e ceticismo, na aplicação na medida socioeducativa de internação. Embora, essa experiência, entendida de forma denotativa, possa se apresentar contraditória, motivou a contínua avaliação do trabalho. Inserida neste contexto institucional e a partir dessas inquietações e constatações, inicia-se uma pesquisa, nível mestrado, que centra a discussão entre os aspectos éticos presentes na construção de laudos e pareceres sociais, demandados no cotidiano do trabalho de uma unidade de internação. Propor um estudo com este objeto de pesquisa vincula-se a nossa necessidade de aprofundar os conhecimentos acerca da medida socioeducativa e sua 1 Assistente Social do Centro de Sócioeducação (CENSE) de Paranavaí vinculada a Secretaria de Estado da Família e Desenvolvimento Social (SEDS) do Paraná e mestranda do curso de pós-graduação em Política Social e Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina/PR. Email: [email protected] 1 necessária interlocução, neste espaço institucional, com o exercício profissional do assistente social. Diante disso, o presente trabalho, materializa uma primeira aproximação com uma leitura que discute a função de Direito dentro da sociabilidade burguesa. Esse momento foi construído a partir das sistematizações e leituras realizadas durante a disciplina de Serviço Social no sistema sóciojurídico, ministrada no primeiro semestre 2013 no curso de Pós-graduação stricto sensu da Universidade Estadual de Londrina, e tem como objetivo evidenciar a reflexão teórica sobre a função do Direito nesta sociedade. CONCEPÇÃO DE DIREITO NA CRÍTICA MARXISTA: APROXIMAÇÕES A PARTIR DE EVGENI PACHUKANIS O presente trabalho consiste na tentativa de realizar um diálogo preliminar entre as reflexões marxistas propostas por Evgeni Pachukanis2 acerca do Direito, e partir disso, construir subsídios teóricos que orientem a compreensão do nosso objeto de pesquisa - nível mestrado. O contato, ainda superficial, com a tese de Pachukanis sobre a concepção do Direito nos chamou a atenção pela reflexão que o autor descreve, no qual são ratificadas as premissas de Marx, sendo expostas as intrínsecas conexões entre o direito e as relações de produção. Para Alapanian (2005, p. 20), “o que preocupava Pachukanis era a necessidade de discutir a natureza do Direito e assim construir uma teoria geral do Direito a partir do método proposto por Marx em O Capital”. O autor no seu livro-A Teoria Geral do Direito e Marxismo-discute de forma brilhante as particularidades fundamentais da superestrutura jurídica enquanto fenômeno objetivo, e que “[...] a defesa dos chamados fundamentos abstratos da ordem jurídica é a forma mais geral de defesa dos interesses da classe burguesa etc” (PACHUKANIS, 1988, p. 9). 2 Segundo Alapanian (2005), o autor foi importante jurista russo, nasceu em 1891, e sumiu em 1936 durante a repressão de Stalin. 2 [...] o direito, considerado como forma, não existe somente na cabeça das pessoas ou nas teorias dos juristas especializados; ele tem uma história real, paralela, que tem seu desenvolvimento não como um sistema conceitual, mas como um particular sistema de relações (PACHUKANIS, 1988, p. 12). Aqui o autor deixa claro que na sua concepção o direito não é, apenas, um reflexo ideológico, mas sim, um produto necessário que se torna plenamente completo numa determinada fase de desenvolvimento econômico da sociedade. Esse momento histórico corresponde para o autor: [...] a consolidação da propriedade privada, a sua extensão universal tanto aos sujeitos como a todos os objetos possíveis; a libertação da terra das relações de domínio e servidão; a conversão de toda a propriedade em propriedade imobiliária; o desenvolvimento e preponderância das relações obrigacionais e, finalmente, a constituição de um poder político autônomo como particular forma de poder-ao lado do qual tem lugar o poder puramente econômico do dinheiro-assim como a subsequente divisão, mais ou menos profunda, entre a esfera das relações públicas e a das relações privadas, entre o direito público e o direito privado (PACHUKANIS, 1988, p. 10). É na dissolução da sociedade patriarcal e na sua substituição por uma sociedade que mantém a relação entre sujeitos que “[...] surgem as condições para o desenvolvimento de uma superestrutura jurídica, com suas leis formais, seus tribunais, seus processos, seu advogados etc” (PACHUKANIS, 1988, p. 10). Esse princípio da subjetividade jurídica, que para concepção burguesa surge antes da vontade humana, deriva de “[...] um vínculo interno indissociável entre as categorias da economia mercantil e monetária e a própria forma jurídica”, ou seja, “[...] a evolução do comércio [vai] exigir a garantia da propriedade, de bons tribunais, de uma boa polícia etc” (PACHUKANIS, 1988, p. 11). Para Pachukanis (1988), a forma jurídica pertence a um estágio de desenvolvimento econômico da sociedade, onde a divisão entre a sociedade civil e política já está consolidada, entretanto tem sua gênese nas relações de troca e sua realização completa com a instituição do tribunal e processo. Até porque para o autor não se pode desconsiderar essa questão, pois “[...] 3 uma forma desenvolvida e acabada não exclui formas embrionárias e rudimentares; pelo contrário, pressupõe-nas” (PACHUKANIS, 1988, p. 13). Portanto, para o autor, a forma jurídica inicia-se nas relações de troca e vai tornar universal somente na sociedade burguesa capitalista, pois é nesta fase de desenvolvimento econômico que a classe proletária surge como um sujeito que vende sua força de trabalho como mercadoria, e que a exploração de um homem sobre o outro é mediada pela forma de contrato. Em síntese, apoiados nas considerações de Alapanian (2005, p. 25), a teoria de Pachukanis define Direito na relação de troca de mercadorias, no qual seu apogeu se dá na sociedade capitalista, e que seu aspecto determinante, não é função ideológica que ele cumpre, mas sim, “[...] o elemento central de dominação de classes é o Estado, e o Direito tem papel secundário na execução dessa função pelo Estado”. Diante disso, propor a construção de nova sociedade, onde não existe o elemento que se coloca de forma aparente, acima da sociedade, para dirimir os antagonismos inconciliáveis da classe trabalhadora e da classe burguesa-Estado-pressupõe a superação do aparelho governamental criado pela classe dominante, todas as suas formas de dominação, inclusive o Direito. Enfim, recorrer a essa leitura crítica, que tem como fim último, a dissolução do Direito, pode se apresentar contraditória e deslocada da reflexão sobre a prática profissional do assistente social, que tem como pano de fundo uma leitura hegemônica de que a lógica evolucionista na conquista dos direitos é uma conquista sólida da classe trabalhadora, todavia, é neste contexto que se pretende propor uma discussão teórica de que o Direito expressa sim um processo de luta de classes, ao mesmo tempo em que representa, de acordo com Trindade (2002, p:19): [...] como componente necessário da instância superestrutural da sociedade fundada na divisão do trabalho para a produção de mercadorias-portanto, como uma forma social e histórica, não perene nem eterna-, instância dotada de uma autonomia relativa que opera em um interrelação complexa com a base econômica de cada formação social. Por isso, no contexto de crise mundial do capitalismo a classe burguesa, segundo Trindade (2002), retoma os direitos que cederam após segunda guerra mundial. É notório que 4 a perspectiva burguesa mistifica o processo de ampliação positivada do Direito como uma ferramenta de superação desta ordem social, no entanto, fica evidente, a partir das contribuições teóricas de Pachukanis, de que a superação desta ordem social só se dá pelo viés revolucionário. Até porque, corrobora-se este análise com a premissa exposta por Trindade3 de que “enquanto as necessidades humanas precisarem ser inscritas em regras legais estamos falando de uma sociedade capitalista”. Nosso objetivo ao propor a concepção marxista acerca do Direito em Pachukanis, com vistas a desvelar nosso objeto de pesquisa, está conectado a nossa necessidade de recorrer a uma reflexão articulada com a estrutura econômica da sociedade. Isso porque, as decisões profissionais, para as quais somos convocados a manifestar cotidianamente num Centro de Socioeducação, exige uma reflexão crítica sobre essa realidade social. A partir dela, torna-se possível adotar uma atitude crítica a estes esquemas recebidos ou nem percebê-los como esquemas no cotidiano do trabalho profissional. Não há como pensar numa atuação profissional num Centro de Socioeducação que não seja precedida de um diálogo sistemático entre ética, cotidiano e exercício profissional competente e qualificado. Sem ter esse arcabouço teórico como pano de fundo essa discussão pode se apresentar de forma fracionada. Isso porque, acreditamos na premissa de que sem contextualizar o espaço sócio ocupacional do assistente social, com intuito desvelar a tensão política que está presente na gestão das políticas sociais, e, portanto nas formas de administração que o Estado adota para enfrentar as demandas postas, as limitações do exercício profissional e no caso em questão os dilemas éticos recaem de forma exclusiva na subjetividade manifesta ou não do profissional. Isso, em nossa opinião, é uma forma cruel de responsabilizar o indivíduo por contradições inerentes à sociabilidade burguesa. REFERÊNCIAS ALAPANIAN, S. A crítica marxista do Direito: um olhar sobre as posições de Evgeni Pachukanis. Revista Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 26, p. 15-26, set. 2005. 3 Anotações pessoais da palestra proferida por Jose Damião Trindade para o curso de pós-graduação da Universidade Estadual de Londrina na data de 10 de abril de 2013. 5 PACHUKANIS, E. B. A Teoria Geral do Direito e Marxismo. Trad. Silvio Donizete Chagas. São Paulo: Acadêmica, 1988. TRINDADE, J. D. História Social dos Direitos Humanos. São Paulo: Peirópolis, 2002. 6