Conceitos gerais Tanto quanto na proposta de

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3.2 A PERSPECTIVA POLÍTICA
•
Conceitos gerais
Tanto quanto na proposta de desconcentração
econômica, a desconcentração política importa a
transferência efetiva do poder do centro ou da cúpula,
para a base da sociedade, ou expressando melhor o
conceito, na multiplicação e no fortalecimento de
centros de poder por toda a estrutura social. A
diminuição do poder central, portanto, deve decorrer
mais da ampliação das autonomias locais e da
capacidade de auto promoção e auto gestão das
partes do organismo social, viabilizando, desta forma,
a participação das pessoas, do que propriamente de
sua limitação. Por esta razão, a desconcentração
proposta não deve ser confundida com a simples
descentralização político-administrativa, que é um
conceito menos significativo, na medida em que
apenas delega atividades ou transfere estruturas,
enquanto o poder é mantido pelos órgãos que as
delegam, ou os órgãos centrais. A descentralização
é apenas uma concessão dos que detêm o poder,
sem que o poder, efetivamente, cresça no
organismo social e em sua base. Apesar disso, a
descentralização também constitui um processo
positivo, na medida em que pode dar origem a
núcleos desconcentrados, ou na medida em que dá
maior eficácia às ações. A desconcentração, porém,
faz multiplicar e crescer o poder dos pontos
desconcentrados, ampliando o poder nas bases
em relação ao poder central, e isto é diferente da
descentralização.
As instituições políticas, na sociedade humanizada,
devem fundamentar-se, absorver este conceito e
expressá-lo na organização de sua estrutura e
funcionamento. Em “ Proposta Constitucional por uma
Nova Sociedade” *, pequeno trabalho publicado como
contribuição à elaboração da Constituição Brasileira
de 1988, propunha que qualquer cidadão pudesse
argüir e denunciar como anticonstitucionais, as
estruturas, as medidas ou os procedimentos que
viessem em detrimento da desconcentração, ou em
favor da concentração do poder, tanto quanto da
economia.
A Constituição não chegou a absorver esse conceito e, por isso,
apesar dos propósitos de descentralização expressos na Carta
Magna, o país continua tão centralizado como sempre foi, longe de
desconcentrar-se politicamente e, portanto, de se transformar num
país participativo, onde se viabilize o exercício das cidadanias,
muito mais proclamado, ou reivindicado, do que posto em prática.
•
Desconcentração
vertical
desconcentração horizontal
e
A desconcentração analisada em sua dimensão política, pode
ocorrer em dois sentidos: no sentido vertical e no sentido horizontal.
A desconcentração política no sentido vertical
refere-se à transferência do poder (não simples
delegação de competências) de cima para baixo, isto é,
do poder federal para o nível dos Estados, e destes
para os municípios ou para as comunidades
municipais, considerado o município como comunidade
de pessoas, em vez de simples organização política,
ou ente jurídico. Nesta concepção, melhor seria que,
em vez de transferência de poder, se falasse em
*
Do autor, Proposta Constitucional por uma Nova Sociedade. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1987.
crescimento do poder e das competências da base,
porque é o poder da base que se delega aos níveis
superiores, a partir do poder inerente aos cidadãos –
origem e detentor de todo o poder. Trata-se, pois, de as
bases delegar menos poder ao Estado.
A questão da centralização ou desconcentração,
dessa forma, não é só uma questão de redistribuição
de tributos, ou de eventual delegação, ou
transferência administrativa de funções. Menos ainda
é mera transferência de execução de projetos, ou
obras. A desconcentração política é institucional, e
diz respeito à natureza e à concepção da
organização social e do poder. Neste conceito,
sendo as instituições de base, ou o cidadão, a origem
do poder, as instituições centrais dele recebem a
delegação para, em seu nome, exercê-lo, na medida
em que essas funções lhe são delegadas, e não para
exercê-lo apenas de acordo com os interesses do
Estado, ou valendo-se da força e do arbítrio para se
impor sobre a estrutura social, como se fosse ele
mesmo, o Estado, a origem do poder.
Constitui um equívoco a idéia de que o poder central,
no caso brasileiro, a União, pode ou tem competência
para fazer tudo o que queira fazer, ou lhe interesse
fazer, bastando para tanto a formalidade autorizativa
da lei. Mesmo a lei, e a lei Federal, está subordinada à
sociedade. Também, e sobretudo a Constituição, não
pode ser simples instrumento do Estado ou de quem,
eventualmente, governa, como tem ocorrido na
tradição brasileira. Os mesmos princípios se aplicam
ao poder dos estados e dos municípios. Não há entre
esses níveis de poder subordinação, sendo cada
nível, pleno, na competência que lhe é atribuída pela
sociedade, de acordo com sua natureza, e a
ordenação jurídica delegada. A origem do poder, na
sociedade humanizada está, porém, na pessoa e a
formulação jurídica deve obedecer a essa hierarquia,
que é a ordem da natureza, da organização política: a
Pessoa, a Comunidade, o Estado em seus diversos
níveis.
Este entendimento permite, ainda, superar outros
equívocos: um, o de se pensar que existe uma relação
de hierarquia, ou de subordinação entre os três níveis
da organização política: a União, os Estados e os
Municípios. Outro, o de que o Estado é anterior à
sociedade, e portanto, que a União, que, na verdade,
deveria ser apenas a confluência dos estados
federados, seja mais importante que as unidades que
lhe dão origem.
Não existindo relação de hierarquia entre os níveis de
poder, mas apenas diferença de competências,
evidencia-se que as relações entre os vários níveis
deve embasar-se na complementaridade e na
cooperação, componentes da sociedade humanizada,
e não no poder e na subordinação, como acontece.
A desconcentração do poder, no sentido
horizontal, refere-se à transferência de atribuições
do poder distribuído, em geral do Executivo para o
Congresso. Esta transferência deve objetivar a
democratização do poder, no sentido de que o
Executivo unipessoal concentra o poder,
enquanto que as formas colegiadas, sendo
plurais e participativas, tendem a distribuí-lo
melhor, com maior representatividade. Refere-se
também à transferência de poderes da estrutura
governamental para a sociedade organizada, em
suas múltiplas formas de organização, de modo que,
diminuindo o poder da organização unipessoal,
ou do Estado, cresça o poder e a participação da
Sociedade.
O corolário desses princípios leva a concluir que, num
sistema embasado na desconcentração política, as
formas parlamentares de governo, de um modo geral,
correspondem mais ao modelo da sociedade
humanizada, em contraste com as formas
presidencialistas,
que,
aproximando-se
dos
totalitarismos, concentram o poder, tornando-o
unipessoal.
Esta questão tem, também, uma dimensão
operacional, no sentido de que as formas
parlamentares, em geral, produzem menos crises, ou
ao menos as crises que produzem são mais
superficiais do que as formas de concentração do
poder, onde o poder unipessoal se confunde com o
Estado e, em consequência, tudo o que afeta o
Governo, afeta o Estado. O fundamental, entretanto, é
que a desconcentração horizontal do poder
corresponde ao conceito de maior participação e,
portanto, é mais conforme a proposta da sociedade
humanizada.
•
Princípio básico do federalismo
O princípio básico do federalismo decorre do conceito de que
a Federação constitui a União livre, compactuada de Estados
autônomos.
Deste princípio a que se somam as razões expostas, decorre o
tradicional princípio de que nada deve ser atribuído aos órgãos
centrais, à União, ou a outras instituições, ou órgãos superiores
nos vários níveis, daquilo que possa ser feito por instituições, ou
órgãos, de níveis inferiores, ou pelas pessoas.
A efetiva aplicação deste princípio, daria origem ao
estabelecimento de um novo federalismo, de acordo
com a definição proposta à Constituinte de 1998 para
um novo Brasil, no já referido opúsculo:* “ O Brasil
como um república, coisa pública, constituída de
comunidades, politicamente organizadas em
municípios, que formam estados, cuja união forma
a Federação.” Seria a definição alternativa e
humanizada da definição tradicionalmente adotada
pelas inúmeras Constituições do país, as quais
definem sempre o Brasil como Estado e forma de
Governo, e nunca o Brasil real, das pessoas, uma
sociedade politicamente organizada, povo e nação, a
constituir um Estado e escolher determinada forma de
Governo, a quem delega poderes como instrumento
de sua promoção e bem estar da sociedade, não do
Estado.
A mesma Proposta Constitucional, ao sugerir esta
redefinição do Brasil a partir das pessoas e das
comunidades, e não do Estado, ou do Governo, em
coerência com os objetivos da organização social
centrada no homem, propunha transformar o Senado
em instrumento da sociedade, das Comunidades e
dos Estados, para controle do Estado Federal, ou da
União, de sua organização e de seus procedimentos,
afim de subordiná-lo à sociedade.
A proposta daria nova dimensão ao Senado, hoje
pouco mais que casa pleonástica da Câmara dos
Deputados, embora nominalmente órgão de
representação da Federação. Na inexistência da
Federação, no entanto, pouco resta ao Senado para
representar. A proposta daria ao Senado poderes
efetivas para controlar a União, no exercício das
competências a ela delegados, inclusive para
*
Do autor, Proposta Constitucional por Uma Nova Sociedade. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1986.
autorizá-la, por exemplo, em nome dos mesmos
Estados e Municípios, isto é, da Sociedade, a se
apropriar de parcelas dos recursos da sociedade para
cumprimento de suas funções específicas, e só
dessas funções, inibindo dessa forma a tendência dos
governos e da tecnoburocracia estatal a fazer tudo
que lhe aprouvesse. Seria uma estrutura de poder
inversa a que se pratica, hoje, no caso brasileiro
quando o Estado Federal se apropria de tudo,
chegando sem maiores escrúpulos às raias do delito
da apropriação indébita das coisas e do direito,
redistribuindo às pessoas ou às instituições o que lhe
sobrar, se lhe aprouver restituir.
Uma Constituição renovada e um novo aparato legal,
ou, se prevista, a manifestação plebiscitária da
sociedade, regulariam os níveis e as formas de
delegação e constituição desses poderes. Alguns
desses parâmetros constam do apêndice do capítulo –
Uma Nova Estrutura Federativa para o país, ao final
deste livro.
Invertida a atual organização política de um poder
centralizado e centralizador, se desconcentraria a
estrutura e democratizaria o poder, fazendo-o retornar
à sociedade, que é sua origem. Neste contexto, a
reforma tributária, a transferência de atribuições da
União para os Estados ou Municípios, seria feita não
como uma delegação, concedida pelo poder central,
mas como o reconhecimento da natureza do poder
que deve subordinar-se a sua origem. A conseqüência
dessa inversão seria que o Estado passaria a servir à
sociedade e não a servir-se dela, em favor de sua
burocracia ou do crescimento de seu próprio poder,
origem e cenário de todos os totalitarismos e de toda
violência dos Estados totalitários, em todos os
tempos, sem esquecer que continua se constituindo
na maior ameaça, também, de nossos tempos.
Praticada essa desconcentração, poucas funções
permaneceriam no Estado Federal, além das que lhe
são específicas: a representação externa, a defesa
nacional, parcelas da justiça e do poder de legislar, o
controle da moeda e algumas ações de abrangência
interestadual, especialmente as voltadas à promoção
do equilíbrio do desenvolvimento regional, e ainda, ao
fortalecimento de setores específicos de interesse
nacional.
A Constituição Brasileira de 1988, porém, não
consagrou esses princípios. Como as outras
Constituições Brasileiras, a Constituição de 1988
continuou retendo o poder central nas mãos da União
Federal, e descentralizando algumas funções
periféricas, sem ter mudado o conceito, ou o vício
essencial, de subordinar a sociedade, a Nação e suas
instituições ao Estado , e por isto também, mais do
que Constituição cidadã como foi chamada a
Constituição de 88, transformou-se na verdade, em
mais uma constituição imperial, na tradição brasileira.
Para realçar o contraste dos conceitos, e mesmo
consideradas as diferenças do contexto histórico e
cultural, valeu citar o exemplo dos Estados Unidos,
onde a Constituição Federal só vale depois de
aprovada pelos Estados-membro da União e algumas
disposições constitucionais não vigem em sua
plenitude, por não terem obtido este desiderato.
Poder-se-ia dizer que a Constituição Federal deve
obedecer às constituições dos Estados, que devem se
subordinar, por sua vez, aos direitos dos cidadãos.
Teríamos, desta forma, uma situação exatamente
contrária ao que ocorre no Brasil, onde é comum
imaginar-se que os direitos do cidadão só existem,
porque a Constituição ou a lei lhos concede. E, assim
sendo, como lhos dá, também pode retirá-los, no
interesse do Estado ou das necessidades da
conjuntura.
Por esses equívocos, a Constituição de 1988, que não
alcançou a natureza dos processos, nem bem
passados dez anos, faz com que a Nação e o próprio
Governo, clamem por reformá-la. Mas também não se
vislumbram nas reformas propostas, mudanças que
alcancem conceitos essenciais. Mais uma vez correse o risco de que se mudem as aparências, os
acidentes, para que, na essência, tudo permaneça
exatamente como está, apesar das mudanças que
transformaram o mundo, ou a realidade, e nunca é
demais lembrar de novo o princípio clássico,
atribuindo ao já referido Thomago de Lampaduza,
mas, que na verdade, poderia ser buscado nas
propostas de Machiavel.
Seriam essas as perspectivas para uma reforma
política além das propostas em debate, para se fazer
a Revolução necessária para a sociedade
humanizada.
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