CURSO DE FORMAÇÃO DE LÍDERES DEUS 13 de março de 2010 Comecemos o estudo sobre a doutrina de Deus com uma declaração de Agostinho: "nenhum homem diz 'Deus não existe', a não ser aquele que tem interesse em que ele não exista". A frase do ilustre teólogo do século V tem um sentido bem claro: para ele a dúvida ou negação sobre a existência de Deus tem muito mais base ética do que intelectual. O homem não crê não porque isto seja um absurdo intelectual, uma ofensa à sua inteligência, mas simplesmente porque não quer crer. Declarar a existência de Deus traria implicações éticas. Na maior parte das vezes, segundo Agostinho, a negação da existência de Deus é mais moral do que intelectual. É melhor não crer do que crer, para a pessoa que não quer levar uma vida correcta. Dizer que a Bíblia é a Palavra de Deus e viver contrariando-a nas suas atitudes é um contra-senso. Então, é melhor negá-la ou não ligar para ela. Há uma boa dose de verdade nestas palavras. Mas muitas pessoas gostariam, sinceramente, de crer em Deus e enfrentam dificuldades para fazer assim. Não será Deus uma mera personificação dos anseios humanos? O que a Bíblia tem a dizer para provar a existência de Deus? De início, digamos que esta não é a preocupação da Bíblia. Como já foi dito, ela parte do pressuposto de que Deus existe e que seus leitores aceitam tranquilamente este facto. Para ela negar sua existência é um acto próprio do nabhal, que é a palavra hebraica para designar o homem “insensato” de Salmos 14.1. É verdade que o ateísmo do texto é mais de ordem pragmática (conduta) que filosófica (pensamento), mas permanece o princípio. Afinal, é possível ter-se noção da existência de Deus, conforme lemos em Romanos 1.20. A Bíblia não tem a preocupação de provar que Deus exista, mas não impede que se tente fazê-lo. Ao longo da história, a Igreja tentou. A Bíblia dá algum apoio às provas cosmológica e teleológica (Atos 17.24-29, Romanos 1.20) e moral (Romanos 2.14-15). Também, há evidência científica e filosófica para a existência de Deus. Esta evidência pode ser usada para fortalecer a fé dos crentes e responder às perguntas intelectuais dos não crentes, mas não é necessário nem possível provar a existência de Deus. Não necessário porque cada pessoa já sabe que Deus existe (Rm 1.20); não é possível provar completamente a existência de Deus porque é questão de fé (Hb 11.6). Crer na ideia de teísmo ou ateísmo é questão de fé. Toda pessoa tem fé em alguma coisa. A existência de Deus não é a questão mental, mas moral: vamos aceitar que Deus existe e que somos responsáveis diante dele? Como disse Kierkegaard, saber se Deus existe não é relevante, mas o relevante é saber se Deus é relevante para mim. A discussão sobre a existência ou não de Deus, que foi muito forte no passado, perdeu muito de sua força, actualmente. Eis uma observação nesta linha, feita por Blank: Há aproximadamente cinquenta anos, no meio científico, era moda negar a existência de Deus. Hoje em dia, após as últimas descobertas das ciências da natureza sobre a estrutura fascinante do universo, o início do cosmo e os mecanismos complexos da evolução, são os grandes cientistas que, pelo contrário, admitem que Deus deve existir. Encontramos tais declarações com Einstein e Max Planck e, mais recentemente, com J. E. Charon e outros. A seguir, na sua obra, Blank alista algumas declarações de alguns cientistas contemporâneos, declarações bem cuidadas, em que a necessidade de um Ser supremo é mostrada como resposta necessária para o mundo material. 1 CURSO DE FORMAÇÃO DE LÍDERES 13 de março de 2010 Mas mesmo as declarações destes cientistas não podem ser tomadas como absolutas. Deus não é matéria de ciência. Nem da Filosofia. E o máximo que a ciência pode nos dar é um ser criador, e assim mesmo nada nos revelar sobre seu amor e sua revelação, bem como seu propósito para o mundo. E a Filosofia, no máximo pode nos dar uma Razão, um Motor, uma Causa não Causada, mas não um Deus de amor. Pode-se ter, na especulação científica e filosófica, um Deus impessoal, uma causa não causada, mas nunca um Deus de amor e moral, com propósitos definidos para o homem. Isso só a Bíblia pode nos dar. Por isso que as tentativas de provar a existência de Deus nem sempre serão satisfatórias. Mas, quem ou o que é Deus? Como ele é? Qual é a sua natureza? Todas estas perguntas podem ter muito sentido para o pretendido teólogo, mas a questão que se eleva sobre todas essas é a seguinte: quais as implicações da existência de Deus para nossa vida? A vida de um crente será determinada pelo seu conceito sobre Deus. E muitos dos problemas da igreja contemporânea decorrem daqui: um conceito muito baixo de Deus, que é visto como um “quebrador de galhos” ou alguém à nossa disposição para resolver qualquer problema nosso. O FACTO DA EXISTÊNCIA DE DEUS É ACEITO UNIVERSALMENTE Isto se dá como a razão que justifica o curso seguido por Moisés em assumir e declarar o fato da existência de Deus sem oferecer quaisquer provas. Os raros que negam a existência de Deus são insignificantes. "As tribos mais baixas tem consciência, temem a morte, crêem em feiticeiras, propiciam ou afugentam maus destinos. Mesmo o fetichista, que a uma pedra ou a uma árvore chama de um deus, mostra que já tem a ideia de Deus" (Strong, Systematic Theology, pág. 31). "A existência de Deus e a vida futura são em toda a parte reconhecidas na África" (Livingstone). Os homens sentem instintivamente a existência de Deus. Por que, então, alguns a negam? É por causa de falta de evidência? Não, é somente por não lhes agradar este sentimento. Ele os perturba na sua vida pecaminosa. Portanto, conjuram argumentos que erradiquem o pensamento de Deus de suas mentes. Todo ateu e agnóstico lutam, principalmente para se convencer disto. Quando eles apresentam os seus argumentos a outrem, é em parte por um desejo de prová-los e em parte em defesa própria, nunca por um sentimento que suas ideias podem ser de qualquer auxílio a outros. Um ateu é um homem que, por amor ao pecado, interiorizou na sua mente e a trouxe a uma condição de guerra com o seu coração em que a mente assalta o coração e tenta arrebatar dele o sentimento de Deus. O coração contra-ataca e compele a mente a reter o pensamento de Deus. Nesta luta a mente, portanto, está constantemente procurando argumentos para usar como munição. Ao passo que descobre esses argumentos, desfereos contra o coração com o mais alto barulho possível. Isto é porque o ateu gosta de expor seu pensamento. Está em guerra consigo mesmo e ela lhe dá confiança quando ele ouve seus canhões roncarem. Antes de passar adiante, presume-se bom notar as fontes desta crença quase universal na existência de Deus. Há cinco fontes desta crença; a saber: 2 CURSO DE FORMAÇÃO DE LÍDERES (1) A Tradição. 13 de março de 2010 Cronologicamente, nossa crença em Deus vem da tradição. Recebemos nossas primeiras ideias de Deus de nossos pais. Não há dúvida que isto tem sido verdade de cada sucessiva geração desde o princípio. Mas não basta a tradição para dar conta da aceitação quase universal do facto da existência de Deus. O facto que somente uns poucos repelem esta aceitação (é duvidoso que alguém sempre a rejeite completamente) mostra que há uma confirmação íntima na crença tradicional da existência de Deus. Isto aponta-nos à segunda fonte desta crença, que é: (2) Intuição. Logicamente, nossa crença em Deus vem da intuição. Intuição é a percepção imediata da verdade sem um processo consciente de arrazoamento. Um facto ou verdade assim percebidos chama-se uma intuição. Intuições são "primeiras verdades", sem as quais séria impossível todo pensamento reflectivo. Nossas mentes são constituídas de tal modo a envolverem estas "verdades primárias" logo que se apresentem as devidas ocasiões. A. Prova que a crença quase universal em Deus procede logicamente da intuição e não de arrazoamento. (a) A grande maioria dos homens nunca tentou refutar o facto da existência de Deus, nem são capazes de semelhante arrazoamento, que servisse para lhes fortificar a crença na existência de Deus. (b) A razão não pode demonstrar cabalmente o facto da existência de Deus. Em todo o nosso arrazoamento sobre a existência de Deus devemos começar com admissões intuitivas que não podemos demonstrar. Assim, quando os homens aceitam o facto da existência de Deus, aceitam mais do que a exacta razão os levaria a aceitarem. B. A existência de Deus como "Verdade Primária". (a) Definição. "Uma verdade primária é um conhecimento que, conquanto desenvolvido em ocasiões de observação e reflexão, delas não se deriva, um conhecimento, pelo contrário, que tem tal prioridade lógica que deve ser assumido ou suposto para se fazer qualquer observação e reflexão possíveis. Semelhantes verdades não são, portanto, reconhecidas como primeiras em ordem de tempo; algumas delas assentam um tanto tarde no crescimento da mente; pela grande maioria dos homens elas nunca são conscienciosamente formuladas, de modo algum. Contudo, elas constituem a presunção necessária sobre a qual descansa todo outro conhecimento, tendo a mente não só a capacidade inata de envolvê-las logo que se apresentem as devidas ocasiões se não também o reconhecimento delas como inevitável logo que a mente principia a dar a si mesma conta de seu próprio conhecimento" (Strong, Systematic Theology, pág. 30). 3 CURSO DE FORMAÇÃO DE LÍDERES 13 de março de 2010 (b) Prova. "Os processos do pensamento reflexivo implicam que o universo está fundado na razão e é a expressão dela" (Harris, Philosophic Basic of Theism). "A indução descansa sobre a presunção, como ela exige para seu fundamento, que existe uma divindade pessoal e pensante... Ela não tem sentido ou valia a menos que assumamos estar o universo constituído de tal modo que pressuponha um originador absoluto e incondicional de suas forças e leis... Analisamos os diversos processos do conhecimento nos seus dados e achamos que o dado que se impõe a eles todos é o de uma inteligência autoexistente" (Porter, Human Intellect). "A razão pensa em Deus como existente e ela não séria razão se não pensasse em Deus como existente" (Dorner, Glaubenslehre). É por esta razão que Deus disse na Sua Palavra: "Disse o tolo no seu coração: Não há Deus" (Salmo 14:1). Só um tolo negará a existência de Deus. Alguns tolos tais são educados; alguns sem letra, mas, não obstante, são tolos, porque não tem conhecimento ou ao menos não reconhecem nem mesmo o princípio da sabedoria, o temor do Senhor. Veja Provérbios 1:7. (3) A Consciência Humana Para fins práticos, a consciência pode ser definida como a faculdade ou poder humano de aprovar ou condenar suas acções numa base moral. O apóstolo Paulo, um dos maiores eruditos do seu tempo, afirmou que os pagãos, que não tinham ouvido de Deus ou de Sua lei, mostravam "a obra da lei escrita em seus corações, testificando juntamente a sua consciência e seus pensamentos, ora acusando-se, ora defendendo-se" (Romanos 2:15). Paulo assim afirmou de homens que não aprenderam de um padrão moral autorizado e tinham um senso comum do direito e do errado. Eruditos modernos nos dizem que os povos mais rudimentares da terra têm consciência. Não se pode dizer, portanto, que o homem tem consciência por causa dos ensinos morais que ele recebeu. Não se pode duvidar que a instrução moral aguça a consciência e faz sua sensibilidade mais pungente; mas a presença da consciência no pagão ignorante mostra que a educação moral não produz consciência. A consciência, então, nos capacita da existência da lei. A existência da lei implica a existência de um legislador; logo a consciência humana atesta o facto da existência de Deus. (4) Ordem, Desígnio e Adaptação no Universo, Ordem, desígnio e adaptação permeiam o universo. "Desde que a ordem e a colocação útil permeiam o universo, deve existir uma inteligência adequada para dirigir esta colocação a fins úteis" (Strong, Systematic Theology, pág. 42). Vemos ordem maravilhosa nos movimentos dos corpos celestes. Observamos desígnio admirável no facto de o homem respirar ar, tira muito do oxigénio e devolve o ar carregado de dióxido de carbono, que é inútil ao homem. As plantas, por sua vez, tomam o dióxido de carbono, um alimento essencial da planta, do ar, e deitam oxigénio. Temos admirável adaptação no ajuste do homem para viver sobre a terra e no ajuste da terra para lugar de habitação do homem. Tudo disto evidencia um criador inteligente. É o suficiente para convencer a quaisquer pessoas cujas mentes não estão cegadas pelo preconceito. Alguém podia crer do mesmo modo que é por 4 CURSO DE FORMAÇÃO DE LÍDERES 13 de março de 2010 acidente que os rios nos países civilizados banham povoações e cidades como crer que a ordem, o desígnio e a adaptação no universo são produtos de mero acaso. (5) A História Universal Prova a Existência de Deus. A história universal não fala de uma só tribo, ainda menores e insignificantes que não tivessem alguma crença na existência de um ser supremo. Entre certos povos, como os egípcios e os hebreus as ideias religiosas são as que mais perpetuavam. Os egípcios tinham convicções tão fortes da realidade do mundo espiritual que todas as outras coisas se subordinavam as ideias religiosas. A riqueza do povo egípcio, o seu comércio, o seu esplendor tudo desapareceu, menos os monumentos da sua fé. Toda a literatura e a cultura egípcia da a ideia da sua crença religiosa. A babilónia também vem nos fornecendo, através das descobertas realizadas pelos arqueólogos de inúmeras provas da sua crença em Deus. Milhares de tijolos e tabuletas de barro que estão sendo desenterrados nos dão ideia de como a crença religiosa influenciava a vida e os costumes daquele povo. É impossível explicar a história de Israel sem ter em consideração a influência de sua crença. De Abraão até Jesus o que houve de mais salutar na história deste povo esta ligado a ideia de Deus. A EXISTÊNCIA DE DEUS NÃO É O ÚNICO FACTO QUE NÃO PODE SER DEMONSTRADO MATEMATICAMENTE. Nenhum homem pode demonstrar a existência do tempo, do espaço, ou a realidade da matéria por um processo estritamente lógico. Não se pode demonstrar nem a realidade de sua própria existência. Não podemos provar absolutamente que não é alucinação tudo quanto vemos, ouvimos e sentimos. Todavia, nós nos sentimos certos sobre essas coisas e pouca gente alguma vez pensou em discuti-las. Quem o faz é considerado um energúmeno. O mesmo séria sempre verdade do que questionasse a existência de Deus. Um agnóstico ou um ateu, para serem coerentes, teriam, de assumir a mesma atitude para com toda a verdade científica como a que assume para com a existência de Deus; porque todos os ramos da ciência devem confiar nas intuições da mente como o fundamento de toda a observação. "A crença em Deus não é a conclusão de uma demonstração, mas a solução de um problema" (Strong); e esse problema é o problema da origem do universo. O universo, como um grande facto, requer uma explanação racional e ... e a explanação que se pode possivelmente dar é essa fornecida na concepção de um tal Ser (como Deus). Nesta conclusão a razão descansa e recusa-se a descansar em qualquer outra. "Chegamos a uma crença científica na existência de Deus tanto como a qualquer outra verdade humana possível. Logo, podemos dizer: "Deus é o facto mais certo do conhecimento objectivo" (Bowne, Metaphysics). A existência de Deus, portanto, pode ser tomada por concedida e proclamada ousadamente. 5 CURSO DE FORMAÇÃO DE LÍDERES 13 de março de 2010 Os factos precipitados deveriam fazer o pregador ousado na sua proclamação do fato da existência de Deus, não temendo de proclamá-la confiadamente aos profanos. Estamos sobre terreno seguro em proclamar esta verdade. Nenhum homem pode logradamente contrariar nossa mensagem. Vezes há, talvez, quando o pregador no púlpito devera discutir as evidências da existência de Deus; todavia, como uma coisa usual, ele deveria assumi-la e declará-la como Moisés fez. E quando ele trata das evidências da existência de Deus, não as sobrecarregue de modo a deixar a impressão que a validade do fato da existência de Deus depende de uma rigorosa demonstração racional. Para entendermos o conceito de Deus temos de pensar na perspectiva que o povo hebreu tinha a respeito de Deus: Conceito de “Ciência”: O povo hebreu não compartilhava a forma actual de conceitualizar e falar de ciência (conhecimento). O seu método científico não obedecia às normas e aos padrões actuais de investigação, crítica, e análise de hipóteses, teorias e leis. Isto se deve ao facto de que a ciência moderna com a sua metodologia de pesquisa e o seu chamado “método científico” simplesmente não existiam na época do povo através do qual o texto bíblico foi transmitido. Além de a Bíblia não ser um texto de ciência, o processo científico dos autores teria sido completamente distinto do processo em uso na actualidade. Mesmo as suas preocupações científicas do povo hebreu teriam sido muito distintas das preocupações vigentes. Por estas e outras considerações não se deve forçar uma perspectiva científica moderna sobre o texto das narrativas bíblicas, especialmente porque a narrativa não tem os mesmos interesses e enfoques da ciência actual. Como já foi exposto, o propósito central das narrativas bíblicas é teológico, não científico. “O Antigo Testamento nunca teve a pretensão de ensinar ciência. Um estudo cuidadoso do Antigo Testamento como um todo revela ao leitor que o interesse dominante do autor era religioso”. O enfoque do seu ensino não é historiografia, ciência política, geografia, cartografia, zoologia, biologia, astronomia, e nem cosmologia. O propósito é revelar YHWH (Deus), este único e supremo Deus que criou os céus, a terra e a humanidade. Enquanto a ciência procura investigar o como e o quando da criação, a Bíblia procura responder o quem e o porquê da criação. “Calvino entendeu que a Bíblia não era um livro fonte de ciência natural, …o propósito das Escrituras consistia em revelar o que era proveitoso saber sobre Deus e sobre nós mesmos”. Quando o teólogo e o cientista efectuam os seus papéis dignamente, não há nenhum conflito a ser percebido entre os dois campos de estudo, pois são bem distintos em propósito e metodologia. O que geralmente se percebe como um conflito entre a teologia e a ciência tem mais do que nada a ver com uma forma de expressar a verdade sendo descrita do que um conflito em si. “Aquele que percebe o Antigo Testamento como sendo a ‘palavra inspirada de Deus’ não precisa [proteger] os livros do Antigo Testamento, escritos em palavras e linguagem humana, da pesquisa científica normativa”. “A Bíblia deve ser compreendida de acordo com seu propósito: possibilitar aos homens relacionarem-se de forma salvadora com Deus. Ela não foi dada para satisfazer nossa curiosidade, nem para fornecer informações que podem ser obtidas pelo estudo da criação de Deus”. O testemunho bíblico foi 6 CURSO DE FORMAÇÃO DE LÍDERES 13 de março de 2010 preservado e escrito para induzir a humanidade a um relacionamento íntimo e pessoal com o único Deus, YHWH, Criador do Universo. É essencial lembrar que este é o propósito bíblico. Cosmologias Antigas: Em vários casos, saber algo da cosmologia do povo hebreu da época do Antigo Testamento é indispensável para que o leitor possa ter uma boa compreensão daquilo que um texto específico está tentando comunicar. A sua cosmologia está vinculada aos conceitos dos povos vizinhos, porém é ao mesmo tempo distinto desses outros conceitos. É importante conhecê-los, especialmente ao lidar com as narrativas que fazem referência à criação e ao dilúvio. Marcas deste conceito se encontram também em outras narrativas, em descrições tanto do além-túmulo como de aspectos do universo físico. O conceito hebraico do formato do universo deve ser considerado ao tratar de assuntos tais como a criação. Os hebreus tinham a mesma percepção “científica” do mundo dos outros povos de sua época, porém faziam suas distinções. Em matéria do formato físico-estrutural do universo, tinha muito em comum com os outros povos. O texto bíblico usa termos como “abismo”, “expansão” (em algumas traduções “firmamento”), “janelas dos céus”, e outros termos que de certo soam um tanto estranhos no século presente. Estes termos reflectiam a forma antiga de se reflectir sobre o mundo a sua perspectiva do universo criado por Deus. Pode-se ver que certos assuntos actuais, como a preocupação de encontrar vida em outros planetas, não tem cabimento no texto bíblico pelo simples facto de que estas perguntas baseiam-se em outra cosmologia, muito distinta daquela dos hebreus. O gráfico apresentado a seguir ajuda na compreensão da perspectiva “científica” dos hebreus referente ao formato do universo, reflectido especialmente em passagens como Génesis 1-11 e de Jó 38-41, na qual Deus faz perguntas a respeito da criação do universo que Jó não consegue responder. Os elementos comuns entre os hebreus e os outros povos são diferenciados em seus termos representativos, e especialmente da sua explicação religiosa. É importante lembrar que mesmo quando o conceito hebraico reflecte certas noções tidas em comum com os outros povos, a ênfase das narrativas hebraicas é a de oferecer uma crítica nos pontos em que divergem deles pela revelação de Deus. Este gráfico do conceito hebraico da estrutura do universo limita-se a uma fracção mínima da cosmologia científica actual. 7 CURSO DE FORMAÇÃO DE LÍDERES 13 de março de 2010 O Conceito de Deus. Uma compreensão correcta da Divindade, portanto, será fundamental para nossa vida. Por isso, comecemos com esta pergunta: quem é Deus? 1. Quem é Deus? - Responderemos com uma citação de Mullins: Deus é o supremo espírito pessoal; perfeito em todos os seus atributos; que éa fonte, o sustentador, e o fim do universo; quem o guia conforme seu propósito sábio, recto, e amoroso, revelado em Jesus Cristo; quem mora em todas as coisas mediante seu Santo Espírito, procurando sempre transformá-las conforme a sua própria vontade e trazê-las a seu reino. Parece uma definição um pouco longa, e há outras menores do que esta. Bem, se há definições menores, por que, então, optar por esta? Porque ela aborda alguns aspectos relevantes à nossa discussão: 1º) 2º) 3º) 4º) O que Deus é em si mesmo, Os atributos de Deus, A relação de Deus com sua criação, O propósito de Deus em Cristo, 8 CURSO DE FORMAÇÃO DE LÍDERES 5º) Deus e a natureza progressiva do Reino, 6º) Deus e a obra do Espírito Santo no Reino, 7º) O propósito de Deus na consumação do reino. 13 de março de 2010 Esta definição é humana, visando abrir espaço para uma exposição doutrinária a seguir. Mas, o que diz, exactamente, a Bíblia sobre Deus? Como ela o define? Nas palavras de Jesus, "Deus é espírito" (Jo 4.24). Podemos deduzir que Deus não tem corpo, não é matéria, não está limitado ao tempo e ao espaço, que são categorias da matéria. Esta declaração bíblica, apesar de simples e lacónica, é profunda, porque mostra que Deus tem uma dimensão que o homem não tem. O homem também é espírito, mas Deus é espírito. Deus, um dia, foi carne. O homem é carne. Há grande diferença aqui. Uma outra definição bíblica sobre Deus diz respeito ao seu carácter: "Deus é amor" (I Jo 4.8). No relato posterior de João se vê que foi seu amor que o impeliu para a acção de enviar Jesus (1Jo 4.9). Neste sentido, seus actos são motivados pelo seu amor. Mesmo quando se trata de seu juízo, o que o leva a julgar é o seu amor à rectidão e à santidade. Com isto se quer dizer que em Deus não há motivação injusta ou maldosa, mas que é seu amor que o leva a agir. Foi por isso que, mais do que apresentar uma definição, Langston declarou sobre Deus: "Esta é a ideia cristã de Deus. Deus é Espírito Pessoal, perfeitamente bom, que em santo amor cria, sustenta e governa tudo". São poucas as boas definições de Deus. Elas podem nos satisfazer em algum aspecto, mas permanece um ponto: como definir o indefinível? Como um ente limitado (o ser humano) pode definir aquele que é ilimitado (Deus) ? Por isso que não gastaremos muito tempo com este aspecto. Basta-nos o que aqui está. 2. A transcendência de Deus - Um postulado teológico inevitável quando se fala de Deus é sua transcendência. O que significa esta palavra esquisita, “transcendência”? Isso significa que Deus está fora dos limites físicos e sensoriais (isto é, dos sentidos). Que não se restringe ao mundo físico, que não pode ser compreendido pelos sentidos, que não está preso ao mundo material. Deus não pode ser visto, tocado, cheirado. Transcendente é aquilo (aquele) que transcende ou ultrapassa a esfera da experiência racional do homem. Esta transcendência divina fica patente nas muitas declarações do Antigo Testamento exaltando a santidade de Deus em contraste com a pecaminosidade humana. Todo o sistema sacerdotal, por exemplo, é uma amostra de como Deus está distante dos homens e é diferente deles. E, na realidade, o sistema sacerdotal, embora instituído por Deus, é praticamente pedido pelo povo, como lemos em Êxodo 20.19: "E disseram a Moisés: Falanos tu mesmo, e ouviremos; mas não fale Deus connosco, para que não morramos ". O povo sabia que havia uma distância enorme entre ele e Deus, em termos de carácter. Mas é em Eclesiastes 5.2 que encontramos isto bem definido: "...porque Deus está no céu e tu estás sobre a terra; portanto sejam poucas as tuas palavras". Há um abismo entre Deus e o homem e isto não é apenas em distância. O que está em foco é a diferença qualitativa entre os dois: Deus é celestial e o homem é terreno. Deus é santo e somos pecadores. É por isso que ele exige santidade do seu povo (Lv 11.44-45 e 1Pe 1.16). Em termos clássicos pode-se dizer que esta transcendência de Deus se verifica na natureza (ele é à parte dela, não sendo um com ela, sendo ele 9 CURSO DE FORMAÇÃO DE LÍDERES 13 de março de 2010 imaterial) e no espaço (ele não é limitado, estando numa dimensão imaterial e não-espacial). E é isto, a noção de transcendência, que torna a fé bíblica tão distinta das demais. Porque, diferentemente do ambiente cultural em que os hebreus viviam, há uma diferença entre o Criador e a criação. Ele não se confunde com ela, em momento algum. No Egipto, o Nilo era uma divindade. Entre os hindus, "tudo é Deus e Deus é tudo", um panteísmo absoluto. Para os hebreus, a Divindade não está no mundo material e sensível. Está acima da natureza. Ele não faz parte dela. E ela não é emanação, uma onda, dele. A matéria também não é divina, foi criada, mas nunca é exaltada como sendo igual ao Criador. Criador e criatura, Criador e criação são distintos. A transcendência de Deus fica bem patente em todo o relato bíblico. Deus é diferente do mundo criado. Deus e uma árvore, Deus e uma vaca, são bem diferentes. Ajuda-nos a compreender mais esta questão o conceito de "numinoso", de Rudolph Otto. Para definir o elemento sagrado, bem como a sensação do homem diante do sagrado, ele criou este termo, derivado de numen e explicou: Eu uso a palavra numinoso. Se lúmen pode servir para formar luminoso, numen pode formar o numinoso. Falo de uma categoria numinosa como uma categoria especial de interpretação e de avaliação, um estado de alma que se manifesta quando essa categoria é aplicada, isto é, cada vez que um objecto é concebido como numinoso. Mas, o que é numinoso? O que é numen? Numen é o termo latino para divindade, e numinoso é tudo aquilo que não pode ser explicado ou entendido racionalmente. Numen tem um sentido que ultrapassa o conceito de "divindade". Segundo Brown, "é algo que é bem diferente da perfeição moral. É algo que é ''Totalmente Outro' em relação ao mundo natural". Ou seja, Deus é o Totalmente Outro, completamente distinto do mundo natural, quer seja a natureza seja a humanidade. 3. A imanência de Deus - Mas a transcendência de Deus não significa que ele não seja, também, imanente. Esta palavra significa, mais ou menos, “estar presente”. "Um importante par de ênfases que devemos preservar com toda certeza é a doutrina da imanência de Deus em sua criação e de sua transcendência em relação a ela. Ambas as verdades são ensinadas na Escritura". Mas como pode Deus ser transcendente e imanente ao mesmo tempo? Não estaremos ficando muito confusos? Parece que as coisas estão se complicando! A definição de imanência nos mostrará que não há choque de declarações. Imanência é a presença de Deus na criação e na história da humanidade. Ele não é um com a criação, mas ele a sustenta. Ele a controla. Nos capítulos 38 e 39 de Jó, ao responder a este, Deus mostra sua actuação na natureza, criando-a e sustentando até mesmo os animais. A imanência não significa panteísmo (ideia segundo a qual Deus e a natureza são uma coisa só), mas significa a presença de Deus no mundo (ideia segundo a qual Deus está com a sua criação, embora não esteja na criação). E embora seja o Totalmente Outro de Rudolph Otto, ele é o "Deus que está aqui", nas palavras de Francis Schaeffer. Embora pareça contraditório, podemos dizer que ele está longe, mas, ao mesmo tempo, está perto. "Porque assim diz o Alto e o Excelso, que habita na eternidade, e cujo nome é santo: Num alto e santo lugar habito, e também com o contrito e humilde de espírito, para vivificar o espírito dos humildes, e para vivificar o coração dos contritos" (Is 57.15). Ele é o Deus que pode ser achado. Que está longe, pelo seu carácter de santidade 10 CURSO DE FORMAÇÃO DE LÍDERES 13 de março de 2010 absoluta, mas que está perto, pelo seu carácter de amor absoluto. E a maior proximidade de Deus se verificou em Jesus de Nazaré. A encarnação da Divindade é a prova maior de sua imanência: ele esteve no mundo como matéria. A imanência de Deus significa que ele não está banido da sua própria criação, impedido de agir nela, mas que está presente e activo nela. Ele não abandonou o mundo que criou. Ele actua pela natureza e na história dos homens. Um Deus absolutamente transcendente não nos seria de grande valia, porque seria apenas uma força cósmica criadora, seria apenas uma energia impessoal. Poderia nos encher de um sentimento numinoso, isto é, cheio de respeito e até de medo, mas nunca nos encheria de esperança ou de significado. O próprio universo seria desprovido de sentido. Isto de pouco nos serviria. Um Deus absolutamente imanente poderia estar sujeito às mesmas fraquezas, inclusive morais, da criação. Seria igual a nós. E isto também de pouco nos serviria. Logo, transcendência e imanência são, como bem o disse Erickson, um par de ênfases que devemos preservar. Uma boa compreensão da natureza de Deus exige que as entendamos e as ajuntemos. Separá-las ou não compreender a relação entre as duas nos dará um visão equívoca de Deus. As duas não são conflituantes, mas harmoniosas e necessárias. 11