BIOMATERIAIS APLICADOS EM DERIVAÇÃO VENTRÍCULO

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BIOMATERIAIS APLICADOS EM DERIVAÇÃO
VENTRÍCULO-PERITONEAL
José R. Camilo1, Angelo L. Maset2, João M. D. A. Rollo1
1
2
Programa de Pós-Graduação Interunidade Bioengenharia, USP, São Carlos (SP), Brasil
Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento, Ventura Biomédica, São José do Rio Preto (SP), Brasil
E-mail: [email protected]
Resumo. Os biomateriais estão presentes em diversos produtos direcionados à área médica interagindo
com o sistema biológico e classificados como de origem sintética, natural ou natural modificado. Os
materiais implantados no corpo humano provocam interações dinâmica e tecidual onde a
biocompatibilidade e a biofuncionalidade devem ser consideradas. Na área da neurocirurgia encontramse o sistema de derivação ventrículo-peritoneal, implante responsável por drenar o líquido
cefalorraquidiano do interior do ventrículo cerebral para a cavidade abdominal do paciente para tratar
a doença chamada de Hidrocefalia. O trabalho almeja o levantamento dos principais biomateriais
utilizados no mencionado sistema alternativo de drenagem do líquido cefalorraquidiano. Através da
pesquisa bibliográfica e avaliação de cinco produtos comercializados para o tratamento da Hidrocefalia
foi possível o estudo dos materiais utilizados. Todos os biomateriais presentes nos sistemas de drenagem
devem atender a norma internacional de biocompatibilidade ISO 10993-1. Os cateteres ventricular e
peritoneal são fabricados em silicone grau médico e possuem características funcionais tais como a
flexibilidade e resistência mecânica nas paredes do tubo para evitar a ocorrência do colabamento e
interrupção do escoamento. As válvulas neurológicas analisadas, conforme o respectivo princípio de
funcionamento, são fabricadas principalmente com silicone, titânio, aço inoxidável, polipropileno,
poliéster, polifenilsulfona, safira e rubi sintético. Os materiais bioabsorvíveis, os bioativos e os
vitrocerâmicos não são aplicados na construção de componentes das válvulas. O silicone e o titânio
destacam-se na composição da maior parte dos produtos. Na área de implantes neurocirúrgicos não
existe uma vasta gama de biomateriais empregados na fabricação destes itens, mas o aumento da
demanda destes produtos tem possibilitado o desenvolvimento de novos materiais e tecnologias para a
derivação ventrículo-peritoneal.
Palavras-chave: Biomateriais, Shunts, Válvulas neurológicas.
INTRODUÇÃO
Os biomateriais são materiais destinados a estar em contato e interagir com o
sistema biológico e são classificados como de origem sintética, natural ou natural
modificados [ISO 10993-1, 2009]. A partir do início do século XXI os biomateriais
começaram a ser amplamente utilizados na odontologia, medicina e biotecnologia,
realidade diferente quando comparado aos materiais e produtos regulamentados
disponíveis a 50 anos atrás [Ratner, 2009].
Os implantes no corpo humano provocam uma interação dinâmica e tecidual
onde a biocompatibilidade e a biofuncionalidade devem ser consideradas, pois o
material funciona com uma resposta apropriada do hospedeiro em uma aplicação
específica [Ratner, 2009].
Os materiais biocompatíveis são definidos como aqueles que não induzem
nenhuma resposta inflamatória ao organismo e a biocompatibilidade desempenha um
importante papel na garantia que os materiais são seguros para uso dentro do corpo
humano e nos fluidos endógenos [Maia, 2010].
A biofuncionalidade é um fator primordial na escolha do material a ser utilizado
na substituição ou restauração de tecidos danificados, composição de órgãos artificiais
ou próteses no geral, e está relacionada com as características físicas dos materiais
como, por exemplo, as propriedades mecânica, elétrica, térmica, magnética, ótica e
deteriorativa [Callister Jr, 1991].
Na área médica os biomateriais são empregados em implantes em variadas
aplicações, tais como, distribuição de drogas, engenharia de tecidos, contrastes em
diagnósticos por imagens [Mitragotri, 2009], válvulas para o coração, stents, implante
dental, prótese femoral e pinos, lentes oftalmológicas. Especificamente na área
neurocirúrgia, dentre outros produtos, encontram-se os sistemas para a derivação
ventrículo-peritoneal (DVP) utilizados para o tratamento da Hidrocefalia, doença
ocasionada pelo acúmulo do fluido cérebroespinhal, também conhecido como líquido
cefalorraquidiano (LCR) ou líquor e que provoca o aumento da pressão intracranial
[Zhong, 2008; Schimer, 2005; Aschoff, 1999].
Os sistemas de derivação ventrículo peritoneal (DVP), também chamados de
shunts, são implantes neurológicos que possuem a função de drenar o LCR do interior
dos ventrículos cerebrais para a região peritoneal. A Figura 1 ilustra o sistema de
derivação ventrículo-peritoneal composto de um cateter ventricular que é inserido no
ventrículo cerebral, uma válvula neurológica que controla o escoamento do líquor e um
cateter peritoneal que conduz o fluido para a região abdominal para a sua absorção e
retorno para a corrente sanguínea.
(a)
(b)
Figura 1 – (a) representação da implantação de um sistema para drenagem liquórica. (b)
partes integrantes de um sistema de derivação ventrículo-peritoneal.
Existem aproximadamente 200 tipos diferentes de válvulas neurológicas entre
produtos comerciais e protótipos conceituais [Aschoff, 1999; Drake, 1994] e elas podem
ser divididas em dois grupos denominados de primeira e segunda geração.
Os implantes de primeira geração controlam o escoamento através de elementos
resistivos com o funcionamento executado por cone e esfera, membrana ou fendas
[Maset, 2009]. Quando a pressão no fluido for superior a resistência do mecanismo
resistivo ocorre o escoamento do líquor através do dispositivo, mas quando pressão for
inferior tem-se a obstrução da drenagem. Para melhor ilustrar as características
construtivas de uma válvula neurológica, a Figura 2 ilustra uma válvula Cello, modelo
adulto, da empresa Ventura Biomédica, a qual utiliza elementos resistivos em fenda. O
fluido entra na válvula através do conector de entrada, passa pelo elemento resistivo,
ingressa no reservatório central e após passar pelo segundo elemento resistivo é
direcionado pelo conector de saída.
Figura 2 – Válvula neurológica com elementos resistivos com fendas.
A segunda geração de válvulas além da presença de elementos resistivos oferece
recursos para melhor controlar o escoamento ou superar o problema da hiperdrenagem
do líquor quando o usuário estiver na posição ereta, devido a atuação da força da
gravidade na coluna de fluido presente no cateter peritoneal, e pode ser classificada em:
válvulas ajustáveis, válvulas auto-reguláveis, válvulas anti-sifão e válvulas
gravitacionais.
O trabalho almeja o levantamento dos principais biomateriais utilizados nos
sistemas para drenagem alternativa do LCR considerando as características de
biocompatibilidade e biofuncionalidade dos materiais.
MATERIAIS E MÉTODOS
As informações referentes aos biomateriais utilizados nos shunts foram obtidas
através de pesquisa bibliográfica e avaliações dos materiais presentes em cinco produtos
comercializados para tratamento da Hidrocefalia utilizando a DVP. Foram analisadas
cinco DVP com válvulas neurológicas indicadas para pacientes adulto, sendo elas: uma
modelo Cello do Fabricante Ventura Biomédica que utiliza o controle do escoamento
executado por elementos resistivos com fenda, uma Hakim Precision do fabricante
Codman que utiliza elementos resistivo mola e esfera, uma Radionics do fabricante
Radionics que possui dispositivo anti-sifão, uma Gravity Assisted do fabricante
Aesculap que possui dispositivo gravitacional e uma Hakim Programmable do
fabricante Codman com recurso de ajustar a pressão de funcionamento da válvula.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nos sistemas de DVE parte do cateter ventricular permanece inserido no interior
do crânio enquanto que a sua outra parte, a válvula e o cateter peritoneal são
implantados na região subcutânea do corpo humano. Os componentes são classificados
como materiais para implante de longo prazo (superior a 30 dias) e devem seguir a
norma internacional de biocompatibilidade ISO 10993-1 para atendimento de ensaios de
toxidade, toxidade crônica e carcinogenia dentre outros testes para a proteção da saúde
do paciente que recebe o produto.
O cateter ventricular possui características funcionais tais como a flexibilidade e
resistência mecânica nas paredes do tubo para que não ocorra colabamento e interrupção
do escoamento. Evidencia-se que silicone é o material utilizado nos cateteres
juntamente com o sulfato de bário na sua composição em todo o corpo do cateter ou em
uma faixa longitudinal para que seja possível a verificação do posicionamento do tubo
no paciente através do exame de raio X.
A válvula neurológica é instalada abaixo do couro cabeludo, ligada ao cateter
ventricular possui a função de controlar o escoamento. As válvulas de primeira geração
são geralmente compostas de corpo, conectores, elementos resistivos e base rígida. O
corpo das válvulas estudadas é fabricado em silicone e permite maleabilidade, além de
melhor acomodação na região do implante. Os conectores são fabricados em ter
termoplásticos tais como polipropileno e polifenilsulfona que resistem aos esforços de
compressão ocasionados pelo couro cabeludo. Os elementos resistivos que atuam pelo
princípio de fenda ou membrana são produzidos em silicone enquanto que os que
utilizam esfera e mola são confeccionados em rubi sintético e aço inoxidável AISI
316L. Os materiais utilizados nas válvulas neurológicas analisadas encontram-se
indicados na Tabela 1.
Tabela 1 – biomateriais utilizados nas válvulas neurológicas estudadas. Obs.: (-) indica
que a especificação do material não foi encontrada na pesquisa realizada.
Modelo
Conector
Base
Corpo
Elemento
Dispositivo anti-
Resistivo
hiperdrenagem
Cello
polifenilsulfona
polifenilsulfona
silicone
silicone
não possui
Hakim
não possui
-
silicone
aço inoxidável
não possui
Precision
AISI 316L e
rubi sintético
Radionics
Gravity
polipropileno
titânio
poliéster
não possui
Assisted
Hakim
Programmable
silicone
titânio
Polipropileno
polipropileno e
e silicone
silicone
tântalo e safira
tântalo e safira
aço
não possui
TIAl6V4
-
-
silicone
inoxidável,
titânio e rubi
sintético
As válvulas de segunda geração possuem dispositivos para evitar a
hiperdrenagem do fluido, como por exemplo a Radionics e Gravity Assisted, ou
recursos tecnológicos diferenciados como a Hakim Programmable que permite a
alteração da pressão de funcionamento da válvula de forma não-invasiva. A válvula
Radionics possui o corpo de silicone, elemento resistivo composto de polipropileno com
membrana de silicone e possui dispositivo anti-hiperdrenagem denominado anti-sifão
fabricado em polipropileno e silicone. A Gravity Assisted é chamada de válvula
gravitacional, tem o corpo produzido em titânio com a presença de esferas de tântalo e
safira para compensar a altura hidrostática quando o usuário encontra-se na posição
vertical. A Hakim Programmable possui a presença de um mecanismo metálico
responsável pela ajustagem da resistência ao escoamento composto de rubi sintético,
titânio e aço inoxidável.
O cateter peritoneal é o elemento responsável pela condução do fluido da
válvula até o peritôneo e é implantado na região subcutânea ao longo da trajetória entre
a cabeça e a região abdominal e possui as mesmas propriedades mecânicas nos
materiais encontrados no cateter ventricular.
Analisando os principais produtos disponíveis no mercado nacional constata-se
que os materiais utilizados são de origem sintética onde se destacam os bioinertes ou
biotoleráveis, como por exemplo, titânio, aço inox AISI 316L, silicone, termoplásticos e
rubi sintético. Os bioabsorvíveis, como por exemplo, o PLF, PLA, PLGA, gelatina e
quitosana, tanto como os biaotivos, exemplificados pela hidroxiapatita e materiais
vitrocerâmicos não são aplicados em componentes dos shunts.
Quanto à biofuncionalidade, o silicone devido a sua baixa dureza, flexibilidade e
elasticidade é utilizado nos corpos das válvulas, elementos resistivo, membranas e nos
cateteres instalados em regiões delicadas e compostas de tecidos macios (ventrículo e
região abdominal). O titânio é utilizado em corpos de elementos resistivos pela
resistência à corrosão e à deformação. O aço inoxidável devido às suas propriedades
mecânicas é utilizado na confecção de molas. Os termoplásticos tais como o
polipropileno, polisulfona e polietersulfona devido às características mecânicas e
viabilidade econômica nos processos produtivo são utilizados em conectores,
encapsulamentos de dispositivos, bases protetoras e outras aplicações. Os componentes
onde é necessário um excelente acabamento superficial verifica-se a presença de rubi
sintético ou safira, como por exemplo, em assentos e esferas.
CONCLUSÃO
A pesquisa realizada mostra que o silicone e o titânio destacam-se na
composição da maior parte das válvulas neurológicas e são materiais muito bem aceitos
no meio médico. Na área de implantes neurocirúrgicos não existem uma gama
expressiva de biomateriais na fabricação dos componentes, mas o aumento da demanda
destes produtos tem possibilitado o desenvolvimento de novos materiais e tecnologias
que muito contribuirão para o aprimoramento dos recursos presentes na derivação
ventrículo-peritoneal.
AGRADECIMENTOS
A Ventura Biomédica pelo incentivo e apoios material e financeiro para a
realização deste estudo.
REFERÊNCIAS
1. Aschoff, A.; Kremer, P.; Hashemi, B.; Kunze, S. The Cientific History of Hydrocephalus and its
Treatments, Neurosurgical Review, vol.22,pp. 67-93, 1999.
2. Callister Jr., W.C. Material Science and Engineering: An Introduction, John Wiley & Sons, New York,
NY, 1991.
3. Drake, J.M; Sainte-Rose, C. The shunting book. Blacwell Science, 1994.
4. ISO 10993-1. Biological evaluation of medical devices: evaluation and testing.Switzerland:ISO, 2009.
5. Maia, M.; Klein, E.S.; Monje, T.V.; Pagliosa, C. Reconstrução da estrutura facial por
biomateteriais:revisão de literatura, Ver. Bras. Cir. Plást., 25(3): 566-572, 2010.
6. Maset, A.L.; Camilo, J.R.; Andrade, J.R.; Xavier, V.E.F. Considerações hidrodinâmicas sobre a
derivação liquórica: tecnologia de válvulas de primeira geração. Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia.
Vol.28:87-96, 2009.
7. Mitragotri, S.; Lahann, J. Physical Approaches to Biomaterial Design. Nat Mater, 8(1):15-23, 2009.
8. Ratner, B.D.; Hoffman, A.; Schoen, F.J.; Lemons, J.E. Biomedical Engineering Desk Reference,
Elsevier, San Diego, EUA, 2009.
9. Schimer, M. São Paulo, Santos Editora, 2005.
10. Zhong, Y.; Vellamkonda, R.V. Biomaterials for the Central Nervous System, J. R. Soc. Interface 5,
957-975, 2008.
BIOMATERIAlS APPLIED TO THE
VENTRICULOPERITONEAL SHUNT
José R. Camilo 1, Angelo L. Maset 2, João M. D. A. Rollo 2
1
Program of Post-graduation Interunits Bioengineering, USP, São Carlos (S), Brazil
Departament of Research and Development, Ventura Biomedical, São José do Rio Preto (SP), Brazil
E-mail: [email protected]
2
Abstract. The biomaterials are present in several products related to the medical area interacting with
the biological system and classified such as synthetic, natural or natural modified origins. The materials
introduced in the human body cause dynamic and tecidual interactions where the biocompatibility and the
biofunctionality must be considered. In the neurosurgery area it is found the ventriculoperitoneal shunt,
which is an implant responsible for drainage of the cerebrospinal fluid from the ventricle to the
peritoneal cavity of the patient to treat the disease called Hydrocephalus. This study aims to research the
main biomaterials applied to the mentioned alternative drainage system of the cerebrospinal fluid.
Through literature and evaluation of the five commercial products used in Hydrocephalus it was possible
the study of used materials. All the shunt biomaterials need to meet the international standards of
biocompatibility called ISO 10993-1. The ventricular and peritoneal catheters are produced in silicone
medical grade and they have functional characteristics such as flexibility and mechanical resistance in
the tube walls to avoid the collapse and interruption of the flow. The neurological valves studied,
according to the principle of operation, are produced in silicone, titanium, stainless steel, polypropylene,
polyester, poliphenilsulfone, sapphire and synthetic ruby. Absorbable, bioactive and glass-ceramic
materials aren’t applied to the construction of valves components. The silicone and titanium stand out in
the composition of most products. In the neurological implant area there isn’t a wide range of
biomaterials in the components composition, but the increased demand for these products has enabled
the development of new materials and technologies for the ventriculoperitoneal shunts.
Keywords: Biomaterials, Shunts, Neurological Valves.
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