Adriano Luis Heck Simon, Cláudia Vanessa dos Santos Corrêa

VI Seminário Latino Americano de Geografia Física
II Seminário Ibero Americano de Geografia Física
Universidade de Coimbra, Maio de 2010
Análise da morfologia original nos estudos sobre a evolução do relevo
antropogênico
Adriano Luís Heck Simon
Doutorando em Geografia – Departamento de Planejamento Territorial e
Geoprocessamento – Laboratório de Geomorfologia – UNESP (Universidade Estadual
paulista) – Campus de Rio Claro (SP/Brasil): [email protected];
Cláudia Vanessa dos Santos Corrêa
Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento – Laboratório de
Geomorfologia – UNESP (Universidade Estadual paulista) – Campus de Rio Claro
(SP/Brasil): [email protected];
Archimedes Perez Filho
Professor Titular – Departamento de Geografia – UNICAMP (Universidade Estadual
de Campinas – SP/Brasil): [email protected];
Cenira Maria Lupinacci da Cunha
Professora Doutora – Departamento de Planejamento Territorial e
Geoprocessamento – Laboratório de Geomorfologia – UNESP (Universidade Estadual
Paulista) – Campus de Rio Claro (SP/Brasil). E-mail: [email protected];
Introdução
A ação antrópica sobre a dinâmica dos sistemas naturais é alvo de estudo de
diferentes ramificações do conhecimento científico. Na geografia física, estas
investigações são orientadas para a análise espacial das organizações derivadas da
relação do sistema socioeconômico com os elementos do sistema natural. A
geomorfologia, ao longo da evolução de seus métodos e técnicas, procurou pela
inserção do homem em seus estudos específicos sobre as formas e processos do
relevo.
Trabalhos elementares como o de March (1864), pautados no ideal
preservacionista, foram fundamentais para estruturação das bases acerca das
conseqüências das atividades humanas sobre a cobertura vegetal, processos
denudacionais e poluição dos cursos de água. Embora segmentadas, estas
investigações pioneiras trouxeram contribuições para seguidores como Shaler (1905) e
Sherlock (1922), que percorreram linhas mais específicas de análise da intervenção
antrópica, com ênfase nos aspectos geológicos.
A obra de Nir (1983) marca a estruturação do conceito de Geomorfologia Antrópica.
Em seu trabalho, o autor citado continua uma tendência anterior ao destacar as
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Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais.
particularidades da ação humana em diferentes ambientes (áreas rurais, urbanas,
florestas, mineração, entre outros). Entretanto, se diferencia por apresentar um
roteiro de análise destas intervenções que leva em consideração a dinâmica do
sistema socioeconômico e a veiculação das alterações morfológicas a uma escala de
tempo histórica. Nir (1983) propõe análises geomorfológicas que contemplem
períodos pré e pós significativa intervenção humana, destacando a necessidade de um
cenário ‘base’ para a avaliação das derivações antrópicas sobre a morfohidrografia.
No início da década de 1990, o enfoque para as alterações ambientais decorrentes
da interferência antrópica sobre o equilíbrio dinâmico do clima global repercutiu
também na geomorfologia. Neste cenário, Goudie (1993) avaliou a participação que as
mudanças climáticas globais possuem enquanto mecanismos externos de evolução do
relevo, ocasião na qual estruturou o termo Antropogeomorfologia.
O autor citado destacou que as variações no clima incitam mudanças nos processos
de evolução dos diferentes domínios morfoclimáticos, sendo que o relevo responde
por alterações na cobertura vegetal, na precipitação e no escoamento superficial.
Expôs ainda a necessidade de estudos geomorfológicos em longo prazo e propôs a
utilização de técnicas de sensoriamento remoto e cartografia geomorfológica para
identificar, mensurar e compreender os processos decorrentes dessas mudanças em
escala local dentro dos diferentes domínios morfoclimáticos globais (GOUDIE, 1993).
No Brasil, estudos precursores vinculados à antropogeomorfologia foram realizados
por Rodrigues (2005; 2007) na região metropolitana de São Paulo. Rodrigues (2005)
procurou elucidar os conceitos de morfologia original e morfologia antropogênica em
estudos temporais que lançaram mão da cartografia geomorfológica para a avaliação
de transformações no relevo decorrentes da intensa ação humana.
Para a autora, a morfologia original compreende o conjunto de formas e processos
atrelados que representam as fases pré-perturbação antrópica e que mais se
aproximam das características geomorfológicas hipoteticamente livres da organização
dos sistemas socioeconômicos. A morfologia antropogênica estaria vinculada às fases
de perturbação intensa ou de pós-perturbação, onde feições morfohidrográficas
derivadas de mecanismos de controle antrópico podem ser identificadas, mensuradas
e avaliadas (RODRIGUES, 2005).
A partir destas considerações iniciais, este trabalho foi desenvolvido com o objetivo
de analisar a relevância da morfologia original como ponto de partida em estudos
sobre a evolução de sistemas morfohidrográficos controlados por mecanismos de
intervenção antrópica. Para isso, escolheu-se como área de análise o segmento final do
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baixo curso do Rio Piracicaba, localizado no Estado de São Paulo – Brasil (Figura 1),
onde estão sendo desenvolvidas pesquisas que procuram avaliar a dinâmica
morfohidrográfica após a construção do reservatório hidrelétrico de Barra Bonita em
1963, que causou a inundação de grande parte das planícies aluviais que ocupavam a
extensão da área em questão.
Figura 1 – Localização da área de estudo.
Organização: Adriano L. H. Simon
A área considerada localiza-se em zona de influência de duas unidades
geomorfológicas do Estado de São Paulo: a Depressão Periférica Paulista (zona do médio
Tietê) e morfologias derivadas das Cuestas Arenítico-basálticas. As feições do relevo se
desenvolvem sobre amplas planícies aluviais holocênicas, assentadas sobre litologias que
datam do Triásssico-Cretáceo (Formação Pirambóia) e do Permiano (Formação
Corumbataí). Em geral, colinas amplas e médias e morrotes alongados e espigões
conectam-se as planícies aluviais marginais do curso final do Rio Piracicaba.
Procedimentos metodológicos
De acordo com Nir (1983) estudos derivados do paradigma antropogeomorfológico
devem seguir alguns procedimentos metodológicos básicos, entre eles: a abordagem
histórica (investigação da evolução da ação humana sobre as formas e seus processos) e a
abordagem geomorfológica (enfoque analítico sobre as taxas e extensões dos processos).
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Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais.
Para abranger estas abordagens foi elaborado o mapa geomorfológico do setor de
fundo de vale da baixa bacia do Rio Piracicaba, da situação do ano de 1962. Este cenário
caracteriza o período pré-intervenção, considerado como morfologia original por
Rodrigues (2005) e permite a análise das características gerais da morfohidrografia a fim
de proceder comparações de alteração espacial das feições do relevo. O cenário faz parte
de uma série histórica de mapas geomorfológicos que se encontra em elaboração e visa
identificar as alterações espaciais produzidas para avaliar as transformações decorrentes
da intervenção antrópica direta na área de estudo (construção do reservatório de Barra
Bonita).
A elaboração do mapa geomorfológico do ano de 1962 ocorreu a partir da
interpretação de pares estereoscópicos de fotografias aéreas pancromáticas em escala
aproximada de 1:25.000. O mapeamento foi desenvolvido levando-se em consideração
as peculiaridades do sistema em estudo, situação que permitiu adaptações vinculadas
aos objetivos da investigação, com maior destaque a determinadas feições e processos
(CUNHA, 2001). Assim, ênfase foi concedida à morfografia, representada pela
simbologia, com destaque para as feições de relevo que indicam maior dinâmica
erosiva, inclusive feições derivadas da ação antrópica.
A simbologia utilizada pautou-se na integração das propostas de Tricart (1965) e
Verstappen; Zuidan (1975), por meio da seleção de símbolos adequados à
representação das feições morfohidrográficas da área (Figura 2). O procedimento
fundamentou-se nas análises sobre o mapeamento geomorfológico realizados por
Cunha (2001) e Simon (2007).
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Figura 2 – Simbologia aplicada ao mapeamento da morfologia original da área em estudo.
Organização: Adriano L. H. Simon.
Resultados
As feições morfohidrográficas que caracterizavam a morfologia original no
segmento final do baixo curso do Rio Piracicaba no ano de 1962 se estendiam por uma
área de 108,36 Km² e se encontravam, em geral, delimitadas pela cota topográfica de
460 metros.
O segmento final do canal principal possuía comprimento total de 117,5 Km e
desenvolvia seu curso meandrante em uma extensão de 46,5 Km (razão de 2,52), no
sentido geral SE – NW (Figura 3a). A largura média do canal principal era de 90 metros
chegando a aproximadamente 160 metros na confluência com o Rio Tietê. A lâmina de
água do segmento final do Rio Piracicaba ocupava uma área de 11,40 Km² do fundo de
vale em questão – situação de baixa vazão relativa ao mês de agosto de 1962 (Tabela
1).
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Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais.
Os meandros do baixo curso do Rio Piracicaba alternavam características
encaixadas e divagantes. Os primeiros, com amplitudes maiores e presença de
segmentos retilíneos, foram verificados junto às porções mais estreitas do setor de
fundo de vale e geralmente encontravam-se sob influência de patamares estruturais
ou rupturas de declive abruptas que demarcavam o contato com as vertentes.
Os segmentos divagantes de meandros localizavam-se em porções mais largas do
fundo de vale, delimitados por planícies aluviais desenvolvidas e margeados por
meandros abandonados, lagos de meandro e pela maior concentração de barras de
meandro (point-bars).
As planícies aluviais constituíam feição geomorfológica marcante do segmento final
do Rio Piracicaba, com 58,63 Km² de área (Tabela 1). Organizavam-se em
conformidade com a cota topográfica dos 460 metros que assinala o contato com as
vertentes.
Os tributários das margens direita e esquerda conectavam-se ao Rio Piracicaba
através destas planícies aluviais bem desenvolvidas, por meio de canais fluviais com
perfil transversal plano (Figura 3b). Atividades de fotointerpretação revelaram que a
cobertura vegetal destas planícies aluviais era composta por campos úmidos (sob
influência das alterações do lençol freático) intercalados com áreas de floresta,
situadas em porções mais elevadas dos depósitos aluviais.
A morfologia original apresentava ainda feições morfohidrográficas atreladas à
dinâmica evolutiva do segmento final do Rio Piracicaba, como: faixas de barras de
meandro, meandros abandonados e lagos de meandro. A área ocupada pelas barras de
meandro em 1962 era de 19,68 Km² (57% deste total situados na margem esquerda do
Rio Piracicaba).
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Figura 3: a) extensão do Rio Piracicaba (1962); b) características gerais do mapeamento da
morfologia original do segmento final do Rio Piracicaba.
A
B
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Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais.
As faixas formadas dão idéia da complexa dinâmica deposicional nas margens
convexas do canal principal, bem como dos possíveis paleo-traçados do Rio Piracicaba
(Figura 3b). A fotointerpretação indicou maior elevação das faixas de barras de
meandro localizadas próximas ao canal principal (faixas de deposição recente) e a
progressiva diminuição da elevação das mesmas nas áreas de contato com as planícies
aluviais (faixas de deposição mais antiga). Este fato pressupõe a ação dos processos de
erosão sobre as barras de meandro, efetivando o arrasamento das mesmas.
Tabela 1: Extensão espacial das principais feições geomorfológicas de fundo de vale
(segmento final do Rio Piracicaba - SP - 1962).
Morfohidrografia
Planície Aluvial
Barra de Meandro
Rio Piracicaba*
Terraço Fluvial
Meandro Abandonado*
Dique Fluvial
Lagos
Lagos de Meandro
Leques Aluviais
Mineração
Total
Área (Km²)
58,63
19,68
11,40
10,65
4,45
1,41
0,95
0,65
0,37
0,17
108,36
* feições de origem fluvial geralmente são expressas de acordo com o seu comprimento. No
presente trabalho optou-se pela avaliação da área ocupada por estas feições no contexto geral do fundo
de vale do segmento final do Rio Piracicaba.
Organização: Adriano L.H. Simon
Meandros abandonados e lagos de meandros foram identificados em agrupamento
com barras de meandro ou individualizados (Figura 3b). Os meandros abandonados
ocupavam uma área total de 4,45 Km² (Tabela 1), com 54% destas feições localizadas
na margem esquerda do canal principal. Organizavam-se em feições depressionadas
entulhadas, cobertas por vegetação campestre homogênea suscetível às variações
pluviométricas.
Algumas áreas depressionadas dos meandros abandonados, suscetíveis as variações
do nível do lençol freático, davam origem a lagos de meandro. Os lagos de meandro
também foram encontrados em agrupamento com barras de meandro ou isolados nas
planícies aluviais (Figura 3b) fato que pode indicar a assimilação das barras de
meandro e dos meandros abandonados pelo processo evolutivo das planícies aluviais.
Os lagos de meandro ocupavam uma área de 0,65 Km² (Tabela 1) e localizavam-se
predominantemente na esquerda do canal principal (64%).
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A constatação acerca da localização destas feições atreladas ao meandramento do
canal principal pressupõe, de forma geral, a existência de uma dinâmica fluvial mais
complexa na margem esquerda do Rio Piracicaba. Tal situação pode estar vinculada às
características topográficas das zonas de contato entre o fundo de vale e as vertentes,
pois, enquanto na margem direita o meandramento dos rios ocorre em contato com
patamares estruturais e rupturas de declive abruptas que demarcam o contato com as
vertentes e sugerem maior resistência (litologias), na margem esquerda, a dinâmica
dos meandros se processa em zonas de contato suave entre fundo de vale e vertente,
com predominância de baixos declives e vertentes retilíneas suaves.
Terraços fluviais foram verificados nas zonas de contato com as vertentes e também
isolados nas planícies aluviais (Figura 3b). Eventualmente estas feições foram
identificadas próximas às margens do canal principal, fato que evidencia a ação erosiva
do Rio Piracicaba atuando no rebaixamento do nível altimétrico do relevo. Esta feição
geomorfológica ocupava uma área de 10,65 Km², 56% na margem esquerda do canal
principal.
Formas de erosão linear acelerada também foram constatadas no arranjo dos
elementos que compõe a morfologia original da área (Figura 3b). Havia um predomínio
de sulcos erosivos (482 casos) e ravinamentos (70 casos), com casos isolados de
ocorrência de voçorocamentos (13 casos).
Estas feições, que indicam a dinamização dos processos erosivos e podem estar
atreladas a ação antrópica a partir do uso da terra, foram verificadas nas zonas de
contato vertente/fundo de vale, bem como nas médias e altas vertentes, onde se
formam os canais fluviais que deságuam no Rio Piracicaba. A constatação destas
formas num cenário de morfologia original pode indicar a evolução generalizada das
mesmas em períodos recentes, sobretudo a partir de uma intervenção de grande porte
como elevação do nível de base provocada pela construção de um reservatório e o
aperfeiçoamento das técnicas vinculadas à dinâmica de uso da terra.
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Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais.
Conclusão
O mapeamento e a análise da morfologia original da área em estudo atuaram no
resgate histórico de um ambiente dotado de complexa dinâmica morfohidrográfica e
atualmente sob forte controle antrópico. As técnicas de cartografia do relevo
possibilitaram a identificação de feições morfohidrográficas elementares e específicas
e concederam respaldo aos estudos analíticos e processuais. No caso da identificação
da morfologia original, como parte integrante de investigações temporais vinculadas a
antropogeomorfologia, a análise das características pré-intervenção intensa possui
significado positivo, uma vez que permite a compreensão e avaliação das
características pretéritas do sistema, concedendo subsídios para comparações em
nível de análise espacial voltada a geomorfologia.
Agradecimentos
Os autores agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP), pelo auxílio financeiro concedido a partir dos processos BP.DR 2
2008/54524-2 e BP.IC 2008/58315-9.
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