POLÍTICAS SOCIAIS, GÊNERO E CIDADANIA NO BRASIL - cress-mg

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POLÍTICAS SOCIAIS, GÊNERO E CIDADANIA NO BRASIL: ALGUNS
APONTAMENTOS E TENDÊNCIAS.
Giovana Maria Tossige Quaresma Soares1
RESUMO
O presente artigo trará como revisão bibliográfica o debate da política social no Brasil, com
ênfase em seus fundamentos históricos e atualidade, para finalmente articulá-la ao debate de
gênero e cidadania. Trataremos no decorrer do artigo da importância do debate para a
profissão do Serviço Social, das políticas sociais pensadas na mulher, como estão sendo
executadas e qual o seu caráter de princípio emancipatório ou compensatório.
Palavras chave: Política Social, gênero, cidadania, Serviço Social.
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Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Ouro Preto em Fevereiro de 2014, atuou como
monitora em Política Social na ordem do Capital em 2014, foi bolsista e ex integrante do Programa de
Prevenção de Tendinopatias em 2013. Atualmente trabalha como Assistente Social no Centro de Referência de
Assistência Social em Raul Soares/ MG.
Introdução
O presente estudo é fruto de uma revisão bibliográfica, a qual aborda as políticas
sociais, o seu surgimento, os fundamentos históricos e atualidade sobre a intersecção com o
gênero.
No decorrer da reflexão teórica utilizamos das autoras Cisne (2008) e Mota (2010), as
quais irão retratar o campo da seguridade social, pois segundo ambas, este é cheio de
divergências e interesses hegemônicos. Damos ênfase à área da assistência, a qual hoje
encontra-se minada por políticas minimalistas e sem perspectiva de emancipação do sujeito.
Durante a reflexão e embasamento crítico abordamos a questão da cidadania e como o
gênero busca estratégias para o seu enfrentamento enquanto tal, ressaltando, assim, o autor
Coutinho, que faz uma reflexão bastante elaborada da concentricidade que se permeia por trás
da propriedade privada, do direito de ir e vir. Devemos entender que somente possuíam esse
direito os homens brancos e detentores dos meios de produção, os demais, como as mulheres,
negros, índios, ficavam excluídos desse sistema.
As reflexões bibliográficas são de suma importância para a explanação do Serviço
Social bem como para se pensar na atuação profissional dentro de um campo minado e cheio
de contradições. O aparato crítico e as constantes inquietações dos profissionais fazem com
que busquem incansáveis respostas sobre a construção de uma ordem mais justa, onde os
direitos dos trabalhadores(as) sejam colocados como primeira instância.
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1. POLÍTICAS SOCIAIS, GÊNERO E CIDADANIA NO BRASIL: ALGUNS
APONTAMENTOS E TENDÊNCIAS
1.1 POLÍTICA SOCIAL: FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E CONTEMPORANEIDADE
NO BRASIL
Para abrirmos o debate devemos, primeiramente, contextualizar o real significado de
política social. O autor Carlos Nelson Coutinho (2005) nos traz uma reflexão sobre a palavra
Política, como é vista e qual é o seu significado. O autor aborda que Política tem a ver com
uma representação de interesses em comum que podem se expressar significativamente, ou
serem aniquilados, bloqueados, por não fazerem sentido para os seus representantes. Esses
representantes se compõem, basicamente, de uma pequena minoria política que controla a
grande massa e contingente de trabalhadores.
Segundo as autoras Boschetti e Behring (2011), a política social no Brasil surge por
volta do século XX, em que a urbanização e industrialização começam a se formar no país.
Nós não fomos o berço da Revolução Industrial, portanto, as conquistas dos trabalhadores e as
suas reivindicações foram um tanto tardias. As autoras nos fazem refletir como as políticas
sociais só vão se mostrar presentes em 1930, com a era Vargas. Com isso, tem-se, nesse
momento, uma necessidade de reorganização das bases passadas, daquele velho que se faz
novo, para a sustentação e ativação de um sistema capitalista antes tardio, mas que agora
passava a se engrenar ao capital estrangeiro tomando fôlego.
O surgimento das políticas sociais foi gradual e diferenciado entre os países,
dependendo dos movimentos de organização e pressão da classe trabalhadora, do grau de
desenvolvimento das forças produtivas e das correlações e composições de força no âmbito
do Estado (BOSCHETTI e BEHRING, 2011, p. 64).
No Brasil, como retratado tão bem pelas autoras, a política social se faz presente por
volta do século XX, em que começa a ganhar fôlego a industrialização e a urbanização no
país, ocorrendo, assim, a constituição e formação da questão social que irá exigir uma
resposta. A política social, surge como resposta ao acirramento das expressões da “questão
social”. A industrialização se faz presente quando há uma necessidade do capitalismo tardio,
periférico de se engrenar ao capitalismo global, com destaque para o capitalismo estrangeiro
(norte americano). O Brasil passa então a modificar velhos padrões para reorganizar a entrada
do poder vigente, o capital, em que as velhas malhas organizacionais baseadas na escravatura
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passam agora a exigir um trabalhador livre pronto para vender o seu único bem a sua força de
trabalho. Nesse período há uma mudança significativa no país.
Boschetti e Behring (2011) trazem dados que nos fazem refletir como o Brasil se
engrenou nessa junção do capital tardiamente e quais foram os fatores predominantes para a
ativação das políticas sociais. As políticas sociais passaram a se fazer presente com a CLT
(Consolidação das Leis do Trabalho), Ministério do trabalho (criado em 1930), nos quais a
nossa política era voltada para uma formação mais Bismarckiana, em que o trabalhador
deveria contribuir com uma parte de seus ganhos para a formação desse corporativismo. O
trabalhador deveria, portanto, contribuir para a formação desse fundo, desses benefícios. A
Política Social no Brasil era formada por trabalhadores que contribuíam com esses seguros de
origem Bismarckiano, nos quais nem todos possuíam os mesmos acessos aos benefícios, estes
por sua vez, variavam conforme os salários recebidos por ambos.
O modelo bismarckiano é identificado como sistema de seguros sociais, pois
suas características assemelham-se à de seguros privados. Em relação aos
direitos, os benefícios cobrem principalmente (e às vezes exclusivamente) os
trabalhadores contribuintes e suas famílias; o acesso é condicionado a uma
contribuição direta anterior e o montante das prestações é proporcional à
contribuição efetuada. Quanto ao financiamento, os recursos provêm
fundamentalmente das contribuições diretas de empregados e empregadores,
baseadas na folha de salários. Quanto à gestão, os seguros eram
originalmente organizados em caixas estruturadas por tipos de risco social:
caixas de aposentadorias, caixas de seguro – saúde, e assim por diante, e
eram geridos pelos contribuintes, ou seja, por empregadores e empregados.
(BOSCHETTI e BEHRING, 2011, p. 66)
Devemos perceber que o acesso às políticas sociais era restrito, fragmentado e
seletivo, em que só possuía acesso a ele quem contribuía de forma direta baseado nas folhas
de seu pagamento; os demais que não trabalhavam eram excluídos desse contexto, vivendo
assim a mercê da caridade e filantropia no país.
As autoras Behring e Boschetti (2011), trazem de forma simples, mas polêmica essa
formação e conjuntura da LBA (Legião Brasileira de Assistência) que surgiu em 1942 com a
primeira dama do presidente da República da época, Dercy Vargas. Esse viés era de caráter
clientelista, de ajuda, amor ao próximo, e a lógica do direito não se encaixava e nem se fazia
presente nesse discurso, pautando-se apenas o favor. A origem e formação do Brasil, também
explica e muito a constituição da política social. Um país, com origem colonizadora e
sobretudo, que tem a escravidão como base da sua formação.
Para melhor entendermos essa lógica assistencialista, devemos realocá-la à lógica do
capital, na qual um dos grandes desastres que se faz presente em muitos discursos hoje é
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pautado na lógica do favor, seja por meios diretos ou indiretos, mas que vem se alastrando e
tomando uma certa repercussão.
Devido a essa conjuntura, as particularidades da formação social brasileira, as origens
da política social no Brasil, nos abrem à possibilidade de pensarmos a constituição dos
direitos, em que a universalidade ficou para o segundo plano, que só irá aparecer legalmente
por volta de 1988 com a promulgação da Constituição Federativa no Brasil.
No artigo 203, a assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I.
A proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II.
O amparo às crianças e adolescentes carentes;
Com isso, podemos perceber, a nível ilustrativo, como os direitos passaram a se
constituir de forma universal, mesmo que essa universalidade passasse a ser mista e seletiva
com os anos. Ao relacionar ambos devemos entendê-la como um misto de seguro e mercado.
A política social então passa a se tornar uma política pública cuja responsabilidade se
pauta na lógica do Estado. A política pública passa a se formar como uma política não
contributiva, em que o aparelho hegemônico, o representante da burguesia, o Estado, é
obrigado a garantir o mínimo de sobrevivência ao indivíduo; é nesse momento que a política
passa a ser vista em âmbito universal, mesmo que ao longo do tempo tome outra proporção.
A partir da Constituição de 1988, as políticas sociais brasileiras têm como
finalidade dar cumprimento aos objetivos fundamentais da República,
conforme previsto no seu art. 3º. Assim, por intermédio da garantia dos
direitos sociais, buscou-se construir uma sociedade livre, justa e solidária,
erradicando a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades
sociais e regionais e promovendo o bem de todos, sem preconceitos ou
quaisquer formas de discriminação. (BRAHÃO, 2009, p.93)
Ao analisarmos essa citação devemos nos perguntar se todos esses direitos foram e
estão sendo efetivados na prática. Será essa lei, essa Constituição, uma lei viva ou apenas
mais palavras em um livro morto? Essa citação nos desperta para um olhar mais crítico e
criterioso de como as nossas políticas estão sendo executadas e qual é o seu caráter aparente
nos dias de hoje. Como podemos pensar no bem comum se as políticas são pautadas na lógica
focalista, fragmentada e mínima, para o social e máxima para o capital? Não podemos pensar
na lógica de justiça e respeito se o próprio capital passa a ganhar espaço e invadir tanto a
subjetividade quanto a objetividade do trabalhador, este entra em uma lógica alienante e
reprodutora das relações sociais.
Ana Elisabete Mota (2010) vem posicionar alguns debates sobre esses fios invisíveis
do capitalismo dentro das políticas sociais. Ela irá colocar em pauta, com o destaque à
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Assistência Social, essa política de proteção social que hoje é colocada em cheque, apenas é
posta como uma manutenção do capital e não na lógica dos Direitos Sociais. Hoje estes são
voltados para a lógica da globalização do mercado; no contexto neoliberal que se consolida,
no Brasil acontece ao mesmo tempo em que a Constituição Federal de 1988 deveria ser
implementada.
Segundo a autora, as políticas de proteção social expressam os antagonismos de classe,
em que, de um lado estará os donos dos meios de produção e do outro o trabalhador livre que
precisa da condição de assalariado para ter a compra de seu trabalho, garantindo assim os seus
meios de subsistência, a condição básica para manter-se vivo. Desse modo, podemos entender
as políticas de seguridade social vistas como ações compensatórias, que tenta beneficiar de
um lado, para manter a lógica de acumulação capitalista de outro. Esta forma compensatória é
a forma da organização social assumida no contexto dos Estados neoliberais, sobretudo na
América Latina, na qual irá repercutir um forte impacto nas políticas sociais. Devemos nos
questionar sobre esse caráter de compensar algo, no qual o capital deixa por passar
despercebido, invisível aos nossos olhos, mas que ao longo dos anos vem se fazendo vivo e
nítido na realidade.
No momento atual, enfrentamos uma visão hegemônica de redução do papel
social do Estado, com o processo de desregulamentação das relações de
trabalho e a flexibilização dos direitos sociais. No fundo, essas perspectivas
são inevitáveis e que os problemas sociais, portanto, devem ser resolvidos
em nível do mercado e do terceiro setor. Um dos resultados imediatos desse
discurso é a realidade atual das políticas sociais que estão cada vez mais
caracterizadas como políticas para pobres, portanto, sem a pretensão de
serem políticas universais. (CISNE, 2008, p.87)
Fazendo um paralelo com Cisne(2008) e Ana Elisabete Mota (2010), destacamos que
a seguridade social é um campo minado que possui a intervenção das classes dominantes para
adequar o seu funcionamento aos interesses hegemônicos; possui uma correlação de forças
por parte do capital no qual este tenta controlar, manipular, distorcer, para gerar o seu objetivo
primordial: o lucro e a sua manutenção e reprodução capitalista.
A seguridade social da Assistência em nosso país vem se alastrando e tomando
proporções um tanto errôneas, nas quais, no lugar de promover renda e trabalho ao indivíduo,
apenas o oferece o mínimo para as suas condições básicas de sobrevivência. Como exposto
acima, esse caráter de compensar as desigualdades oriundas do capitalismo gera como
consequência a desproporção social.
Com a ofensiva neoliberal, os direitos sociais sofrem um retrocesso nas conquistas dos
trabalhadores e, com isso, ocorre uma nova dinâmica no mundo contemporâneo do trabalho.
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Através dos ajustes econômicos e da Contrarreforma do Estado, passa-se por um novo
direcionamento dentro das políticas de proteção social, principalmente a da Assistência
Social, na qual estamos focando para a reflexão dos estudos de gênero.
O Brasil foi afetado por essas medidas cautelosas e presencia a grande ofensiva do
capital, a perda de direitos, precarização e flexibilização do trabalho e das conquistas dos
Direitos Sociais. As políticas sociais passam a possuir um caráter seletivo, fragmentário,
políticas mínimas para o controle das grandes massas.
No Estado neoliberal, vivemos uma ambiguidade entre as necessidades de
transformação estruturais e a lógica de redução dos investimentos sociais nas
políticas. No caso específico do Brasil essa situação se expressa de maneira
ainda mais perversa, porque as políticas assumem um caráter compensatório
cada vez mais focalizado nos bolsões de pobreza e sem nenhuma perspectiva
de se apresentarem como direito. (CISNE, 2008, p.88)
Devido a essa ambiguidade, do alastramento do modelo neoliberal, o cidadão pobre
passa a sofrer as desigualdades oriundas da barbárie do capital, perdendo direitos que se
fazem latentes, há um retardo nas conquistas da grande massa trabalhadora. Dessa forma, o
cidadão começa a perder o seu direito de ir e vir na sociedade, vendo-se moldado em um
labirinto, no qual ele perde o seu direito, a sua condição de cidadão, e precisa se encaixar na
centralidade proposta pelo capital.
As políticas públicas aparecem como bolsões de pobreza, e não são mais vistas como
luta e resistência de muitas trabalhadoras e trabalhadores brasileiros.
Não queremos, no entanto, afirmar as políticas públicas como fim, mas, na
sua dinâmica contraditória, percebê-las como conquista legítima das lutas
sociais, até porque, segundo o legado marxiano, todo ser humano deve estar
em condições de viver para poder fazer história. Nesse sentido, não
percebemos contradição entre a afirmação das políticas públicas, ainda mais
em tempos neoliberais, e a luta pela emancipação humana nosso verdadeiro
fim. (CISNE, 2008, p.88-89)
Mirla Cisne traz o legado do pensamento de Marx, em que todos nós deveríamos
buscar a nossa autonomia, emancipação. O cidadão, independente de sua condição social, ou
antagonismos de classe, tem o direito de compor e fazer a sua história, mas para que isso se
efetive, precisa de luta e resistência, pois desde 1990 o neoliberalismo vem tomando
proporções um tanto assustadoras, seja com a desregulamentação das leis trabalhistas,
precarização e degradação do trabalho, ou com a flexibilização das condições vitais de
existência e anulação das políticas sociais vistas em âmbito universal.
O desafio de desenvolver simultaneamente a crítica ao Estado e ao
capitalismo, sem perder de vista as demais questões que constroem a
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identidade compartilhada das mulheres, seja na reivindicação de direitos
sociais, seja no processo de oposição à estrutura patriarcalizada da
sociedade, confere ao feminismo um caráter emancipatório como sujeito
“coletivo total”. (CISNE, 2008, p.90)
De acordo com a autora, não podemos perder de vista o conjunto de sínteses que
perpassa ao gênero; as mulheres na contemporaneidade, essa junção do Estado ao capitalismo,
esse movimento inquietante para proporcionar a liberdade. Dessa forma, devemos fazer uma
reflexão sobre como as políticas sociais hoje são voltadas para a mulher, o programa “Minha
Casa, Minha Vida”, que é um programa vinculado ao governo federal, que tem como
parceiros os estados, municípios, empresas privadas. Essa é uma política de habitação que
está diretamente ou indiretamente ligada às mulheres, ao convívio harmonioso do lar, a
realização da casa própria, do seu sonho, como se a elas restassem apenas essa dedicação
exclusiva, e não se fosse tratado outros assuntos que se fazem presentes, vivos na sociedade.
Outro programa que melhor representa essa análise é o “Bolsa Família”, que traz esse
embasamento político e ideológica da mulher. A família, o cuidado, também vem carregado
de estereótipos, na qual é referência as mulheres, ao cuidado com os filhos, a procriação para
a manutenção da sociedade capitalista. Direta ou indiretamente o gênero feminino carrega o
peso, o estigma da sociedade da meritocracia.
Na atualidade, reivindicar políticas
latente por melhoria das condições
para o movimento feminista, que,
crítico, ação criativa e autonomia
Estado. (CISNE, 2008, p.93-94)
públicas que correspondam à demanda
de vida das mulheres é uma exigência
para realiza-la, necessita de potencial
organizativa no seu confronto com o
O Estado por sua vez passa a privatizar e mercantilizar alguns serviços que eram
considerados como públicos; o cidadão precisa ser um consumidor, comprar um direito que
foi e está sendo retirado pela lógica capitalista.
Um dos grandes confrontos das mulheres para com a ofensiva do capital é contra a
precarização e destruição das conquistas dos trabalhadores, sejam esses de ambos os sexos,
essa flexibilização passa a atingir a todos.
Neste contexto, verificamos a construção de uma agenda de gênero que
muitas vezes se desenvolve mediante ações governamentais pontuais e
focalizadas, conforme o receituário neoliberal. Por outro lado, por meio de
projetos e convênios pontuais, as ONGs passam a suprir necessidades não
realizadas no campo das políticas de governo, porém de igual maneira,
contribuem com a fragilidade do princípio de universalidade nas políticas
públicas. (CISNE, 2008, p.93)
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O Estado passa a deixar as suas responsabilidades com a população de lado, passandose a responsabilização para a sociedade civil, em que, o terceiro setor, como exemplo ONGs,
começa a ganhar repercussão. Desse modo, a universalização passa a tomar um caráter um
tanto assustador, alienante, em que apenas as pessoas mais pobres, mais miseráveis, começam
a usufruir de um direito que antes era para todos.
A precariedade e o descaso dos governantes se fazem latente, em que as políticas
públicas, cuja responsabilidade é estatal, são deixadas de lado, restando apenas agora ONGs
que trazem a culpabilidade e solidariedade aos indivíduos, sendo, também, para as mulheres,
vítimas de violência, abandonadas, entre tantas outras
A centralidade das mulheres na contemporaneidade se faz visível para a luta e
resistência contra as mazelas oriundas de uma sociedade desigual. A luta persiste para pedir
respostas ao Estado sobre o aniquilamento dos direitos sociais conquistados ao longo dos
anos.
Num contexto adverso, a nossa alternativa pressupõe a construção de novas
relações de sociabilidade, pautadas na igualdade que não suprime a
diferença, mas permite a sua expressão livre de opressões. As premissas aqui
sugeridas para a emancipação humana garantir condições estruturantes que
possibilitem aos indivíduos a sua autodeterminação como sujeitos de sua
história, como portadores do poder de tomada de decisão consciente sobre as
suas vidas e os seus desejos. (CISNE, 2008, p.93-94)
Falar das mulheres na contemporaneidade, nos propõe romper com a diferença entre
os sexos, pautando-se na igualdade, na ruptura com o conservadorismo. Devido à
coletividade, à autodeterminação em fazer história, muitas mulheres não se libertaram das
amarras do patriarcado, mas estabeleceram um confronto a este, e saíram em busca do se eu,
dos seus desejos e de sua liberdade.
Pensar nas mulheres, em um contexto desigual, é pensar nas desbravadoras de uma
nova ordem humanitária, é voltarmos para a realidade e vermos as nossas políticas carregadas
de estereótipos que ainda se fazem vivas, mas que precisam através da resistência política e
coletiva serem aniquilados.
Como retrata Marx (1848) os trabalhadores, tanto mulheres quanto os homens, tem o
direito de compor a sua história.
1.2 GÊNERO E CIDADANIA
A cidadania não é dada aos indivíduos de uma vez para sempre, não é algo
que vem de cima para baixo, mas é resultado de uma luta permanente,
travada quase sempre a partir de baixo, das classes subalternas, implicando
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um processo histórico de longa duração. A noção de cidadania não nasceu no
mundo moderno, embora tivesse encontrado nele a sua máxima expressão,
tanto teórica quanto prática. As primeiras teorias sobre cidadania, sobre o
que significa ser cidadão, surgiram na Grécia clássica, nos séculos V- IV
antes da era cristã. (COUTINHO, 1997, p.146)
Segundo Coutinho (1997), a noção de universalidade na cidadania não se fazia
presente, pois os escravos, negros, mulheres, estrangeiros, não possuíam essa liberdade de
expressão e política. Podemos ter em mente que esse respeito mútuo, essa cumplicidade não
existia nessa lógica; os excluídos, como as mulheres, não tinham voz ativa em Atenas, Grécia,
e os seus esposos e irmãos possuíam esse acesso limitado a ela.
Outro ponto que vale a pena destacar é onde os escravizados também compunham essa
exclusão social, na qual apenas os brancos, livres, proprietários tinham acesso ao ser cidadão,
ter direitos e voz política; os escravos, e também as mulheres, eram vistos como mercadorias
baratas prontas para serem vendidas ou trocadas por dotes.
Coutinho faz uma grande crítica ao direito dito como “natural”, no qual não depende
do lugar e da posição que o indivíduo ocupa, pois isso é algo que irá acontecer naturalmente,
não haverá luta e resistência política e nem conquista da classe trabalhadora através de suas
reivindicações para adquirir a efetivação dos seus direitos, já que é algo natural, irá acontecer.
O autor dirá que essa ideia é algo equivocado, errôneo.
Para além dessa limitação classista, a própria ideia de que existem direitos
naturais é uma ideia equivocada. Os indivíduos não nascem com direitos
(uma noção, alias, reafirmada em 1948 na Declaração dos Direitos da ONU).
Os Direitos são fenômenos sociais, são resultado da história. Hegel tem
plena razão quando diz que só há direitos efetivos, ou liberdade concretas,
no quadro da vida social, do Estado. (COUTINHO, 1997, p.148)
Essa citação nos leva a refletir como os direitos aparecem de forma equivocada, no
qual apenas o Estado possui essa liberdade, esse poder hegemônico de controlar a vida social.
O Estado se compõe como o comitê da elite burguesa por onde perpassa os interesses do
capital, da manutenção da propriedade privada, e para isso o controle dos direitos como forma
de moldar a população.
Coutinho traz um embasamento teórico bastante rico, que leva-nos a pensar como essa
liberdade concreta só se faz em âmbito do Estado, ou seja, essa afirmação nos faz refletir
como a camada trabalhadora, as mulheres, negros, são excluídas do direito a ter direitos. E,
assim, podemos entender que o direito possui um caráter classista, alienado e mesquinho, no
qual apenas os detentores dos meios de produção possuem o direito de ir e vir, o poder da
escolha, o direito como algo “natural”. “Por outro lado, aquilo que hoje quase todos
consideram como direitos indiscutíveis (por exemplo), os chamados direitos sociais, como o
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direito ao trabalho à saúde, à educação etc., não figuravam de modo algum na lista dos
direitos naturais defendidos pelos jusnaturalistas” (COUTINHO, 1997, p. 148).
Devemos ter em mente que os direitos indiscutíveis não eram de interesse da classe
dominante, em que os donos dos meios de produção, apenas queriam o seu objetivo
primordial, o lucro, deixando de lado os interesses da população e pautando-se nos seus
objetivos intrínsecos e individualistas. Por isso, os jusnaturalistas não faziam questão dos
direitos indiscutíveis, pois para eles a propriedade privada era mais importante do que o bem
estar da população.
Os direitos civis tratam-se, essencialmente, do direito à vida, à liberdade de
pensamento e de movimento (de ir e vir) e não, em último lugar, à propriedade, mas sim
direitos históricos; surgiram como demandas da burguesia em ascensão (COUTINHO, 1997,
p. 150-151). Através de muita luta da classe trabalhadora, hoje assistimos aos direitos sociais
serem assistidos, mesmo que sejam de forma mínima.
Assistimos, a todo o momento, ao descaso com a Instituição Pública, na qual a lógica
que persiste e que nos acompanha é que o privado é o melhor, que nos traz mais benefícios,
conforto, porém temos de pagar um preço por eles em forma de impostos, e poupar um bom
dinheiro para termos um plano de maior qualidade. Desse modo, alguns cidadãos entendem
que ao melhorarem de vida devem garantir um plano de saúde, um ensino melhor de
qualidade optando pela rede privada e se desfazendo do que é público, do que é uma
conquista de todos.
O neoliberalismo traz consigo a emergência de outros sujeitos históricos, colocando a
sociedade civil como a provedora do bem comum. O cidadão deve trabalhar para pagar seus
impostos e contribuir para algumas Associações, ONGs, ou seja, o Estado retira de si suas
responsabilidades, os Direitos conquistados, e passa para a sociedade civil, em que esta acaba
cedendo e esquecendo-se das responsabilidades e obrigações do Estado com ela. O
trabalhador não apenas produz a riqueza para seu patrão, mas precisa contribuir para o bem
comum, a manutenção do terceiro setor, dividir o pouco que ganha para a continuação do
sistema. O Estado por sua vez deixa de lado o que lhe foi proposto e passa a exigir da classe
trabalhadora o pouco que a resta, a qual não deve somente obrigações de pagar os impostos,
mas também prover o bem comum, o bem estar de outrem, pois o Estado passa a descarregar
o peso do legado sob os demais.
“Consideramos que a Constituição de 1988 foi um pequeno Estado de bem estar no
país”, que, com a promulgação desta, as necessidades de proteção social passam a ser
reconhecidas pelo Estado, que estava atrelado pelas políticas de saúde, previdência,
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assistência social e educação. Segundo a autora Ana Elisabete Mota (2010), estas por sua vez,
mal foram regulamentadas e já passam a sofrer a perversa dinâmica e ofensiva neoliberal de
1990, em que países periféricos, como o Brasil, passaram a conter essa lógica perversa,
conservadora. Com a Contrarreforma, começamos a ter nossos direitos conquistados de forma
restrita, seja de serviços e benefícios.
O Brasil passa agora a se atrelar ao Sistema Capitalista Mundial e a década de 1980
passa a ser perdida, sendo responsável por baixas taxas de crescimento do PIB, aumento da
concentração de riqueza gerando a dívida social brasileira. Podemos entender a cidadania,
esse direito de ir e vir, como algo restrito, que irá atender somente ao capitalismo, a
manutenção da propriedade privada.
Desse modo, devemos nos perguntar para quem e para que existe a cidadania, se as
necessidades básicas, os direitos sociais, civis, políticos, estão sendo burlados, omitidos pela
ordem capitalista. Como pensar no direito de ir e vir se somos automaticamente vigiados o
tempo todo, seja através das mídias, redes sociais; como pensar na cidadania se ela é apenas
restrita, aparente.
Atrelando o conceito de cidadania com o neoliberalismo podemos ressaltar que esse
novo modelo, essa Contrarreforma do Estado não possui nada de natural e tem sua
especificidade na exploração e precarização da vida do trabalhador.
Articulando cidadania e gênero, podemos ressaltar que este vem carregado de
estereótipos, reafirmações que ofuscam a realidade. Entendemos que essa cidadania é algo
restrito ao gênero, no qual, apenas uma pequena camada é reconhecida como tal. Esse cidadão
é o detentor da propriedade privada, da manutenção, exploração, dominação e opressão ao
gênero. Para pensarmos em cidadania, esta precisa ultrapassar a propriedade privada, o
capitalismo, para que o gênero possa ser visto em sua integralidade, na sua condição de
mulheres e homens livres para compor e protagonizar a sua história.
CONCLUSÕES
Através das reflexões teóricas, nos atentamos para as dificuldades sofridas no decorrer
das conquistas dos trabalhadores. Passamos a ter um olhar mais crítico sobre as políticas
sociais destinadas ás mulheres e como estas são vistas e tratadas perante o poder público.
Entender essa dinâmica a construção histórica de toda essa estrutura é de suma
relevância, na qual os direitos vem sendo burlados, as políticas são voltadas apenas com fins
partidários, cidadania restrita, na qual uns são mais iguais que os outros. Toda essa reflexão
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nos traz os fios invisíveis que se perpassa pelo capital, na qual a desigualdade, opressão ao
gênero vem dominando tanto o público quanto o privado.
Pensar nos Programas de transferência de renda, minha casa minha vida, entre tantos é
nos atentar para a reivindicação das mulheres pela construção de uma nova era, na qual sejam
vistas em sua totalidade como protagonistas de sua história e não apenas em uma visão focal
de detentoras de políticas mínimas de transferência de renda.
Essa explanação se faz viva no cotidiano do Assistente Social e esse também necessita
ser protagonista para construir a sua identidade profissional, pautada em bases sólidas como o
seu Código de Ética, Projeto Ético Político, Lei de Regulamentação, para enfim, contribuir
para políticas públicas consistentes e pautadas no bem coletivo, com ênfase na emancipação
do sujeito e supressão á ordem capitalista.
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REFERÊNCIAS
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