CONSIDERAÇÕES SOBRE O SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO E O RECRUTAMENTO DE JOVENS BRASILEIROS PARA A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. Mayara Yuri Morelato, Francisco César Alves Ferraz, e-mail: [email protected] Universidade Estadual de Londrina/Centro de Letras e Ciências HumanasCLCH Área e sub-área do conhecimento: História/História do Brasil República Palavras-chave: Força Expedicionária Brasileira, Recrutamento, Serviço Militar. Resumo O subprojeto de Pesquisa de Iniciação Científica apresentado neste relatório visa fundamentalmente avaliar o papel das práticas e normas do serviço militar brasileiro, no processo de constituição de uma unidade expedicionária para combater as tropas do Eixo na Segunda Guerra Mundial. As fontes principais dessa pesquisa são bibliográficas e documentais – os registros de dados pessoais de algumas centenas de combatentes brasileiros. A bibliografia consistiu em memórias escritas de veteranos da FEB, relatos oficiais e não-oficiais dos processos de seleção e recrutamento, além de estudos da historiografia sobre o tema. No caso da documentação (fichas) dos combatentes, digitalizadas do acervo do arquivo Histórico do exército, Rio de Janeiro, foi feita uma análise estatística sobre itens como escolaridade, etnia, profissão, idade, peso e altura dos combatentes. Esses dados foram comparados com os do restante da população brasileira, através dos registros do Censo Demográfico de 1940 (IBGE). Introdução O projeto de pesquisa “Serviço militar e recrutamento para a Segunda Guerra Mundial: uma abordagem comparativa entre as experiências brasileiras e estadunidenses” (Projeto 09727-PROPPG-UEL) tem como objetivo estudar o serviço militar e o recrutamento para a Segunda Guerra Mundial, no Brasil e nos Estados Unidos, nas décadas de 1930 e 1940. Nesses dois países, o Serviço Militar obrigatório ainda estava em fase de implantação (Estados Unidos) ou consolidação (Brasil), quando a necessidade de mobilização de grandes massas de combatentes tornou-se urgente, com o envolvimento direto desses países na Segunda Guerra Mundial. As experiências anteriores de mobilização e recrutamento para guerras de grandes proporções (Guerra Civil e Primeira Guerra Mundial, no caso dos Estados Unidos, Guerra da Tríplice Aliança, no caso brasileiro) dependeram do voluntariado e de medidas ad hoc para garantir contingentes necessários para combate externo, bem como mãode-obra necessária para a mobilização econômica no front interno. Décadas depois, as exigências da guerra total eram mais complexas, demandando homens com variadas funções, especializações e habilidades, 1 nas duas frentes, a externa e a interna. Tão importante quanto a quantidade de combatentes seria sua qualidade e treinamento. Assim, na década de 1940, embora tão díspares em suas estruturas econômicas e políticas, Brasil e Estados Unidos tiveram que responder ao desafio de convocar, selecionar e distribuir imensos contingentes de jovens para as tarefas de mobilização para a guerra. O estudo comparado dos problemas enfrentados, das soluções adotadas e do impacto dessa mobilização humana para as duas nações é o objeto principal desse projeto de pesquisa. Para a pesquisa comparativa proposta foram selecionadas algumas variáveis: a) grau de mobilização e envolvimento da sociedade ; b) seleção física e psicológica/ procedimentos de recrutamento; c) práticas e políticas de isenções, remanejamentos, dispensas, suspensões/adiamentos temporários de recrutamento (deferment); d) consequências da guerra na manutenção/desenvolvimento do serviço militar. O subprojeto de Pesquisa de Iniciação Científica apresentado neste relatório visa fundamentalmente avaliar o papel das práticas e normas do serviço militar brasileiro, no processo de constituição de uma unidade expedicionária para combater as tropas do Eixo na Segunda Guerra Mundial. As fontes principais dessa pesquisa são bibliográficas e documentais – os registros de dados pessoais de algumas centenas de combatentes brasileiros. Materiais e Métodos Para as finalidades deste subprojeto de Iniciação Científica, foi feito um recorte, visando compreender o papel do Serviço Militar no processo de recrutamento dos membros da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que combateu pelas Forças Aliadas na Segunda Guerra Mundial, bem como o perfil sócio-econômico e educacional dos expedicionários brasileiros. Para esse fim foi consultada a bibliografia geral e específica sobre o tema, e foi analisada uma amostragem de 600 fichas de combatentes brasileiros, digitalizadas pelo orientador a partir dos acervos do Arquivo Histórico do Exército, no Rio de Janeiro. A bibliografia consistiu em memórias escritas de veteranos da FEB, relatos oficiais e não-oficiais dos processos de seleção e recrutamento, além de estudos da historiografia sobre o tema. Já no caso da documentação (fichas) dos combatentes, foi feita uma análise estatística sobre itens como escolaridade, etnia, profissão, idade, peso e altura dos combatentes. Esses dados foram comparados com os do restante da população brasileira, através dos registros do Censo Demográfico de 1940 (IBGE). Resultados e Discussão Serviço Militar brasileiro obrigatório: institucionalização e consolidação Os problemas que envolviam o recrutamento militar eram diversos, desde as dificuldades em conseguir a convocação de jovens do interior, devido a enorme extensão geográfica do país, municípios do interior viviam quase que em isolamento; bem como a visão negativa do recrutamento militar, a precariedade estrutural do exército e suas campanhas militares que 2 principalmente durante a Primeira República, corroboravam para o descontentamento das camadas médias e abastadas da população em relação ao exército, tornando o serviço militar obrigatório um fardo. Somente em 1939, com a Lei do Serviço Militar, é que foi ampliado o condicionamento dos direitos políticos e civis da população masculina adulta à prestação do serviço militar. Em âmbito legal, todos os brasileiros eram iguais perante essa lei, pois vedava o acesso à Justiça e a cargos públicos e multas aos insubmissos. Mesmo com essa tentativa de nivelamento social uma parcela da população utilizavam de apadrinhamentos para se isentarem de sua obrigação para com o exército, com isso acabavam por fazer parte da conscrição para o serviço militar pobres e analfabetos. Esse acabou sendo o contingente que formou a base da FEB. Revisão sobre o perfil dos que compuseram a FEB Neste ponto da pesquisa podemos fazer o uso do resultado obtido através da análise das fichas dos reservistas do Depósito Pessoal da FEB. Com as fichas digitalizadas, foram obtidos dados sobre a escolaridade, etnia, profissão, idade, peso e altura dos inscritos. Foram também consultados trabalhos recentes, que atestam para o fato de que o recrutamento para a FEB obteve sucesso reunindo um grupo de combatentes mais seleto do que a média da população brasileira segundo o Senso do IBGE de 1940. A composição étnica dos expedicionário é outro tópico a ser analisado. Nas fichas dos ex-combatentes a que tivemos acesso e sistematicamente analisamos para posteriormente computar os resultados, foram as fichas dos reservistas do Depósito Pessoal da FEB, contingente este que embarcou no quarto e quinto escalões com a função de substituir as baixas. Durante todo o conflito mundial, o Brasil se destacou por ser visto como uma tropa integrada racialmente. Se o preconceito, velado ou não, existia nas tropas não vem ao caso neste momento da pesquisa, pois o que concerne a este estudo é a análise ao fato de que a composição étnica das tropas e a consulta às fontes documentais comprovam um perfil bastante diverso. As fichas dos reservistas apontam que a FEB tinha uma composição de maioria “branca”: 56%, seguido pelos “pardos” 23,3% e negros 20%. No entanto, há uma discrepância significativa entre o que está escrito na ficha e o que nos mostra as fotos do inscrito. Nota-se que uma parcela grande desses reservistas classificados como “pardos”, eram negros e também uma parte significativa dos classificados como brancos eram, na verdade, negros. Conclusões Com o recrutamento para a Força Expedicionária Brasileira as forças armadas do país tinham como objetivo selecionar a “nata” dos jovens brasileiros para o combate na Europa, recrutando os melhores em robustez física e escolaridade acima da média nacional. No entanto, para este tributo de sangue a igualdade perante a lei não imperou, uma vez que era comum práticas de apadrinhamentos, favores pessoais que isentaram muitos jovens das classes médias e altas. Em suma, o recrutamento para as unidades expedicionárias foi visto como um fardo, e criou-se a imagem de que a FEB foi composta pelos jovens de baixa escolaridade, de classes trabalhadores e do 3 meio rural e de condições físicas bem abaixo das expectativa das forças armadas. Entretanto, com os documentos disponíveis atualmente e pesquisas recentes como as que nos debruçamos para esta pesquisa atestam para o fato de que apesar de todas as dificuldades estruturais, o corpo expedicionário foi composto por jovens com escolaridade acima da média nacional e melhores condições físicas. O grupo de combatentes enviados para o teatro de operações na Europa foi bem mais preparado, ao contrário do que concebe a historiografia tradicional da FEB. Agradecimentos Agradecimentos ao meu orientador e aos colegas de projeto de pesquisa, pelo conjunto de dados levantados para a realização dessa pesquisa. Referências ANDRADE, José X. Gois de. Espírito da FEB e espírito do “Caxias”. In:ARRUDA, et alii, Depoimento dos Oficiais de Reserva sobre a FEB. São Paulo: s. ed., 1949. BEATTIE, Peter. The tribute of blood. Army, honor, race and nation in Brazil, 1864-1945. Durham: Duke University Press, 2001. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 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