Albigenses e Cátaros 3

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ALBIGENSES E CÁTAROS
Fernand Niel
(Da coleção “Que sais-je?” da Presses Universitaires de France, Paris,
1955, páginas 20 a 32.)
(Tradução de Ivan Tabuada)
CAPÍTULO ii
O MANIQUEÍSMO
Os gnósticos. – O gnosticismo, do grego gnosis= conhecimento, é
um vasto movimento de ideias que se situa na confluência de três
correntes, o zoroastrismo, a filosofia antiga e o cristianismo. Vê-se-o,
sobretudo, florir durante os três primeiros séculos de nossa era. Contamse mais de sessenta a oitentas escolas gnósticas, mas, na maior parte dos
casos, seus métodos e suas soluções não diferiam a não ser em pontos
destacados. Realça-se uma tendência geral, que consistia, antes de tudo,
em retirar de Deus a responsabilidade de ter criado o mundo material,
causa inicial do Mal. Em resumo, os Gnósticos eram Cristãos, que
recordavam filósofos gregos e retiravam o Mal da obra de Deus. Entre o
mundo imaterial, estadia e reino do deus do Bem e o mundo sensível,
obra de Satã, eles colocavam um ou vários mundos intermediários,
povoados com semi-deuses, os éons, ou aeons (1), quer dizer, seres que
participavam, ao mesmo tempo, da natureza divina e da natureza
humana. Jesus era um desses seres. Seu grande mérito foi, talvez, de se
opor à cisão entre a filosofia antiga e o cristianismo. Eles rejeitavam total
ou parcialmente o Antigo Testamento, e de tal modo que numerosas
seitas impunham um ascetismo doas mais rigorosos a seus membros,
acertadamente se livravam de ritos bizarros e, às vezes, mais
repugnantes. Parece, com efeito, que neste vasto, mas inútil esforço do
gnosticismo, a imaginação tivera mais espaço do que a razão. Os Pais da
Igreja tiveram todos os castigos do mundo ao se desfazer destas
múltiplas seitas, algumas se desenvolveram no próprio interior das
comunidades cristãs. As mais conhecidas são as de: Simão, o Mágico;
Basilide; Marcion; Carpocrates; Valentin; Bardesane, etc.
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(1) Éons ou aeons – nome de um deus gnóstico.
Manés. – Frequentemente se faz figurar Manés entre os gnósticos.
Se ele se parece com eles sobre mais de um ponto, nele se encontram
traços de seu ensinamento; ele os domina, em compensação, de uma tal
altura, o que não seria senão por sua influência, e seria também tão
injusto quanto falso de o colocar na mesma posição que um Valentim,
um Marcion ou um Bardesane. Manés ou Mani nasceu em 14 de abril do
ano 216, em uma cidade da Babilônia setentrional. Era filho de alguém
chamado Patek e sua mãe chamava-se Maryam. Todos dois, de origem
persa, pertenciam provavelmente à dinastia dos Arsacides, que então
reinava no Iran. Babilônio de nascimento, permanecia persa por sua
ascendência. Mas a fé de seu pai na religião de Zoroastro não era das
mais sólidas. Na época do nascimento de Manés, Patek procurava seu
caminho e, desembarcado na Babilônia, parece ter aderido a uma seita
gnóstica, que se aparenta àquela dos Mandeus. Manés foi então iniciado
em um meio gnóstico.
Com a idade de doze anos, ele recebera uma primeira mensagem
divina. Um anjo, enviado pelo “Rei do Paraíso das Luzes”, lhe dissera:
“Abandona estes homens (a seita gnóstica dos Mandeus). Você não lhes
pertence. Você está destinado a ordenar os costumes, mas você é muito
jovem e o tempo ainda não veio.” Doze anos mais tarde, ele recebera
uma segunda mensagem: “O tempo agora veio. Faça-se conhecer e
proclama bem alto sua doutrina.” Ele fez uma viagem à Índia, em
seguida ao retorno, dirige-se ao palácio de Shappuhr, da dinastia dos
Sassânidas, que vinha de substituir aquela dos Arsanicidas no trono da
Pérsia. Manés foi bem acolhido, parecia ter feito adeptos no círculo do
rei, e ter recebido a autorização de pregar sua fé como ele o quisesse.
Segundo certas tradições, Shappuhr não seria convertido à nova religião.
Uma lenda relata que Manés arrastara-o para o céu e que eles teriam
ficado, ambos, um certo tempo, suspensos nos ares. Durante uns trinta
anos, de 242 a 273, o Profeta pôs-se plenamente, em benefício da
autorização real, percorrendo o império submisso à velha religião
zoroástrica, recrutando crentes cada vez mais numerosos.
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Mas, com a morte de Shappuhr I, sobrevinda em 273, Manés
perdia sua principal sustentação. Hormuzd, filho de Shappuhr, continuou
a emprestar seu apoio ao apóstolo; infelizmente, ele não reinou senão
um ano e foi substituído por seu irmão, Bahram. Este ficava submisso
aos magos zoroástricos, e não tolerava que outra religião diferente do
mazdeísmo fosse pregada no reino. Os magos obtiveram, sem
dificuldade, a condenação de Manés. Aprisionado, ligado às paredes da
prisão por pesadas correntes, o Profeta sucumbiu, depois de uma agonia
de vinte e seis dias. Era 26 de fevereiro de 277. Os restos de seu corpo,
recolhidos por seus discípulos, foram enterrados em Ctesiphon.
O Dualismo maniqueísta – De todos os sistemas dualistas que se
manifestaram depois do nascimento do cristianismo, o maniqueísmo
certamente é o melhor conhecido. Descobertas sensacionais como
aquelas realizadas em Tourfan, no Turquestão chinês, ou em
Fayoum, no Egito, vieram completar as fontes de origem muito diversas
que se possuía, de maneira que é possível, hoje, reconstituir a doutrina
de Manés quase por inteiro, sem se encontrar na irritante obrigação de
passar pelos escritos de seus adversários. O Profeta é declarado o
sucessor de Buda, de Zoroastro e de Jesus. É o último de uma série de
profetas, de que não se trouxe senão um fragmento de verdade. O
conhecimento inteiro, completo, deu-se por Manés, último mensageiro
de Deus, e este conhecimento repousa em um corpo de escrituras que
ele mesmo redigiu. Mas o maniqueísmo não é somente uma síntese ou
sincretismo das religiões budista, mazdeísta e cristã, rejeitando o que
parece falso em uma ou outra, para aceitar o que parece bom. É também
uma gnose, porque no conhecimento reside a salvação, e que se trata de
resolver o grande problema, aquele do amálgama de uma parcela de
matéria divina, a alma, com o corpo, produto de um mundo terrestre,
ele mesmo causa inicial do Mal e obra do demônio. Além disso, como
entre os Gnósticos, nós vamos ver aparecer estes mitos estranhos e
complicados, que parecem tão bizarros, em uma mentalidade moderna.
Por aí, Manés fez realmente figura de gnóstico.
Desde o começo, há dualidade absoluta de dois princípios não
engendrados e equivalentes: o Bem e o Mal, a Luz e as Trevas, Deus e a
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Matéria. Ainda que se tratasse de dois princípios, pensa-se
imediatamente em duas divindades distintas, já que nenhum deus se
sobrepõe a estas duas entidades. O termo “dualismo” tomava então seu
sentido próprio e parecia dever ser aplicado, mesmo com a pejorativa
ideia que ele subentendia. Mas poder-se-ia crer que os Maniqueus
tinham expressado a dificuldade de maneira elegante. Efetivamente, dizse que santo Agostinho foi por muito tempo maniqueu. Mais tarde, ele
abandonou a seita e compôs algumas obras destinadas a combater o
maniqueísmo. Em um desses escritos, intitulados Contre Faustum
(Contra Fausto) (trata-se de Faustus de Milève, um maniqueu adversário
de santo Agostinho), ele coloca o seguinte diálogo: “Você crê que havia
dois deuses ou que não há um só, pergunta a Faustus. – Não há
absolutamente senão um, responde este último. – De onde, então, vem
que você assegure que há dois? – Jamais, afirma Faustus, se nos ouviu
dizer “dois deuses”, mas sobre o que se fundamentam vossas dúvidas? –
Você afirma dois princípios, um do Bem, o outro do Mal. – É verdade que
nós conhecemos dois princípios, mas há apenas um, que nós chamamos
Deus; nós denominamos o outro hylé (1) ou a matéria, ou como mais
comumente se diz, o Demônio. Ora, se você pretende aí estabelecer que
há dois deuses, pretende também que um médico que trata da saúde e
da doença, estabelece que há duas “saúdes”; ou que um filósofo que
discorre sobre o bem e o mal, a abundância e e a pobreza, sustenta que
há dois “bens” e duas “abundâncias”.
(1) Hylé, ou hilé, à luz da filosofia, é a matéria-prima universal
indeterminada.
Nós nos permitiremos adicionar as reflexões seguintes, que
servirão de comentário a este diálogo: “Ressalta desta passagem que o
Mal, a matéria, o demônio, experimenta no maniqueísmo, a negação
oposta à afirmação; o não-ser conhecido abstrativamente fora do ser,
mas ao qual nenhuma realidade é atribuída. Então parece, quando se
acusa os Maniqueus de crer em dois deuses, que a inteligência falta a
seus adversários e não aos próprios Maniqueus” (Franck, Dictionnaire
des sciences philosophiques, article Manichéisme (Dicionário de ciências
filosóficas, artigo Maniqueísmo)).
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O Mito maniqueísta. – A relação entre os dois princípios assim
estando definida, pode-se-os conceber como situados em duas regiões
separadas, o Bem ao Norte, ou no alto, o Mal ao Sul, ou em baixo. No
alto, reina o “Pai da Grandeza”, o “Rei do Paraíso das Luzes”, em baixo, o
“Príncipe das Trevas”. Em torno dos dois, gravitam os éons sob as ordens
dos arcontes. O reino das trevas é o mundo dos demônios, que se agitam
continuamente em um movimento desordenado, no curso do qual se
matam uns aos outro, se devoram e renascem sem cessar. Nesta
tumultuada agitação e em um momento que inaugura os tempos, o
Príncipe das Trevas tem, bruscamente, a visão do mundo da Luz, o que
lhe dá o desejo de conquistar esse mundo desconhecido e maravilhoso.
Ele, então, lança seus demônios para o assalto ao reino da Luz. Surpreso
com este ataque, o Pai da Grandeza faz originar uma primeira forma, a
“Mãe de Vida”, a qual, por sua vez, emana o “Primeiro Homem” (o
Ormuzd de Zoroastro). Este tem por aliados os cinco elementos, Ar,
Vento, Luz, Água e Fogo. Ele experimenta repelir o assalto dos demônios,
mas é vencido e engulido com os cinco elementos nas Trevas. Esta fase
do mito explica porque uma parte da natureza divina se encontra
aprisionada na matéria.
O Primeiro Homem, nesse momento, endereça uma prece a Deus,
sete vezes repetida, para implorar sua libertação. O Rei do Paraíso das
Luzes emana ou evoca várias criações, de que a última, “Espírito vivo”,
desce, acompanhada da Mãe de Vida, até o Primeiro Homem
aprisionado nas trevas e lhe estende a mão para o libertar. Este será o
aperto de mão simbólico dos Eleitos Maniqueus. Enfim libertado, o
Primeiro Homem é reconstituído em direção a Deus, mas ele deixou os
cinco elementos, sua armadura, sua “alma”, se se quiser, no reino dos
demônios. Esta substância luminosa é contaminada por sua amálgama
com a matéria. A fim de não lhe tirar toda sorte de salvação, Deus vai
organizar definitivamente o mundo. O mito maniqueísta aqui se torna
extremamente complicado por consequência da entrada em cena de
numerosas emanações novas. Contentar-nos-emos em o resumir. Operase uma partilha na matéria misturada com substância divina. A parte
não maculada pelas Trevas formará o sol e a lua. Isto explica porque
estes astros eram considerados como participantes da natureza divina,
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pelos Maniqueus, e a espécie de “culto” que tinham por eles, em
particular pelo sol. Uma outra parte, mediocremente contaminada,
comporá as estrelas. Afinal, a terceira parte, inteiramente maculada,
servirá para formar as plantas ou os animais. À guisa de punição, os
corpos dos demônios, sua pele, sua carne, seus ossos, mesmo seus
excrementos, comporão as montanhas, a terra, as águas. Diante da
ameaça que pesa sobre eles de se ver privar de todo traço de substância
luminosa, eles, nesse momento, concentram tudo o que resta nos dois
seres. Dois dos principais demônios se acasalam e engendram Adão e
Eva. Tais são as origens do homem, herdeiro de um desejo que o leva a
se acasalar e reproduzir por sua vez.
De sorte que a alma do homem fica escravizada à matéria, porque
ela não mais tem consciência de sua origem divina. Seu estado natural é
de permanecer ignorante, o conhecimento lhe escapa. Mas, do mesmo
modo que o Primeiro Homem tenha sido salvo, ao homem criado pelos
demônios será também, em todo caso, ofertada uma possibilidade de
liberdade. Este conhecimento que, no espírito de Manés equivale à
salvação, lhe é trazida pelos enviados de Deus, enviados identificados
com Ormuzd ou o Jesus transcendente dos Maniqueus, chamado por
eles “Jesus, o Luminoso”. Todo o resto do mito desenvolve o futuro do
mundo, a história da humanidade, o movimento dos astros, a
germinação das plantas, as espécies animais, etc. Encerra-se com uma
visão apocalíptica marcante, à imitação do mazdeísmo, uma vitória
definitiva do Deus da Luz sobre o mundo material, aniquilado em um
gigantesco incêndio. Sob essas formas míticas, que tão estranhas nos
parecem e, por vezes inutilmente complicadas, a teologia maniqueísta
deveu certamente agradar às imaginações orientais, apaixonadas pelo
maravilhoso.
A Moral maniqueísta. – Em primeiro lugar, o homem deve tomar
consciência de sua dupla natureza, e se esforçar em trabalhar desde aqui
em baixo, por um desapego progressivo e tão avançado quanto possível
de sua “ninharia”. Dito de outra maneira, o primeiro dever do maniqueu
consistirá em praticar um ascetismo estimulado ao máximo.O ideal seria,
evidentemente, o aniquilamento tão logo possível do envólucro
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corporal, mas Manés, que nos envolvera, jamais encorajou o suicídio, a
exemplo dos Marcionitas. Se o crente consegue, assim, em seu
desprender da influência do mundo exterior e em observar os
ordenamentos, sua alma depois da morte realizará uma ascensão
triunfal e ganhará o Reino da Luz, o Nirvana. Esta salvação é operada
principalmente por uma espécie de iluminação interior, permitindo que
se convença de nossa dupla natureza. É uma gnose conseguida no
ensinamento de Manés. Entretanto, o demônio não criou somente o
corpo do homem. O mundo exterior é igualmente sua obra e todo
tributo pago a este mundo, qualquer que seja sua forma, é um tributo
pago ao deus do Mal. É preciso, então, se abster de toda obra destinada
a modificar ou melhorar o império da matéria, quer dizer, entre outras,
não procriar, edificar, semear, colher, educar os animais domésticos, etc.
A moral maniqueísta tinha sido levada muito longe. Estimulada até seus
limites extremos, ela tenderia à extinção da espécie humana. Ainda que
tal tenha sido, sem dúvida, a secreta esperança dos Maniqueus, eles
tiveram em conta as realidades e, ainda uma vez, a dificuldade foi
alterada. Como entre os Marcionitas, os adeptos eram divididos em duas
categorias, de um lado, os “Puros”, os “Eleitos”, da outra, os “Ouvintes”,
os crentes simples. Sós, os primeiros obrigavam-se a um ascetismo
rigoroso. Os crentes viviam como todo mundo, se casavam, cultivavam,
batizavam-se e tinham o dever de prover a tudo o que era necessário à
subsistência dos Eleitos. Desta maneira, estes não
tinham a
possibilidade de pecar. Dizemos, em desencargo dos Eleitos maniqueus
que eles pareciam não ter solicitado esta ajuda, nem em fazer uma
obrigação para os crentes, os quais, pareciam igualmente ter fortemente
aceito esta moral um pouco especial.
Bem entendido, só os Puros podiam esperar ver sua alma chegar
ao Reino da Luz após sua morte. Em virtude do dogma das vidas
sucessivas, aceitado por Manés, os outros eram condenados a renascer
nos corpos de um homem ou naquele de um animal, segundo seu grau
de culpabilidade. Os mais favorecidos, aqueles que tinham vivido
conforme a lei maniqueísta, renasciam no corpo de um Eleito. Porque a
vida terrestre era considerada pelos Maniqueus como um castigo. A
terra era o inferno, outra ideia pitagórica. Os ordenamentos aos quais
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deviam obedecer os Ouvintes eram em número de dez e se reduziam a
preceitos simples: não mentir, não matar, não cometer adultério, não
ser avarento, não se dedicar à idolatria, etc.
O Rito maniqueísta. – Em uma religião também espiritualista,
compreender-se-á que os ritos e o culto exterior tenham sido reduzidos
ao mínimo estrito. A religião maniqueísta não parece ter tido
sacramento, pelo menos no sentido onde o entende o cristianismo. O
único rito assimilável a um sacramento, seria a “imposição das mãos”,
que se praticava em diversas circunstâncias, por exemplo quando um
crente entrava na categoria dos Eleitos. Era o gesto ritual pelo qual se
transmitia o Espírito. O reencontraremos entre os Cátaros. Em seu
conjunto, o culto maniqueísta parecia estar reduzido a preces, a alguns
cantos e jejuns frequentes e prolongados. Todo o resto consistia em
rezar, em explicar a doutrina e ainda em recrutar o o máximo de
adeptos. As orações eram em número de sete, todos os dias, para os
Eleitos e quatro para os Ouvintes. A sete preces dos Eleitos
relacionavam-se com aquelas do Primeiro Homem, quando, prisioneiro
dos demônios, implorava o socorro de Deus. Os jejuns tornavam-se
obrigatórios para os Eleitos no domingo e na segunda-feira. Os crentes
jejuavam somente no domingo e deviam se abster de toda intimidade
sexual naquele dia. Os jejuns rigorosos e prolongados, duravam até um
mês inteiro, eram impostos aos Eleitos em certas circunstâncias,
notadamente na aproximação de certas festas. Acrescentemos ainda
alguns gestos simbólicos, tal o aperto de mão, de que nós falamos.
Havia, enfim, as confissões públicas, dos Ouvintes aos Eleitos, todas as
segundas-feiras, igualmente dos Eleitos entre eles todas as segundasfeiras e a confissão geral da comunidade na ocasião da festa de Bema.
É-se mal informado sobre as festas maniqueístas. A melhor
conhecida é aquela que nós viemos de citar. “Bema” significa “cadeira”,
“estrado”. É a cadeira do alto da qual Manés derramava seu
ensinamento. Celebrava-se a cerimônia diante de um alto estrado, para
onde o Profeta era considerado ter descido e se apoiado. Os cantos e as
preces acompanhavam a solenidade, que também comemorava a
adoração de Manés e sua ascensão ao Reino da Luz. A Bema se celebrava
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no mês de março e correspondia à Páscoa cristã. Pensamos que ela tinha
lugar no dia do equinócio da Primavera.
Os Maniqueus tiveram templos? É difícil de responder a esta
questão. Na nossa opinião, a dificuldade vem do fato de que a igreja
maniqueísta teve uma existência agitada, instável, frequentemente
clandestina, não se prestando ao erguimento de momentos custosos e
demorados para construir. Quase sempre, perseguições bárbaras
sucederam a períodos calmos, e é provável que a destruição dos
templos, quando eles aí existiram, seguiu aquela dos Maniqueus por eles
mesmos.. Qualquer que tenha sido, santo Agostinho diz que eles tinham
lugares de reunião e templos, e dois editos imperiais, datados de 768 e
771, os autorizaram a construir templos na China. A nosso
conhecimento, nenhum movimento de inspiração maniqueísta foi
descoberto e estudado. Então, nada se sabe das disposições desses
monumentos, mas se permite supor que eles deviam ser de construção
muito simples, quase desprovidos de toda ornamentação. Seu plano
escondia, sem dúvida, a possibilidade de localizar as principais posições
solares. Sabe-se, com efeito, que os astros e principalmente o sol,
desempenhavam um papel primordial no simbolismo maniqueísta. O sol
e a lua, se foi vista, eram considerados como de substância divina, não
contaminada pelos demônios. Independentemente de seu lugar no mito,
o astro do dia persistia o símbolo da Luz espiritual e ocupava,
aproximadamente, o mesmo lugar que a cruz na religião cristã. As
orações eram sempre recitadas de frente para o sol, e Manés o toma
como testemunha da injustiça que lhe é feita quando ele é encarcerado
por ordem de Bahram. Além do mais, a acusação de serem “adoradores
do sol”, lançada frequentemente contra os Maniqueus, é muito
conhecida, para que seja necessário insistir neste ponto. O castelo de
Montségur, nos Pirineus ariegenses (*), foi, senão um templo
maniqueísta propriamente dito, pelo menos uma construção assimilável,
sem uma medida certa, deste gênero de monumentos.
(*) de Ariège, departamento francês.
Extensão do Maniqueísmo . – Desde a metade do século III, quer
dizer, da vivência de seu fundador, encontra-se o maniqueísmo na
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Palestina, no Egito e em Roma. Durante o século seguinte, ele invadiu a
África do Norte, onde ele fez um alistamento de qualidade na pessoa de
santo Agostinho. A Ásia Menor, a Ilíria, a Itália são igualmente
contaminadas e atingiu a Gália e a Espanha. Mas, como se quisera
demonstrar o que os Maniqueus eram na verdade, quando eles diziam
que o mundo daqui de baixo permanecia a obra do demônio, suscitou-se
contra eles e por toda a parte as mais ferozes perseguições. É verdade
que a doutrina de Manés persistia a inimiga mais temível de todas as
outras religiões, em particular do cristianismo. Em 297, Dioclécio
começava a repressão. Em 372, Valentiniano I interditava as reuniões
dos Maniqueus, mas em 382, Teodósio, o Grande, maculava de infâmia
os adeptos de Manés e pronunciava contra eles a pena de morte. Não se
acabaria de citar todas leis e penas editadas contra eles, nos diversos
países onde eles se contrastavam às religiões estabelecidas. Aliás, a
repressão começara com a morte de Manés, repressão de tal monta, que
se pergunta como o maniqueísmo pôde sobreviver. Devia ter igualmente
uma prodigiosa extensão na China e na Ásia central, onde ele se
manteve, às vezes, como religião de Estado, até quase o Século XIII. As
invasões de Gêngis Khan produziram-lhe um golpe fatal. Nenhuma seita
gnóstica tinha tido, e de muito longe, uma tão grande expansão.
Ainda que o escreva M. Puech: “... na imagem de seu fundador, o
que é a história do maniqueísmo, senão uma série de triunfos
momentâneos, em breve engulidos, em todos os tempos e em todos os
países, pelas perseguições e os massacres? Luz e Trevas: parece que o
destino dramático de Mani e de sua religião seja encenada segundo a
moda e o ritmo que regulam, no mito da seita, a formação e o
desencadeamento do universo; desfeito da Luz; mistura tenaz do Bem e
do Mal; longo e muitas vezes precário desprendimento da Claridade e da
Verdade”. Por uma estranha coincidência, estas palavras vão poder se
aplicar a todas as seitas derivadas do maniqueísmo. Acreditar-se-ia que à
exemplo dos seres vivos, a doutrina de Manés tivera a faculdade de
transmitir a seus descendentes uma certa hereditariedade, que os
destinava a nascer, a sofrer e a morrer.
Continuação: Capítulo III: Dos Maniqueus aos Cátaros
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