opinião divergente

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OPINIÃO DIVERGENTE
Aziz Nacib Ab'Sáber, geógrafo brasileiro, acredita no aquecimento global, mas adverte que há muito
desconhecimento sobre como suas conseqüências podem afetar o país
Por Dante Grecco
Revista National Geographic - 09/2007
Desde que o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) divulgou seu terceiro relatório, em
maio, as discussões sobre oaquecimento global pegaram fogo. Alguns cientistas afirmaram que o painel da ONU
foi cauteloso demais - o futuro do planeta pode ser ainda mais sombrio. Outros discordam dessas conclusões e
advogam contra o exagero e o alarmismo. Nesse time joga o geógrafo brasileiro Aziz Nacib Ab'Sáber. "É claro
que não nego o aquecimento global.Mas há muito desconhecimento sobre como suas conseqüências podem
afetar o Brasil", adverte ele.
Formado em geografia pela USP em 1944, especialista em geomorfologia e considerado um dos mais
importantes ambientalistas do país, o professor Aziz conhece como poucos a paisagem natural do Brasil e suas
relações com o clima. Às vésperas de completar 83 anos, tem cerca de 300 artigos publicados, escreveu oito
livros, deu aulas em várias universidades e, entre outros cargos na academia, foi presidente executivo da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) entre 1994 e 1995. Mesmo aposentado, todas as
noites comparece ao Instituto de Estudos Avançados da USP, onde é professor honorário, e vibra como um
pesquisador iniciante ao mostrar mapas e imagens do Nordeste feitas por satélite.
Por que o senhor afirma que o aquecimento global não destruirá a Amazônia nem a mata Atlântica?
Houve muito alarmismo nessa questão. Embora algumas afirmações tenham sido feitas por bons cientistas,
muitas conclusões foram divulgadas de forma equivocada. Logo me irritou a afirmação de que a Amazônia
desaparecerá e o cerrado tomará conta de tudo. Como há décadas estudo o problema das flutuações climáticas
e o jogo do posicionamento parcial dos grandes domínios geográficos brasileiros, senti-me ofendido
culturalmente. Não havia ciência na afirmação.
Sua
teoria
envolve
uma
mudança
fundamental
nas
correntes
marítimas,
certo?
Em nosso litoral existe a chamada corrente tropical sulbrasileira. É uma corrente de águas quentes que desce
desde o Nordeste oriental até o sudeste de Santa Catarina. Essa corrente tem um contrafluxo representado pela
corrente das Malvinas, ou Falklands, que vem da Argentina, é composta de águas muito frias e segue quase até
o Rio Grande do Sul.
Uma das conseqüências do aquecimento global é que essa correntetropical sul-brasileira ficará mais larga,
ocupará uma área mais afastada da costa e irá avançar mais para o sul do Brasil sobre a corrente fria. Portanto,
essa corrente quente levará mais calor para as regiões localizadas entre a Argentina, o Uruguai e o Rio Grande
do Sul, que hoje vivem um conflito entre águas frias e quentes. Com essa massa de água quente que chegará, a
evaporação será mais intensa. Podemos deduzir que vai haver maior penetração de umidade no continente.
"Não temos como avaliar quanto o mar vai subir nos próximos 100 u 200 anos. Nesse período os
continentes podem até abaixar mais ou se elevar novamente, como ocorreu depois do Plioceno. Se isso
ocorrer, o mar irá recuar."
O
que
isso
significará?
Com maior umidade, choverá mais. Por isso, nesse caso o aquecimento global não representará um aspecto
negativo do ponto de vista da climatologia da fachada atlântica do Brasil.
Portanto, não se pode dizer que a mata Atlântica será atingida por ele. Ao contrário. A tendência é que tanto a
mata Atlântica como a Amazônia cresçam, e não que sejam reduzidas. Isso já aconteceu antigamente, num
período entre 6 mil e 5 mil anos atrás chamado de optimum climático. Naquela época também houve um
aquecimento do planeta, mas foi natural, e não causado pelo acúmulo dos gases na atmosfera, como hoje.
O
que
houve
naquela
época?
Entre 20 mil e 12 mil anos atrás, o planeta passou por um período de glaciação. Devido ao congelamento de
águas marinhas nos pólos Norte e Sul, o nível dos oceanos era cerca de 90 metros mais baixo do que o
registrado hoje. Depois disso, por volta de 11 mil anos atrás, houve um período de transição entre um clima frio e
um mais ameno e ocorreu um ligeiro aquecimento da Terra. O frio intenso deu lugar a um clima mais tropical,
como ocorria antes da glaciação. Com isso, as grandes manchas florestais, que haviam ficado distantes umas
das outras naquele clima frio e seco, cresceram e se emendaram. A esse processo, que aconteceu
principalmente na costa brasileira, eu dei o nome de retropicalização.
E
o
que
aconteceu
depois?
O planeta continuou a esquentar, embora houvesse variações de temperatura para cima ou para baixo. Com
isso, boa parte do gelo que estava concentrado nas regiões polares se derreteu. O auge desse aquecimento se
deu entre 5 mil e 6 mil atrás, no optimum climático. O aquecimento foi tal que o nível dos oceanos se elevou
cerca de 2,90 metros acima do registrado hoje. Em minha interpretação, quando o mar subiu em conseqüência
daquele aquecimento do planeta, ele trouxe mais umidade para dentro do continente.
Houve mais chuvas, o que favoreceu a continuidade das florestas. O optimum é uma fase da história climática do
mundo que vários cientistas e o próprio IPCC não consideraram. Como naquele período nem a mata Atlântica
nem a Amazônia desapareceram do mapa, não é certo dizer que até 2100 a Amazônia vai virar cerrado. O
problema não é o que acontecerá daqui a 90 anos, e sim o que ocorre hoje.
Por
quê?
A região amazônica tem 4 milhões de quilômetros quadrados e, em menos de 25 anos, perdeu 500 mil
quilômetros quadrados de florestas. Isso significa que uma área equivalente a duas vezes o estado de São Paulo
já foi estruída. É muita coisa. Ou seja, hoje Amazônia está tendo problemas de savanização devido à ação
antrópica. Ocorrem desmatamentos ao longo das rodovias, dentro das selvas e junto das chamadas espinhelas
de peixe, nome que os amazônidas dão aos imensos quarteirões ocupados por especuladores, os quais se
mudaram de lá e venderam pedaços da mata a pessoas de muito longe que imaginaram ter uma fazendinha na
região. Depois, essas pessoas liberaram as terras para os madeireiros, que arrasaram com tudo.
O senhor tem alguma outra divergência em relação ao que foi divulgado sobre o aquecimento global?
Sim. Uma coisa é o aquecimento global, outra é sua continuidade ou não ao longo dos anos. Os cientistas dizem
que vai ser sempre assim. O planeta ficará cada vez mais quente. Com isso, o calor provocará mais derretimento
de geleiras, o que aumentará ainda mais o nível do mar.
E assim sucessivamente. Esse raciocínio é muito simplista. Não temos como saber nos próximos anos como o
mar vai subir.
Portanto, também não temos como avaliar quanto ele irá se elevar daqui a 100 ou 200 anos.Nesse período os
continentes podem até abaixar mais e as águas do mar, inundar zonas costeiras bem maiores. Ou o contrário.
Eles podem subir, como ocorreu depois do Plioceno. E com isso o mar irá recuar. Didaticamente, eu fiz os
cálculos para dez, 50 e 100 anos. Depois parei. Ainda há a questão das diferenças entre as marés baixa e alta.
Na costa do Maranhão, por exemplo, essa diferença é de 8 metros. Tudo isso não foi considerado.
Mas não se pode negar que uma das piores conseqüências do aquecimento global será o aumento do
nível
das
águas
do
mar.
A ascensão do nível das águas dos oceanos provocada pelo derretimento das geleiras polares e das geleiras das
altas montanhas vai criar graves problemas na zona costeira do Brasil. São 8 mil quilômetros de litoral. A água
deverá invadir diversas cidades litorâneas, como Santos, Rio de Janeiro e Recife, entre outras, criando miniVenezas. Será preciso fazer pontes e diques na frente das praias e nas margens dos rios. A água vai também
tomar conta das barras dos rios e alagar planícies rasas e manguezais, com prejuízos ambientais e econômicos.
O
que
o
senhor
sugere,
diante
do
problema
atual?
Disso tudo eu tirei uma conclusão. Primeiro, é preciso reduzir a emissão de gases particulados na atmosfera para
mitigar o efeito estufa. Que fique bem claro que eu não discuto o aquecimento global. Depois, devem-se
acompanhar os fatos ao longo de um certo espaço de tempo para avaliar todas as variações. A seguir, é
fundamental
um
bom
planejamento
para
evitar maiores conseqüências sobre as regiões costeiras, que serão as áreas mais atingidas.
O extremo sul do Brasil, por exemplo, vai ser pouco afetado, já que, com a suspensão das águas, deve
acontecer o que ocorreu durante o optimum climático. A corrente marítima quente irá descer mais para o sul,
levando maior umidade e, conseqüentemente, mais chuva para o interior do território.
"A alteração das correntes marítimas pode fazer com que aumente a umidade no processo de
evaporação. Com isso, choverá mais. A tendência é que tanto a mata Atlântica como a Amazônia não
sejam reduzidas devido ao aquecimento global."
Em junho, iniciaram-se as obras da transposição das águas do rio São Francisco, em Cabrobó, em
Pernambuco. O senhor crê que ela vai matar a sede da população do Nordeste seco?
Fala-se que essa obra beneficiará cerca de 12 milhões de pessoas. Não acredito. Ela vai beneficiar
principalmente os pecuaristas. O mais triste é que os donos das fazendas nem moram lá, mas sim em capitais
como Fortaleza e Recife. A região do São Francisco é muito complexa. No Nordeste chove muito no verão e
pouco no inverno, embora digam o contrário. É evidente que o Nordeste seco vai precisar de mais água quando
o rio São Francisco, que passa em grande parte pelo cerrado de Minas Gerais e da Bahia, estiver mais baixo.
Será justamente nessa época que o rio precisará jogar mais água para os eixos norte e leste que serão
construídos até ela cair no açude de Orós.
Aí surge um problema. As águas do São Francisco são poluídas e vão se encontrar com águas salinizadas do
próprio açude. Ou seja, nessa época será preciso fazer uma transposição de águas maior do que a planejada.
Como
assim?
Quem é a favor da transposição diz que o rio vai perder apenas 1,4% de suas águas após o término das obras.
Mas é claro que no futuro essa porcentagem deve aumentar. Ou seja, serão transferidas mais águas do rio para
os futuros eixos que vão ser construídos. Outro problema será manter as usinas hidrelétricas de Paulo Afonso,
Itaparica e Xingó funcionando. Então, a época em que o rio receberá menos água vai ser a mesma em que ele
deverá enviar águas para além da chapada do Araripe. Isso é um contra-senso, pois, quando estivesse chovendo
lá, não seria preciso enviar água para a mesma região.
Quais
são
os
impactos
ambientais
que
a
transposição
pode
causar?
Talvez o principal seja a poluição das águas. Vários afluentes do São Francisco vêm de Belo Horizonte, uma das
maiores cidades do Brasil, e passam pela região industrial sidero-metalúrgica. Um deles é o rio das Velhas, por
exemplo. O São Francisco tem 2170 quilômetros de extensão. Imagine a poluição que ele carrega nessa
distância. Técnicos disseram que iam revitalizá-lo antes de fazer a transposição.Outro erro, pois não se pensou
naqueles que têm só as margens do rio para plantar, como na zona semiárida das cidades de Ibotirama, Barra e
Xique-Xique, na Bahia. Com a revitalização, eles perderão esses espaços.
Qual é a sua opinião sobre a afirmação do presidente Lula, em maio, de que os usineiros de cana são
"uns
heróis"?
Heróis são os cortadores de cana, que levam uma vida quase de escravo, e não os donos da terra. Por que o
presidente Bush veio a São Paulo e não foi a Brasília? Porque os Estados Unidos sabem que o interior de São
Paulo sempre teve culturas agronômicas importantes, hoje controla as maiores plantações de cana-de-açúcar do
Brasil e que o etanol de cana vem sendo usado nos carros como combustível. Eles não têm esse knowhow. Na
verdade, os Estados Unidos precisavam incentivar o Brasil a ampliar sua área canavieira para poder vender mais
tarde. Quem vai controlar o preço depois? Eles, é claro.
"É preciso reduzir a emissão dos gases que causam o efeito estufa. Depois, é necessário acompanhar os
acontecimentos ao longo de um certo espaço de tempo para avaliar todas as variações."
O que pode acontecer em termos ambientais se o governo incentivar a produção de cana para depois
produzir
etanol?
É simples. Se o governo facilitar, a cana-de-açúcar será o mais novo produto a tentar se estabelecer na
Amazônia. Sempre que se deseja ampliar as fronteiras agrícolas do país se fala na Amazônia. É como se lá
houvesse um solo polivalente. Se o preço do etanol subir, vão tentar fazer novas penetrações na floresta. Além
da agropecuária, dos madeireiros, dos loteadores e dos plantadores de soja, a Amazônia também poderá ter
daqui a algum tempo os cultivadores de cana. Será que ela resiste?
FONTE: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/ambiente/conteudo_250065.shtml?func=1&pag=0&fnt=9pt - 20090205
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