Coco, o Caju e o Sagu do Canttone

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Coco, o Caju e o Sagu do Canttone
"Da manga rosa quero o gosto e o sumo, melão maduro sapotí juá,
jabuticaba teu olhar noturno, beijo travoso de umbu-cajá. Pela macia ai carne
de caju, saliva doce, doce mel, mel de urucu. Linda morena fruta de vez
temporana, caldo de cana-caiana, vem me desfrutar. Morena tropicana eu
quero teu sabor...". Com essas palavras Alceu Valença desafiou o Brasil a
descobrir o sabor das pessoas. Ele com tropicalidade e muita propriedade
poética desvenda a doçura do sapoti, o doce travoso do umbu-cajá, a maciez
da carne do caju e a negritude da jabuticaba na morenisse pernambucana
amada.
Tanto as frutas como as relações precisam ser colhidas. Ambas têm suas
estações apropriadas e caminhos próprios para alcançar o fruto nas fruteiras.
Umas alcançadas e saboreadas rapidamente, outras bem "devagarinho" com
quem aprecia um bom chimarrão, pois existem frutas e frutas; pessoas e
pessoas. A grande verdade desta espiritualidade é que alcançamos e somos
alcançados pelas pessoas, dependendo qual fruta nós somos.
Lembro-me de duas frutas que estão presentes na minha vida e em
meus sabores, são elas: o Coco e o Caju. São frutas maravilhosas e com suas
peculiaridades, porém para quem conhece um coqueiro e um cajueiro
percebe que nessas fruteiras somos desafiados também a olharmos para os
caminhos que fazemos até seus frutos.
Qual o caminho até o coco? Bem, o coqueiro é uma fruteira que chega a
trinta metros de altura, com seu tronco cilíndrico, nervoroso e áspero, ao qual
se encerra em folhas pinadas. É uma verdadeira arte chegar até a fruta,
tornando artístico o ofício de um "tirador de coco". Esses catadores colhem as
frutas munidos de cordas que enlaçam em seus pés e ao troco da árvore,
fazendo um frenético e atlético jogo de pernas e braços até alcançar os
cachos da fruteira com seu facão. Para complicar, na origem do termo "coco"
temos a declaração de medo à fruta, pois foi nominada pelos portugueses
numa viagem de Vasco da Gama à Índia (1497-1498), a partir da associação
da aparência do fruto, visto da extremidade, em que o endocarpo e os poros
de germinação assemelham-se à face de um "coco" - monstro do imaginário
ibérico com que se assusta as crianças; papão; ogro. Como é difícil e árduo
chegar até o coco... Mas, quando conseguimos tudo muda...
O coco é uma das frutas mais ricas e nutritivas que conhecemos.
Lembro-me do doce "baba-de-moça", um delicioso quitute feito por minha
mãe com a carne do coco verde... indescritível! Lembro-me de apreciar uma
água-de-coco bem gelada no calor da beira-mar na praia de Boa Viagem, de
saborear um bom Sirigado frito ao molho de coco, de me lambuzar num doce
de coco com raspa de mamão verde, e de degustar uma tapioca de coco
apreciando a vista do alto da Sé em Olinda...
Existem pessoas que, semelhantes ao caminho do coco, num primeiro
momento são ásperas, rudes, duras, difíceis de alcançar. Entretanto, quando
nos esforçamos e chegamos até seus frutos conseguimos colher e conhecer a
doçura, a beleza, e a riqueza de suas almas.
E o caminho do caju? O cajueiro é uma fruteira exótica e belíssima, pois
em seus frutos, geralmente carnosos, são encontrados vários e sedutores
tons vermelho-amarelados, amarelos e rosados. Não existe muita dificuldade
para chegar até o caju. O tronco do cajueiro é tortuoso e relativamente baixo,
fazendo com que até uma criança estendendo o seu braço em direção aos
galhos colha facilmente um caju. Porém o caju nos "engana"...
O caju trata-se de um pseudofruto, pois o que entendemos popularmente
como "caju" se constitui de duas partes: a fruta propriamente dita, que é a
castanha; e seu pedúnculo floral, pseudofruto geralmente confundido com o
fruto. Suas folhas têm uma resina tóxica à qual só os macacos são imunes.
Seu sabor apesar de doce é travoso, e a mordida generosa na carne da fruta
enoda rapidamente os dentes de seu degustador. Ou seja, aquilo que vemos
é o "pseudo"...
Existem pessoas que nos confundem como o caju. São de fácil acesso, de
bela aparência, sedutoras, e num primeiro momento conquistam a simpatia
de todos. No entanto, quando conhecemos seus frutos, descobrimos a
amargura, o jeito travoso, as nodas que mancham, e as toxinas que
emitem... São pessoas que não conhecem a doçura e o sabor da cajuada,
pois ainda não passaram seu caju pelo fogo do cozimento. Correm um sério
risco de se tornarem "passa" com o tempo.
A vida nos convida a aprender a saborear o doce e o amargo a partir de
nós mesmos. De descobrir o caminho das frutas alheias e da nossa
capacidade de sermos degustados pelos nossos semelhantes. Certamente
Jesus sabia disso quando nos diz que devemos amar – saborear – o próximo
como amamos - saboreamos a nós mesmos...
Como começar então? Descobrindo o quanto podemos ser mais doces na
vida! O mais doce e saboroso que pudermos ser, como um sagu. Pois o sagu
se saboreia longe dos amargos...
Quando conheci o sabor doce e singular do sagu gaúcho em Santa Maria,
especialmente o do restaurante Canttone de meus amigos Iara e Luiz
Druzian, vi o quanto poderíamos ser mais doces nesta vida.
Tenhamos uma boa degustação!
Deão da Catedral Anglicana do Mediador e Arquiteto
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil
[email protected]
A medida do Pentecostal e o Pentecostal na medida...
O calor do Espírito Santo agora vem sendo mensurado por pesquisas.
Isso é no mínimo curioso... O mais interessante é que temos pesquisas mais
vinculadas as eclesiologias denominacionais que a uma teologia cristã.
Recentemente foi divulgado que o Brasil é hoje o maior país Pentecostal do
mundo. A pesquisa doWorld Christian Database indica que o Brasil tem 24
milhões de seguidores de igrejas pentecostais, superando os EUA, com 5,8
milhões de pentecostais. O levantamento do instituto americano indica que o
país reúne milhões de seguidores pentecostais de igrejas como a Universal do
Reino de Deus, a Assembléia de Deus e a Renascer em Cristo.
Podemos também considerar que o Brasil não protestante também está
mais pentecostal. Apontado como o maior país católico romano do mundo, o
Brasil testemunhou no final dos anos 90, a Renovação Carismática Católica,
que tem como maior expoente o padre-cantor Marcelo Rossi e atualmente
acompanha a força renovadora do movimento carismático da “Canção Nova”
liderado pelo padre Jonas Abib. A renovação carismática é dito como o lado
católico do pentecostalismo e, tal como os protestantes, também valoriza os
dons concedidospelo Espírito Santo, a oração intensa e a relação íntima com
o “Consolador”.
Então podemos afirmar que “católico carismático”, “pentecostal”, “neo”
ou “pós – pentecostal” é tudo igual? A resposta é não e sim.
De fato é um equívoco afirmar – como afirma a pesquisa - que um
pentecostal histórico da Assembléia de Deus expressa na sua espiritualidade
o mesmo ethos que um neo-pentecostal da Igreja Renascer ou da Igreja
Universal do Reino de Deus.
Percebe-se que a falta de um aprofundamento científico históricoteológico terminou por desenvolver um “rosto do protestantismo brasileiro”
na percepção dos não-protestantes, bem como dos próprios protestantes. Há
uma verdadeira confusão entre o que se chama de expressões de fenômenos
históricos e tipologia religiosa, de maneira a se desconhecer, por exemplo, a
clara diferença entre os ditos pentecostais históricos e os neo-pentecostais ou
pós-pentecostais, bem com os carismáticos católicos.
A ciência política afirma que, o que convencionamos hoje, em uma
tipologia de Protestantismo é, na realidade, um conglomerado de seis
expressões, de seis fenômenos históricos da igreja: A Primeira Reforma onde se inclui o Luteranismo e o Anglicanismo; A Segunda Reforma: de
cunho zwinglinianocalvinista, como as igrejas reformadas e presbiterianas,
com a rejeição do episcopado histórico, da liturgia e das artes sacras
históricas, e confessionalista; A Terceira Reforma: também chamada de
“reforma radical”, fruto do anabatismo e do não-conformismo independente,
com ênfase no batismo de adultos, na autonomia das comunidades locais.
Aqui estariam os congregacionais, os batistas, os menonitas, dentre outros; A
Quarta Reforma: do início do século XX, com o pentecostalismo histórico, com
uma ênfase pneumatológica na contemporaneidade dos dons espirituais,
especialmente a glossolalia, onde se originam as Assembléias de Deus; A
Quinta Reforma: do final do século XX, também chamada de neopentecostalismo (ou pós-pentecostalismo), com vertentes populares e
elitistas, com ênfase na “batalha espiritual” e na “Teologia da Prosperidade”:
Universal do Reino de Deus, Renascer e outras.
Para tanto, jamais poderemos afirmar que o Pentecostalismo brasileiro,
protestante ou não, tem a mesma cor diante das diferenças históricas e
eclesiológicas. E muito menos medir tipologicamente o que imaginamos ser
“pentecostal”, sem o devido respeito histórico e teológico. No entanto,
podemos afirmar aquilo que muitas vezes não parece obvio, mas é:
Teologicamente toda Igreja é Carismática ou Pentecostal, como queira, pois
jamais existirá a Igreja sem a presença do Espírito Santo, sem o Káris de
Deus. Afinal, é o Espírito Santo que sopra nas velas da Náu-Igreja, desde que
soprou impetuosamente sobre os discípulos numa casa em Jerusalém,
durante a festa de pentecostes, há 2 milênios atrás. (Atos 2:1-13).
Nossa preocupação como cristãos não deve descansar em medidas sobre
o quanto somos mundialmente mais Católicos ou mais Pentecostais, e sim,
em que medida a terceira pessoa da Santíssima Trindade está em nós, na
Igreja e para mundo. Ainda existem muitas pessoas e muitos cristãos que só
ouvem falar de Deus e de Jesus, mas não conhecem absolutamente nada
sobre o “Consolador” e seu calor transformador... Na medida certa!
Você conhece? Você já mediu isso?
Se não conhece, não sabe o que está perdendo...
Ele está soprando, ajustemos as velas!
Deão da Catedral Anglicana do Mediador e Arquiteto
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil
[email protected]
As fachadas de vidro e os óculos de sol espelhados
Quando nos propomos a tomar como objeto de análise um edifício pósmoderno e suas características quanto à originalidade do espaço arquitetônico,
esse parece traduzir uma desconformidade na maneira com que o ser humano
ocupa seu espaço. Percebe-se que nestes chamados “hiperespaços” o indivíduo
não acompanha a equivalente mutação espacial. É como se mudasse algo
no objeto que ainda não foi seguido de uma mutação do sujeito.
O fato é que nossos hábitos foram formados em espaço menos recentes, e
isso faz da arquitetura contemporânea quase um imperativo para o
desenvolvimento de nossos relacionamentos, para a expansão de nosso
equipamento sensorial e novas dimensões de nossos corpos. Mesmo assim,
diferentemente do utópico “alto modernismo”, a arquitetura pós-modernista não
tenta inserir-se abruptamente no meio do antigo, nem tem no “pilotis” de Le
Corbusier, um signo de quem se põe acima do que é o “feio” e “antigo” da
cidade... O que vemos, na maioria das propostas recentes, é uma tentativa, nem
sempre feliz, de procurar respeitar e dialogar com a linguagem vernácula do
tecido urbano.
Mas mesmo quando se projeta para o futuro, traduz-se ainda aquilo que se
é...
Explico. Podemos observar os extensos panos de vidro das fachadas “pós” e
perceber que elas transmitem uma sensação, em geral, de desenvolvimento
tecnológico, de “futuro”, porém acabam por ressaltar o modo pelo qual o
revestimento de vidro repele a “feiúra” da cidade, por vezes violenta e
estressante que está “lá fora”. Uma repulsa cuja analogia, como diria o crítico
Fredric Jameson, que encontramos naqueles óculos de sol espelhados, que
impedem um interlocutor de ver nossos olhos, dotando-nos assim de certa
agressividade e certo poder sobre o outro...
Por vezes não se expressa a plástica externa da obra arquitetônica, mas
imagens distorcidas de tudo que está a sua volta. Assim, também nós, estamos
muitas vezes espelhando e distorcendo o outro através de nós mesmos.
Promovemos uma estética que nos separa daquilo que mais precisamos: nosso
semelhante.
Não só na arquitetura podemos perceber o resultado deste ethos, contudo,
importa que reconheçamos a nossa capacidade de através de uns simples óculos
espelhados gerarmos “poder” sobre o outro. E pior, de não temos muitas vezes
a coragem de, em meio a um diálogo, sermos aqueles que falam olho no olho.
Como em “hiperespaços” arquitetônicos pós-modernos, que mesmo com uma
ocupação constante de pessoas nos causam a impressão de que nunca lotarão
seus vazios internos, também muitas pessoas vivem com a sensação de vazio
interior ainda residente, e teimam em se esconder atrás de “óculos
espelhados”...
O mais impressionante disso é que a “crise da modernidade” faz deste
usuário de óculos alguém que busca desesperadamente por Significância, por
Transcendência e por Comunhão. Porém, é na busca por Comunhão que surgem
as “fachadas” e seus extensos “panos de vidro espelhados”.
Comunhão é algo que só se constrói com relacionamento, com amor palpável
e saúde. Ela não acontece em relacionamentos de “nickname”, “login”, “orkut”,
“MSN”... Só nas construções “vernaculares”, “olho no olho”, e que resultem em
abraços, perfumes, olhares, gostos, calor e canção...
Para termos Comunhão num mundo que nos separa, nos divide, nos deixa
doentes, vazios, e supostamente “poderosos”, é cada vez mais mister sermos
Arquitetos do Amor!
Quando entendermos o que é, verdadeiramente, “amar ao próximo como
amamos a nós mesmos”, deixaremos os nossos “óculos de sol espelhados” em
casa...
Fábio Vasconcelos
Deão da Catedral Anglicana do Mediador e Arquiteto
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil
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Se Marinetti acertou, andemos a pé como Gonzaga...
A cada final de ano renovamos nossas forças, na esperança de que no
próximo ano tudo será melhor e diferente. Contudo, todos somos vítimas da
maneira como o ocidental encontrou para fatiar o tempo, colhendo-o em dias,
meses, e anos. Essa ação nos torna caçadores ferozes do tempo, que não nos dá
tempo... Perseguidores implacáveis de um dia que não tem 25, 26, 27 ou até 30
horas para fazermos tudo aquilo que planejamos para suas 24 horas.
Infelizmente, a “velocidade” tem cada dia mais nos tirado o tempo que nos resta
para experimentarmos os cheiros, as formas e os sabores das coisas que
lutamos tanto para conquistar rapidamente.
Com a chegada do “moderno”, a velocidade se tornou o protagonista da
vida e do futuro de todo ser humano. O belo e o adequado teriam que ser
vividos e absorvidos com eficiência e rapidez.
Foi em 1909 com a publicação do “Manifesto Futurista”, do poeta italiano
Filippo Marinetti, que o ser humano foi convidado a rejeitar o moralismo e o
passado, exaltar a violência, e propor um novo tipo de beleza, baseada na
velocidade. Dizia Marinetti: “Declaramos que a magnificência do mundo se
enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um carro de corrida
com a carroçaria enfeitada por grandes tubos de escape como serpentes de
respiração explosiva…um carro tonitruante que parece correr entre a metralha é
mais belo do que a Vitória de Samotrácia”.
O Futurismo se traduziu como uma influência contundente na mentalidade
“moderna” para o século XX, que produziu uma estética do consumo nas artes e
na comunicação moderna. O arquiteto Antonio Sant’Elia, ligado ao movimento
futurista, parecia prever em seus desenhos o ritmo frio e árido das relações
humanas nas grandes cidades e a desumanização dos mega centros.
Hoje, se nosso computador não for “veloz”, nos estressamos. Se nosso
carro não for rápido, nos aborrecemos. Se nossa conversa não for breve, nos
chateamos. Se nossa resposta não for instantânea, estressamos, aborrecemos e
chateamos os outros... Até, se nosso prazer não for rápido, ficamos nervosos. O
mais irônico é que, com toda essa rapidez, com tempo que ganhamos, que
deveria nos sobrar, ainda ficamos com a sensação de que nos falta
tempo...Queremos e “devemos” ser rápidos em tudo, mesmo assim não estamos
satisfeitos com o que nos resta...
Que beleza estranha apresentou Marinete e Sant’Elia...
A verdade é que temos uma sensação que a vida esta passando, e que não
estamos tendo tempo para viver. Os filhos crescem e não vemos, os pais
envelhecem e não honramos, as amizades vão e não nos despedimos, a vida
passa e não vivemos... Podemos nos perguntar então: A quem abraçamos este
ano? Quantas amizades fizemos? Quantos sorrisos ofertamos? Quanto tempo
ganhamos para dar?
Se você correu muito neste último ano é possível que não tenha feito nada
disso...
Quem corre não vê muita coisa. Não saboreia, não cheira, não toca... Não
ora.
Pense bem, você já viu o orvalho beijando a flor? Já ouviu o canto do “galo
de campina”? Já molhou os pés no riacho durante uma caminhada? Se você
correu muito neste último ano é possível que não tenha feito nada disso...
Disse em simples sabedoria popular, diferentemente de Marinetti, o saudoso
Luiz Gonzaga - o rei do baião, que para encontramos a beleza da vida devemos
aprender a “andar”... Quando conhecemos o valor de “saber andar a pé” é que
entendemos a vida e tudo que passamos nela. Ele nos convida a
“desacelerar” na sua poesia intitulada “Estrada de Canindé”:
“Ai, ai, que bom. Que bom, que bom que é / Uma estrada e uma cabocla /
Cum a gente andando a pé.
Ai, ai, que bom / Que bom, que bom que é / Uma estrada e a lua branca /
No sertão de Canindé.
Artomove lá nem sabe se é home ou se é muié / Quem é rico anda em
burrico / Quem é pobre anda a pé.
Mas o pobre vê na estrada / O orvaio beijando as flô / Vê de perto o galo
campina / Que quando canta muda de cor.
Vai moiando os pés no riacho / Que água fresca, nosso Senhor.
Vai oiando coisa a grané / Coisas qui, pra mode vê / O cristão tem que
andar a pé...”.
Desacelere!!! Saboreie, cheire, respire, sorria, abrace, beije, ame, veja,
ore...
Que Deus abençoe seus passos neste Novo Ano, pois tem coisas na vida que
para se ver,você tem que “saber andar a pé”...
Fábio Vasconcelos
Deão da Catedral Anglicana do Mediador e Arquiteto
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil
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“Nós somos Madeira-de-lei que cupim não rói...”
Foi o Iluminismo do século XVIII na Europa que depreciou aquilo que
entendemos por Tradição. A tradição e costume sempre foram a “essência”
da vida das pessoas durante a maior parte da história humana. Há infindáveis
discussões sobre modernidade e pós-modernidade, mas poucos refletem
sobre a tradição. As raízes lingüísticas da palavra tradição são antigas e têm
origem no latim tradere, que significa transmitir, ou confiar algo aos cuidados
de alguém. A Tradere surge originalmente no contexto do direito romano, em
que se referia as relações de herança. Uma propriedade poderia passar de
uma geração para outra, dada em confiança, para protegê-la e provê-la.
Hoje, o conceito de tradição se rendeu a modernidade como algo
arcaico e sombrio, e que impede a manifestação do “novo”. Engano. A grande
verdade é que as tradições são inventadas e reinventadas. Tradições devem
nos levar a muitos lugares, não podendo ser vista por nós como uma tolice.
Tradições e costumes sempre foram inventados por um conjunto
diverso de raízes. De fato, as tradições mudam. A idéia de que a tradição é
impermeável, é mítica. Tradições evoluem ou não ao longo do tempo, e
podem ser alteradas ou transformadas de forma sumária também.
Uma tradição completamente pura é algo que jamais vai existir.
A persistência ao longo do tempo, não é a “pedra de toque” que define
a tradição. Tudo depende simplesmente daquilo que torna a tradição um
patrimônio, aquilo podemos chamar de Povo, Pessoas, grupos, o Coletivo...
Isso nos remete a celebração dos 106 anos da presença Anglicana em
Santa Maria. História que se funde com a própria história de uma cidade com
148 anos. Celebramos uma caminhada, uma tradição, uma comunidade.
Aliás, os anglicanos são vistos como guardiões de uma igreja “tradicional” ao
moldes do olhar moderno, entretanto, sempre nos cabe a responsabilidade de
sermos
“tradere”
na
raiz
da
palavra,
e
nos
preocuparmos
com
a
“transmissão” do Evangelho de Cristo, com aquilo que confiamos às próximas
gerações, e com a consciência de proteger e promover o que nos é dado. Isso
vale para toda família de fé. Inclusive a sua, você que lê este artigo.
No
entanto,
defender
a
tradição
significa
muito
mais
que
ser
“envernizado”. Defender uma tradição é muito mais que ser guardião da
“rigidez”. Defender a tradição é lutar contra o esvaziamento do que é
essencial, para que não nos tornemos comercializáveis. Defender a tradição é
aceitar o diferente, o novo, sem perder identidade.
Queremos alertar que o declínio da tradição nos leva ao individualismo,
a solidão e a dependência dos vícios. De fato, sentimentos que não são
partilhados levam o ser humano a uma autonomia engessada e solitária, que
é o carro chefe do modelo de sociedade que temos.
Nas comunidades de fé também não é diferente, o Deus que é “Pai
Nosso”, passa a ser um Deus pessoal e privado. Como muitos dizem: “o meu
Deus”...ou “Pai meu”.
Depois de 106 anos de tradição, devemos e queremos ser tradere.
Defender a tradição de maneira não sitiada. Tradição defendida de maneira
sitiada é fundamentalismo.
Hoje,
numa
sociedade
de
crendices
religiosas,
messianismos,
proselitismos imperantes, mercadologia da fé, deuses pessoais, torna-se um
desafio a todas as Igrejas defender a tradere cristã com a criatividade, com a
poesia, com a arte, com a música, com a paixão, com a comunhão, com a
esperança...! Com unção!
Identidade só se baliza e se fortalece com tradição!
Parabéns a todos que são cristãos por conversão, reformados por
opção, e anglicanos por tradição nesta cidade.
Parabéns Catedral Anglicana do Mediador!
Deixo-vos
as
marcantes
palavras
de
um
poeta
e
compositor
pernambucano, o saudoso “Capiba”:
“E se aqui estamos cantando esta canção / Viemos defender a
nossa tradição / E dizer bem alto que a injustiça dói / Nós somos
Madeira-de-lei que cupim não rói...”.
Fábio Vasconcelos
Deão da Catedral Anglicana do Mediador e Arquiteto
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil
[email protected]
Nem Cabral descobriu, nem Henrique fundou...
Com a chegada do calor santamariense não pude me furtar de minhas
lembranças praieiras... Um bom camarão e uma geladíssima água–de–coco à
beira-mar do belíssimo litoral sul do "Leão do Norte". Areias quentes que um
dia presenciaram a chegada de navegadores europeus no final do século XV.
Então me veio à mente figuras históricas, fatos reais e fatos oficiais.
Rapidamente pensei em Vicente Yañez Pinzón, um desconhecido em nosso
país. O navegador espanhol, filho de próspero comerciante e irmão de dois
valorosos navegantes, que, segundo dados históricos, até salvou a vida de
Cristóvão Colombo em sua famosa viagem de 1492, conforme relatado no
livro "Vicente Pinzón e a Descoberta do Brasil", do jornalista Rodolfo Espínola,
fonte rica em informações e pesquisa. Vicente esteve em praias brasileiras
em janeiro de 1500, onde segundo alguns, desembarcou no "Cabo de Santo
Agostinho" - águas quentes do litoral sul pernambucano.
Êpa! Mas como? Não foi Pedro Álvares Cabral que descobriu o Brasil?
...Parece que os fatos oficiais nunca se abraçam com os fatos reais.
Em termos relativos, isso depende tão somente do nível de seriedade
que dermos à educação e à pesquisa em todos os campos do conhecimento.
Acho que quanto mais crescer a conscientização social, política e jurídica de
nosso povo, mais exigentes seremos em valorizar a pesquisa isenta, real.
O mestre Ariano Suassuna nos alerta que temos dois países: O "Brasil
oficial" e o "Brasil real".
Em qual situação nos sentimos melhor? O quanto de nós é oficial ou o
quanto de nós é real?
Lembrei também de uma freqüente afirmação histórico-oficial que
minha professora de história fazia nos meus tempos de banca escolar. A
afirmação de que a Igreja Anglicana fora fundada pelo rei Henrique VIII da
Inglaterra, pois queria separar-se de Catarina de Aragão e casar com Ana
Bolena em busca de um herdeiro varão para a casa dos Tudor.
De fato uma das perguntas que sempre se faz a um anglicano é: "Qual
a origem da igreja anglicana?".
A resposta encontrada nos livros didáticos de história é oficial e não
real. Henrique não poderia fundar algo que já existia, assim como Cabral não
poderia descobrir algo que já fora antes descoberto.
As igrejas históricas conservam suas origens na expansão do
cristianismo primitivo e na tradição apostólica. Acredita-se que o cristianismo
chegou à Inglaterra no século III com os legionários, mercadores, soldados e
administradores do império romano. Sabe-se que já no Concílio de Arles, ao
sul da França, três bispos britânicos participaram representando aquela
região. Contudo, depois da destruidora invasão dos Anglo-saxãos na Grãbretanha surge um cristianismo monástico, que se funde com as tradições
Célticas locais, dando origem a então chamada "Igreja Celta", tendo Patrick e
Columba como líderes de expressão na igreja, e a abadia da Ilha de Iona
como grande centro de produção intelectual e religiosa. Já nesta época eles
tinham o calendário litúrgico diferente da igreja do continente, e até
comemoravam a páscoa em outra data. Só em 597, o papa Gregório Magno
envia uma comitiva de 40 monges chefiada por Agustinho (não confundir com
o de Hipona) para "romanizar" a igreja que lá já expressava a fé cristã com
suas particularidades. Essa tentativa não foi bem aceita e sempre causou
problemas. Durante séculos a parte inglesa da igreja julgava necessário
resistir à antiga intromissão papal.
O fato real é que o controverso Henrique VIII não fundou uma nova
igreja, mas simplesmente separou a Igreja que já existia na Inglaterra da
tutela e controle dos romanos por razões políticas, econômicas, religiosas e
pessoais.
Separada e independente a Igreja da Inglaterra abraçou a Reforma
Protestante, adotando e elaborando um caráter de via média entre a tradição
dos pais da igreja (patrística e escolástica) e a tradição protestante. Hoje, há
um conjunto de províncias - igrejas nacionais ou regionais - que formam a
grande família da Comunhão Anglicana (não confundir com Igreja da
Inglaterra – que é apenas mais uma província da Comunhão). Estas
Províncias estão em comunhão com a Sé de Cantuária na Inglaterra e
possuem em comum uma história, uma espiritualidade, uma liturgia, um
ethos. Cada Província é autocéfala – mas trazem consigo um enorme poder
espiritual e representativo dentre os 95 milhões de fiéis.
Assim, uma das marcas da Comunhão Anglicana é o seu ethos
inclusivo, compreensivo e diverso. Isto significa que os anglicanos optam por
manter uma espécie de "caminho do meio" entre Roma e Genebra.
Dentro do anglicanismo existe a explícita e consciente tomada de
posição por se manter a Tradição Católica (universalidade) da Igreja, ao lado
da Tradição Protestante. O anglicanismo não nega os séculos de tradição que
recebeu da patrística e da escolástica, mas também não rejeita o sopro
renovador trazido pela Reforma Protestante do século XVI.
Diante deste calor de primavera, tenho a certeza de que esse histórico
é de fato real.
Entretanto,
ainda
continuamos
festejando
Cabral
e
seu
"descobrimento", "desconhecendo" a Igreja de Henrique, e "difundindo"
tantos outros fatos oficiais em detrimento aos reais...
Em qual situação nos sentimos? O quanto de nós é oficial ou o quando
de nós é real?
Enquanto isso, vou sonhando com
camarãozinho neste "real" calor...
minha
água-de-coco e meu
Fábio Vasconcelos
Deão da Catedral Anglicana do Mediador e Arquiteto
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil
Artigo de 13-10-06, publicado na coluna semanal do autor no Jornal
santa-mariense A Razão.
Francisco de Assis e o Rabo-de-Arraia
No dia 04 de outubro o mundo celebrou o Dia Internacional dos Animais,
como também lembrou-se a memória de Francisco de Assis – dia de sua
morte
–
como
uma
das
maiores
expressões
de
vida
contundente
da práxis cristã, no que se refere à responsabilidade e zelo de nossos
relacionamentos. A imagem de Francisco está modelada na figura do frade
que alimentava e conversava com as aves, amava e protegia os animais,
baseando sua vida no amor por todas as criaturas de Deus.
Os animais, segundo os paleontólogos, surgiram no período Cambriano –
cerca de 500 milhões de anos atrás. Mas hoje claramente são sinônimos de
"estimação" e "mundo selvagem", de extinção e preservação, de "Pet
Shop´s" e exploração animal. Uma série de contrastes que servem de
exemplo de como o homem se relaciona com os animais, com os outros e
consigo mesmo.
Como não lembrar da quase extinto urso panda asiático, que ainda
resiste em um número de mil em todo o mundo, caçados por sua carne e
pele? Como não lembrar dos raríssimos, e ainda caçados, mico-leão dourado
e ararinha azul? E das 208 espécies que o Brasil tem a caminho do
desaparecimento da face da terra? Entretanto, no caminho inverso disso,
existem animais que são tratados como reis e rainhas. Com direito a comida
especializada, psicólogos, banhos de "ofurô" e muito mais...
Há quem diga que isso é fruto da superficialidade das nossas relações
afetivas humanas; e sobra para tudo para os animais...
O que Francisco diria disso tudo?
Dias atrás lembrei de um fato trágico-histórico testemunhado na grande
Recife no ano de 2000. Um menino fora devorado num circo por dois leões na
frente de dois mil espectadores, que viram atônitos os animais estraçalharem
a criança por minutos, até a morte. Foi um horror... Depois fiquei sabendo
por minha esposa, que é veterinária, que na necropsia do HV encontraram
indícios de que os animais estavam mal alimentados e famintos.
O que é que aqueles leões estavam fazendo ali? Por que eles não
estavam no seu habitat natural? Às vezes precisamos enjaular para nos
satisfazer com o outro... Jaulas são coisas inventados por humanos...
Hoje o circo está de formato novo; ele é televisivo. O domador de
animais agora é um "showman", ele é que vai até o "mundo selvagem". Lá
eles "domam" de frente para as câmeras para milhares de telespectadores.
Eles são "bonzinhos" agora. Manipulam, estressam os animais, os sacodem,
os balançam, os colocam no pescoço, e enfiam a cabeça na boca dos mais
venenosos e perigosos, mas não enjaulam nenhum. Fazendo-nos quase
acreditar que animais selvagens aceitam naturalmente as manipulações em
seu habitat ante as jaulas do passado. Até o dia em que encontram no
caminho os rabos-de-arraia...
No mês passado um destes domadores, o "caçador de crocodilos", Steve
Irwin – famoso por expor seu filho de poucos meses de idade a um crocodilo
feroz - morreu numa das suas aventuras tele-circenses. Enquanto perseguia
uma arraia touro numa grande barreira de corais australiana foi alvejado no
coração pelo aguilhão do rabo do animal.
O que é que aquele homem estava fazendo ali? Por que ele não estava
no seu habitat? Sua vida terminou sumariamente num rabo-de-arraia...
Nossos relacionamentos com os animais por vezes refletem a nossa
incapacidade
de
nos
relacionarmos
pacificamente
entre
nós
mesmos.
Enjaulamos, escravizamos, manipulamos, domamos, "petficamos" pessoas,
estressamos, desrespeitamos espaços alheios e invadimos sem pedir licença.
É certo que neste mundo da "pós-modernidade" estamos carentes de
nosso semelhante, mas ao mesmo tempo o alvejamos, e somos ferroados,
por rabos-de-arraia. Uma Crise braba...!
O que Francisco diria disso tudo?
Ele certamente diria: "Ó Mestre, fazei com que eu procure mais consolar,
que ser consolado; compreender, que ser compreendido; amar, que ser
amado; pois é dando que se recebe; é perdoando, que se é perdoado; e é
morrendo que se vive para a vida eterna".
Artigo publicado dia 06-10-06 na coluna semanal do Jornal A Razão.
Rev. Fábio Vasconcelos
Deão da Catedral Anglicana do Mediador
Transfigurar é ofuscar com o Amor
Ref.: Ex 34:29 - 35; Salmo 99; II Pe 1: 13-21; Lc 9:28 - 36
Como podemos olhar para a marca da Transfiguração de nosso Senhor
Jesus Cristo? Passados seis meses de trabalho, agora nós ouviremos a
mesma lição presente no último domingo da Epifania, porque de há seis
meses nós ouvimos este texto, como uma mensagem da manifestação divina
entre os povos. Agora, o evento da transfiguração é recortado, recordado e
selado
no
domingo
reservado
em
nosso
calendário
litúrgico
para
a
"Transfiguração do Senhor". Nós celebramos esta festa no dia 6 de agosto,
data essa reservada para a reflexão e memória deste evento.
Entretanto, o dia 6 de agosto também lembra à humanidade que
aproximadamente há sessenta anos atrás a força aérea americana lançou
uma bomba atômica sobre a cidade de Hiroshima, Japão - um evento
profundamente dramático que mudou para sempre o mundo. Este cataclisma
liberou tanta energia que o céu azul daquela cidade foi transfigurado em uma
luz branca resplandecente e ofuscante de uma intensidade nunca antes
testemunhada. Para alguns japoneses que testemunharam esse fato na
época, relembram dele como se o próprio inferno tivesse cruzado com a terra
naquele dia. Cerca de setenta mil pessoas foram aniquiladas imediatamente e
outras incontáveis foram feridas fatalmente. Por mais de seis décadas nós
convivemos com a realidade de que os seres humanos têm a capacidade
destruir a si mesmo, seu semelhante e a toda criação de Deus. Este é um
exemplo extremo, dramático de como nós na terra podemos tratar o nosso
semelhante, como terrivelmente podemos nos transformar em destruidores
quando somos ameaçados. Facilmente nós podemos esquecer do propósito
para o qual nós fomos criados, apesar do Senhor de nossas vidas desejar a
nossa reconciliação para com nossas relações quebradas.
Esse fato histórico ilustra como é fácil para nós pervertermos as energias
que o Deus criou. Somos realmente bons nisso...
Embora o bombardeio de Hiroshima tenha acontecido somente uma vez,
sua memória mantém viva a ameaça trazida pela existência de tais armas de
destruição. Por um momento nós pudemos esquecer, mas sua realidade
agressiva nunca estará longe do repouso de nossos corações. Nosso mundo
vive agora no medo de ser mundo, na frustração de ser um mundo "pacífico"
e na agonia decorrente das intenções de outros países em desenvolver sua
potencialidade em empregar o poderio destrutivo das armas nucleares.
Talvez não contemplemos nada de novo sobre estas intenções há
décadas. Talvez esta seja apenas o exemplo da uma tendência histórica do
ser humano empregar o mal à tecnologia. Neste sexto dia de agosto de 2006,
lembremos em nossas orações da existência em nosso mundo de muitas
armas nucleares suficientes para matar todos os seres humanos várias vezes.
Podemos reconhecer que o desenvolvimento científico alcançou o ponto por
meio do qual nós podemos literalmente negar finalidades do Deus. Viver a
vida com VIDA!
No evangelho de Lucas no capítulo 9, verso 36, entretanto, nos lembra
de uma realidade mais profunda — esse nosso Deus insiste sempre em ter a
ÚLTIMA PALAVRA.
No texto recordamos que no monte Tabor, Jesus foi envolto por um
molde branco de luz resplandecente e ofuscante, e que o nosso Deus insiste
na transfiguração de qualquer natureza decadente em natureza restaurada;
em resgate.
O nosso Deus não deixará os "infernos de Hiroshima" sejam as últimas
palavras em nossas vidas. O nosso Deus não deixará o egoísmo e a crueldade
vença a batalha contra o amor que há dentro de nós. O poder da
transfiguração é a ação da graça transformadora de Deus na vida de todo ser
humano que crê na encarnação do Verbo feito carne.
Infelizmente, os líderes "fatigados e sobrecarregados" do mundo em
nossa pequena comunidade global são temidos pelos seus grandes poderes,
mais do que todos os povos que eles representam. O poder da ser humano
em destruir e desumanizar o outro é sempre prioridade neste sistema
maligno em que vivemos.
Mesmo assim somos encorajados a descer o monte e anunciar o amor
em Cristo Jesus. Os cristãos verdadeiros sabem que ao lado do poder destruir
está o poder do Deus que nos inspira e nos comissiona a resplandecer a luz
do amor e do resgate do humano — uma força que se levanta na consciência
humana, atravessando as juntas e ligaduras, e desencadeando o poder
reluzente e ofuscante do Amor de Deus que pode transfigurar em nós.
Nós sempre recordaremos o dia 6 de agosto de 1945 com a imagem da
"nuvem cogumelo" sobre Hiroshima. Mas os cristãos que recordam que 6 de
agosto é também a festa da Transfiguração de Cristo sabem,
demasiadamente, que uma outra nuvem veio sobre a nossa morada aqui na
terra. É a nuvem do monte Tabor, em que a voz do Deus todo poderoso nos
lembra todos os dias que Jesus é o Deus - Kyrius - escolhido, a quem nós
devemos ouvir!
Pelo poder de Deus nós podemos ser transformados na semelhança de
Cristo — restaurando a unidade com Deus e com nosso próximo e com a
criação,
unindo
no
amor
do
Deus.
Pela
transformação,
no
poder transfiguração do Deus, a humanidade pode girar a direção do seu
leme navegando para longe do inferno branco, como foi o de Hiroshima.
Mas depende de nós. Há dois mil anos Ele fala e poucos ouvem.
Pelo poder de Deus, em todo nosso testemunho ofuscante do Seu Amor,
nós podemos enfrentar um futuro de bênçãos na nossa vida e na terra,
escutando ao escolhido de Deus e o seguindo na nova proposta de vida que
Ele nos anuncia...
Fala Senhor, queremos Te ouvir...
Rev. Fábio Vasconcelos
Deão da Catedral
25 de julho de 2006 AD.
São Tiago, apóstolo.
Pentecostes não é Babel...
Ref.: Gn 11:1-9; At 2:1-11; I Co 12:4-13; Jo 20:19-23
"… Cada qual os ouvia falar na sua própria língua…". Atos 2:6
É o costume em algumas igrejas no dia da festa de Pentecostes a prática
de apresentar as leituras dos textos bíblicos ou do Evangelho referentes ao
dia em múltiplas línguas. Dependendo sempre dos presença de leitores, e é
claro, entre os membros da comunidade paroquial que tenham habilidade em
falar língua estrangeira. Por exemplo, se alguém tem descendência espana
pode ler o texto, ou parte dele em espanhol. Outros podem juntar-se as
leituras com seu francês, inglês ou com seu alemão "arranhado", seu polonês,
italiano ou até quando for imigrante falando na sua língua nativa, e assim por
diante. A idéia naturalmente é lembrar a todos do dia de Pentecostes em
Jerusalém há aproximadamente dois milênios atrás, quando os povos de cada
nação estrangeira ouviram os discípulos proclamar a Boa Nova na língua
nativa de cada um, como propõe a leitura do livro de Atos dos Apóstolos
capítulo 2.
O único problema com essa idéia, é que o efeito final causado por vezes é
mais uma Babel do que de um Pentecostes. É uma verdadeira
confusão...ninguém entende nada.
Você deve se recordar da torre de Babel no livro do Gênesis capítulo 11:19. Uma história do orgulho do humano em tentar alcançar os Céus com seu
próprio poder e da resposta ou da reprovação de Deus que leva aos que
estavam presentes no episódio a sair pelo mundo inteiro confundidos em
línguas. O texto de Gêneses nos aponta para a percepção de que sempre a
compreensão e a cooperação entre os seres humanos foram ações difíceis de
serem postas em prática. Essa história é antiga...
Nosso mundo ainda está "confuso em línguas"... O que pode ser mal
entendido será entendido mal e pronto. Até o próprio Pentecostes pessoal de
cada um de nós pode ser vítima de um mal entendimento por alguns.
Recentemente um membro antigo de nossa comunidade se referiu ao Espírito
Santo como "...esse Ilustre Desconhecido...". Isso leva-nos a refletir sobre o
nosso relacionamento íntimo com essa Pessoa da Santíssima Trindade, a qual
é desconhecida para alguns de nós.
No entanto, a torre de Babel é uma parábola de nosso "primeiro ruído"
dentro da cultura das relações e da falha de nos comunicar sadiamente com o
nosso semelhante. É mais do que uma explanação mítica das diferenças entre
nações e línguas, é uma descrição da própria condição humana.
Nós, freqüentemente, não compreendemos o outro mesmo quando
falamos a mesma língua. Parece que em todos nós remanesce uma
inabilidade fundamental de aceitar as diferenças entre nós, em nossas
relações, e naquilo em que cremos. O que cremos sempre é o melhor para os
que ainda não falam a "nossa língua".
Mas será que foi realmente Deus que nos dispersou, que fez-nos
estrangeiros em nossa própria terra e às vezes em nossa própria mente?
Será que foi realmente o Senhor que confundiu nosso discurso e nos tornou
surdos para nossos erros, nossos pecados? Ou a Babel talvez apresente para
nós uma alegoria de como a humanidade se esqueceu da Gramática da Graça
e do Vocabulário de Deus.
Em Babel, os povos em seu orgulho construíram uma torre para alcançar a
Deus e os Altos Céus, e o Senhor dispersou a todos. Lamentavelmente,
aqueles povos pouco compreenderam como era tudo desnecessário. Como
um Deus de caráter sempre "transdescendente" – que se inclina para nos
alcançar ao chão – está sempre mais disposto a vir para baixo e juntar-se a
nós, do que nós podemos a alcançar os Céus por nossos próprios
empreendimentos e esforços.
Como perdemos tempo... Nem sempre abrimos o nosso coração para que
Ele nos encha do seu Espírito Santo; da sua presença; do seu Shequinah.
Em Pentecostes, o Espírito do Deus desceu sobre os discípulos,
descansando em cada um deles e desse modo trazendo entendimento e
compreensão a todos, juntando um a um e aquecendo seus corações. Os
discípulos começam naquele dia um curso prático de "audição" na língua de
Deus.
É justo dizer que após Pentecostes os dias de Babel estão contados para a
humanidade. As grandes diferenças entre nós, reações a comunicação e ao
diálogo, reações a cultura e raízes de outrem, reações a condição de riqueza
e pobreza do próximo, são dispersadas nas arremetidas de um "vento
violento e impetuoso" que ainda sopra no nosso meio. Como nos mostra o
livro de Atos dos Apóstolos, que as diferenças estão queimadas e consumidas
pelas lingüetas do fogo do Consolador.
Não importa se agora nós somos os Pardos, Medos, Elamitas,
Mesopotâmicos, Judeus, Capadócios, Asiáticos, Frígios, Panfílios, Egípcios,
Libaneses, Cirineus, Romanos, Cretenses, Árabes, Polacos, Gaúchos,
Nordestinos ou os Brasileiros de hoje. O Pentecostes inaugurou uma nova
possibilidade para nós, por nós e através de nós.
Mas por que nós ainda não nos compreendemos? Por que todos não falam
a mesma língua? Ou pelo menos compreendem o mundo pela gramática da
Graça? É a promessa de Pentecostes vazia ou sem sentido?
Essas são boas perguntas. O que aconteceu em Pentecostes é importante
para quem é seguidor de Cristo, mas a realidade de Pentecostes é
efetivamente universal. Os discípulos não se dirigiram aos crentes somente,
mas a povos do mundo conhecido da época, e falaram em uma multiplicidade
das línguas. Mas o que disseram fez e faz sentido até hoje. O que falaram
não gerou nenhuma dúvida, pois expressaram a língua da Paz, da Cura, como
tinham aprendido de nosso Senhor Jesus Cristo: "A Paz seja convosco!".
Estas são palavras que podem ser compreendidas por todos nós.
Talvez a maior maravilha do dia de Pentecostes foi que os povos reunidos
em Jerusalém ouviram cada um deles e compreenderam a mensagem do
Evangelho e não somente em hebreu, aramaico e grego, as línguas comuns
daquele tempo e lugar, mas na língua do coração humano: o Vocábulo de
Deus.
Certamente todas as nações e povos buscam ouvir palavras de Perdão, de
Paz e da Cura. Mas nós não vivemos em um mundo que gosta de escutar.
Freqüentemente, nós ouvimos o que nós queremos o ouvir e chamamos isso
simplesmente de linguagem de Deus, quando devemos chamar de linguagem
estrangeira.
Assim, se nossas vidas, nossa igreja e o nosso mundo estiverem mais
cheios de "vazios" de que do "Hálito de Deus", nossa bola vai ser sempre
"murcha". Talvez por não estarmos fazendo um exame do nosso momento de
escutar.
Aprendemos a língua do Espírito? Conhecemos a ela? Reconhecemos a
ela?
Nós podemos estar satisfeitos com nossas orações pontuais aqui e ali
junto com nossos familiares, amigos ou na igreja aos domingos. Mas o
diálogo com Deus é também uma fala íntima e diária, envolvida no calor do
seu "Hálito" (Ruach).
Paulo nos diz na sua carta aos cristãos de Corinto que "há uma variedades
de Dons, mas o Espírito é o mesmo". "E há uma variedade ministérios, mas o
Senhor é o mesmo. E há uma variedade das atividades, mas é o mesmo Deus
que opera tudo em todos.".
O Espírito Santo, embora um, jamais poderá ser monocromático ou
enlatado. Ele está na manifestação do Seu trabalho e propósito em nós, para
nós, e por nós, sempre fresco, sempre novo, esperando para ser traduzido na
língua de nossas próprias vidas.
Devemos fazer um esforço para aceitar o outro, não importa quão
diferente ou estrangeiro ele seja, para assim compreendermos a língua do
nosso Deus. Mesmo quando "o outro" venha a ser o próprioParakleto.
Somente assim veremos a Babel transformar-se em Pentecostes.
O Espírito usou o discurso dos discípulos em Pentecostes remodelando e
dirigindo em novidade de vida as vidas daqueles que escutaram suas
palavras.
Assim, que o Espírito Santo de Deus neste Pentecostes remodele em nós a
preciosa maneira de ouvir a "gramática de Deus" e seu "vocabulário", sem
que este esteja em nós e entre nós como apenas um "Ilustre Desconhecido".
Rev. Fábio Vasconcelos
Deão da Catedral do Mediador
03 de junho de 2006 AD.
Lucien Lee Kinsolving (1º Bispo residente da IEAB)
Ainda com os olhos fitos no Céu...
Ref. At 1:6-11
A festa da Ascensão e o celebrativo e pouco "experimentado" tempo de
Pentecostes nos fazem pensar sobre a transição da missão de Jesus Cristo para
a missão do Espírito Santo. Com a Ascensão, termina o tempo da vida terrena de
Jesus Cristo. Com o Pentecostes, começa a missão do Espírito Santo entre nós e
através de nós. As duas referências históricas trazem como missões o fato de
complementarem-se na sua contribuição conjunta dentro de uma nova vida a
partir da conversão, ofertando assim o imprimir do dinamismo de salvação que
Deus desejou e deseja desenvolver no decorrer da história humana.
As duas missões de tal modo se complementam que deveríamos procurar vêlas, não como duas missões separadas, mas como duas facetas da mesma
missão.
Jesus Cristo viveu num espaço geográfico e num tempo histórico particulares:
viveu na Palestina, há cerca de dois mil anos. Mas, ao mesmo tempo, proclamou
uma mensagem de significado universal e que, por isso, vale para todos os
tempos, todas as pessoas e todos os lugares, vale para todas as situações onde o
ser humano faz a sua vida.
O ser humano relaciona-se com Jesus, não de um modo abstrato, mas de forma
concreta e palpável. Tem que ser uma experiência de vida e não uma filosofia de
vida. Experiência que nos move para frente e nos trás Paz apesar de todas as
coisas; Paz "apesar de...".
Diante da presença do Espírito Santo, temos mais que um desafio! Como é que
a pessoa e a mensagem de Jesus Cristo hão de chegar a todos os lugares e a
todos os tempos se não for através da missão do Espírito Santo em nós e através
de nós. Este é que dá a conhecer o rosto e o cheiro de Jesus a todos os seres
humanos, categoricamente a nós, mergulhados nas circunstâncias concretas da
nossa vida.
O Espírito Santo, que na Sagrada Escritura se descreve como sopro (ruach) - o
hálito de Deus - é que nos ajuda ao encontro entre a pessoa de Jesus Cristo e o
coração humano encarnando-a em cada contexto histórico e pessoal de nossas
vidas. Podemos afirmar também que o homem e a mulher, o jovem e o idoso, o
rico e o pobre, terão modos diferentes de compreender e experimentar do sabor
de Deus que está na pessoa e na obra de Jesus. Entretanto, estes diversos modos
de captar Jesus Cristo não têm necessariamente que se contradizer entre si, mas
podem complementar-se no sentido de tornar visível ao mundo o rosto universal
de Cristo.
O acontecimento central da vida de Jesus Cristo é o seu mistério pascal, isto é,
o mistério da sua paixão, morte, ressurreição e ascensão. E este acontecimento
central, tal como os outros elementos da sua vida, têm de ser dado a conhecer ao
mundo inteiro. Através da ação do Ruach a pessoa de Cristo ressuscitado é
engrandecida ao ponto de se aproximar duma dimensão que excede o
entendimento humano...
A missão do Espírito Santo acontece tocando e enchendo consciências e
corações humanos, movendo as nossas próprias vontades da direção do Reino de
Deus.
Os primeiros cristãos, impelidos pela descida do Espírito Santo sobre eles,
tinham um profundo sentido de comunidade e ousadia na expansão do Reino.
Hoje, sentimos em alguns muitas vezes, a falta do sentido de pertencer a uma
comunidade cristã, a falta de vivência conjunta da fé cristã.
Não será isto sintoma de pouco cultivo da relação com o Espírito, da pouca
atenção à sua presença em nós e entre nós, da pouca experiência com Ele, da
pouca fidelidade aos seus apelos para tomarmos certas decisões e percorrermos
certos caminhos?
Talvez ainda estejamos "com os olhos fitos no Céu", tentando ver Jesus elevado
entre as nuvens, e parece que não entendemos que o próprio Jesus nos
comissionou a receber Poder ao descer o Espírito Santo sobre nós, afim de que
sejamos testemunhas até os confins da terra... E talvez ainda os Anjos de Deus
continuem nos perguntando o porquê de nós ainda não buscarmos o que nos é
dado... (At 1:6-11).
O Espírito Santo ajuda-nos a aprofundar a nossa relação com Jesus Cristo
através do trabalho que nos é dado e com Deus em seu sobro de amor.
Para muitos o olhar para o céu é uma desculpa para não aquecer os corações
com o hálito de Deus e descobrir quais os dons e o chamado ministerial que Deus
sela em nosso coração. E assim ficam presos notempo da ascensão e esquecendo
que estamos no tempo do pentecostes. O tempo da igreja! Agora é conosco!
Compete-nos, pois, colaborar com o Espírito Santo e nos relacionar com ele
também, pois Ele é uma pessoa. A terceira pessoa da Santíssima Trindade. Para
isso, precisamos descobrir que ele sopra e por onde sopra em nossas vidas,
perceber os seus apelos dentro de nós ou, então, através das outras pessoas e
também nos acontecimentos. Ou seja, precisamos cultivar as ATITUDES DE
ORAÇÃO, para encontramos o discernimento das coisas de Deus.
Quanto tempo temos separado para oração? 5 minutos, 10 minutos, 1 hora, 3
horas, várias horas? Ou segundos que mais parecem generosidades nossas diante
de um Deus que "precisa" nos ouvir?
Temos que orar e buscar o que Jesus nos manda; a relação preciosa e pessoal
com o Espírito Santo de Deus.
No meio das realidades da vida de hoje, do ritmo exigente dos nossos dias,
precisamos organizar espaços e tempos de serenidade, para tentar perceber o
cheiro e o Dinamus do hálito de Deus.
O Espírito Santo leva-nos ao encontro das nossas necessidades, das
necessidades do mundo, designadamente daquele que está à nossa volta, no
ambiente no qual habitualmente nos movimentamos e no qual somos capacitados
para intervir.
Deus não chama os capacitados, ele capacita os chamados...
Ele está nos chamando e dizendo: vão e recebam o Poder ao descer sobre vós o
Espírito Santo... e sede minhas testemunhas!
Agora, somos filhos e filhas em plenitude. Agora, compete-nos ser aquilo que
Cristo foi quando cá esteve: filhos de Deus encarnados, com toda a carga de
autonomia, criatividade, capacidade, autodeterminação que essa condição traz.
Resta-nos escolher se vamos ficar com os olhos fitos no céu, ou se vamos para
Jerusalém...
Rev. Fábio Vasconcelos
Deão da Catedral do Mediador
25 de abril de 2006 AD. - São Marcos, Evangelista
A Páscoa em Cristo é Nova Vida
Ref. Ex 12:3 - Gn 15: 13,14 - Jo 8:32-36 - Jo 3:16
Jesus é a nossa Páscoa. O termo "páscoa" deriva da palavra hebraica
"pessah", que significa passar por cima, pular além da marca ou passar sobre
(atravessar). Quando Deus ordenou ao anjo destruidor que eliminasse todo
primogênito na terra do Egito, a casa que tivesse o sinal do sangue do cordeiro
não seria visitada pela morte (Êxodo 12:1-36). Os judeus passaram então a
celebrar a Páscoa (Pessah) comemorando a saída do Egito, a passagem para a
liberdade. A partir de Jesus, essa celebração foi substituída pela Ceia do Senhor,
com o pão e o vinho, em Sua memória. Não mais para relembrarmos a saída do
Egito, mas para estarmos sempre nos lembrando da liberdade que nEle há, da
Sua morte e ressurreição. A passagem de uma vida, para uma vida vivida em
"novidade de vida".
O Homem moderno, em suas muitas ocupações, tem se esquecido do
profundo significado da festa da Páscoa. Até porque, a versão secular desta data é
apenas comercial e não religiosa. Podemos lembrar dos significados que a páscoa
tem dentro do contexto escriturístico.
A Páscoa significa libertação. A Páscoa surge como a festa que marcava o fim
da opressão escravizadora de Faraó sobre o povo hebreu. A profecia a Abraão
revelava que seus descendentes ficariam sob o domínio de uma terra estranha
por 400 anos, mas que depois eles seriam libertados e sairiam com grande
riqueza (cf. Gn 15: 13,14). E isto de fato ocorreu, mas não antes que esta festa
fosse celebrada. E um pequeno detalhe, se esta festa era a festa da libertação,
porque então ela foi celebrada antes da libertação propriamente dita? Porque
Deus quis ensinar que o sacrifício expiatório, a fé e a nossa obediência precedem
a plena libertação, afinal, Israel não estava sendo liberto apenas do Egito, mas
também do Anjo da Morte. E isto implica que a libertação espiritual sempre
precede a física. Se o sangue do cordeiro não fosse derramado e aspergido sob os
umbrais da casa, o povo de Israel teria sido destruído pelo Anjo. A libertação da
páscoa reveste-se, portanto, de um caráter interior, por mostrar a necessidade
pessoal de libertação por meio da substituição. E um caráter prospectivo, porque
profetizava a libertação antes dela acontecer e prenunciava a obra messiânica de
Cristo.
Neste sentido, a Páscoa devia ser celebrado por nós com profunda reverência
e festa, afinal, Cristo é a nossa Páscoa. Sua vida foi posta como cordeiro que
sendo morto derramou seu sangue em favor de muitos. A nossa libertação
espiritual plena foi conquistada por Cristo, a nossa Páscoa. João Batista chamou
Jesus de "cordeiro de Deus" que tira o pecado do mundo (cf. Jo 1.29). O apóstolo
Paulo disse que ele é a nossa páscoa (1Co 5:7), e Ele mesmo prometeu a
libertação a todos quantos crerem nEle (cf. Jo 8:32-36 e Mt 11:28).
Aceitar o sacrifício de Jesus feito por nós como diz as Escrituras, é saborear
da páscoa, e estar no caminho da liberdade espiritual. A Páscoa dos hebreus os
libertou da escravidão, opressão, miséria e de seus pecados perante Deus. Esta
libertação aponta para o começo de uma nova vida, liberta de todos os seus
terrores e opressão.
Páscoa significa também salvação da Família. Observem que a promessa de
Deus era que por meio do sacrifício de um cordeiro e cada casa era salva do
destruidor. Faraó havia dito ao povo hebreu que eles podiam ir, mas sem os seus
filhos (cf. Ex 10:8-11). A Páscoa nos desperta para o fato de que a obra de Jesus
foi suficiente para conceder libertação também a nossa Família. O Senhor nesta
ocasião quer te despertar para o compromisso que você, pai, mãe e filho, tem
diante de Dele para com sua própria família.
Páscoa tem profundo significado para o cristão por representar a obra de
Cristo para a nossa redenção. Séculos depois a páscoa cristã, um dia tornar-se-ia
história na encarnação do Senhor. E a Páscoa hebraica era exatamente uma
antecipação figurativa da obra de Jesus no calvário. Observemos agora algumas
similaridades do cordeiro da Páscoa e de Cristo a nossa Páscoa.
1. A pureza
O cordeiro pascoal era separado no décimo dia de Abibe (abril) e examinado
minuciosamente antes do seu sacrifício no dia 14 de Abibe, pois o cordeiro tinha
que ser "... imaculado".
Quando Lucas registra a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém poucos dias
antes da crucificação, o faz exatamente na hora em que o povo estava trazendo
os seus cordeiros pascoais para serem examinados pelos sacerdotes. Segundo o
autor de Hebreus 7: 26 Jesus tinha que ser declarado "... Santo, irrepreensível,
imaculado, e inviolado pelos pecadores".
2. O exame dos sacerdotes
O cordeiro da Páscoa era submetido a um exame pelos sacerdotes que o
julgavam, com base no exame de sua perfeição, apto para ser sacrificado.
Quando lemos o relato de Mateus 22 do verso 15 ao 46, encontramos Jesus, o
cordeiro de Deus, sendo examinado pelos herodianos, saduceus, escribas e
fariseus e nenhum deles conseguiu achar nele nenhum defeito que o incriminasse
e eles mesmo ficaram sem condições de responder-lhe nenhuma palavra (cf. Mt
22:46).
3. Exame feito pelas autoridades civis
Em Jo 18:12, 28, encontramos Jesus sendo preso e levado ao tribunal na
casa de Caifás, e como era ocasião da páscoa, os judeus não podiam entrar no
tribunal para não se contaminarem, pois se assim fizessem não poderiam comer
da páscoa. Naquele momento também, os cordeiros pascoais estavam também
sendo examinados.
E Caifás queria evidências para o entregar a Pilatos, mas não as encontrou;
por isso, ao invés de apresentar ofensa, disse apenas que se Ele não fosse ofensor
não seria entregue (cf. Jo 18.29). Pilatos por sua vez, após ter examinado Jesus,
"... não achou nele crime algum..." (cf. Jo 19.4). E com estas palavras, o
veredicto legal e civil estava dado e três vezes Pilatos declarou que Jesus era
inocente (cf. Jo 18: 28; 19: 4, 6).
A lei dizia que o cordeiro teria que ser sem defeito algum, senão, ele não
poderia ser sacrificado ao Senhor (cf. Dt 15:21). Jesus foi achado sem defeito
diante de todos depois de profundo exame e só depois foi crucificado.
Tendo em vista que o sacrifício do cordeiro pascoal era suficiente para
justificar os hebreus diante do destruidor, o sacrifício de Cristo também foi
suficiente para justificar o homem diante de Deus contemplando a justiça divina.
Páscoa é a celebração da Nova Vida. A páscoa, como é comemorada pelo
mundo, não nos traz qualquer beneficio, mas quando entendemos que nossa
Páscoa é Cristo, então chega a hora de tiramos das reflexões e práticas
correlatas, muitas importantes lições.
Primeiramente aprendemos que se Cristo é a nossa páscoa, não faz sentido a
comemorarmos com ovos e nem coelhinhos, tampouco com sacrifico de animais,
mas através do sacramento ordenado por nosso Senhor Jesus Cristo, a Ceia do
Senhor.
"E disse-lhes: Desejei muito comer convosco esta páscoa, antes que padeça;
porque vos digo que não a comerei mais até que ela se cumpra no reino de Deus
e, tomando o cálice, e havendo dado graças, disse: Tomai-o, e reparti-o entre
vós; porque vos digo que já não beberei do fruto da vide, até que venha o reino
de Deus e, tomando o pão, e havendo dado graças, partiu-o, e deu aos seus
amigos, dizendo: Isto é o meu corpo, que por vós é dado; fazei isto em memória
de mim. Semelhantemente, tomou o cálice, depois da ceia, dizendo: Este cálice é
o novo testamento no meu sangue, que é derramado por vós." (Lc 22: 15- 20).
Neste episódio, ocorrido pouco antes da prisão e morte de Jesus, Ele introduz
naturalmente a Ceia como substituta da festa pascoal do Antigo Testamento. Se
observarmos, esta evidente que o Senhor não terminou a refeição pascoal antes
de instituir a Ceia, antes, a ceia está intimamente ligada à refeição pascal. O pão
que era comido com o cordeiro na páscoa foi consagrado para um novo uso pelo
Senhor e o terceiro cálice (cálice messiânico), que era chamado de cálice da
bênção, foi usado como segundo elemento na ceia. Desta forma percebemos que
a Páscoa vestiu-se de um novo significado na última ceia instituída por Jesus.
Ademais, os sacrifícios pascoais tinham significado simbólico e apontavam
para Cristo que haveria de ser apresentado em sacrifício para envergonhar a
morte. Quando este estava a ponto de ser morto e cumprir as escrituras e tudo
aquilo que estes sacrifícios pascoais prenunciavam há séculos, houve a
necessidade de mudar o símbolo e o tipo. Afinal, haveríamos de continuar
comendo cordeiros? Haveríamos de comer a carne de Cristo sendo Ele nosso
cordeiro pascoal? É claro que não.
Mas como então comemorar este ato memorável feito por Cristo senão
através da festa que ele instituiu, a santa ceia.
Aprendemos ainda que na ocasião da páscoa e da ceia, deveríamos meditar
na tão grande novidade de vida que Cristo a nossa Páscoa nos proporcionou.
Jamais deveremos esquecer o significado da páscoa e que foi por isto que
Jesus nos ensinou a Cear com a seguinte admoestação, "... fazei isto... em
memória minha...".
A memória deste acontecimento nos permite gozar da certeza da libertação
do pecado, da morte e da miséria interior na qual estávamos condenados a
aceitar, e nos permite olhar para o futuro com esperança, já que cada vez que
ceamos "anunciamos a vida, morte, ressurreição e ascensão do Senhor até que
ele venha". (I Co 11.26).
A nossa celebração da ceia pascal de Cristo, tão como foi a primeira
celebração da páscoa pelos Hebreus, prenuncia que Cristo é a passagem da velha
vida para uma nova vida. Hoje em Cristo, estamos comemorando, anunciando e
proclamando que ele virá estabelecer definitivamente o seu Reino, e até lá, nós
como igreja peregrina participamos com a ajuda do Espírito Santo da
"transformação dos reinos deste mundo no Reino de nosso Senhor Jesus Cristo".
Aqueçamos os nossos corações para a Páscoa!
Maranata! Vem Senhor Jesus!
Rev. Fábio Vasconcelos
Deão da Catedral do Mediador
26 de março de 2006 AD.
Santo Nome de nosso Senhor Jesus Cristo.
Cultivando por decidir... Decidindo por cultivar
Leitura: Atos 2:42-47
Sempre poderemos desenvolver uma comunidade saudável e forte que
viva de acordo com a vontade de Deus, e que desfrute de um crescimento
natural, se todos tivermos a ciência de que a tarefa é árdua para com os bons
relacionamentos cultivados e restaurados. Por isso ser Comunidade exige de nós
comprometimento.
É fato que somente o Espírito Santo de Deus pode alimentar uma
verdadeira comunhão entre os cristãos, mas isso só poderá brotar em nós através
das escolhas e dos compromissos feitos por nós.
A diferença entre visitar a igreja e ser membro da igreja está no
comprometimento. Visitantes são espectadores que ficam à parte; membros são
os que se envolvem com o ministério da igreja. Visitantes "absorvem"; membros
contribuem. Visitantes se beneficiam do que a igreja traz, sem participar da
responsabilidade da missão. Os membros de uma comunidade se relacionam com
a vida em comunidade.
Infelizmente, muitos de nós crescemos em famílias com relacionamentos
rompidos ou difíceis; então carecemos das habilidades relacionais necessárias
para nutrir uma verdadeira comunhão. Devemos ensinar e ser ensinados a lidar e
se relacionar com as outras pessoas da Família de Deus.
Felizmente, a palavra de Deus é repleta de instruções sobre como partilhar
deste cultivo. (At 2:42).
Mas se estamos cansados de uma comunhão fajuta, e o nosso desejo é de
viver verdadeiramente o cultivo de uma comunidade amorosa e sadia, teremos
sempre que assumir riscos e fazer algumas escolhas difíceis.
Reconhecemos que algumas características de cultivo sempre serão
necessárias para um crescimento saudável e o fortalecimento de uma
comunidade.
Cultivar uma comunidade exige sinceridade. Nós devemos sempre ter
uma grande dedicação a falar a verdade de uma forma carinhosa, mesmo quando
nosso desejo seja fazer o contrário. Muitas comunidades são sabotadas pelo medo
de falar a verdade em amor (Ef 4:15). Devemos acreditar que o amor sempre
enriquece a verdade a ser compartilhada. Entretanto, não temos por vezes a
coragem de falar em meio ao grupo com a franqueza amorosa necessária,
enquanto a vida de um irmão desmorona ao nosso lado... Muitas comunidades e
pequenos grupos permanecem superficiais por terem receio de conflitos. Isso
pode trazer uma falsa sensação de paz entre nós.
A verdadeira comunhão, seja no casamento, seja na amizade, seja na
igreja, depende de franqueza. A franqueza nos ajuda a crescermos em intimidade
uns para com os outros ao enfrentar e resolver nossas diferenças.
A Cura as relações exige franqueza e amor. A franqueza não é uma licença
para dizer o que queremos, onde queremos e sempre que queremos. Não é
grosseria. Palavras impensadas deixam feridas permanentes.
Somos convidados pelo apóstolo Paulo a tratarmos uns aos outros com o
carinho e a sinceridade que merecem os membros de uma mesma Família. (Gl
6:9-10).
Cultivar uma comunidade exige humildade. A presunção, o
convencimento e o orgulho obstinado destroem a nossa comunhão mais rápido do
que qualquer outra coisa.
O orgulho ergue muros; mas a humildade ergue pontes.
A humildade é um bálsamo que alivia e suaviza as relações humanas.
Entretanto, o orgulho obstrui a graça de Deus em nossa vida, nos impede de
crescer, de nos transformar, de nos sarar e ajudar os outros.
Essa é uma maneira tola e perigosa de se viver.
Assim, devemos desenvolver a humildade de algumas maneiras práticas
entre nós: admitindo nossas fraquezas, sendo paciente com a fraqueza dos
outros, estando abertos para a admoestação e pondo os outros em nossa atenção
pessoal.
A humildade não é pensar menos de si mesmo, mas pensar menos em si
mesmo. Humildade é pensar mais nos outros.
Os humildes concentram-se de tal forma no outro que exterminam o poder
nocivo do orgulho e da presunção. (Fl 2:3-4).
Cultivar uma comunidade exige cortesia. Somos corteses quando
respeitamos nossas diferenças, quando somos cuidadosos com os sentimentos
uns dos outros, e pacientes com as pessoas que nos irritam. Em toda igreja ou
grupo, há sempre pelo menos uma pessoa "difícil", e normalmente mais de uma.
Essas pessoas podem ter carências emocionais, inseguranças profundas, e
inabilidades sociais. Mas a nossa tolerância deve ser exercitada para com elas
sempre de forma generosa.
Talvez elas sejam uma grande oportunidade para nós crescermos em um
teste de comunhão. (Fl 4:5).
Será que temos conseguido amá-las como irmãos e irmãs, tratando-as
com dignidade? A verdade é que todos nós temos excentricidades e traços de
temperamentos por vezes irritantes; mas comunidade não tem nada que ver com
compatibilidade. O fundamento para a comunhão em comunidade é nosso
relacionamento com Deus e com o outro. Afinal, somos uma Família.
Um segredo para o exercício da cortesia é saber de onde as pessoas estão
vindo. Saber sobre sua história de vida e como chegaram até nós.
Quando sabemos pelo que elas já passaram, certamente seremos mais
compreensivos e moderados com elas. É também não subestimar as dúvidas dos
irmãos, respeitando as dificuldades, pois uma verdadeira comunidade se molda
quando as pessoas sabem que é seguro compartilhar seus medos e dúvidas sem
serem julgadas.
Cultivar uma comunidade exige sigilo. Somente em um ambiente
seguro, onde houver um acolhimento carinhoso e sigilo confiável, é que as
pessoas se abrirão e compartilharão suas mágoas, necessidades e erros.
Sigilo não significa a omissão diante do que destrói, separa e fere. Mas se
utilizar do sigilo negativamente é fofoca. (ITm 6:20-21).
Deus detesta a fofoca; principalmente quando é maldosamente disfarçada
como "pedido de oração" a favor de outros. A fofoca sempre causa mágoa e
discórdia; e isso destrói amizades e a construção de uma fidelidade saudável. A
confiança é a mãe das grandes ações.
Cultivar uma comunidade exige constância. Devemos manter um
contato constante e regular com nossa comunidade, a fim de desenvolver uma
preciosa comunhão.
Relacionamentos exigem tempo.
A Bíblia nos fala para não abandonarmos o costume de assistir as reuniões
da Família de Deus. Pelo contrário, devemos animar uns aos outros. (ICo 12:7).
Devemos desenvolver o hábito de estarmos juntos.
Hábito é algo que fazemos com freqüência, e não uma vez ou outra.
Temos que passar tempo com as pessoas – um bom tempo – para
estabelecer intimidade com os irmãos. É por isso que a comunhão é tão superficial
em muitas igrejas; não passamos tempo suficiente juntos, e o tempo que
passamos é usado normalmente para ouvirmos uma única pessoa falar.
A verdade é que uma comunidade não é construída de acordo com nossa
conveniência ("vou me reunir quando tiver com vontade"), mas na convicção de
que ela é necessária para nossa saúde e amadurecimento espiritual.
Se nós quisermos cultivar uma comunhão autêntica, isso implicará em
estarmos juntos mesmo quando não tenhamos vontade, porque acreditamos que
é sumariamente importante para nós.
Os primeiros cristãos se reuniam todos os dias: "Diariamente
perseveraram unânimes no Templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as
suas refeições com alegria... Louvando a Deus... Acrescentava-lhes o Senhor, dia
a dia, os que iam sendo salvos". (At 4:46).
Viver em comunidade requer investimento de tempo; pois isso nos trará o
hábito de estarmos juntos.
É uma escolha.
Nós, como Família de Deus podemos experimentar a saúde e o
fortalecimento de nossa Comunidade se assumirmos os riscos e as escolhas
difíceis que essas características nos desafiam.
Sinceridade, Humildade, Cortesia, Sigilo e Constância, tornam evidente por
que Comunhão é algo tão raro em nossas comunidades. Ela significa desistir de
nosso individualismo agressivo, e o aceitar o custo de encontrarmos dependência
mútua para com nossos irmãos e irmãs.
Mas os benefícios e o prazer de dividir a Missão entre nós, suplantam os
custos da tarefa e nos preparam para uma vida vivida em abundância de Vida.
Então podemos nos perguntar:
Como posso hoje ajudar a cultivar as características de uma comunidade
verdadeira em minha igreja?
Bem, uma certeza nós temos: Comunidade exige compromisso...
Todos se tornam cristãos ao decidir se comprometer com Cristo, mas
apenas se tornam membros ao decidir se comprometer com a sua Comunidade. A
primeira decisão traz a Salvação, a segunda decisão traz a Comunhão.
Então meus irmãos, cultivemos por decidir... E decidamos por cultivar a
nossa Comunidade!
Rev. Fábio Vasconcelos
Deão da Catedral do Mediador
22 de fevereiro de 2006 AD.
Santo Nome de nosso Senhor Jesus Cristo.
Novo ano, novo tempo
Diante de expectativas, desejos, esperanças que surgem num dia singular
como este, temos que concordar com o escritor inglês Charles Lamb:
Ninguém observa o 1º de janeiro com indiferença”.
Esse é um momento em que encontramos as pessoas reflexivas, por vezes
com esperanças, por vezes com medo. É o medo do novo, do desconhecido, da
página em branco que precisa ser escrita. Também já dizia um poeta de nossos
dias que “o barulho dos fogos de artifícios parecerem representar a necessidade
que temos de abafar o barulho que encontramos dentro de nós nesta época
Reveillon”.
As pessoas querem ter a segurança de encontrar um futuro previsível para
um novo tempo. Vemos nos jornais páginas e páginas cedidas às previsões para
um novo ano, horóscopos, mapas astrais, pessoas que buscam videntes, tarô,
jogo de búzios, quiromancia e tantas outras opções que se propõem a responder
sobre um futuro incerto. Infelizmente também, ainda vemos alguns cristãos
abrindo mais os jornais e revistas nas páginas do horóscopo, que abrindo a
Bíblia...
Lembremos das palavras do salmista:
“Entrega teu caminho ao Senhor, confia nele e o mais Ele o fará”.
Ano novo, desafios novos, horizontes novos, relacionamentos novos,
compromissos novos, vitórias novas, mas também dificuldades novas, conflitos
novos, responsabilidades novas, tudo depende de como acolhemos um novo
tempo. Entretanto, a certeza que trazemos em nosso coração, meus irmãos e
irmãs, é que o nosso Deus continua o mesmo, como diz o texto de hoje em Ex
34:1-8:
“Compassivo, clemente, longânimo e grande em misericórdia e fidelidade”.
“Deus é fiel” é uma afirmação comum em nossos dias. Vemos e ouvimos
essa afirmação com freqüência ao nosso redor. Quem nunca testemunhou essa
citação em alguns adesivos de carro pelas ruas de nossas cidades?
Mas a pergunta é: Somos fiéis a Deus?
Particularmente nunca vi um adesivo que afirme “Eu sou fiel a
Deus”... Mesmo assim continuamos em cada amanhecer provando da fidelidade
do Senhor em nossas vidas.
Então, se sabemos que ele é fiel, por que o medo do novo?
Devemos gastar nossas energias diante de um novo tempo nos
preocupando com outras ações, na certeza que Deus tem cuidado de nossas
vidas, pois hoje ele é EMANUEL (Deus conosco).
Talvez possamos tomar pelo menos três atitudes diante deste momento
novo que se inicia.
A primeira delas é vista pelos olhos da fé em Êxodo 14:15, quando o povo
de Deus fugindo do exército de Faraó se depara com um novo obstáculo em seu
caminho; o mar. Só havia um caminho a seguir, e uma atitude a tomar, mas o
povo clamava a Deus e nada fazia... Então o Senhor disse ao povo: Marchem!
Nenhum mar em nossas vidas vai se abrir sem que marchemos, sem que a
planta de nossos pés pise nas águas desconhecidas.
Devemos marchar em frente! Não fiquemos só clamando a Deus por nosso
futuro, pois Ele nos diz hoje também: Marchem!
Nunca esqueçamos que toda oração precede uma ação. Então não
fiquemos estáticos; marchemos!
Marchemos como filhos de Deus, como povo, juntos, unidos como família
de Deus.
Em segundo lugar, diante do novo tempo devemos observar onde temos
‘descansado’ as nossas mãos?
No Evangelho de Lucas 9:60-62, vemos Jesus pondo a prova um jovem que
queria seguir junto com ele a jornada de um novo tempo, mas que se inquietava
em despedir-se dos parentes a continuar a marcha. A resposta de Jesus nos faz
lembrar de onde temos descansando as nossas mãos. Disse Ele ao jovem:
“Quem descansa a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino
de Deus”.
Uns têm descansado as mãos no bolso, outros embaixo dos braços, outros
na vida alheia, outros em maus sentimentos...
Deus nos chama a repousar a mão no arado, na construção do novo
campo, na preparação do novo terreno, na responsabilidade de semear as
sementes que serão os frutos do amanhã.
“Por a mão no arado” é sinal de compromisso com o Deus que é fiel, é
comprometer-se com a fidelidade a esse Deus.
Hoje, se posso estar aqui e compartilhar de meu ministério com esta
comunidade de fé, é porque escolhi pelo arado e não voltei para me despedir dos
meus parentes. Como alguns de vocês sabem, quando saí de Recife há um ano
atrás, jamais imaginei que estaríamos aqui, eu e minha esposa. Diante de nossa
nova jornada, não voltei para me despedir dos meus parentes, e se o fizesse
certamente não estaria aqui entre vocês testemunhando a fidelidade de Deus.
A Marcha exige de nós compromisso! Não olhemos para trás com o desejo
da volta, olhemos para frete e trabalhemos. O compromisso com Deus, com a
sua obra, com sua igreja, com o propósito que Ele tem para a vida de cada um
de nós é a marca com a qual ferimos a terra que aramos e vamos semear nosso
futuro.
Onde temos descansado nossa mão? Qual o nosso compromisso com Deus
e sua obra? Qual o nosso compromisso com a esta comunidade chamada
Catedral do Mediador? Qual o nosso compromisso com o Reino de Deus?
Marchemos na certeza que diante do novo tempo temos que ter
compromisso.
Por fim, temos que ter uma direção, um alvo, um ideal. Ninguém chega a
lugar nenhum se não marchar na direção de um ideal, pois sem a direção do alvo
nos perdemos pelo caminho.
Muitos ministérios têm inspirado minha caminhada ministerial, mas hoje
lembro de um deles em especial, no meu ministério entre vocês. O ministério do
Reverendo Virgínio Pereira Neves, que assim como eu, no quarto ano de sua
ordenação assumiu a reitoria desta comunidade e veio a ser em 1950 o primeiro
Deão desta Catedral. Em 1938, na ciência de que o povo de Deus não pode
marchar sem coração e sem direção, escreve as seguintes palavras que nos são
tão cabíveis no dia de hoje:
“Todos nós marchamos em direção de um ideal, de sorte que a elevação da
vida ou a proporção dos empreendimentos dependem do ideal. Se o ideal é
inatingível pelo fato de ser ideal, fiquemos ao menos no caminho, mas sempre
em sua direção”.
O apóstolo Paulo na carta aos Filipenses capítulo 3:13-16 nos ajuda e
indica que devemos avançar para as coisas que estão diante de nós,
prosseguindo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo
Jesus.
Qual é o nosso ideal senão Cristo?
Estamos satisfeitos onde estamos e como estamos, ou temos nos dirigido
ao ideal que está em Cristo Jesus?
Mas a nossa marcha aponta em sua direção?
Somos chamados por Deus a determinar alvos em Cristo para nossas vidas
e seguirmos com esse propósito para os alcançar também em nossas famílias,
nossos relacionamentos, nossa igreja, nossa profissão, nosso ministério, nossos
sonhos...
Meus queridos irmãos, marchemos! Coloquemos a mão arado! Avancemos
para o alvo!
Deus tem cuidado de nós. Cabe-nos escolher se queremos que Ele cuide de
nós ou não. A escolha é nossa...
Ele continua o mesmo; sempre Fiel e grande em misericórdia.
Que neste ano de 2006 possamos Marchar, nos Comprometer e Prosseguir
para o Alvo juntos.
Que Todos nós estejamos unidos como família neste momento novo, neste
novo tempo.
Feliz Ano Novo! Que Deus continue nos abençoando e cuidando de nós!
Amém!
Rev. Fábio Vasconcelos
Deão da Catedral do Mediador
01 de janeiro de 2006 AD.
Santo Nome de nosso Senhor Jesus Cristo.
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