Artigo Original Autopercepção da desvantagem vocal (VHI) e qualidade de vida relacionada à deglutição (SWAL-QOL) de pacientes laringectomizados totais Voice handicap (VHI) self perception and quality-of-life related to swallowing (SWAL-QOL) of total laryngectomees RESUMO Ana Paula Brandão Barros1 Juliana Godoy Portas2 Débora dos Santos Queija2 Carlos N. Lehn3 Rogério A. Dedivitis3 ABSTRACT Objetivo: avaliar o índice de desvantagem vocal e a qualidade de vida (QV) relacionada à deglutição de pacientes laringectomizados totais. Método: estudo prospectivo que utilizou o questionário VHI (Voice Handicap Index), composto por 3 domínios: funcional, físico e emocional. Para avaliar a QV relacionada à deglutição foi utilizado o questionário SWAL-QOL (Quality of Life in Swallowing Disorders), composto por 10 domínios, como: fardo, desejo, freqüência de sintomas, seleção de alimentos, comunicação, medo, saúde mental, função social, sono e fadiga. A análise estatística consistiu de distribuição de freqüência e as medidas de tendência central e de variabilidade para as variáveis numéricas. Resultados: 12 pacientes com idade média de 59,6 anos, 58,3% foram submetidos à cirurgia e radioterapia pós-operatória, com dosagem média de 6634cGy. O tempo decorrido do término do tratamento oncológico ao momento da investigação variou de 3 a 41 meses, no momento do estudo todos os pacientes se alimentavam por via oral exclusiva e se comunicavam pela associação da fala articulada, de gestos e da escrita. Em relação à desvantagem vocal a média das pontuações foram 22 para o domínio funcional, 17 para o físico, 14,3 para o emocional e 53,5 para o global. O SWAL-QOL teve médias que variaram entre 53 a 85,4. Conclusão: os resultados demonstraram alterações de grau moderado em relação à auto-percepção da desvantagem vocal e a QV relacionada à deglutição. Objective: the aim of this study was to evaluate the voice handicap index and the quality of life in swallowing disorders among patients who underwent total laryngectomy. Methods: prospective study using the VHI (Voice Handicap Index) questionnaire with three domains: functional, physic and emotional. The higher the score, the worse is the voice handicap. To evaluate the quality of life in swallowing disorders the SWAL-QOL questionnaire was used (with 44 questions that considers 10 domains: burden, eating desire, symptom frequency, food selection, communication, fear, mental health, social functioning, sleep, fatigue). The answers were converted into a score ranging from 0 to 100, being 0 the worst score and 100 the best one. Statistical analysis consisted of a descriptive analysis of the frequencies for the categorical variables as well as the variability and the central tendency measures for the numerical variables. Results: 12 patients (mean age 59.6 years old) were evaluated. At the moment of the application of the questionnaires all the patients had exclusive oral intake and communication by associated articulated speech, gesticulation and writing. In relation to voice handicap the mean score were 22 to functional domain, 17 to physic, 14.3 to the emotional and 53.5 to global. The SWAL-QOL ranged from 53 to 85.4. Conclusion: the results showed moderate alterations concerning to self perception of the voice handicap and the quality of life related to swallowing. Key Words: quality of life; laryngectomy; voice. Descritores: qualidade de vida; neoplasia de laringe; voz. INTRODUÇÃO O tratamento para o câncer avançado de laringe acarreta seqüelas anatômicas, funcionais e psico-sociais. O traqueostoma definitivo e a perda da voz são as alterações mais referidas e mais conhecidas pelos especialistas da área. Entretanto, alterações no olfato, no paladar e na deglutição também causam modificação da qualidade de vida (QV) no pós-tratamento em diferentes aspectos (social, físico e emocional), limitando o dia-a-dia do indivíduo1,2. As dimensões da QV são diferentes entre os indivíduos e há uma disparidade em relação às expectativas dos profissionais, dos familiares e dos pacientes quanto ao resultado do tratamento oncológico. Dessa forma, existe a necessidade de redirecionar a visão do clínico a partir do ponto de vista do paciente3. Os estudos de QV após tratamento para tumores de cabeça e pescoço utilizam questionários genéricos ou específicos que avaliam, de forma superficial, a comunicação oral e a deglutição, dificultando a compreensão do real impacto destas disfunções na QV. O questionário UW-QOL (University of Washington Quality of Life) demonstrou ser mais sensível para a mastigação, fala e deglutição, mas cada aspecto é citado de maneira geral e as queixas e as dificuldades podem não ser bem expressas por meio desse instrumento4. A inclusão de domínios que reflitam melhor as alterações da comunicação e da deglutição para a avaliação do impacto dos resultados funcionais na Qv5. A ausência da comunicação oral após a laringectomia total é a seqüela mais discutida na literatura. Métodos de reabilitação, análise da efetividade das diferentes formas de fala e a relação com a QV são parâmetros bem explorados mundialmente. (1) Doutor em Ciências pelo Curso de Pós-Graduação do Hospital do Câncer A. C. Camargo da Fundação Antônio Prudente; Chefe do Serviço de Fonoaudiologia do Hospital Heliópolis, São Paulo. (2) Fonoaudióloga do Serviço de Fonoaudiologia do Hospital Heliópolis, São Paulo (3) Doutor em Medicina pelo Curso de Pós-Graduação em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina; Chefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis, São Paulo. Instituição: Serviço de Fonoaudiologia do Hospital Heliópolis, São Paulo. Correspondência: Dra. Ana Paula Brandão Barros, Rua Cônego Xavier, 276 – 9º andar – 04231-030 São Paulo, SP. E-mail: [email protected] Recebido em: 14/12/2006; aceito para publicação em: 10/01/2007. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 36, nº 1, p. 32 - 37, janeiro / fevereiro / março 2007 33 Todavia, poucos são os estudos que analisaram a deglutição e a desvantagem vocal após a laringectomia total com instrumentos específicos6,7. Em 1997, foi publicado o questionário e sua respectiva validação americana do Voice Handicap Index – VHI (Índice de Desvantagem Vocal), quantificando as conseqüências psicosociais das alterações vocais8. Em 2000, esse questionário foi traduzido para a língua portuguesa9. O VHI é indicado para a avaliação da percepção do paciente em relação às desvantagens que a disfonia pode acarretar e serve como instrumento para a monitorização da eficácia do tratamento para as alterações vocais10. O impacto da nova forma de comunicação oral (voz tráqueoesofágica) após a laringectomia total de 54 pacientes foi avaliado por meio de dois instrumentos específicos, o VHI e o VRQOL (Voice Related Quality of Life)11. Os resultados do VHI demonstraram que 20 pacientes relatavam desvantagem de grau discreto, 20 de grau moderado e 14 de grau severo. Quando se analisou a possível interferência das características demográficas e de tratamento, observou-se que dos três domínios (funcional, físico e emocional), o domínio funcional foi afetado pela variável idade, radioterapia e quimioterapia. O domínio físico sofreu interferência das variáveis idade e quimioterapia e o domínio emocional foi afetado pela variável idade. O VHI foi aplicado para demonstrar a desvantagem vocal de 20 homens com idade média de 65,5 anos, laringectomizados totais que se comunicavam com a voz tráqueo-esofágica. A pontuação média para esse grupo foi de 45,5, indicando desvantagem de grau moderado. Os autores compararam e analisaram os resultados desse questionário aplicado em outras etiologias de alterações vocais e concluíram que a desvantagem vocal dos pacientes laringectomizados totais é semelhante às disfonias orgânicas em geral12. O VHI foi aplicado em 45 pacientes laringectomizados totais, sendo que a maioria (40) comunicava-se com a voz tráqueoesofágica e cinco com a voz esofágica. Os autores descreveram desvantagem vocal de grau moderado e que os domínios funcional e físico foram os mais comprometidos. O VHI foi considerado um instrumento apropriado para avaliar a severidade das alterações na comunicação após a laringectomia total7. A disfagia após a laringectomia total pode apresentar-se de forma sintomática ou assintomática, dependendo do tipo e grau de alteração. Os distúrbios da deglutição nesse grupo de pacientes podem ser caracterizados por diferentes causas (anatômicas e/ou funcionais) devido ao tipo de reconstrução ou à associação dos efeitos da radioterapia e/ou da quimioterapia e essas modificações podem ter diferentes repercussões na vida do paciente6,13-15. A incidência da disfagia após a laringectomia total varia de 10 a 58%, porém, é pouco referida como sintoma e logo subdiagnosticada como alteração no pós-cirúrgico6,16. Para compreender o impacto das alterações da deglutição na vida do paciente, McHorney et al.17 elaboraram um questionário específico que avalia a QV relacionada à deglutição por referirem que, embora importantes avanços tenham acontecido nessa área, os questionários de QV apresentam falhas metodológicas que dificultam a interpretação da percepção e satisfação do paciente no que diz respeito à deglutição. O Quality of Life in Swallowing Disorders (SWAL-QOL) é um questionário específico para avaliar o impacto das alterações da deglutição na QV. Esse é uma ferramenta importante para avaliar a eficácia da reabilitação do ponto de vista do paciente, além de ser sensível para diferenciar a deglutição de indivíduos normais de pacientes disfágicos por diferentes etiologias e, ainda, ser sensível para diferenciar o grau das alterações da deglutição 17-19 . Contudo, até o momento, não temos conhecimento de estudos que tenham utilizado o SWAL-QOL 34 para avaliar o impacto das alterações da deglutição na QV após a laringectomia total. O objetivo desse trabalho é avaliar o índice de desvantagem vocal e a QV relacionada à deglutição de pacientes submetidos ao tratamento para o câncer avançado de laringe. MÉTODO O estudo é prospectivo, com a utilização de dois questionários específicos que mensuram o impacto das alterações funcionais (voz e deglutição) na QV após o tratamento para o câncer avançado de laringe. Foram convidados para participar do estudo pacientes tratados por câncer avançado de laringe pelo Serviço de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis, São Paulo, que estavam em terapia fonoaudiológica para aquisição da voz esofágica. O critério de inclusão no estudo foi ter, no mínimo, três meses do término do tratamento oncológico. Os critérios de exclusão foram: doença em atividade, outras cirurgias na região da cabeça e pescoço e história pregressa de alteração neurológica, pela possível interferência desta na aquisição e desenvolvimento da comunicação oral alaríngea e na deglutição. O índice de desvantagem vocal foi mensurado por meio da aplicação do questionário VHI, que é composto por três domínios: funcional, físico e emocional. Cada domínio é composto por 10 questões, com pontuação que varia de 0 a 4, sendo 0 a melhor pontuação e 4 a pior pontuação. O valor da pontuação dos domínios é determinado pela somatória das respostas dadas pelos pacientes e a pontuação total é definida pela somatória dos três domínios. Quanto maior a pontuação, pior é a desvantagem vocal. Pontuações de 0 a 40 referem desvantagem leve, de 40 a 60, desvantagem moderada e pontuação total de 60 ou mais corresponde à desvantagem severa7. Para estabelecer uma relação de diferença entre as sub-escalas (funcional, físico e emocional), os autores consideram uma diferença de oito pontos nos três domínios e de dezoito pontos na pontuação global8. O questionário também permite que o paciente auto-classifique o uso da voz conforme demanda vocal em: 1) profissional; 2) atividades fora do trabalho; e 3) conversação diária. O paciente também classifica o uso da voz como atividade de fala: 1) quieto; 2) conversador; e 3) extremamente conversador. O impacto das alterações da deglutição na QV foi avaliadopor meio da aplicação do questionário SWAL-QOL, traduzido e adaptado para o português pela equipe de Fonoaudiologia de Hospital do Câncer - A.C.Camargo20. Esse questionário é composto por 44 questões que avaliam dez domínios, a saber: fardo, desejo, freqüência de sintomas, seleção de alimentos, comunicação, medo, saúde mental, função social, sono e fadiga17,18. O SWAL-QOL caracteriza as consistências dos alimentos que os pacientes conseguem deglutir e autoclassifica a saúde em ruim, regular, boa, muito boa e excelente. As respostas foram convertidas numa pontuação que varia de 0 a 100, onde 0 corresponde a uma pontuação ruim e 100 corresponde à boa. Após a conversão, os valores de cada resposta, dentro de cada domínio, foram somados para cada paciente e o resultado foi dividido pelo número de questões do domínio referente analisado, sendo a resultante, o valor da pontuação do domínio17,18. Para a interpretação dos resultados consideramos pontuações de 0 a 49 como um impacto severo, de 50 a 70 um impacto moderado e de 71 a 100, impacto discreto ou sem impacto na QV relacionada à deglutição. A análise estatística consistiu na distribuição de freqüência e as medidas de tendência central e de variabilidade para as variáveis numéricas. RESULTADOS Participaram desse estudo 12 pacientes do gênero masculino, com idade média de 59,6 anos. Em relação à forma de tratamento, 58,3% foram submetidos à cirurgia e radioterapia pós-operatória, com dosagem média de 6634cGy. O tempo decorrido do término do tratamento oncológico ao momento da investigação variou de 3 a 41 meses. Na avaliação, todos os pacientes alimentavam-se com dieta por via oral exclusiva, alguns com restrição de consistências e todos se comunicavam através da associação da fala articulada, de gestos e da escrita, devido à ausência de qualquer forma de comunicação oral alaríngea efetiva – Tabela 1. global do VHI corresponde à desvantagem de grau moderado. A desvantagem vocal também foi leve no grupo que autoclassificou como conversador, porém, com médias de pontuações discretamente maiores. O impacto foi maior nos domínios funcional seguido do emocional e físico. Nesse grupo, a pontuação global indicou desvantagem severa – Tabela 3. Tabela 3 – Associação entre as pontuações do questionário VHI e a auto-classificação da voz como atividade de fala. Variável Tabela 1 – Características demográficas. Variável Categoria Gênero Idade (anos) Masculino Mín.-máx. Mediana Média±dp Laringe Faringe e laringe Cirurgia Cirurgia + Rxtp Cirurgia + Rxtp + QT LT FLT Sim Não Mín.-máx. Mediana Média±dp Sim Sem restrição de consistências Com restrição de consistências Local do tumor Tratamento Cirurgia Radioterapia Dose de Rxtp Fonoterapia Alimentação Formas de comunicação Freq. (%) ou medidas (n=12) 12 (100) 45-76 58 59,6± 11,5 9 (75) 3 (25) 2 (16,6) 7 (58,3) 3 (25) 9(75) 3(25) 10 (83,4) 2(16,6) 6040-7000 6700 6634±396 12 (100) 8 (66,6) Associação de fala articulada + gestos + escrita 4 (33,3) 12 (100) Freq.: freqüência; dp: desvio padrão; RXT: radioterapia; QT: quimioterapia; LT: laringectomia total; FLT: faringolaringectomia total. O questionário que mensura o índice de desvantagem vocal foi respondido por 10 pacientes. Em relação à auto-classificação da demanda vocal, nove pacientes referiram necessitar da voz para a conversação diária e um referiu que necessitava da voz para o exercício da profissão. Três pacientes autoclassificaram a atividade de fala como conversadores e sete como quietos. A média das pontuações que refletem a desvantagem vocal foi 22 para o domínio funcional, 17 para o físico e 14,3 para o emocional. Essas pontuações caracterizam desvantagem vocal de grau discreto. A média da pontuação global do VHI foi de 53,5, que corresponde à desvantagem vocal de grau moderado – Tabela 2. Tabela 2 – Pontuação do questionário VHI. Variável VHI funcional Categoria Mín.– máx. Mediana Média±dp VHI físico Mín.– máx. Mediana Média±dp VHI emocional Mín.– máx. Mediana Média±dp VHI global Mín.– máx. Mediana Média±dp (n=10) 8-38 20,5 22±9,6 3-35 14,5 17±10,6 0-36 11,5 14,3±10,7 15-108 51 53,5±27,6 VHI: Voice handicap index; Mín.: mínimo; Máx.: máximo; dp: desvio padrão. Os pacientes que auto-classificaram o uso da voz, para atividade de fala, como quietos apresentaram pontuações que indicaram desvantagem vocal discreta e com maior impacto no domínio funcional, seguido do físico e emocional. A pontuação VHI funcional VHI físico VHI emocional VHI global Categoria Quieto (n=7) Mín.-máx. 8-33 Mediana 18,5 Média±dp 18±9 Mín.-máx. 3-35 Mediana 11,5 Média±dp 15,5±10,8 Mín.-máx. 0-28 Mediana 11 Média±dp 11±8,5 Mín.-máx. 15-82 Mediana 46 Média±dp 44±23,5 Conversador (n=3) 24-38 31 31±7 12-34 16 20,5±11,7 12-36 18 22±12,5 52-108 61 73,5±30 VHI: Voice handicap index; Mín.: mínimo; Máx.: máximo; dp: desvio padrão. O SWAL-QOL foi respondido por todos os pacientes dessa amostra e a média variou entre 53 a 85,4. Os domínios que apresentaram menor pontuação foram: comunicação, 53; desejo para se alimentar, 60,4; função social, 64,5; e seleção de alimentos, 68,7. Essas pontuações indicam que esses domínios sofreram impacto de grau moderado. Os domínios medo, fadiga, fardo, freqüência de sintomas, saúde mental e sono obtiveram médias entre 75,5 a 85,5, respectivamente, representando grau discreto ou pontuação que não reflete impacto na QV relacionada à deglutição – Tabela 4. Tabela 4 – Distribuição das pontuações do questionário de Qualidade de vida relacionada à deglutição (SWAL-QOL). Variável Fardo Categoria Mín.– máx. Mediana Média±dp Desejo Mín.– máx. Mediana Média±dp Freqüência dos sintomas Mín.– máx. Mediana Média±dp Seleção de alimentos Mín.– máx. Mediana Média±dp Comunicação Mín.– máx. Mediana Média±dp Medo Mín.– máx. Mediana Média±dp Saúde mental Mín.– máx. Mediana Média±dp Função social Mín.– máx. Mediana Média±dp Sono Mín.– máx. Mediana Média±dp Fadiga Mín.– máx. Mediana Média±dp (n=12) 25-100 87,5 80,2±25,8 20-100 60 60,4±28 65-98 80 81,5±10,1 0-100 81 68,7±35,1 0-100 56 53±31,5 25-100 72 75,5±24 25-100 100 84,4±24,2 0-100 72,5 64,5±37,8 50-100 93,7 85,4±17,5 42-100 83 79±20,8 Mín.: mínimo; Máx.: máximo; dp: desvio padrão. 35 Em relação à auto-classificação da saúde, 25% dos pacientes auto-classificaram a saúde como excelente e 75% como boa. Os pacientes que auto-classificaram sua saúde como excelente tiveram pontuação mais altas do que os pacientes que auto-classificaram sua saúde como boa para os domínios: saúde mental, fadiga, função social e sono – Tabela 5. Tabela 5 – Associação entre as pontuações da qualidade de vida relacionada à deglutição (SWAL-QOL) e a auto-classificação da saúde. Variável Categoria Saúde Saúde Excelente (n=3) Boa (n=9) Fardo Mín.– máx. 37,5-100 25-100 Mediana 75 100 Média±dp 70,8± 31,4 83,3±25 Desejo Mín.– máx. 40-95 20-100 Mediana 45 60 Média±dp 60±30,4 60,5±29,5 Freqüência dos sintomas Mín.– máx. 65-77 71-98 Mediana 71 86,5 Média±dp 71±6 85±8,7 Seleção de alimentos Mín.– máx. 25-50 0-100 Mediana 37,5 100 Média±dp 37,5±12,5 79±34,2 Comunicação Mín.– máx. 0-100 0-87,5 Mediana 50 62,5 Média±dp 50±50 54±27,2 Medo Mín.– máx. 62,5-94 25-100 Mediana 69 75 Média±dp 75±16,6 75,7±26,9 Saúde mental Mín.– máx. 81-100 25-100 Mediana 100 100 Média±dp 93,6±10,9 81,3±27 Função social Mín.– máx. 70-100 0-100 Mediana 75 55 Média±dp 81,6±16 58,8±41,8 Sono Mín.– máx. 62,5-100 50-100 Mediana 100 87,5 Média±dp 87,5±21,6 84,7±17,4 Fadiga Mín.– máx. 83-100 42-100 Mediana 83 75 Média±dp 88,6±9,81 75,8±22,9 parâmetros, ainda inclui a variabilidade individual quanto à cultura, situação social e econômica. Mediante tantas peculiaridades, a avaliação e a caracterização da qualidade de vida é tarefa de difícil realização. Idade, gênero, formas de tratamento e as respectivas seqüelas (traqueostomia, ausência da voz e disfagia) podem alterar a QV após o tratamento2,3. Tabela 6 – Associação entre as pontuações da qualidade de vida relacionada à deglutição (SWAL-QOL) e a consistência do alimento. Variável Fardo Categoria Mín.– máx. Mediana Média±dp Desejo Mín.– máx. Mediana Média±dp Freqüência dos sintomas Mín.– máx. Mediana Média±dp Seleção de alimentos Mín.– máx. Mediana Média±dp Comunicação Mín.– máx. Mediana Média±dp Medo Mín.– máx. Mediana Média±dp Saúde mental Mín.– máx. Mediana Média±dp Função social Mín.– máx. Mediana Média±dp Sono Mín.– máx. Mediana Média±dp Fadiga Mín.– máx. Mediana Média±dp Pastoso (n=4) 25-100 87,5 75±35,3 20-100 45 52,5±35,9 71-92 79 80,2±8,84 0-100 68,7 59,3±44,9 0-75 37,5 37,5±32,2 25-100 65,7 64±30,7 25-100 60 61,2±30,6 0-100 27,5 38,7±44 50-87,5 75 71,8±15,7 42-100 62,2 66,6±24,4 Sólido (n=8) 75-100 87,5 90,7±22 30-95 62,5 66,8±25,1 71-98 82,7 84,9±11,2 25-100 87,5 81,2±31,6 0-87,5 62,5 56,2±30,2 50-100 84,5 84,4±19,76 81-100 100 96±7,49 20-100 87,5 81,2±29 62,5-100 100 92±14,8 50-100 87,2 86,3±17,11 Mín.: mínimo; Máx.: máximo; dp: desvio padrão. Legenda: Mín.: mínimo; Máx.: máximo; dp: desvio padrão. Todos os pacientes alimentavam-se por via oral exclusiva, no entanto, quatro pacientes tinham restrição da consistência e conseguiam alimentar-se apenas com dieta pastosa e oito pacientes não tinham restrição e alimentavam-se com todas as consistências. Os pacientes que tinham restrição a sólidos apresentaram piores pontuações em todos os domínios quando comparados ao grupo de pacientes sem restrição. No grupo que apresentava restrição de consistência, os pacientes apresentaram pontuação correspondente a impacto severo nos domínios comunicação e função social. E o impacto foi de grau moderado para desejo, seleção de alimentos, saúde mental, medo e fadiga – Tabela 6. No grupo de pacientes que não apresentava restrição de consistências 8 dos 10 domínios investigados, teve boa pontuação indicando impacto discreto ou ausência de impacto na QV relacionada à deglutição – Tabela 6. DISCUSSÃO A ausência ou a nova forma de comunicação oral, a restrição de consistências alimentares e a traqueostomia são alguns dos diversos fatores que exigem um período de adaptação e aceitação por parte dos pacientes e dos seus respectivos familiares. Essas modificações são reconhecidas e inseridas, gradualmente, no dia-a-dia dos pacientes no pós-tratamento oncológico. Diferentes crenças e religiões, situação familiar, profissional e econômica irão facilitar ou dificultar a re-inserção do paciente na sociedade. A qualidade de vida, além de estar relacionada com diversos 36 A percepção do paciente é mais uma variável a ser considerada na avaliação dos resultados do tratamento3. Os questionários de QV são instrumentos que viabilizam a expressão das necessidades, expectativas e satisfação dos pacientes18,19. O presente estudo avaliou o impacto das alterações funcionais na QV por meio de questionários específicos de voz e deglutição. Em relação ao índice de desvantagem vocal nessa amostra, o tamanho da casuística, a predominância do gênero masculino e a idade média de 59,6 anos foram bastante similares aos poucos estudos que analisaram a desvantagem vocal do paciente laringectomizado7,11,12. Estudos que avaliaram a limitação vocal de pacientes com voz esofágica e tráqueo-esofágica descreveram desvantagem de grau moderado7,11,12. Embora, em nossa amostra, todos os pacientes comunicassem-se através da associação da fala articulada, gestos e escrita (ausência de comunicação oral), o grau de desvantagem vocal também foi moderado. Na avaliação da efetividade da comunicação oral e da respectiva QV de 82 pacientes laringectomizados, concluiu-se que a QV tem boas pontuações, independentemente da forma de comunicação (oral ou não oral)21. Outros estudos concordaram que a voz tráqueo-esofágica oferece a melhor efetividade da comunicação oral alaríngea. Entretanto, esse parâmetro parece não interferir na QV21,22,23,24. Concordamos com a importância da inclusão de domínios específicos para avaliação do impacto das alterações da comunicação e da deglutição na QV5. Estudos que avaliaram a QV após a laringectomia total apontaram altas pontuações, que indicavam boa QV2-4,21. No entanto, estudos que utilizaram ferramentas específicas apontaram outros resultados (piores)7,11,12,25, que podem reafirmar a necessidade de questionários peculiares à função a ser investigada. Acreditamos que a desvantagem vocal decorrente do tratamento oncológico, do ponto de vista do paciente, seja encarada como uma das seqüelas pertinentes ao processo de cura do câncer. O fato de estar vivo sem doença é a maior preocupação e a ausência da voz torna-se um aspecto secundário. Contudo, acreditamos no valor imensurável da voz quando todos esses pacientes mantêm-se sob terapia para a aquisição de algum método de comunicação oral. Em relação à deglutição, a disfagia, após a laringectomia total, é pouco referida como sintoma e acaba sendo subdiagnosticada6,16. Em 15 pacientes laringectomizados totais avaliados através da videofluoroscopia, constatou-se que 80% apresentavam alterações na deglutição, porém, apenas 50% relataram alguma queixa14. Em outro estudo, avaliaram-se, através da videofluoroscopia, 26 pacientes laringectomizados e constatou-se que 73% dos pacientes apresentavam aumento de tempo do trânsito faríngeo, 57,7% tinham imagem sugestiva de diminuição da motilidade faríngea, 53,8% apresentavam estase na base da língua e 42,3% tinham aumento do tempo de trânsito oral. Nessa amostra, apenas 39% dos pacientes apresentavam sintomas de disfagia15. A disfagia em pacientes laringectomizados totais ou faringolaringectomizados pode comprometer o papel social e familiar e gerar frustração, embaraço e nervosismo, o que pode acarretar em prejuízo na QV16. Em nosso estudo, todos os pacientes estavam sob terapia fonoaudiológica para a aquisição de comunicação oral alaríngea e, até o momento da aplicação do questionário SWAL-QOL, nenhum paciente tinha referido queixas de deglutição. Todavia, a média de pontuação da QV relacionada à deglutição indicou alterações de impacto moderado. Embora todos os pacientes alimentassem-se exclusivamente por via oral, alguns tinham restrição à consistência sólida. Esse grupo apresentou pior impacto na QV em todos os domínios, quando comparado ao grupo que não tinham restrição ao sólido. Dessa forma, acreditamos que a restrição de consistências pode interferir e piorar a QV. Esses dados permitem inferir que existe a necessidade de estudos que investiguem de forma mais detalhada as alterações da deglutição e seu respectivo impacto na QV. E o SWAL-QOL parece ser uma ferramenta que pode nortear a clínica fonoaudiológica, por meio da percepção do paciente, caracterizando as alterações na deglutição após a laringectomia total. CONCLUSÃO Os resultados demonstraram alterações de grau moderado, em relação à autopercepção, da desvantagem vocal e a QV relacionada à deglutição nos pacientes laringectomizados totais. REFERÊNCIAS 1. Perry A. In: Blom ED; Singer MI; Hamarker RC. Tracheoesophageal voice restoration following total laryngectomy. 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