Uma fila de desemprego mais longa e sem sinal de melhora

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O Globo, 21 de abril de 2016
Uma fila de desemprego mais longa e sem sinal de
melhora
Por: Daiane Costa
Total de brasileiros em busca de trabalho supera os 10 milhões pela 1ª vez
desde 2012. Para analistas, contingente deve aumentar
“São números que colocam em dúvida o futuro do mercado de
trabalho, não há sinal de freio” Claudio Dedecca Economista da
Unicamp
O aprofundamento da recessão sobre o mercado de trabalho alcançou um
novo e histórico patamar em fevereiro, com o grupo de desempregados
atingindo mais de dez milhões de pessoas e a taxa de desocupação chegando
a 10,2%. É a primeira vez que estes dois indicadores, medidos desde 2012
pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Mensal,
atingem dois dígitos. Há um ano, quando a crise econômica dava os
primeiros sinais sobre o mercado, essa taxa estava em 7,4%.
A população que procura emprego, estimada em 10,4 milhões no
trimestre encerrado em fevereiro, cresceu 40,1% ou mais três milhões de
pessoas, na comparação com o mesmo período do ano anterior. Esse
aumento do número de pessoas na fila do desemprego também é o maior já
registrado na pesquisa. Para economistas, diante das perspectivas de recessão
de até 4% este ano e da incerteza sobre quando a economia voltará a crescer,
a tendência é que essa taxa aumente ainda mais. Pode chegar, em médio
prazo, à casa dos 12%, na visão dos mais otimistas, ou até 14%, segundo os
mais pessimistas.
— Ao alcançar os dois dígitos, vamos para outro patamar de desemprego.
São números que colocam em dúvida o futuro do mercado de trabalho, pois
não há sinal algum de freio e de que a taxa não possa alcançar 13%, 14%.
Vivemos um cenário de paralisia. Há um campo aberto para que isso ocorra.
E, se chegar lá, implica num esforço muito maior para sua reversão. É
urgente que algo seja feito agora, mas não vejo sanidade política no país para
que isso ocorra — avalia o economista da Unicamp Claudio Dedecca.
MENOS 1,38 MILHÃO DE VAGAS NA INDÚSTRIA Para o professor do
Instituto de Economia da UFRJ João Saboia, os dois dígitos também têm
efeito psicológico sobre a população, pois contribuem para aumentar o
pessimismo e criar uma expectativa ainda mais desfavorável para quem
busca emprego. As perspectivas se agravam quando se observa os segmentos
que ainda não sucumbiram à recessão: o trabalho por conta própria e o
doméstico, ambos com baixa remuneração e alto nível de informalidade.
Segundo a Pnad, no trimestre encerrado em fevereiro, estes dois grupos de
ocupação foram os únicos que não registraram queda em seu contingente. O
primeiro teve adição de 1,5 milhão de trabalhadores em um ano, alta de
7%;e o segundo, de mais 165 mil pessoas (+2,7%).
Já o emprego no setor privado, com e sem carteira, atingiu seu nível mais
baixo desde o início da pesquisa, em 2012. No trimestre encerrado em
fevereiro, esse grupo representava apenas 48,9% da população ocupada. Há
um ano, o setor privado empregava mais da metade da população ocupada
(50,3%). Nesse período, 1,4 milhão de vagas com carteira e outras 500 mil
sem carteira foram destruídas.
— Um sintoma muito forte de piora é você perder 1,4 milhão de
empregos com carteira e ele crescer nos segmentos de piores condições.
Quem voltou ao mercado está ocupado da pior forma possível. Todo mundo
quer virar conta própria para vender em um ambiente com menos renda
circulando. E não é o fim do túnel. A gente vai cair mais um pouco ainda —
analisa Saboia.
Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE,
lembra que a taxa desse trimestre tem influência sazonal, das demissões dos
temporários contratados para o fim de ano.
— O aumento na taxa era esperado, mas o quanto avançou foi bastante
expressivo, o que mostra que, além da dispensa dos temporários, houve
desligamentos de pessoas efetivamente empregadas — explicou Azeredo.
Os dados de anos anteriores confirmam a intensidade da crise. Em
fevereiro de 2014, houve queda de 11,6% no total de desempregados na
comparação com igual período do ano anterior. Em fevereiro de 2015, na
mesma base de comparação, o aumento no grupo de desempregados foi de
11,7%. Apesar da expansão, o ritmo foi bem inferior à alta de 40% registrada
neste ano.
A indústria segue como a atividade que mais elimina postos de trabalho.
Na comparação com fevereiro do ano passado foram fechadas 1,38 milhão
de vagas no setor, queda de 10,4% na população ocupada neste grupo. O
número total de trabalhadores empregados em atividades industriais caiu ao
seu nível mais baixo: no trimestre encerrado em fevereiro, eram apenas 11,8
milhões. Em todos os outros períodos analisados pelo IBGE, desde 2012,
esse grupo empregava mais de 12 milhões de pessoas. Para Azeredo, os
dados preocupam:
— Você tem uma indústria menor, sendo um dos setores mais
organizados, que mais emprega com carteira e influencia diretamente outros
setores.
Dedecca, da Unicamp, lembra, porém, que o desemprego na indústria é
anterior ao período de recessão, iniciado em meados de 2014, portanto, é
natural que o ajuste seja mais intenso:
— A indústria não vinha bem há muito tempo. O que complica esse
cenário é que progressivamente a queima de postos se tornou comum a todos
os setores e afetou atividades que garantiram muitos empregos nos anos de
crescimento, como comércio e serviços. Nem esses setores seguraram o
mercado de trabalho.
Em sua avaliação, diante da falta de horizonte sobre uma retomada de
crescimento, o ajuste no mercado tende a se tornar definitivo:
— Quando a economia está num estado de paralisia, é claro que o setor
privado não tem capacidade de manter o emprego. Mas uma coisa é ele saber
que em tal período haverá uma retomada, então ele retém mais trabalhadores
porque sabe que daqui a pouco terá de voltar a contratar e isso tem custos.
Outra é trabalhar sem previsão. A minha posição é que as empresas do setor
privado começam a fazer um ajuste não conjuntural, mas definitivo. “Demito
porque não precisarei contratar tão cedo”.
Com projeções menos pessimistas, o economista Rafael Bacciotti, da
Tendências Consultoria, aposta num cenário de médio prazo no qual a
confiança de empresários e consumidores pare de cair e o câmbio, que ontem
fechou em R$ 3,533, impulsione as exportações. Mesmo com uma aposta de
crescimento da economia em 2017 de 1,2%, Bacciotti avalia que o
desemprego seguirá trajetória de alta, encerrando 2016 em 11,7%. No ano
seguinte, a taxa tenderia a se estabilizar na casa dos 12%.
— Vemos um cenário de queda pronunciada este ano, pela contração
forte do PIB novamente, e de estabilização em 2017, com a população
desocupada parando de crescer. O grande gatilho é um cenário em que a
confiança pare de cair, com um câmbio ajudando a indústria e o setor de
agronegócios. R$ 8,35 BILHÕES A MENOS CIRCULANDO A renda
segue em queda desde julho do ano passado. No trimestre encerrado em
fevereiro, o rendimento médio real habitualmente recebido em todos os
trabalhos foi estimado em R$ 1.934, queda de 3,9% em relação ao mesmo
trimestre do ano passado (R$ 2.012).
— O rendimento caiu ao nível do início de 2013 e representa uma queda
bastante expressiva no que diz respeito ao poder de compra das famílias.
Consequentemente, caiu a massa total de dinheiro circulando no país, pois,
além de cair a renda, caiu o número de pessoas empregadas — analisa
Azeredo.
A massa de rendimento real habitualmente recebida pelas pessoas
ocupadas em todos os trabalhos, que é um indicativo de quanto os brasileiros
têm para gastar, foi estimada em R$ 171,3 bilhões, redução de 4,7% frente
ao mesmo trimestre do ano anterior ou R$ 8,35 bilhões a menos circulando.
Para Saboia, essa queda realimenta a recessão:
— A renda do trabalho é a principal fonte de renda da população. Se ela
perde o emprego, cai a renda, e isso tem efeito multiplicador enorme da
economia, porque a grande massa deixa de comprar. É um
efeito realimentador muito ruim da recessão.
Alberto Ramos, da Goldman Sachs, também ressaltou, em análise
divulgada ontem, que as expectativas são de deterioração do mercado de
trabalho, dada as previsões de que a economia brasileira deve “experimentar
outra contração profunda em 2016”, devido aos problemas políticos, à fraca
confiança do consumidor e dos empresários e das condições financeiras mais
apertadas. Ainda segundo Ramos, uma maior taxa de desemprego em 2016
vai moderar o crescimento do salário real.
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