DIREITO DE SUCESSÕES: CONFERÊNCIA DE BENS E COLAÇÃO Autora: CHRISTIANE MACARRON FRASCINO ([email protected]) A autora é mestranda em Direito Civil na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e advogada em São Paulo 1. Conceito. 1; 1. Aspectos históricos; 1.2. Finalidade e Fundamento; 1.3. Aplicação da lei vigente – Direito Intertemporal; 2. Natureza Jurídica; 3. Requisitos ou pressupostos; 4. Objeto; 4.1. Bens sujeitos à colação; 4.2. Bens que não estão sujeitos à colação; 5. Modalidades; 5.1. Valor - Enunciado 119 das Jornadas de Direito Civil; 6. Cálculo da legítima para fins de colação; 7. Sujeitos; 7.1. Legitimação; 7.2. Herdeiros obrigados a colacionar; 7.2.1. Cônjuge; 7.2.1.A. Projeto de Lei 6960/02 - Deputado Ricardo Fiúza; 7.2.1.B. Direito Comparado; 7.2.2. Netos; 7.2.3. Terceiros obrigados a colacionar; 8. Questões processuais; 8.1. Momento da colação; 8.2. Procedimento; 9. Distinção entre colação e redução de doações; 10. Distinções feitas entre colação e conferência; 11. Fraude; 11.1. Desconsideração da personalidade jurídica. 1. Conceito 1 Colação é o ato de reunir ao monte partível quaisquer liberalidades, diretas ou indiretas, claras ou dissimuladas, recebida do inventariado, por herdeiro descendente, antes da abertura da sucessão1. Em outras palavras, o procedimento através do qual os herdeiros necessários restituem à herança os bens que receberam em vida do de cujus denomina-se colação. Sua acepção jurídica é extraída do artigo 2.002 do Código Civil: "Art. 2002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação. Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será computado na parte indisponível dos bens, sem aumentar a parte disponível". A colação consiste em um aumento da massa sucessória tornando comum a coisa conferida. O resultado da colação sempre importará em aumento na parte correspondente à legítima, isto é, a conferência por parte dos herdeiros necessários não importará aumento da herança e sim, apenas da legítima dos herdeiros necessários. 1 Carlos Maximiliano. Direito das sucessões. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964. v. 1. 2 Cabe, ainda, ser destacado o fato de que em não sendo aumentada a parte disponível, não poderão os eventuais credores, seja do de cujus, seja do espólio, exercer qualquer pretensão quanto ao referido bem colacionado. A doação é negócio jurídico perfeito, de eficácia imediata. Logo, não pertence tal bem ao acervo e não poderá nele ser computado. A doação deverá voltar aparentemente apenas para a efetiva composição da legítima e permitir a sucessão igualitária entre os herdeiros necessários. A colação encontra-se disciplinada em capítulo próprio, no Livro V do Código Civil - Direito das Sucessões, Título IV – Do inventário e da partilha, nos artigos 2.002 a 2.012. Os dispositivos legais sobre colação também decorrem de outras normas do Código Civil, referentes ao direito obrigacional, especialmente, os artigos 544 e 5492, que estabelecem limites às doações: 1.1. Aspectos históricos O instituto da colação tem suas origens no direito romano, sendo que desde aquela época, antes da partilha da herança entre vários herdeiros com direito à parte ab intestato, havia de se considerar os bens patrimoniais por eles adquiridos por doação do de cujus. 2 “Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe na herança.” “Art. 549. Nula é também a doação quando à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.” 3 Assim, com tal escopo, surgiu o instituto da colação, cuja finalidade, desde o início, consistia em assegurar a igualdade na divisão do patrimônio familiar aos descendentes. No direito romano, os filhos emancipados, em relação aos demais levavam vantagem econômica, tendo em vista que, sujeitos ao poder do pai, não adquiriam para si, mas para seu pai, o patrimônio. Assim, o patrimônio familiar, objeto da herança comum, aumentava, ao passo que os filhos emancipados adquiriam patrimônio próprio. Portanto, os bens adquiridos pelos filhos emancipados deveriam ser trazidos à colação, antes da partilha, por determinação dos pretores, sempre que adquiridos depois da emancipação. A colação foi introduzida pelo pretor, quando permitiu aos filhos emancipados participarem da sucessão de seus pais. Ora era injusto, por desigual, permitir-se aos emancipados concorrerem em igualdade de condições, na herança paterna, com seus outros irmãos; por essa razão, o pretor obrigou-os a conferir, naquela sucessão, os bens que tinham adquirido por si próprios, após sua emancipação, e que teriam se incorporado ao patrimônio paterno, se não fossem a emancipados. A collatio emancipati se estendeu à collatio dotis, consistente em reunir o dote da filha casada quando concorria à sucessão do pater com seus irmãos. 1.2. Finalidade e fundamento 4 A finalidade da colação é obter e assegurar a igualdade das legítimas, em face do sistema jurídico sucessório de proteção a essa parte da herança que compete aos herdeiros necessários. Ou seja, tem como finalidade que a partilha se realiza dentro da maior igualdade possível. A colação tem por fundamento o tratamento igualitário dos descendentes na percepção de suas quotas na herança do ascendente e na vontade presumida3 do de cujus de não estabelecer uma desigualdade sucessória. 1.3. Aplicação da lei vigente – Direito Intertemporal Aplicam-se aos casos pendentes, desde que a abertura da sucessão tenha ocorrido após a vigência do Código Civil de 2002 (11 de janeiro de 2003), as normas do atual Código Civil, uma vez que sua entrada em vigor se deu nessa data. Não importa que as doações tenham sido efetuadas anteriormente, na vigência do Código Civil de 1916, até porque, na vigência deste por força de seus artigos 1.785 a 1.795, subsistiam similares regras de obrigação de colação dos bens pelos descendentes donatários. Ademais, a eficácia da lei se verifica pela data da abertura da sucessão, que corresponde à data do óbito do autor da herança. Daí é que nasce a obrigação de conferência de todos os bens doados em vida pelo de cujus, a fim de reunir o acervo hereditário que se haverá de partilhar de forma igualitária entre todos os herdeiros da mesma classe. 3 Zeno Veloso. 5 2. Natureza Jurídica A natureza jurídica do instituto, desde a sua admissão legal, após o período pós-clássico do direito romano, notadamente a partir do Imperador Justiniano, é divergente. São várias as teorias apresentadas e defendidas por correntes diferentes entre os doutrinadores. Dentre elas, merecem maior destaque a que entende que é um estado de sujeição do donatário, uma obrigação, ou ainda uma situação jurídica. Dentre essa, prevalece o entendimento de que a natureza jurídica da colação é uma obrigação de restituir. A colação é uma obrigação exigível legalmente entre os herdeiros necessários, quer dizer daqueles que tenham uma porção hereditária garantida pela lei e da qual o autor da herança não pode privá-los, senão através de deserdação. 3. Requisitos ou Pressupostos São requisitos da colação a doação feita pelo de cujus em favor do descendentes; ostentar o descendente tal qualidade no momento da abertura da sucessão; defender a liberalidade a igualdade das legítimas; concorrer à herança pluralidade de descendentes do mesmo grau, e não ter dispensa pelo doador ou testador. 6 4. Objeto É considerado o objeto da colação o valor das doações que os herdeiros necessários tenham recebido, em vida, do autor da herança, conforme se depreende da leitura do artigo 2.002 do Código Civil. 4.1. Bens sujeitos à colação São colacionáveis as doações feitas pelos ascendentes aos descendentes, as dívidas pagas pelo autor da herança, as doações indiretas ou simuladas, os rendimentos de bens do pai desfrutados pelo filho; somas não módicas, dadas de presente; perdas e danos pagos pelo pai como responsável pelos atos do menor, ou quaisquer indenizações ou multas; dinheiro posto a juros pelo pai em nome dos filhos; pagamento consciente de uma soma não devida ao legitimário; pagamento de débitos ou fianças ou avais do filho; quitação ou entrega de título de dívida contraída pelo filho para com o pai; remissão de dívida, dentre outros. Quanto ao valor adiantado para que o descendente adquira coisas, apenas a soma recebida deverá ser colacionada e não os bens adquiridos, O difícil é a prova por parte daquele herdeiro que pretenda exigir a colação de tais doações "indiretas". Inúmeras vezes, na realidade, a legítima parece ter alcançado a situação de igualdade, mas esta não traduz a realidade. 7 4.2. Bens que não estão sujeitos à colação Alguns bens não estão sujeitos à colação por determinação do doador ou testador ou por determinação legal. O bem que o testador determinar que saísse da metade disponível de seu patrimônio não estará sujeito à colação, sem excedê-la, nos termos do artigo 2.005 do Código Civil: “Art. 2.005 CC 2002. São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação.” A dispensa jamais poderá ser presumida, devendo estar expressa através da escritura de doação ou por testamento, não servem outros meios, como simples escritos particulares ou declarações verbais, nos termos do artigo 2006 do Código Civil. Se utilizado o próprio instrumento de doação para a dispensa do dever de colacionar, torna-se o ato irrevogável, uma vez que se integra no conteúdo do ato jurídico. Diversa será a conclusão no caso de dispensa por testamento, pela sua característica de ato revogável. 8 Existem, por outro lado, os casos de exclusão legal, em vista do caráter assistencial ou de natureza remuneratória da doação. O artigo 2.010 do Código Civil afasta a obrigatoriedade quanto aos gastos ordinários dos descendentes com o ascendente, enquanto menor, na sua educação, estudos, sustento, vestuário, tratamento nas enfermidades, enxoval e despesas de casamento e livramento em processo-crime, de que tenha sido absolvido o menor. Verbis: “Art. 2.010. Não virão à colação os gastos ordinários do ascendente com o descendente, enquanto menor, na sua educação, estudos, sustento, vestuário, tratamento nas enfermidades, enxoval, assim como as despesas de casamento, ou as feitas no interesse de sua defesa em processo-crime.” Tais gastos devem ser entendidos como aqueles inerentes ao pleno exercício do poder familiar, sendo insuscetíveis de serem considerados como antecipação de herança. O artigo 2.011 do Código Civil, afasta as doações remuneratórias em troca de serviços prestados por não constituírem liberalidades: “Art. 2.011. As doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente também não estão sujeitas a colação.” Não obstante o caráter de liberalidade, tais doações assumem um correlato perfil da contraprestação inerente à paga de serviços, como recompensa ao descendente pela prática de certos atos, ainda que o pagamento não seja legalmente exigível. 9 Ressalve-se, porém, que a doação remuneratória há de ser quantificada na direta proporção dos serviços em causa, para que não representem excesso incompatível com aquele objetivo da recompensa ao prestador de serviços. Eventual excesso no ato de liberalidade será, então, sujeito às normas referentes à colação de bens. As benfeitorias e acessões restam excluídas da necessidade de conferência, sendo imputadas, ao donatário, igualmente, as perdas e danos que os bens sofrerem. Os frutos também não poderão ser objeto da colação sob pena de enriquecimento por parte daqueles que não contribuíram para que tais frutos fossem gerados. As liberalidades já feitas em vida constituem negócios jurídicos perfeitos e que já produziram seus efeitos legais. Por conseguinte, os frutos dos bens doados não são objeto de colação, pertencem ao donatário" que, por certeza, não deverá restituir tais valores ao monte. Não se pode deixar de referir que pecúlios ou seguros de vida não poderão ser incluídos no objeto da colação, pois não se trata de herança e, portanto, não são regulados pelas normas de direito sucessório. Se houver o perecimento do bem, logicamente sem culpa do donatário, caso em que a conferência ainda se faria obrigatória, é certo que a obrigação não persiste porque para o dono também a coisa pereceu. Cumpre aqui, lembrarmos da hipótese específica de doação permitida por lei como forma de distribuição antecipada da herança, a chamada partilha em vida, prevista no artigo 2.018 do Código Civil. Não haverá neste caso colação de bens por parte dos donatários, mas apenas, quando couber, em redução das doações quando excedentes da parte disponível, considerando-se aquilo de que o doador poderia dispor no momento da outorga. 10 5. Modalidades A colação dos bens doados pode ser realiza in natura ou substância, hipótese em que ocorre a reposição ao monte partível do bem doado, ou por imputação, que corresponde a estimação do valor. O Código civil de 2002 determinou que a colação deve ser feita pelo valor das doações, adotando a teoria da estimação, que corresponde ao valor constante do instrumento ou que se atribua na ocasião do ato de liberalidade. O Código de 1916 estabelecia no artigo 1.786 que a conferência se realizaria pela teoria da substância, ou seja o próprio bem doado, sujeito a ser conferido em espécie. 5.1. Valor – Enunciado 119 das Jornadas de Direito Civil O Código Civil de 1916 em seu artigo 1792 previa que a avaliação devia remontar à época da data da doação. Já o parágrafo único do artigo 1014 do Código de Processo Civil determina que o cálculo se faça pelo valor que tiverem os bens ao tempo da abertura da sucessão. A questão foi pacificada pelo E. Supremo Tribunal Federal ao analisar a matéria, que entendeu que a avaliação deve ser àquela ao tempo da abertura da sucessão devendo os valores serem corrigidos desde então. 11 O Novo Código Civil retornou a antiga polêmica ao dispor nos artigos 2003 e 2004 que o valor será o da época da liberalidade, como no Código anterior: “Art. 2.003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente, obrigando também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados. Parágrafo único. Se, computados os valores das doações feitas em adiantamento de legítima, não houver no acervo bens suficientes para igualar as legítimas dos descendentes e do cônjuge, os bens assim doados serão conferidos em espécie, ou, quando deles já não disponha o donatário, pelo seu valor ao tempo da liberalidade. Art. 2.004. O valor de colação dos bens doados será aquele, certo ou estimativo, que lhes atribuir o ato de liberalidade. § 1º Se do ato de doação não constar valor certo, nem houver estimação feita naquela época, os bens serão conferidos na partilha pelo que então se calcular valessem ao tempo da liberalidade. § 2º Só o valor dos bens doados entrará em colação; não assim o das benfeitorias acrescidas, as quais pertencerão ao herdeiro donatário, correndo também à conta deste os rendimentos ou lucros, assim como os danos e perdas que eles sofrerem.” Entretanto, o Enunciado 119 aprovado na I Jornada de Direito Civil, promovida pelo centro de Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal sob os auspícios do STJ, dispõe que: 12 "Para evitar o enriquecimento sem causa, a colação será efetuada com base no valor da época da doação, nos termos do caput do 2004, exclusivamente na hipótese em que o bem doado não mais pertença ao patrimônio do donatário. Se ao contrário, o bem ainda integrar seu patrimônio, a colação se fará com base no valor do bem na época da abertura da sucessão, nos termos do artigo 1014, de modo a preservar a quantia que efetivamente integrará a legitima quando esta se constitui, ou seja, na datas do óbito (Resultado da interpretação sistemática do CC 2003 e §§, juntamente com o CC 1832 e 844)". 6. Cálculo da legítima para fins de colação As primeiras considerações e esclarecimentos sobre o cálculo da legítima nos remetem aos artigos 1.847 e 2.002, parágrafo único, do Código Civil. Verbis: “Art. 1.847 do CC 2002. Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação.” “Art. 2002 do CC de 2002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação. Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será computado na parte indisponível dos bens, sem aumentar a parte disponível.” 13 Quando aberta a sucessão pela morte do autor da herança, torna-se muito importante a consideração da legítima, em face dos direitos dos herdeiros necessários, uma vez que a lei determina aos descendentes, que tenham recebido bens por doação, a obrigação de trazer à colação os respectivos valores, exatamente para respeitar a legítima dos demais herdeiros concorrentes. O artigo 1.847 do Código Civil determina que se considere o valor dos bens existentes na abertura da sucessão (data do óbito), abatendo-se as dívidas e as despesas de funeral e adicionando-se o valor dos bens sujeitos a colação. Em complemento dispõe o parágrafo único do artigo 2.002, que o valor dos bens conferidos para cálculo da legítima será computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível. O seja, a legítima se apura pelo valor dos bens da herança existentes na abertura da sucessão (data do óbito do autor da herança), abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação, excluída a meação atribuída ao cônjuge sobrevivente. Depois de abatidas as dívidas da herança, o monte líquido é dividido em duas partes iguais: uma é a porção disponível e outra a indisponível, por corresponder a legítima dos herdeiros necessários. Sobre essa parte indisponível é que se adicionam os bens sujeitos a colação, obtendo-se, com a soma, a legítima partilhável aos descendentes, em quotas iguais. Não se objetiva aumentar a parte disponível, mas tão somente igualar as legítimas dos herdeiros, isto é, trazer para o acervo da herança os valores recebidos pelos herdeiros, como doação, para subseqüente partilha em igualdade de condições, a todos os interessados. Em se cuidando de doação feita por ambos os cônjuges, a colação dos bens se fará por metade, no inventário de cada um, com distinta apuração das legítimas, nos termos do artigo 2012 do Código Civil: 14 “Art. 2.012. Sendo feita a doação por ambos os cônjuges, no inventário de cada um se conferirá por metade.” 7. Sujeitos 7.1. Legitimação São legitimados para exigir a colação aqueles que dela se beneficiarem, isto é, aqueles que possam sofrer um decréscimo na sua cota parte correspondente a legitima em face de outro herdeiro concorrente seu ter recebido doação do autor da herança. 7.2. Herdeiros obrigados a colacionar Sujeitam-se à colação os descendentes que concorrem à sucessão do ascendente comum, quando hajam dele recebido doações em vida. Classificam-se como tais os filhos, netos e outros de mais distante parentesco. 15 Note-se que o Código, no artigo 2.002, determinou que só os descendentes devem colacionar, excluindo os outros herdeiros. 7.2.1. Cônjuge Entretanto, o artigo 2.0034 parece ampliar o rol, ao afirmar que a colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida no Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente. Outro artigo que também contrária o rol do artigo 2002 é o artigo 5445 do Código Civil, sobre doação de ascendentes a descendentes ou de um cônjuge a outro, considerando esse ato de liberalidade como adiantamento do que lhes cabe por herança. Assim, nas hipóteses em que concorram à sucessão descendentes e cônjuge, haveria necessidade de serem colacionados bens havidos tanto pelos descendentes quanto pelo cônjuge, para que se cumpra a disposição normativa de igualdade entre as legítimas dos herdeiros necessários, expressamente prevista nos artigos 2003 e 544. 4 “Art. 2.003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente, obrigando também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados.” 5 “Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.” 16 Nota-se que o artigo 544 considera como antecipação da legítima e adiantamento de herança, além das doações de ascendentes para descendentes, as doações de um cônjuge ao outro. No direito anterior, o adiantamento da legitima restringia-se somente as doações de pais para filhos. Pelo que se pode extrai da leitura dos artigos 544 e 2003, o cônjuge também tem a obrigação de conferir os bens recebidos por adiantamento de herança. Assim, não se pode aceitar a interpretação realizada no sentido de que em não havendo determinação expressa de que o cônjuge deva colacionar esteja o mesmo dispensado de fazê-lo, isto porque o instituto exige a dispensa expressa. Ademais, se o cônjuge é herdeiro necessário e se recebeu doação em vida, concorrendo com outros herdeiros necessários deverá, obrigatoriamente, colacionar sob pena de não o fazendo, ferir o princípio da maior igualdade da legítima dos herdeiros necessários, fundamento do instituto da colação. 7.2.1.A. Projeto de Lei 6960/02 - Deputado Ricardo Fiúza O Projeto de Lei nº 6960/2002, apresentado pelo Deputado Ricardo Fiuzza prevê, expressamente, a obrigação de colacionar os bens recebidos em doação de seu consorte, na proposta de alteração do artigo 2.002 do Código Civil: 17 “Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum, e o cônjuge sobrevivente, quando concorrer com os descendentes, são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que em vida receberam do falecido, sob pena de sonegação.......................................”.(NR)” Nesse sentido, vale transcrever a justificativa do relator do Projeto: “O artigo 2.002 se omitiu quanto à necessidade de o cônjuge colacionar, embora o art. 544 enuncie que a doação de um cônjuge a outro importa adiantamento de legítima. Esta questão, no entanto, necessita ficar bem clara e explícita. Como sabemos, o cônjuge foi muito beneficiado no direito sucessório, e aparece, neste Código, numa posição realmente privilegiada. Não é razoável e justo que ele não fique obrigado a trazer à colação os valores de bens que recebeu em doação do de cujus, enquanto os descendentes têm este dever. Se forem chamados os descendentes e o cônjuge sobrevivente à herança do falecido, os descendentes precisam restituir o que receberam antes, como adiantamento de legítima, enquanto que as liberalidades feitas em vida pelo falecido ao cônjuge não estão sujeitas à colação. Ademais, se o doador quiser imputar na sua metade disponível a doação que fizer ao cônjuge, basta que mencione isto, expressamente, no ato de liberalidade ou em testamento (arts. 2.005 e 2.006).Assim, entendo que deve ser prevista a obrigação de o cônjuge sobrevivo conferir as doações recebidas do outro cônjuge, quando for chamado à herança, conjuntamente com os descendentes. Se concorrer com os ascendentes, não seria o caso, pois estes não estão sujeitos à colação.” 7.2.1.B. Direito Comparado 18 Zeno Veloso, citando José de Oliveira Ascensão, com propriedade destaca o fato de se apresentar nossa legislação em idêntica situação ao Código Civil Português, que pela reforma de 1977 transformou o cônjuge em herdeiro necessário e concorrer com ascendentes e descendentes. Como aqui, em princípio, o cônjuge não era obrigado a colacionar, apenas os descendentes. Após longa discussão a respeito o Código português foi alterado e o cônjuge foi incluído no rol dos herdeiros obrigados a colacionar. O mesmo aconteceu no direito Italiano, primeiro o cônjuge foi inserido no rol dos herdeiros necessários e depois de discussões, também foi inserido no rol dos herdeiros obrigados a colacionar. 7.2.2. Netos Quanto a obrigação de colacionar do neto, devemos primeiro analisar se ele no momento da liberalidade já seria chamado a sucessão. Ele só irá colacionar se recebida à liberalidade quando já seria chamado a sucessão na qualidade de herdeiro necessário, visto que em outra hipótese não caracteriza adiantamento de herança. Tal conclusão se depreende do disposto no parágrafo único do artigo 2005 do Código civil, abaixo transcrito, que determina que é imputada na parte disponível a doação feita a descendente que, ao tempo do ato, não seria chamado à sucessão na qualidade de herdeiro necessário. "Art. 2.005. São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação". 19 Parágrafo único. Presume-se imputada na parte disponível a liberalidade feita a descendente que, ao tempo do ato, não seria chamado à sucessão na qualidade de herdeiro necessário". Importante observar que se o neto participar da sucessão do avô, em representação ao pai, necessariamente deverão colacionar, mesmo que sequer tenham conhecimento sobre a doação que seu pai tenha recebido, para que não se veja ferido o princípio de que os representantes nunca podem receber a mais do que receberia o representado. Ou seja, o Neto deve colacionar o que seu pai recebeu, como determina expressamente o artigo abaixo: “Art. 2.009. Quando os netos, representando os seus pais, sucederem aos avós, serão obrigados a trazer à colação, ainda que não o hajam herdado, o que os pais teriam de conferir.” Cumpre notarmos que neste caso a lei só faz referência a netos, esquecendo a possibilidade de haver representação por outros herdeiros descendentes, como bisnetos e trinetos. 7.2.3. Terceiros obrigados a colacionar Carlos Maximiliano inclui no rol daqueles que devem colacionar, também, os cessionários e qualquer adquirente da herança havida por descendentes, pois ficam sub-rogados nos direitos e sujeitos às obrigações deste; são compelidos à colação e podem reclamá-la dos sucessores legítimos do defunto. 20 Deverão igualmente conferir tanto o renunciante quanto o excluído da sucessão na parte que exceder aquela que efetivamente poderiam receber6. 8. Questões processuais 8.1. Momento da colação A obrigação de colacionar é analisada no momento da abertura da sucessão, quando os direitos sucessórios dos descendentes forem postos em confronto pelos bens recebido anteriormente por doação feita a um ou alguns desses herdeiros. Sendo a colação uma obrigação legal do herdeiro donatários, deverá fazê-lo, espontaneamente, sob pena de ser compelido através da competente ação de sonegados, prevista no artigo 19927 do Código Civil. 6 “Art. 2.008. Aquele que renunciou a herança ou dela foi excluído, deve, não obstante, conferir as doações recebidas, para o fim de repor o que exceder o disponível.” 7 “Art.1.992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia.” 21 Isto deverá ocorrer na manifestação do herdeiro sobre as primeiras ou últimas declarações, nos termos do artigo 1000 e 10148 do Código de Processo Civil. Silenciando o donatário, qualquer herdeiro necessário concorrente poderá interpelá-lo a fazer. 8.2. Procedimento Em princípio a colação pode ser processada no bojo do inventário, como simples incidente. Entretanto, conforme jurisprudência dominante se a matéria for de alta indagação, sendo necessária a dilação probatória, as partes devem ser remetidas as vias ordinárias. 9 8 “Art. 1.000 - Concluídas as citações, abrir-se-á vista às partes, em cartório e pelo prazo comum de 10 (dez) dias, para dizerem sobre as primeiras declarações. Cabe à parte: I - argüir erros e omissões; II - reclamar contra a nomeação do inventariante; III - contestar a qualidade de quem foi incluído no título de herdeiro. Parágrafo único - Julgando procedente a impugnação referida no nº I, o juiz mandará retificar as primeiras declarações. Se acolher o pedido, de que trata o nº II, nomeará outro inventariante, observada a preferência legal. Verificando que a disputa sobre a qualidade de herdeiro, a que alude o nº III, constitui matéria de alta indagação, remeterá a parte para os meios ordinários e sobrestará, até o julgamento da ação, na entrega do quinhão que na partilha couber ao herdeiro admitido.” “Art. 1.014 - No prazo estabelecido no Art. 1.000, o herdeiro obrigado à colação conferirá por termo nos autos os bens que recebeu ou, se já os não possuir, trar-lhes-á o valor. Parágrafo único - Os bens que devem ser conferidos na partilha, assim como as acessões e benfeitorias que o donatário fez, calcular-se-ão pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão.” 9 Orlando Gomes. Sucessões. 22 A colação dos bens faz-se no processo de inventário, conforme determina a lei civil, principiando por estipular que os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum obrigam-se a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação. Sobre o procedimento da colação de bens, verifiquem-se as normas constantes dos artigos 1.014 a 1.016 do Código de Processo Civil. 9. Distinção entre colação e redução de doações A colação não se confunde com a redução de doações. Essa se refere ao excesso de quanto o doador poderia dispor no momento da liberalidade, fazendo-se a sua restituição em espécie ou em dinheiro, conforme dispõe o artigo 2.007 do Código Civil: “Art. 2.007. São sujeitas à redução as doações em que se apurar excesso quanto ao que o doador poderia dispor, no momento da liberalidade. § 1º O excesso será apurado com base no valor que os bens doados tinham, no momento da liberalidade. § 2º A redução da liberalidade far-se-á pela restituição ao monte do excesso assim apurado; a restituição será em espécie, ou, se não mais existir o bem em poder do donatário, em dinheiro, segundo o seu valor ao tempo da abertura da sucessão, observadas, no que forem aplicáveis, as regras deste Código sobre a redução das disposições testamentárias. 23 § 3º Sujeita-se a redução, nos termos do parágrafo antecedente, a parte da doação feita a herdeiros necessários que exceder a legítima e mais a quota disponível. § 4º Sendo várias as doações a herdeiros necessários, feitas em diferentes datas, serão elas reduzidas a partir da última, até a eliminação do excesso.” Atende-se, com esse preceito, à conseqüência da nulidade das doações inoficiosas, excedentes ao valor das legítimas dos herdeiros necessários, conforme previsto no artigo 549 do mesmo Código: “Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.” Trata-se de hipótese legal assemelhada à redução das disposições testamentárias que excederem a parte disponível do testador, consoante disposto no artigo 1.967 do Código Civil. Embora sem previsão específica no capítulo sobre colações, no Código Civil de 1916, sempre foram observados os princípios básicos da redução das doações, em face das disposições relativas ao resguardo da legítima e pela invalidade das doações quanto à parte excedente à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. 24 Em suma, a colação tem lugar apenas e quando haja disputa da herança entre certa categoria de herdeiros necessários, que são os descendentes e o cônjuge sobrevivente, obrigando à conferência dos valores das doações para que componham os quinhões hereditários e permitam a igualdade dos direitos sucessórios, referente à legítima. Diversamente, a redução das doações efetua-se apenas sobre a parte excedente daquilo que o doador poderia dispor, aplicando-se não só aos descendentes e ao cônjuge sobrevivente, mesmo que tenha havido dispensa da colação, como também a outros donatários, sejam herdeiros ou estranhos à sucessão, para que se resguarde a legítima dos herdeiros necessários, que são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge sobrevivo. 10. Distinções feitas entre colação e conferência O termo colação deriva do latim collatio, oriundo do supino collatum, do verbo conferre que significa em português conferir. Sendo as expressões conferir e trazer a colação sinônimas conforme diversos autores, dentre eles Carlos Maximiliano, Silvio Rodrigues, Euclides de Oliveira e Itabaiana de Oliveira. Carlos Maximiliano cita expressamente que: “Conferir e trazer a colação são equivalentes”. Euclides de Oliveira afirma: “colação é o mesmo que conferência de bens no processo de inventário.” Compartilhamos da mesma opinião quanto à acepção das duas expressões. 25 Entretanto, há uma significativa diferença jurídica entre elas. Mesmo que o testador dispense a o bem doado da colação, ainda assim haverá o dever do herdeiro conferir aquele bem para demonstrar que a doação respeito os limites legais. Ou seja, a conferência correspondente à verificação dos bens recebidos, nos autos do inventário, para verificar a real dispensa de colação e se a doação respeitou os limites legais. A obrigação de conferência dos bens por parte do herdeiro é necessária para o fim de repor o que exceder o disponível e manter o equilíbrio entre a parte disponível e a legítima dos herdeiros necessários. 11. Fraude A doação disfarçada de bens, desde que se comprove o intuito fraudulento ou abusivo, se sujeita igualmente à colação. 11.1. Desconsideração da personalidade jurídica 26 Situação peculiar de fraude à legítima é a atribuição a herdeiro de bens sob a forma societária. A hipótese enseja desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para que se evite a confusão patrimonial em prejuízo aos demais herdeiros, aplicando-se os princípios da disregard, que vieram a ser acolhidos no artigo 50 do Código Civil. Por certo que constitui expediente ardiloso a formação de uma sociedade com atribuição de quotas ou ações em favor de herdeiro sem o efetivo ingresso de capital por parte deles.10 BIBLIOGRAFIA ALMADA, Ney de Mello. Direito das sucessões – Sucessão legítima. 2ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1991, v. 1. ALMADA, Ney de Mello. Direito das Sucessões. Vol. II, São Paulo, ed. Brasiliense, 2001. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil: sucessões. 4. ed., Coimbra: Coimbra, 1989. BARREIRA, Dolor Uchoa. Sucessão legítima. Coleção Clóvis Bevilaqua, V. 1, Fortaleza, Imprensa Universidade do Ceará, 1967. 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