A especificidade do ensino de Sociologia na Educação de Jovens e Adultos semipresencial: resultados de um estudo de caso. Hilda Mara de Souza Soares ¹ Secretaria de Estado de Educação do RJ [email protected] 1. Introdução Este trabalho tem por objetivo apresentar os resultados da pesquisa por nós realizada e que resultaram na monografia de conclusão de curso da 1ª turma do Curso de Especialização em Saberes e Práticas da Educação Básica-Sociologia. Anteriormente à lei 11.684 de 2 de junho de 2008 que tornou a Sociologia obrigatória em âmbito nacional, a disciplina já obtivera esse status em alguns estados, como é o caso do Rio de Janeiro. Nesse histórico observa-se uma realidade muito comum, a de que o ensino de Sociologia no âmbito escolar foi assumido por professores com outras formações. Nesse sentido, minha pesquisa e reflexão procurou discutir algumas questões relativas à implementação e desenvolvimento desta disciplina numa realidade escolar específica, a saber, a Educação de Jovens e Adultos na modalidade semipresencial. Essa modalidade combina educação à distância e presencial, cujo desenvolvimento é dinamizado através de práticas dos professores e alunos relacionadas ao estudo de apostilas. Nossa pesquisa propôs-se a investigar o recurso didático utilizado no Centro de Estudos Supletivos da cidade de Itaboraí na disciplina de Sociologia, logo, se constituiu em um estudo de caso. Para isso, traçamos como caminho a ser seguido a análise de documentos oficiais produzidos pelas instituições competentes que orientam e/ou determinam práticas didático-pedagógicas em âmbito escolar. Elegemos como prioridade a análise da legislação no que tange à Educação de Jovens e Adultos assim como aquela referente ao ensino de Sociologia. A análise foi feita nos seguintes documentos oficiais: Sobre a Educação de Jovens e Adultos: Parecer 11/2000 de 10 de maio de 2000 do relator conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury; a Resolução CNE/CEB nº1, de 5 de julho de 2000 que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos; Resolução CEB nº 3, de 26 de junho de 1998 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Sobre o ensino de Sociologia: as Orientações Curriculares para o Ensino Médio/ Ciências Humanas e suas Tecnologias (Conhecimentos de Sociologia). Além da análise documental também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com professores que assumiram a disciplina de Sociologia antes de nós. Esses possuem formação em Geografia, História, Pedagogia e Filosofia. Nosso objetivo era saber como as apostilas de Sociologia utilizadas na escola foram construídas. 2. O recurso didático As apostilas estão compostas por textos principais e complementares. São três apostilas que compõem o curso de Sociologia no CES - Itaboraí. A parte introdutória se constitui de instruções quanto ao estudo das apostilas. Traz os objetivos, ou seja, o que se deseja que o aluno aprenda ao final da leitura das mesmas e um roteiro de investigação dos textos que na verdade é uma repetição dos objetivos porque diz o que aluno deve saber ao final da unidade. Não há qualquer justificativa para os conteúdos selecionados. Alguns apontamentos acerca da composição desses materiais fazem-se necessários. Não há nenhum tópico que pretenda esclarecer o que seja exatamente a Sociologia como ciência, suas preocupações e métodos e sua diferenciação quanto às ciências naturais. A definição dos conceitos, em geral, não tem nenhuma preocupação em contextualizá-los e nem referenciá-los aos respectivos autores que os formularam. Os textos complementares que pretendem ampliar o entendimento dos textos básicos são os que mais dialogam com o leitor, porém, em alguns momentos trazem questões que nem ao menos foram tocadas no texto principal. As atividades que os alunos devem realizar a fim de fixarem os conteúdos, nos três módulos, trazem o mesmo tipo de exercícios. As perguntas são diretivas, no sentido de fazer o aluno transcrever exatamente o que está no texto e ainda assim, as apostilas trazem os gabaritos com as respectivas respostas. Algumas questões, classificadas como reflexivas, são dadas sem os gabaritos, afim de que o aluno comente afirmações, justifique respostas ou traga exemplos do tema tratado. Embora sejam questões que exigem do aluno um esforço de reflexão, em alguns casos, fazem questionamentos acerca de assuntos que não foram tratados, como por exemplo, por que considerar os acontecimentos na Rússia em 1917 como uma revolução, sendo que em nenhum momento esse acontecimento histórico é usado nem ao menos como exemplo no texto ao qual a pergunta se refere. As apostilas são de caráter totalmente conteudista. Elas não trazem nenhuma referência à Educação de Jovens e Adultos. Não trazem referências culturais ou geracionais. Os textos trazem informações descritas como se fossem manuais e não dialogam com o leitor. O próprio modo como estão composta as apostilas é o primeiro aspecto que salta à vista. A divisão em unidades é confusa, pois um mesmo assunto encontra-se separado em diferentes unidades sem qualquer explicação de que há continuidade entre eles. Os textos em sua maioria não trazem qualquer referência. Alguns textos que compõem as unidades trazem apenas o último sobrenome do autor, como por exemplo MEKSENAS e PÉRSIO, sem indicação da obra e mesmo do ano. Somente os textos complementares estão referenciados. Foi a partir dessa leitura que comecei a me interessar em como e por quem esse material foi produzido, ou seja, conhecer qual foi o percurso de produção das apostilas. A escolha foi fazer entrevistas com os professores que lecionaram Sociologia até a minha entrada na escola. A informação que recebi foi de que passaram pela disciplina, respectivamente, professores de história, geografia, pedagogia e filosofia. Os primeiros professores a se ocuparem da Sociologia no CES-Itaboraí foram os de história e geografia. Na entrevista com o professor de história obtive a informação de que por volta do ano de 2003 a escola recebeu um comunicado da Secretaria Estadual de Educação de que ele deveria ser o responsável pela disciplina de Sociologia. Então, juntamente com o professor de geografia elaborou três apostilas a partir de textos extraídos de livros didáticos de Sociologia. Conforme suas palavras, após a assunção da disciplina pela professora de pedagogia foram realizadas várias mudanças nas apostilas. Após a saída dela, a disciplina foi assumida pelo professor de filosofia. Este declarou que, assim como não alterou nada nas apostilas de sua disciplina, também não o fez com as de Sociologia. No espaço de tempo entre as três entrevistas com os professores que permanecem na escola e a entrevista com a professora de pedagogia, dificultada pelo fato de ela ter sido devolvida à unidade de origem, fiz uma visita ao Centro de Estudos Supletivos da cidade de Niterói, ainda com a ideia inicial de pautar a análise na comparação dos materiais de ambas as unidades o que, devido às dificuldades, fui obrigada a mudar. O material consiste em sete apostilas. Para minha surpresa, quando pedi para vê-lo, percebi muita coisa em comum a partir da comparação entre o material de ambas as unidades que podem ser resumidas da seguinte forma: as apostilas 1 e 2 da unidade de Niterói foram reunidas na apostila 1 de Itaboraí; as apostilas 3 e 4 de Niterói foram reunidas na apostila 2 de Itaboraí e a apostila 6 de Niterói é a apostila 3 de Itaboraí. Logo, as apostilas 5 e 7 de Niterói, uma sobre o materialismo histórico e outra sobre democracia e política ficaram de fora. Essa mudança não só resultou na redução de conteúdo na comparação dos materiais de uma e outra unidade, mas prejudicou o material da unidade de Itaboraí visto que até as referências foram retiradas e os textos recortados em unidades sem nenhuma conexão entre si. Em que pese o caráter conteudista e limitado mesmo das sete apostilas, sua redução para três na unidade de Itaboraí prejudicou ainda mais os alunos da unidade de Itaboraí. Na entrevista que realizei com a titular da disciplina de Sociologia do CESNiterói, descobri que as sete apostilas foram elaboradas a partir do material do CESCopacabana. Nesta última, o material também constava de sete apostilas e a alteração feita para a unidade de Niterói consistiu somente no acréscimo dos textos complementares, os textos básicos foram mantidos. Poderia ter concluído que o material didático da unidade de Itaboraí veio da unidade de Niterói, mas a curiosidade científica que deve mover o pesquisador me levou a insistir na entrevista com a professora de pedagogia para, desse modo, não construir deduções apressadas. Quando consegui entrevista-la, ela declarou que assumir a disciplina se apresentou como um desafio. Na busca de materiais, fez uma visita ao CES-São Gonçalo e lá encontrou o material que utilizou para a elaboração das apostilas de Itaboraí. Esta informação me colocou uma nova tarefa, que foi a de visitar o referido CES, a fim de verificar se o material de lá tem a mesma configuração dos de Niterói, ou se as mudanças foram feitas por essa professora. Na visita ao CES- São Gonçalo descobri que o material é exatamente o mesmo da unidade de Niterói. Não foram subtraídos, nem acrescentados conteúdos. Logo, pude concluir que o material de Itaboraí foi elaborado a partir das escolhas feitas pela professora de pedagogia, que resultou nas três apostilas com as quais trabalhamos atualmente. 3. Conclusões A partir da leitura dos documentos oficiais algumas perguntas foram surgindo e podemos dizer que essas nortearam nossa pesquisa: como é concebido o ensino na legislação sobre Educação de Jovens e Adultos? Como a Sociologia é concebida na legislação de ensino específica para esta disciplina? Como está sendo construído o ensino de Sociologia na modalidade semipresencial? Os conteúdos eleitos contemplam o que preveem os textos oficiais? Contemplam os conhecimentos de Sociologia? As conclusões a que chegamos seguem abaixo. Nos documentos analisados sobre a Educação de Jovens e Adultos as recomendações e determinações sobre sua constituição de fato na escola devem atender a uma série de parâmetros o que levantou muitas questões ao se tratar da realidade da educação semipresencial. No parecer 11/2000, há três funções constitutivas da EJA, reparadora, equalizadora e qualificadora. Essas funções se colocam muito mais como formalidades do que propriamente como característica da educação de jovens e adultos realizadas nos Centros de Ensino Supletivo. Embora haja o apontamento de que a função reparadora deva ser vista como oportunidade concreta da presença de jovens e adultos na escola, o que o CES realiza, e deve ser entendido como o reconhecimento de uma igualdade anteriormente negada, no parecer há o esclarecimento de que a reparação não pode ser entendida com a ideia de suprimento, o que é perceptível na lógica da educação semipresencial como um todo e não só ao ensino de Sociologia em particular. A função reparadora, na lógica de funcionamento dos Centros de Ensino Supletivo como um todo, é atendida, por um lado, porque reconhece e dá o direito de acesso à escola a essa grande parcela da população que encontra dificuldade na conciliação entre trabalho e estudo. Por outro lado, as práticas pedagógicas desenvolvidas se configuram muita mais em uma espécie de suprimento, ideia que o autor justamente se coloca contra ao longo de todo o texto. A função equalizadora, que tem como objetivo possibilitar novas inserções dos indivíduos no mundo do trabalho atende em parte sua função, já que muitos alunos do CES procuram a unidade inclusive para manter seus empregos ou na esperança de alcançar postos mais elevados de trabalho. Porém, não posso deixar de apontar que essa função se realiza muito mais pela obtenção do diploma, que equaliza formalmente, do que na redistribuição dos bens sociais em vista de mais igualdade, que equalizaria subjetivamente. Quanto à função permanente da EJA, a função qualificadora, que tem como objetivo a atualização de conhecimentos para toda a vida para os sujeitos que dela participam, a entrada na escola e acesso ao conhecimento formal, mesmo que limitado pela própria constituição dos recursos didáticos, se coloca como um novo ponto de partida para quem procura o atendimento na educação semipresencial. É preciso se levar em conta os objetivos dos alunos ao buscarem o curso, que muitas vezes se dá pelo único fato da manutenção do atual emprego. Mas também é preciso levar em conta o alerta do autor do Parecer 11/2000 (p.12): “a função qualificadora é também um apelo para as instituições de ensino e pesquisa no sentido da produção adequada de material didático que seja permanente enquanto processo, mutável na variabilidade de conteúdo e contemporânea no uso de e no acesso a meios eletrônicos da comunicação”. O parecer aponta ainda que os cursos devem estar a serviço de um direito a ser resgatado, não podendo se configurar numa nova negação por meio de oferta desqualificada para seus demandantes. No que pese a EJA em geral, essa negação pode ocorrer no momento em que seu tempo de duração é menor, mesmo na escola regular. Levando em conta as especificidades dos indivíduos que buscam a EJA, e particularmente sua modalidade semipresencial, a observância das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos são obrigatórias no oferecimento destes cursos. O princípio da equidade que visa garantir um padrão igualitário de formação constitui um problema, já que a elaboração das apostilas dos CES, muitas vezes, fica a cargo dos próprios professores, sem que haja uma discussão, nem mesmo dentro da escola, sobre parâmetros mínimos a que todas as apostilas devam obedecer. O princípio da diferença, cuja definição é a garantia da identificação e reconhecimento da alteridade que é própria e inseparável dos jovens adultos e que deve permear todo o processo de desenvolvimento da educação, no que concerne ao principal instrumento de aprendizado no CES-Itaboraí, as apostilas, em particular na disciplina de Sociologia, já se vê comprometido de saída a partir do momento que não fazem qualquer referência a quem se destinam. Quanto ao princípio da proporcionalidade, que prevê que os componentes curriculares devem ser dispostos de maneira adequada tendo em vista assegurar a esses estudantes uma identidade formativa comum aos demais estudantes da educação básica, a conclusão a que cheguei sobre o princípio da equidade também se aplica a este caso. Na observância das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, os princípios estéticos, políticos e éticos pelos quais devem se pautar a organização do currículo, as situações de ensino e aprendizagem e os processos avaliativos, é possível perceber que será necessário um grande esforço para que a educação semipresencial os realize. A Estética da Sensibilidade que procura substituir a lógica da repetição e padronização ao estimular a criatividade e o espírito inventivo se vê limitada pela própria configuração desta modalidade de ensino pautada na dinâmica de leitura de apostilas que são bastante deficientes e na realização de provas. A Política da Igualdade, que visa à constituição de identidades que busquem e pratiquem a igualdade no acesso aos bens sociais e culturais e a todo o rol dos direitos fundamentais pode estar de saída comprometida, quando a oferta de tais cursos se configura em um caráter supletivo, que não promove a igualdade de fato, embora a promova de direito, já que o acesso não está limitado. A Ética da Identidade, que deve buscar superar dicotomias entre o mundo da moral e mundo da matéria, o público e o privado, para constituir identidades sensíveis e igualitárias nas relações desenvolvidas em sociedade nos âmbitos da vida profissional, civil e pessoal, também se mostra um problema quando, no oferecimento desses cursos, o respeito à identidade própria de alunos adultos, com experiências de vida diferenciadas, não é uma questão da qual ao menos se parta para o desenvolvimento de um aprendizado que leve em consideração essa especificidade de seu público alvo. Essas questões nos apontaram que embora precisem ser discutidas, já que ainda são e serão muitos os seus demandantes devido aos índices de desigualdade social no Brasil, a Educação de Jovens e Adultos deveria ter como principal característica a definição de modalidade temporária, já que a garantia de acesso e permanência na escola deve ser dada igualmente a todo e qualquer indivíduo na correta correlação idade própria/ano escolar e que ao se negar um direito, todos os esforços posteriores estarão sempre limitados pelas mesmas causas que provocaram a primeira negação. No que tange propriamente ao ensino de Sociologia no CES-Itaboraí, configurado nas três apostilas analisadas em comparação com documentos como as Orientações Curriculares Nacionais próprias para essa disciplina, muitos problemas foram identificados nesta questão. Se pensarmos que os autores das OCN’s definem a Sociologia como espaço de realização das Ciências Sociais na escola básica para além do clichê “formar o cidadão crítico” e que ressaltam a importância da tradução do duplo papel que a Sociologia como ciência possui – desnaturalização e estranhamento – podemos perceber o quão distante esses materiais se encontram em relação a tais objetivos. Em relação à Sociologia como espaço de realização das Ciências Sociais na escola, penso que minimamente certos conteúdos das disciplinas de Antropologia e Ciência Política deveriam estar presentes. Porém, foi observado nem mesmo o conceito de cultura é tratado em um viés antropológico e conceitos tão importantes como o de etnocentrismo e relativismo cultural não estão contemplados. Ao pensar a Ciência Política em âmbito escolar acredito na necessidade de discutir determinados temas e conceitos, tais como democracia, participação popular, governo representativo e também possibilitar aos alunos o alcance de que as estruturas políticas são historicamente construídas e não dadas naturalmente. Nas apostilas que analisamos, a única teoria política propriamente desenvolvida é o Liberalismo, ainda assim com muitas limitações. Quanto à realização da desnaturalização das concepções ou explicações dos fenômenos sociais, acredito que a leitura, mesmo de textos simples, aliada à explicações, torna-se possível à medida que o provoca no aluno um “choque”. A se ver diante de textos que tratam de questões para as quais pensam que as respostas já estão prontas, porque seriam naturais, é possível para ele realizar esse esforço de desnaturalização. Mesmo com o caráter limitado do material didático analisado, ao menos inicialmente esse objetivo é realizado, porém, pela própria configuração do material, sua reformulação pode contribuir para tal intuito. O estranhamento, que possibilita o conhecimento dos fenômenos sociais que aparentemente não necessitam de explicação também se encontra limitado principalmente pela configuração do material, visto que as escolhas feitas não se atêm nem ao recorte por temas, conceitos ou teorias ou menos ainda no esforço de tratá-los conjuntamente. Segundo SARANDY (2001: 1-2), ao citar o filósofo e sociólogo Gilson Teixeira Leite para quem a volta das disciplinas humanísticas - entre elas a Sociologia - têm muito a contribuir com a formação do jovem naquilo que lhe é peculiar, ou seja, o questionamento, a Sociologia realiza também um papel de distanciamento da realidade. Em suas palavras: “...Como Gilson bem expressou, a Sociologia tem a contribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico, ao lado de outras disciplinas, pois promove o contato do aluno com sua realidade, e podemos acrescentar, bem como o confronto com realidades distantes e culturalmente diferentes. É justamente nesse movimento de distanciamento do olhar sobre nossa própria realidade e de aproximação sobre realidades outras que desenvolvemos uma compreensão de outro nível e crítica”. Segundo Peter Berger, a Sociologia possibilita ou pode possibilitar a racionalização das múltiplas relações sociais em que estamos inscritos. Em suas palavras (BERGER, 2010: 79-80): “A pessoa age em sociedade dentro de sistemas cuidadosamente definidos de poder e prestígio. E depois que aprende sua localização, passa também a saber que não pode fazer muita coisa para mudar a situação (...) Nos níveis ocupados pela maioria dos homens (...) a localização na sociedade constitui uma definição de regras que têm de ser obedecidas (...). O sociólogo não contradiz esse entendimento. Ele o aguça, analisa suas raízes, às vezes o modifica ou o amplia.” Possibilitar ao aluno o entendimento de tal perspectiva é levá-lo à compreensão da natureza relacional de sua existência, do lugar que ocupa na sociedade em relação aos demais indivíduos e às estruturas de poder e prestígio, assim como da historicidade de tais fenômenos sociais. Nas palavras de (TOMAZI e JÚNIOR, 2004): “o que nos torna professores é a capacidade de ensinarmos conteúdos, mas principalmente uma maneira de pensar, e de pensar autonomamente. Ou seja, fazer com que nossos alunos se tornem independentes, se tornem autônomos, principalmente de nós, para que possam voar em liberdade de pensamento e não ficar atrelados como “eternos alunos (...) Entretanto, só conseguiremos iniciar este processo, quando estivermos mais preocupados em ensinar a desenvolver o pensamento sociológico sobre temas e situações em que os nossos jovens alunos estejam envolvidos e desejosos de discutir”. Se generalizações são possíveis acerca de conclusões de um estudo de caso, eu acrescentaria aqui que este processo só será iniciado na Educação de Jovens e Adultos, e na particularidade da modalidade semipresencial, quando a preocupação em desenvolver o pensamento sociológico esteja voltado à realidade desses sujeitos, homens e mulheres adultos, trabalhadores, pais e mães de famílias e que o entendimento de suas trajetórias pessoais não pode está desvinculado da realidade social na qual estão inseridos. Por fim, concluímos que quanto às duas últimas perguntas feitas no início deste trabalho, a saber, se os conteúdos eleitos contemplam o que preveem os textos oficiais e os conhecimentos de Sociologia, as respostas são negativas. Os conteúdos eleitos não contemplam o que preveem os textos oficiais e não contemplam os conhecimentos da Sociologia. Porém, tal conclusão deve levar em conta a possibilidade da mudança do atual estado de coisas, se cada vez mais o ensino desta disciplina for assumido por professores com formação específica e que tenham o interesse e o compromisso de pensar a Sociologia no ensino médio voltado à grande parcela de jovens e adultos, para que o direito ao conhecimento e a uma educação realmente comprometida com a qualidade não fique restrito ao âmbito do discurso, mas seja prática política de todos os envolvidos nesse processo. Notas 1. Possui bacharelado e licenciatura plena em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense e Especialização em saberes e práticas da educação básica - Ensino de Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É professora docente de Sociologia da rede pública do estado do Rio de Janeiro. Referências bibliográficas BRASIL. Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Volume 3 – Ciências Humanas e suas tecnologias. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Básica, 2006. ______. Parecer CNE/CEB 11/2000 de 10/05/2000. Assunto: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, 2000. ______. Resolução CEB nº 3/98, de 26/06/1998 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio ______. Resolução CNE/CEB nº1, de 05/07 2000 que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos BERGER, Peter . Perspectivas sociológicas. Uma visão humanística. 30. Ed. Petrópolis: Vozes, 2010. SARANDY, Flávio Marcos Silva. Reflexões acerca do sentido da Sociologia no ensino médio. Revista Espaço Acadêmico, Maringá, Nº 5, 2001. Em http://www.espacoacademico.com.br/005/05sofia.htm. Acesso em 23/04/2011. TOMAZI, Nelson & LOPES JÚNIOR, Edmilson. Uma angústia e duas reflexões. In: CARVALHO, Lejeune Mato Grosso (Org.). Sociologia e Ensino em Debate. Unijuí: Editora da Universidade de Unijuí, 2004.