Cap 15 PEDRO ABELARDO (1079-1142)

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Cap 15 PEDRO ABELARDO (1079-1142)
Ramiro Marques
Pedro Abelardo foi um dos mais importantes intelectuais
cristãos do século XII, tendo-se notabilizado como professor da
escola catedralícia de Nôtre-Dame, de Paris, onde leccionou Lógica,
Retórica e Dialéctica. A sua vida ficou irremediavelmente marcada
pelo seu encontro com Heloísa, vinte e dois anos mais nova do que
ele. Casaram em segredo, em 1117, para se separarem um ano
depois, entrando ambos na vida monástica, onde passaram o resto
das suas vidas. Abelardo morreu em 1142 e Heloísa em 1164. O
amor trágico de Abelardo por Heloísa ficou marcado pela castração
forçada de Abelardo a mando do tio de Heloísa que não perdoou o
amor proibido. A partir desse evento, não restava a Abelardo mais
nada do que a vida contemplativa e o amor casto que dedicou à sua
jovem amada nas célebres "Cartas" de Abelardo para Heloísa.
Abelardo retirou-se para a abadia de Saint-Denis e Heloísa para o
convento de Argenteuil.
A curta mas fulgurante carreira de Abelardo começou com a sua
chegada a Paris, em 1100, para estudar com William de Champeaux,
um dos maiores filósofos realistas daquele tempo. Ao fim de pouco
tempo, a personalidade independente e aguerrida de Abelardo entrou
em choque com o mestre. O conflito de Abelardo com Champeaux foi
o princípio de um longa e atribulada guerra intelectual de Abelardo
com vários pensadores do seu tempo. Após a ruptura com
Champeaux, Abelardo abriu a sua própria escola, nos arredores de
Paris, quando tinha apenas vinte e três anos de idade. Abelardo
estava no auge da fama como filósofo e diléctico quando encontrou a
jovem Heloísa que estava ao cuidado do tio, Fulbert, que era deão de
Notre Dame. Valendo-se da sua fama como filósofo, Abelardo
convenceu o tio de Heloísa a confiá-la como tutor. Ao fim de muito
pouco tempo, nascia uma paixão avassaladora entre os dois que iria
levar Abelardo a negligenciar os seus estudos, o seu trabalho e a sua
carreira. Ao saber que Heloísa estava grávida de Abelardo, o tio da
rapariga procurou afastá-la do amante. Abelardo enviou Heloísa para
um convento, procurando protegê-la da ira do tio, mas este acabou
por entrar nos aposentos de Abelardo e castrou-o.
As obras mais conhecidas de Abelardo são: "Historia
Calamitatum" e as "Cartas".
Abelardo revelou-se o grande mestre da dialéctica do seu
tempo, entrando em choque com uma concepção educacional que
desprezava o uso da razão na procura do conhecimento. O seu
opositor, Bernardo de Clairvaux (1090-1153), não poupou esforços
no combate à introdução da dialéctica no plano de estudos das
escolas medievais. "Para Bernardo, a vocação do homem consiste em
procurar a salvação, e para isto a dialéctica é um impedimento. Basta
Ter fé em Deus e esta se mostrará concretamente por uma vida de
rigor ascético. Chega-se então ao momento de êxtase, em que a
alma alcança a visão de Deus, em que entra em comunhão com Ele"
(1).
Ao contrário de Bernardo de Clairvaux, Abelardo considerava
que o conhecimento não dependia apenas da fé, mas também da
razão, apostando numa visão dinâmica da realidade, capaz de
contradizer a tradição e o hábito. "Abelardo tinha adivinhado no
essencial a teoria do conhecimento e a metafísica de Aristóteles, não
obstante conhecer apenas a lógica daquele filósofo. Este facto abria
perante os contemporâneos de Abelardo todo um mundo de
sugestões, a antevisão de novos horizontes. O conhecimento
intelectual - ensina Abelardo - não se realiza por recordação nem por
iluminação superior, e sim por abstracção, penetrando nas próprias
coisas conhecidas pelos sentidos. O universal não é uma realidade
separada como queriam os platónicos, nem tão-pouco uma palavra
vazia como pretendiam os nominalistas, mas um conceito aplicável,
por direito próprio, à pluralidade de objectos que realizam a mesma
essência.
Esta teoria, que recebeu na época o nome de
conceptualismo, é a terceira solução que medeia na disputa dos
universais, e que prepara já a resposta aristotélica que São Tomás de
Aquino enunciará" (2). Na verdade, a oposição de São Bernardo a
Abelardo não é mais do que a luta entre duas concepções rivais do
conhecimento. a concepção platónica e agostiniana, que marcou
quase toda a Baixa Idade Média, e a concepção aristotélica e realista,
que Abelardo revive, preparando o caminho para as grandes
controvérsias intelectuais que iriam marcar todo o século XIII.
Abelardo foi, antes de tudo, o grande mestre da dialéctica, o
intelectual do espírito lógico e da clareza racional. O seu tratado "Sic
et Non" "reúne todas as contradições dos Doutores da Igreja que não
estiveram de acordo sobre nenhuma questão; um diz branco, o outro
preto. Nestas condições, demonstra Abelardo, é necessário recorrer
ao raciocínio, à dialéctica (concebida como lógica formal) e a uma
ciência da linguagem, com a finalidade de se adequar à realidade. É
assim que a ideia de dialéctica forma o horizonte do século XII. O que
Abelardo preconiza é um método racional" (3). Para além da
reabilitação da dialéctica, Abelardo ficou conhecido como um paladino
do diálogo intercultural, antecipando um humanismo racionalista que
só, alguns séculos depois, despontaria na Europa. Foi já no seu
refúgio conventual que Abelardo escreveu o "Diálogo de um Filósofo,
de um Judeu e de um Cristão", no qual busca a unidade das três
grandes religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo.
Abelardo foi um intelectual de eleição. A sua tolerância,
independência e racionalismo fizeram dele um intelectual moderno
em plena Idade Média.
Notas
1) Giles, Th. (1987). História da Educação. São Paulo: EPU, p. 71.
2) Gambra, R. (1993). História da Filosofia. Lisboa: Planeta
Editora, p. 110.
3) Russ, J. (1997). A Aventura do Pensamento Europeu. Lisboa:
Terramar, p. 63.
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